sexta-feira, 8 de junho de 2012

Como São José de Anchieta via a Natureza


No dia 9 de junho comemora-se o dia de São José de Anchieta. Embora não digam explicitamente, a data do Santo tem muita ligação com o movimento ecológico.
Conforme notícia veiculada pelo “jornal do Brasil”, de junho de 1991, no dia dedicado a Anchieta (9 de junho), o nome do Apóstolo do Brasil estaria sendo cogitado naquela época para ser uma espécie de “guia espiritual” da Conferência Mundial sobre o Meio-Ambiente, a Rio-92, ou “Eco-92” como ficou sendo chamada, a se efetivar em 1992. Um dos defensores de tal idéia era o Pe. Luiz Montezzano, vigário de Magé (RJ), o qual afirmava que Anchieta foi o primeiro no Brasil a se preocupar com o meio-ambiente. Parece que a idéia não vingou, nem se fala mais de Anchieta nos meios ecológicos (a não ser alguns religiosos).
Se formos procurar pioneiros nesta área, basta dar uma olhada em qualquer compêndio de história e se verifica que a preocupação de preservar a natureza sempre foi uma idéia latente em nossa sociedade: e pioneiros encontramos muitos no passado. Um exemplo bem frisante temos nos construtores dos famosos castelos medievais, ou das abadias e mosteiros religiosos daquela época, todos eles construídos em locais verdejantes e cheios (ou em meio) de florestas, cujas espécies não somente eram cultivadas, preservadas, mas aperfeiçoadas e difundidas em toda a sociedade. Até nos dias atuais ainda vê-se a profusão de matas que circundam aquelas construções, a maioria enriquecida com melhorias e aperfeiçoamentos botânicos.
E a Companhia de Jesus não poderia deixar de seguir os costumes daquela época, destacando-se Nóbrega e Anchieta. Logo que chegou ao Brasil, o Pe. Anchieta escreveu algumas cartas, nas quais fazia minuciosa descrição “sobre as coisas naturais do Brasil”. Mas, a forma como se encarava a Natureza era completamente diferente do fanático ecologismo moderno: enquanto estes últimos enaltecem a Natureza como se fosse uma deusa digna de adoração, os Jesuítas, pelo contrário, viam tudo em seu devido lugar, isto é, que há na natureza aspectos bons e maus a serem considerados, competindo ao homem aperfeiçoá-la no que lhe for possível.
Segundo Santo Agostinho, seguido pelos Escolásticos, a Natureza reflete os vestígios de Deus. Enquanto os homens e os anjos são imagem e semelhança de Deus, a Natureza é apenas seus vestígios, não se podendo apegar-se à sua beleza e benesse com o sentido de adoração. Foi este erro que levou os povos antigos a adorar animais como gatos, cobras, astros e uma infinidade de seres naturais como se fossem deuses.

São Tomás de Aquino assim expõe a questão:

“O conhecimento das criaturas é necessário não só para o esclarecimento da verdade, como também para eliminar erros, porque os erros a respeito das criaturas desviam-nos muitas vezes da verdade da fé, enquanto se opõem ao nosso verdadeiro conhecimento de Deus. Dá-se isto de muitos modos.

“Primeiro porque os que ignoram a natureza das criaturas ás vezes se pervertem ao constituírem, como causa primeira e como Deus, aquilo que não pode vir senão de outrem e pensam que nenhuma coisa há além das criaturas que vêem, como pensavam os que consideraram Deus um corpo qualquer, dos quais diz a Sagrada Escritura “Reputaram por Deus o fogo, o vento e o ar sutil: o curso dos astros, a imensidade das águas, o sol ou a lua”  (Sab 13, 2).

“Segundo, porque atribuíram a algumas criaturas o que é próprio só de Deus, o que provém também de erros a respeito das criaturas...

“Terceiro, porque se tira algo da virtude divina que opera nas criaturas, quando se ignora a natureza da criatura...

