Amélia Rodrigues
Iniciou
sua atividade intelectual como poetisa, publicando, ainda jovem, vários poemas
em diversos jornais da capital baiana. No entanto, foi como educadora da juventude que mais se
destacou, tendo escrito vários contos de caráter cívico e religioso. O seu
intuito sempre foi o de instruir a juventude de seu tempo, tendo escrito também
dramas sacros.
Escritora
católica, tinha grande sensibilidade e discernimento para os grandes problemas
que atormentavam a humanidade de seu tempo. Quando a Primeira Guerra estava em
seu auge, exatamente no mesmo mês que Nossa Senhora aparecia aos pastorinhos em
Fátima (maio de 1917) publicava ela um artigo na revista "A Voz" do
Rio, sob o título de "Aos pés de Nossa Senhora", em que dizia:
"Ainda este ano surge maio no meio da agonia universal... Apenas um ponto
luminoso oferece ao mundo o mês das flores: o altar de Maria...".
Fundou
em Salvador o “Instituto Maternal”, considerada uma das melhores escolas da
época. Dedicou-se ao jornalismo, tendo sido co-fundadora da revista “Paladina”,
da Liga das Senhoras Católicas. Fundou também a revista “A Voz”, de circulação
nacional, e publicou diversos artigos e poesias em outras publicações como “O
Pantheon”, “O Álbum”, “A Renascença”, “A Tarde” e “O Livro”. Em algumas destas
publicações usou o pseudônimo de Juca Fidelis.
No
final de seus dias, Amélia Rodrigues mudou-se para o Rio de Janeiro, indo residir
em Niterói, onde passou a participar ativamente do Movimento Católico Feminino,
como dirigente da Liga das Senhoras Católicas. Mesmo deixando tal cargo depois,
deram-lhe o título de Presidente Honorária, tal o prestígio que detinha.
Poucos
anos depois, em 1926, teve que viajar para a Bahia, onde veio a falecer no dia
22 de agosto daquele ano.
Dentre
as obras de caráter educativo de Amélia Rodrigues, destacam-se "Mestra e
Mãe" e "Do Meu Arquivo". Esta última é um compêndio de seus
principais contos, todos de caráter moral e instrutivos. Quanto à "Mestra
e Mãe", assim se refere um seu discípulo sobre o mesmo:
"Quase no findar do século, 1898, Amélia Rodrigues edita o seu
excelente livrinho "Mestra e Mãe". Elaborou-o para fins de educação
cívica e moral. Na verdade, trata-se de um livro que, além de atender à sua
finalidade deixa-nos a impressão de que a história nele contada traduz, afinal,
parte da própria vida da autora. No seu pórtico, lê-se a seguinte advertência,
dirigida "às jovens brasileiras", cujo sentido define a formação de
quem a escreveu. Leiamo-la:
"Escrevi este livro, queridas meninas, para auxiliar vossos pais e
vossos mestres na doce tarefa de fazer-vos amar a virtude e a instrução.
Saiu de meu coração e vai para o vosso, sem preocupações de estilo, sem
pretensões de mérito, nem ambições que não sejam as de contribuir, pouco que
seja, para o vosso bem. Lede-o, se vos agradar, mas com a intenção de tirar dele
algum fruto. Sabeis que não se podem cultivar flores sobre rochas duras. Assim
também nenhum bom conselho vos
aproveitará se o vosso coração for intratável e indiferente como a pedra.
Não! Não o será! Trabalhareis com vontade, com afinco, no vosso aperfeiçoamento
moral e conseguireis ser boas, e sereis a glória de vossa família, a honra do
vosso sexo, sereis dignas cidadãs de nossa grande Pátria, que de vós espera a
geração futura!"
