O texto abaixo foi extraído de uma obra escrita por uma viúva, no final
do século XIX, em que a mesma dá conselhos a seu único filho órfão. Referido
livro foi expressamente recomendado por Santo Antonio Maria Claret como de
grande utilidade prática para as mães de família.
Entregar-se
todo para todos em aras da Caridade, é entregar-se todo para Deus
Posto que Deus, em sua infinita bondade, não
deixa de te dar, não podes deixar de dar a teus irmãos, e não somente dinheiro,
porque isso seria muito pouco, mas o amor e o sacrifício de teu coração, na
medida em que sua necessidade o exija.
O primeiro que nos vem ao encontro nesta vida
é nosso próximo, com defeitos e caracteres distintos. Saber respeitar seu
caráter e suportar seus defeitos é o primeiro sacrifício que a caridade exige,
nestes termos: Sofre com paciência as fraquezas de teus próximos.
Quem não conta entre seus familiares ou
pessoas que o rodeiam, com as quais às vezes lhes é forçoso tratar
continuamente, um desses sujeitos insuportáveis que, por muito que se estude
uma forma de fazê-los satisfeitos, jamais se consegue; que sempre estão pondo de
relevo nossos defeitos, mas que nunca fazem menção de nenhuma boa qualidade que
tenhamos? O suportá-los com paciência um dia e outro dia e o não pô-las em
ridículo a cada momento é um sacrifício notável e uma grande obra de caridade.
Quando alguém nos injuria e sabemos que com
uma só palavra que pronunciemos podemos humilhá-lo e envergonhá-lo ante todos,
descobrindo sua má intenção e grande miséria, é um ato de caridade
recomendabilíssimo o dominar-nos , o dizer tão somente o necessário, para não
nos deixar em tão má situação.
Temos também obrigação de fazer caridade com
nosso talento, se Deus nos deu, usando-o para o ignorante e proporcionando-lhe
idéias dignas de um cavaleiro cristão. Esta obra de caridade, em sociedade,
apresenta-se com frequência ocasião de praticá-la. O evitar quando alguém diga
alguma bobagem e compreendemos que cai em ridículo, aquele que se apodera de
sua ignorância e a ponha em relevo com desapiedada burla, o sair ao encontro
com mil indústrias, que nunca faltam à pessoa de bom trato para dar outro
sentido à conversação, quando se trate de humilhar ou desacreditar alguém, isto
é uma obra de caridade muito necessária de praticar-se quando há pessoas
prontas que usam toda a travessura de sua imaginação em ver, como um
microscópio, os defeitos dos demais, para por-se em evidência e burlar-se deles.
O talento nestes indivíduos é como a beleza numa mulher leviana, um mal muito
grande para ela e pior para os que a rodeiam.
Muitos crêem que quando uma pessoa é toda boa
encontra só o bem nos demais, porque sua bondade não sabe ver nada mau, e tal
não existe, porque não é possível ser ágil e tonto ao mesmo tempo; por boa que
seja uma pessoa, se tem talento vê muito claro os defeitos dos demais, mas tem
caridade para compadecê-los e para desculpá-los no possível.
Caridade é, em sociedade, quando se encontra
uma pessoa antipática que ninguém faz caso, que parece que todos fogem dela sem
lhe dar um instante de conversação, sobretudo se compreendemos que o isolamento
tem por causa a pobreza, ou que não está elegante; pois o mundo é miserável até
esse ponto. Queixam-se todos, mas os homens em particular, do luxo das
mulheres, que é sua ruína, e, sem embargo, se uma delas apresenta-se numa
reunião decentemente vestida, mas muito modesta e simples, isto basta para que
aquela noite ninguém faça caso nem se ocupe em favorece-la, que digo,
favorece-la! Até evitam no possível em lhe dar as atenções devidas.
Desejo que, filho meu, não sejas néscio,
encomendo-te muitíssimo; quando uma pessoa vale, faça-a muito caso e tenha-a
muito respeito, o mesmo estando só ou acompanhada, estando elegante ou
pobremente vestida, se é rica ou indigente e, sobretudo, se os demais a louvam
ou a desprezam, porque em agir assim não é caridade mais que justiça, e o obrar
de outra maneira é uma grandíssima miséria que demonstra cabeça vazia e um
coração muito ignóbil.
Caridade é, nesses dias em que o mundo se
dedica por completo às diversões, como carnaval, etc., dedicar uma lembrança a
essas famílias que estão de luto e que o ruído do mundo aumenta sua tristeza.
Justo é deixar o passeio e o teatro para ir visita-las, procurando distraí-las
um instante de seu sofrimento e proporcionando-lhe assim o consolo de que vejam
que nem todos os amigos se esquecem de que elas choram enquanto os demais riem,
e se estas famílias são pobres muito mais, porque seguramente a gente do mundo
cuidará menos de consolá-las.