“(...) O erro acerca das criaturas redunda em falsa idéia de Deus e, ao submeter as mentes a quaisquer outras coisas, afasta-se de Deus, para quem a fé as quer encaminhar...”[1]

Numa carta dirigida ao Geral da Companhia de Jesus, Pe. Diogo Laínes, Anchieta comenta demoradamente sobre nossa terra “cheia de coisas... dignas de admiração”.

A fim de transmitir melhor a idéia sobre as novas terras, Anchieta dividiu sua carta em várias partes: inicialmente descreveu dados astronômicos, posição do sol, curso dos astros, etc.; em seguida passou a dissertar sobre as tais “coisas da terra”, dividindo seu relato entre animais aquáticos e terrestres, primeiramente, e depois, entre árvores e pedras. Quer dizer, houve uma ordem, como ordenadas devem ser as coisas bem feitas: primeiro se descreve os seres superiores e depois os de menor importância.

Sobre os animais aquáticos, começa descrevendo o fenômeno do piraquê, e depois fala dos peixes diversos, como o peixe-boi e tantos outros. Não se esquece, porém, dos jacarés, “de tão grande corpulência que podem engolir um homem”, nem tampouco das lontras que “munidas de agudíssimos dentes e unhas atacam às vezes as pessoas”.

Ao descrever os animais terrestres, fala “em primeiro lugar.. dos diversos gêneros de cobras venenosas...  jararacas...  boicininga, isto é, cobra que soa, que tem na cauda um chocalo, uma outra chamada ibiboca”, etc. E tantas eram as cobras que “não se pode viajar sem perigo”.

Outros animais que chamavam a atenção de Anchieta eram os escorpiões, as aranhas, uma das quais “crer-se-ia serem caranguejos, tal é o tamanho do corpo, horrível de ver, “que só o vê-las parece que traz peçonha”. Fala também das abelhas, das formigas e de diversos insetos voadores.

Antes dos animais de trato agradável, Anchieta fala sobre as onças, “de extrema crueldade”, e sobre o tamanduá, a anta, a preguiça, não se esquecendo do malcheiroso gambá. Quanto aos macacos, “em quantidade infinita” (hoje divinizados pelos ecologistas) “são na realidade  bons para se comerem, como com frequência o experimentamos, alimento muito são até para os doentes”.

A descrição continua com veados, tatus, insetos de diversos tipos como moscas e mosquitos peçonhentos, aves diversas, concluindo falando sobre as árvores e pedras preciosas. Somente um espírito sensato como o do Pe. Anchieta poderia discernir que, por detrás de tantas coisas maravilhosas e paradisíacas à primeira vista, se esconde também o lado prosaico. Daí resultando a natureza toda infestada de espinhos, venenos, feiúras, agressões, feras traiçoeiras, insetos peçonhentos e irritantes, ao lado de rosas aromáticas, de animais encantadores, de aves maviosas e belezas inebriantes.

Aprenderão os ecologistas a lição do Pe. Anchieta e passarão a ver a Natureza com outros olhos? Antigamente chamavam as florestas de “inferno verde”; hoje são conhecidas como “paraísos ecológicos”: como é que um inferno se transforma em paraíso tão rápido assim?

Pulgas, piolhos e percevejos

Uma das pragas das matas são os insetos chupadores de sangue. A promiscuidade é responsável por muitas das aflições oriundas de certos flagelos, como por exemplo os insetos parasitos chupadores de sangue humano. Existem várias espécies de piolhos, pulgas, percevejos, carrapatos e outros parasitos que infestam o convívio humano nas florestas. Em geral produzem efeitos terríveis para o homem: causam coceiras e comichões, além de transmitir diversas doenças, dentre as quais a peste bubônica.

São três os tipos de piolhos: o da cabeça, o do corpo e o da virilha. O piolho do corpo como raramente é encontrado na pele, pois prefere esconder-se na roupa, era pouco comum entre os índios de antigamente. Quanto ao piolho da cabeça era mais comum, vivendo em cardume nos fios de cabelo. Tais insetos aumentam consideravelmente em ambientes de intensa promiscuidade e falta de asseio. O piolho da virilha propaga-se muito entre os de vida sexual promíscua, o que é comum entre os indígenas.

