O tema acima nos veio à
mente a propósito das inúmeras medidas, todas de caráter socialista ou
socializantes, que os governos europeus vêm tomando nos últimos dias a fim de
superar a crise econômica e financeira que lhes assalta até o momento. A crise
atual é decorrente de um amontoado de leis que dão ao Estado prerrogativas cada
vez mais absorventes de toda a sociedade. Para comprovar que o socialismo está
na base desta crise, basta lembrarmos que as principais nações que a sofrem têm
forte influência (ou são governadas) por partidos socialistas (No caso,
especialmente a Espanha e a Grécia: a primeira, vítima de vários anos de
domínio do PS, e a última que é ainda governada por eles). A idéia do “Estado
Previdenciário”, muito cara ao PS europeu, está levando aqueles países à
falência...
Mas a mentalidade que domina
a Europa está bastante disseminada em todas as outras nações do mundo. É muito
comum nos dias atuais a ideia de que o Governo, ou o Estado, deve resolver
todos os problemas sociais. Com base nessa premissa, todas, ou quase todas, as
constituições modernas elegem o Estado como senhor absoluto das vidas dos
cidadãos. Nessas constituições consta a consigna “compete ao Estado”, seguida
de atribuições verdadeiramente extrapolativas das funções de um regime político
ou de um Estado organizado. “Compete ao
Estado...”, dizem, resolver todos os problemas de saúde, de educação, de trabalho,
enfim, tudo o que diz respeito ao bem estar da população. E chega a tal ponto
que o programa paradigmático dos políticos modernos consta de metas utópicas e
até demagógicas, como alguns deles que pretendem, por exemplo, erradicar a
pobreza ou a miséria.
Para que se entenda como
esta ideia está enraizada em nossa população, vamos analisar o texto abaixo,
extraído de uma obra de Amélia Rodrigues, escritora católica baiana falecida no
início do século XX. Trata-se de um fato
tirado do conto “Mestra e Mãe” , no qual ela mostra uma personagem como modelo
de exemplar professora, uma verdadeira “mãe” nos cuidados com suas pupilas. O
debate abaixo surgiu por ocasião da construção da escola do lugarejo imaginado
pela escritora, quando a Autora pôs em destaque o choque entre duas mentalidades: a estatólatra[1] (de um comerciante do
lugar), que julga o Estado como pairando
superior a todos os cidadãos, e a da sociedade orgânica (defendida pelo pároco,
que representa a voz da Igreja).
O pároco chama-se Padre
Martins, e o comerciante Sr. Botelho.
“Quando se fez
encomenda de vidraças para as janelas ao Sr. Botelho, que sempre andava em
viagens para a capital, saiu-se ele com uma observação: - que deviam fazer
economias. Vidraças era luxo inteiramente dispensável.
O padre Martins
franzia a testa. O Sr. Botelho pareceu-lhe pequeno, do tamanho de um mosquito,
com aquela avareza.
- Não é luxo, meu
caro amigo. Diga-me o que há de fazer durante as aulas, quando a chuva açoitar?
Ou queremos escola ou não a queremos. Se queremos, que seja tão completa quanto
nos for possível. Ou então não façamos
nada. Que diria o Sr. de um alfaiate que lhe encurtasse as mangas ao casaco
para poupar-lhe um pedaço de pano? Que era idiota, sem dúvida nenhuma. E eu
ainda tenho planos. Há de ver, se Deus nos der vida e saúde, como isto irá
ficando bonito pouco a pouco.
- Mas o que estamos
fazendo já é bastante, é mesmo demasiado para escola de aldeia.
- Escola de aldeia!
Ora, valha-nos Deus. Então as crianças da aldeia valem menos que as da cidade?
Os sertanejos não têm os mesmos deveres a cumprir, reclama-se menos deles que
dos outros? Não. Portanto, as exigências do ensino devem ser igualmente
atendidas em todos os lugares, tanto quanto isso for possível. É da mais
elementar justiça.
- Sim, quando o
governo é quem cuida dele . Aqui o caso é outro. Que o estado faça e deva fazer
liberalidades: a iniciativa privada não é obrigada a tanto.
Já não era a primeira
vez que o Sr. Botelho se manifestava contra o que chamava – os desperdícios do
padre Martins. Este passou a mão pela cabeleira branca, sinal nele de que
precisava apelar para a paciência.
- Diante do serviço
da pátria, Sr. Botelho, tanta obrigação tem o governo como o cidadão, e quando
o cidadão pode mais deve fazer mais. Ainda mesmo – vou mais longe – ainda mesmo
que eu saiba que o governo pode e não quer, se estiver ao meu alcance o
melhoramento exigido devo fazê-lo, devo tentá-lo, sob pena de não ser patriota.
Uma comparação. Se uma mulher desnaturada abandonar o filhinho na estrada,
deverá o Sr. deixá-lo morrer lá, porque a mãe, que era a única obrigada a
criá-lo, o desampara? Com certeza não. Pois é o mesmo, na minha humilde
opinião. Quem nada pode fazer não é obrigado a coisa alguma, mas quem pode,
deve contribuir no limite de suas forças para o bem geral, ou então não é digno
do nome de cidadão. Será um parasita que só aproveita e nada produz.