São palavras repassadas de brandura, de meiguice e de ensinamentos bons E
o livro foi todo escrito assim. Em suas páginas, impregnadas da alma de Amélia
Rodrigues, desdobra-se a história de uma professora. Mulher boa e ilustrada que
se tornou amada e respeitada. D. Mercês, é o seu nome, e a sua trajetória na
obra sugere autobiografia. Aos que mais de perto conheceram Amélia Rodrigues, a
analogia de caráter, humildade, propósitos de bem servir no magistério e,
sobretudo, de amor ao próximo, notadamente à infância, entre a heroína e a
narradora, não escapará ao reparo. E ainda há um preeminente atributo que
acentua a verossimilitude do modelo: é o amor ao Brasil.
É o fenômeno que ocorre freqüentemente nos escritores de obras de ficção,
o surgir de uma ou mais personagens identificadas com o autor. E isso se dá de
caso pensado ou por simples ação do subconsciente.
O livro "Mestra e Mãe" bem merece um estudo mais acurado no
sentido de deduções psicológicas necessárias á biografia da grande
educadora"
(Aloysio
Guilherme da Silva, in "Amélia Rodrigues - Evocação", Editora
Livraria São José, Rio, 1963 - págs. 23/24)..
Educação Moral
Que bela coisa uma boa
escola, minhas caras leitorazinhas! Uma sala grande, arejada, clara, cheia de
carteiras, de mapas, de quadros, de tudo o que se torna preciso para facilitar o ensino, e
cheia também de crianças alegres, robustas, que querem aprender e que
aprendem... que bela coisa é!...
A mestra fala, as
crianças escutam, pendentes dos lábios dela, para recordar e repetir depois em
casa, às mamães, tudo ou quase tudo o que ela disse, o que ela ensinou... que
lindo espetáculo!
Felizes crianças,
estas que vão à escola e que aproveitam nela. As outras, as que ficam em casa
sem estudar, são infelizes, porque grande desgraça é não receber instruções nem
educação, viver no cativeiro medonho da ignorância. Merecem lástima essas
crianças.
- A instrução é a
luz; a ignorância é a treva, é a cegueira do espírito.
Entretanto, para que
essa luz seja um verdadeiro bem é preciso que a acompanhe, que a preceda mesmo,
uma sólida educação moral.
Homens e mulheres há,
infelizmente, que sabem muito, têm talentos, cultivam ciências e artes e impõem-se
até à admiração de todos, mas que praticam péssimas ações, abrigam
sentimentos vis e são a vergonha dos
homens de bem. Por que?... Porque lhes faltou uma boa educação moral.
Acima, muito acima
desses monstros com asas de águia, estão aqueles que, não brilhando embora
pelos preciosos dotes do saber ou da inteligência, possuem, contudo, o cabedal
de honradez, do caráter, da virtude. Os primeiros excitam somente a admiração;
os segundos inspiram estima e confiança.
Onde haurir, porém, a
verdadeira, a sólida, a pura educação moral?... Eu vo-lo responderei.
Prestai-me atenção.
Assim como o fruto
vem da flor, assim a verdadeira moral vem, necessariamente, logicamente, da
vida religiosa. Não pode haver moral sem religião; e vice-versa.
Nem demanda grandes
arrazoados a prova disso. Bastará um pequeno raciocínio.
O cumprimento do
dever é quase sempre um sacrifício; ora, a não haver uma força mais elevada que
obrigue o homem a vencer a sua natureza para cumprir o dever, ele nunca, nunca o poderá fazer perfeitamente, sobretudo
com desinteresse e com satisfação, se alguma vez o fizer. A religião é essa
forma imensa, miraculosa, sobrenatural.
Tem incentivos para
os fracos, doçura para os fortes, consolações para todos. É o laço vigoroso que
nos prende ao Bem. Quebrado esse laço, a alma facilmente foge ao sacrifício,
parecendo-lhe insuportável a cadeia do dever.
As provas disso
abundam e têm abundado sempre. Grandes criminosos têm confessado no cadafalso
ou no cárcere, que uma educação sem Deus é a que os levara à malvadez e à
desgraça. Em tese é isso o que se dá.
A ideia de Deus eleva
os pensamentos para o alto, para as santas ambições de uma vida melhor, de uma
vida eterna, arrancando-o à lama da terra. As mesmas desgraças, as misérias da
vida, perdem a sua foca destruidora quando batem no rochedo da fé. A fé traz a
esperança e traz a caridade, o amor!