Existem mais de 1.600 espécies de pulgas; enquanto que poucas atacam especificamente o homem, todas são transmissoras de doenças. Das pulgas que infernizam a vida dos índios as mais comuns são a pulga do rato e o penetrante bicho-de-pé. As pulgas do rato (“Xenopsylla cheopis”) são encontradas em clima tropical e é transmissora da peste bubônica. É comum encontrar-se referências a bicho-de-pé entre os índios, os quais não os tiram.

Os percevejos são insetos de hábitos noturnos. Durante o dia escondem-se em frestas e gretas de casas ou habitações mal construídas, de madeira ou palha. O incômodo maior do percevejo é sua picada e o mal cheiro que exala quando é esmagado.

Os carrapatos também não produzem maiores danos a não ser o incômodo de sua comichão. Em geral agarram-se tenazmente às suas vítimas. Embora seja observado sua existência preferentemente onde existem animais do campo, como gado bovino, sabe-se que sua origem é nas matas, pois não prolifera em pastagens limpas e bem cuidadas.

Algumas espécies de ácaros parasitam o homem e podem ser vetores de doenças graves. Seus sintomas são também a grande comichão e a sensação de calor quando a vítima se deita para dormir: trata-se da sarna, que não só infesta cães e gatos, mas também o homem.

Ora, o controle profilático de tais insetos só se faz por um meio: asseio sanitário e vida social não promíscua. Como poderiam os nativos das florestas viver sem tais flagelos se conviviam comunitariamente em palhoças, aos montes, dormindo em redes infectas ou no chão, despidos e sem qualquer proteção a não ser o fogo? Um cronista português do século XVI, Gabriel Soares de Souza, descreve como encontrou tal flagelo entre os índios:

“Digamos logo dos mosquitos, a que chamam “nhitinga”... Estes são amigos de chagas, e chupam-lhe a peçonha que; e se vão pôr em qualquer cossadura da pessoa sã, deixam-lhe a peçonha nela, do que se vêm muitas pessoas a encher de boubas.  Estes mosquitos seguem sempre em bandos as índias, que andam nuas, mormente quando andam sujas do seu costume...”

A quantidade dos mosquitos que há entre os índios é proporcional ao tamanho da selva onde moram. Assim, continua Gabriel Soares o seu relato, nomeando-os como “marguis”, “pium”, nhatium-açu”, etc. Detém-se ele mais detalhadamente sobre pulgas e piolhos:

“Pulgas há no Brasil, a que os índios chamam tunguaçu, e nenhuns piolhos do corpo entre a gente branca;  entre os índios se criam alguns nas partes em que dormem, como estão sujas, os quais são compridos com feição de pernas, com os piolhos ladros, e fazem comichão no corpo.

“(...) e que os índios chamam tungas, os quais são pretinhos, pouco maiores que ouções. Criam-se em casas despovoadas, como as pulgas em Portugal, e em casas sujas de negros que as não limpam, e dos brancos que fazem o mesmo, mormente se estão em terra solta e de muito pó, em os quais lugares estes bichos saltam como pulgas nas pernas descalças; mas nos pés é a morada a que eles são mais inclinados, mormente junto das unhas...”[2]

Do que se tem notícia, o único meio usado pelos índios para combater os insetos é o fogo. Este por sua vez causa-lhes problemas nos olhos, pois tendo que se manter sempre aceso à noite o excesso da fumaça é prejudicial. Os insetos, como piolhos, pulgas e percevejos, porém, proliferam no próprio corpo humano, atraídos pela sujeira ou mesmo se aculturando no ambiente em que moram os agrupamentos humanos. Esta é uma das razões que explicam as constantes migrações de tribos: dentro de pouco tempo uma taba torna-se um lugar insuportável de se viver, e a única cultura que lá fica é a destes insetos.






[1] Suma Contra os Gentios, Liv II, cap. III
[2]  “Tratado Descritivo do Brasil em 1587” – Gabriel Soares de Sousa – Typografia José Ignácio da Silva, 1879, págs. 222 e 253

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