- Os particulares
pagam impostos para ter escolas e etc., Sr. Cura. Logo, já fizeram o seu dever,
produzem, e terão somente que exigir.
- isto é um sofisma
anti-patriótico. A renda do país não chega para prover todas as necessidades do
ensino, sabemos disso; e, porque o rico paga um imposto, deve cruzar os braços
indiferente, deve passar descuidoso, aqui ou acolá, pelas escolas paupérrimas,
desprovidas de tudo, as escolas, os ninhos dos cidadãos futuros, - donde sairia
uma geração nova de brasileiros dignos de sua pátria se as elevassem à altura
de sua missão, - esperando que o governo faça tudo?... Não, meu amigo, isso não
é amar o Brasil! Imagine que cada ricaço protegia a escola de sua freguesia,
que se interessava pelo progresso dela, que dotava-a de melhoramentos... Uma
coisa belíssima! Daqui a dez anos estaria mudada a face do país.
O Sr. Botelho não
ficou convencido. Vão lá convencer a coruja a que adeje de dia pelas cumeadas
brilhantes das montanhas! O Sr. Botelho era um egoísta. Só olhava para dentro
do bolso. Ele, sua família e acabou-se. Como por vaidade ou para não fazer
figura feia tinha dado alguma coisa para a edificação da escola, receava que a
despesa fosse longe e que se visse obrigado a desembolsar ainda.
Porém não teve
remédio senão aceitar a encomenda das vidraças, com intenção feita de cobrar
mais do que lhe custassem. E o Sr. Botelho era um homem bem apessoado, bonito,
olhar altivo e seguro, que não tinha cara de velhaco e passava por homem de
bem!”
Como se viu acima, a escritora caracterizou
bem o homem fanático pela supremacia do Estado sobre o indivíduo, verdadeiro
estatólatra. O Sr. Botelho é um comerciante, um homem que só pensa em si, no
dinheiro, um sujeito securitário que não quer dar do que é seu para ajudar a
comunidade onde vive (a não ser o suficiente para viver) – para ele, seu
imposto deve bastar para o Estado resolver tudo, como num passe de mágica! Eis
a mentalidade do homem moderno... que está resumida nessa frase do comerciante:
“Os particulares pagam impostos para ter
escolas e etc., Sr. Cura. Logo, já fizeram o seu dever, produzem, e terão
somente que exigir”.
Com base neste pensamento, vamos exigir que o
governo não somente construa escolas, mas também hospitais, creches,
transportes, estradas, ruas, esgotos sanitários, enfim, tudo aquilo que se
exige para vivermos em sociedade. E, com base nesta obrigatoriedade do Estado
provir a tudo, cruzemos os braços e esperemos que as providências sejam tomadas!
O Princípio de
Subsidiariedade
Não é essa a filosofia da verdadeira
convivência política e social. O princípio defendido pela Igreja chama-se “Princípio
de Subsidiariedade”, pelo qual o governo só deve intervir onde o cidadão, seja
por si mesmo ou através de sua família e de suas organizações sociais, não
puder realizar. O governo subsidia, auxilia, socorre, é elemento suplementar e
organizador da sociedade, e não o único e exclusivo responsável pela solução
dos problemas sociais. Foi este erro que gerou o estado socialista, absorvente
e que suprimiu as liberdades individuais no decorrer do século passado. É o
mesmo erro que está levando a Europa para a bancarrota generalizada, junto à
qual irão os Estados Unidos da América e todo o resto do mundo civilizado se
não forem tomadas medidas que façam com que o Estado intervenha menos e deixe a
sociedade por si mesma solucionar seus problemas.
Este princípio (da subsidiariedade do Estado)
foi exposto na Encíclica “Quadragésimo Anno”, do Papa Pio XI (de 15.5.1931), da
seguinte forma:
“...assim, como é injusto subtrair aos indivíduos o que
eles podem realizar com a própria iniciativa e indústria, para o confiar à
coletividade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada o
que sociedades menores e inferiores podiam conseguir, é uma injustiça, um grave
dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua
ação é coadjuvar os seus membros, e não destruí-los nem absorvê-los.
“...Persuadam-se todos os que governam de quanto mais
perfeita ordem hierárquica reinar entre as várias agremiações, segundo este
princípio da função “supletiva” dos poderes públicos, tanto maior influência e
autoridades terão estes, tanto mais feliz e lisonjeiro será o estado da nação”.
A mesma doutrina foi defendida por Pio XII:
“...Sua função [do Estado], sua magnífica função é, pelo
contrário, favorecer, auxiliar, promover a íntima coalizão, a cooperação ativa
no sentido de uma unidade mais elevada de membros que, ao mesmo tempo que
respeitam sua subordinação ao fim do Estado, provêm do melhor modo ao bem de
toda a comunidade, precisamente na medida em que conservam e desenvolvem seu
caráter particular e natural. Nem o indivíduo, nem a família devem ser
absorvidos pelo Estado. Cada um conserva e deve conservar a própria liberdade
de movimentos, desde que ela não crie o risco de causar prejuízo ao bem comum.[2]
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