Caridade é quando temos multidão de assuntos particulares
que nos pede pressa despachar e naqueles momentos chega alguém a nos contar
largas histórias de seus sofrimentos, ao vê-lo aflito dominar nossa impaciência
e ouvi-lo com afabilidade e doçura, procurando esquecer nossos problemas para
ocupar-nos dos seus por violento que nos seja.
Caridade é, e das maiores, quando topamos com
um caráter violento e dominante, que está sempre pronto a estourar e cometer
grandes faltas, o estar disposto a sofrê-lo e calar sempre, para não ser causa
que se exaspere e ofenda a Deus, fazendo mal ao mesmo tempo à sua alma.
Caridade é, quando uma pessoa nos dá motivos
de sobra para odiá-la pelo mal que nos vem fazendo, o perdoá-la e pedir a Deus
que a perdoe e a ilumine; o não falar a todas horas dela e do prejuízo que nos
vem causando, e o tratá-la quando nos encontramos com ela, se não com doçura ao
menos com cortesia.
Caridade é estudar os gênios das pessoas que
nos rodeiam a fim de ter paz com todas e evitar assim cenas desagradáveis, das
quais sempre resulta o ofender a Deus, que é o que sempre devemos evitar.
Numa palavra, filho meu, caridade é chorar com
o que chora, gozar com o que goza e dedicar quantos dons de Deus recebemos para
seu santo serviço e o serviço de nossos irmãos, buscando sempre os meios de
proporcionar consolo em suas penas e remédio em suas necessidades com o mesmo
afã com que buscamos remédio para nós mesmos. Esta é a única maneira de poder
cumprir o grande mandamento de “Amar ao próximo como a nós mesmos”, a cujo
cumprimento vai vinculado, como vimos, a salvação de nossa alma, que consiste em
fazer que Deus nos ame nesta vida, para que depois possamos nós amá-lo
eternamente na outra.
Bendita seja a caridade! É uma forte cadeia de
dulcíssimo amor que, atando-nos com os
pobres nesta vida e confundindo-nos com eles, fará que, cobertos com seus rogos
e sofrimentos, possamos entrar no reino dos Céus, com o que teremos recebido
deles o cento por um na terra, pelo gozo que nos proporciona o consolá-los, e
depois a eles lhes deveremos, como nos foi oferecida, a vida eterna!
(Traduzido para o português do livro “La Voz
de una Madre”, de Maria de los Dolores del Pozo y de Mata, Estab, tipográfico
de J. Famades, Barcelona, 1895)
Assim se expressou Dr. Plínio Corrêa de Oliveira sobre esta virtude:
“I – N. S.
Jesus Cristo quis que amássemos ao próximo como Ele nos amou. Decorre daí que
os doentes, os fracos, os pobres, os infelizes, têm um direito especial a nosso
amor. O que, por sua vez, obriga os poderosos, os ricos, os saudáveis, os
felizes, a renunciar a qualquer egoísmo ou orgulho, para servirem com afeto e
despretensão, àqueles sobre quem têm superioridade ou vantagem. Esse princípio
foi plenamente aplicado na Idade Média. Não conduziu a um igualitarismo louco,
mas levou, dentro da sociedade mais aristocrática e hierarquizada que a Europa
tenha conhecido, reis e rainhas, príncipes e princesas, a se curvarem
reverentes e servirem com carinho a simples leprosos, tidos em horror por
todos.
II –
Entretanto, a tendência de nossa natureza, afetada pelo pecado original, é
outra. Sem a luz da doutrina de Cristo, o homem oprimiria naturalmente os mais
fracos, fugiria dos infelizes e teria em horror os doentes. Prova-o a História.
Antes de Cristo, a opressão do fraco e o desprezo ao infeliz e ao doente eram a
regra geral de que só se excetuava o povo eleito. O amor pleno e desinteressado
do próximo só pode medrar onde medra a Igreja, e fenece onde a Igreja é
oprimida.
III – A Lei
de Cristo é uma lei de Amor. A lei do homem que não é cristão – e portanto
pagão – é a lei da força. E assim como aqueles que admiram a Lei do Amor tendem
a amar e crer no seu Divino Autor, assim também aqueles que apostatam do Amor
para servir à Força tendem a aceitar a apostasia completa, isto é, a renúncia a
Cristo, e implicitamente a paganização. Porque não há meio termo: quem não é
cristão é pagão.
IV - Um
estudo acurado demonstra que o princípio do predomínio da força está na medula
do pensamento de Lutero, dos demais pseudo-reformadores e dos enciclopedistas.
A despeito de aparências em sentido contrário, é esta a realidade. Desde que a
sociedade ocidental rompeu com a Igreja, sua história pode ser descrita, em
última análise, como a substituição gradual da Lei do Amor pela da força. E
isto não apenas nas relações entre pobres e ricos, poderosos e oprimidos, etc.,
mas até entre as nações” [1]
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