Uma chamada “moral
utilitária” ou “independente” – moral
sem Deus, sem vistas largas para a eternidade – é falsa, absolutamente falsa,
porque não se baseia em fundamentos duráveis, e, estando sempre sujeita ao
vendaval das paixões, fica por isso
arriscada e exposta a interpretações errôneas, de acordo com o interesse
individual, para satisfação dos gozos, que a natureza animal está sempre a
exigir.
A base mais segura da
moral é, pois, o catecismo cristão, porque pregar os bons costumes sem apontar
para Deus é escrever na areia, falar de sacrifícios sem levantar os olhos para
Jesus Cristo, o divino Crucificado, é pretender gravar letras em pedra com a
ponta do dedo. Todo o piloto quer um rumo, todo o problema uma solução, e para
esta luta titânica do bem contra o mal não são armas seguras as ideias vagas,
indecisas, a flutuarem nas ondas da dúvida, a se abismarem no vazio da negação,
que nada resolvem e nada deixam em troca das esperanças e das consolações que
arrebatam.
Eis aqui, a respeito,
alguns trechos de um discurso que Vitor Hugo, o grande poeta francês,
pronunciou no Senado, defendendo a educação religiosa:
“Há uma desgraça em nossos tempos, e quase direi que é a única
desgraça: é a tendência a reduzir tudo a esta vida. Dando-se ao homem por único
e melhor destino a vida terrena e material, se agravam todas as suas misérias
com a negação do que é superior; à opressão dos desgraçados agrega-se o peso insuportável
do – nada; e nisto está a origem das profundas convulsões sociais... Oh! Como a
nossa miséria se diminui, quando nos consola uma esperança sem fim – Deus!
Deus se mostra no fim de tudo.
Não o neguemos e ensinemo-lo a todos; não haveria
dignidade alguma em viver, toda a vida nada valeria, se nos devêssemos
aniquilar para sempre, se nos esperasse uma morte eterna.
O que alivia as nossas tristezas, o que santifica o
trabalho, o que torna o homem forte, sábio, paciente, benévolo, justo, a um
tempo humilde e grande, digno da inteligência, digno da liberdade, é conservar
em si, profunda e arraigada, a perpétua visão do mundo melhor, que brilha através
das trevas desta vida – o Céu!”
Que belíssimas
palavras!... Que grandes verdades
exprimem elas!... Sim, queridas leitoras, sem Deus não há, não pode haver
virtude nem verdadeira moralidade. Haverá cálculo, quando muito.
Ficai, pois, certas
disso: educação a que faltar a base sólida, incorruptível e poderosa da religião,
será uma educação manca, toda de aparências somente, mais ou menos como um
bonito palacete de papelão dourado, rendilhado, que um louco mandasse fabricar
para abrigar-se dentro. À primeira rajada de temporal, zás, palacete no chão.
Portanto, minhas boas
cidadãs, nada de aparências somente, nada de roupagens de ouro a encobrir corações
de lodo. Educação modelada pelas normas sublimes do Evangelho – normas que
nenhum sistema filosófico pôde jamais nem poderá igualar nem substituir -,
sentimentos morais a nutrir-se com a seiva vigorosa da fé – eis as raízes
inabaláveis do dever, eis aí a verdadeira educação moral, sem a qual a instrução
será mais prejudicial do que útil, sem a qual o homem não pode ser senão desgraçado
por mais que procure a felicidade neste mundo, quase sempre injusto e cruel.
- E correu-me a pena
para esta disgressãozinha, ao falar de uma boa escola pelo seu lado material. Haveis
de perdoar-me. É que para mim o lado material das coisas é o menos importante,
e a melhor escola será, não a que mais provida for de apetrechos pedagógicos,
porém a que melhor cidadãos formar; não a que maior soma de conhecimentos der,
porém a que mais virtudes incutir.
(Extraído de “Mestra
e Mãe”, de Amélia Rodrigues, págs. 39/43)
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