sábado, 2 de março de 2024

OS APÓSTOLOS DOS ÚLTIMOS TEMPOS

 



No ano de 1951, Dr. Plínio Corrêa de Oliveira fez algumas conferências sobre o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, posteriormente  publicadas em forma de apostila sob a revisão do mesmo. Desse texto extraímos os comentários a seguir:

 

Nosso sinal: o “tau”, ou o calcanhar?

 

“Eles serão pequenos e pobres aos olhos do mundo, e rebaixados diante de todos, como o calcanhar, calcados e perseguidos como o calcanhar em comparação com os outros membros do corpo” (tóp. 54).

 

Fato terrível: a vocação do apóstolo de Nossa Senhora é ser como que o calcanhar do gênero humano, que o pisa e anda calcando-o. A vocação daqueles que são apóstolos de Maria Santíssima consiste em servir de calcanhar. De calcanhar ativo, que retribui os golpes, mas, enfim, de calcanhar.

Quando consideramos a nossa situação de apóstolos da Contra-Revolução, devemos reconhecer que ela tem muito de “calcanharesco”. Realmente, somos uma categoria de pessoas da qual todos se julgam no direito – sem recriminação da parte de ninguém – de falar mal e de pensar mal, e que ninguém receia sabotar, pois – afirmam – “o que atacamos nada tem de mal”; mas ai de nós se fizermos qualquer coisa: “é perigoso, é nocivo; é preciso reprimir!”

Quando consideramos, por outro lado, a situação de exílio permanente a que as condições de vida da sociedade contemporânea nos reduzem; quando consideramos o fato de que, aos poucos, ficamos marcados, diferentes de todos, pela fidelidade a nossos ideais, havemos de reconhecer bem que a nossa situação tem muito de “calcanharesco”. Se não tivéssemos escolhido por nosso sinal o “tau”, escolheríamos o calcanhar!

O calcanhar tem uma sublime missão. Se é bem verdade que ele é calcado, é dele a glória de calcar. E há uma cabeça que foi feita para ser por ele pisada: a de Lúcifer. Devemos estar a procura dessa cabeça para pisá-la. Com a graça de Nossa Senhora, no rabo, várias vezes já o temos feito.

 

Serão santos superiores a toda criatura

 

“Mas, em troca, eles serão ricos em graças de Deus, graças que Maria lhes distribuirá abundantemente. Serão grandes e notáveis em santidade diante de Deus, superiores a toda criatura, por seu zelo ativo...” (tóp. 54).

 

São Luís Grignion faz-nos um outro prenúncio: os apóstolos dos últimos tempos serão santos excepcionais, como não há em nossa época e não houve nas passadas. Dizendo “superiores a toda criatura” envolve, pois, as do passado. Serão Santos maiores do que todos os dos séculos passados. Deverão florescer no futuro, mas de sua santidade e de sua vocação participam desde já todos aqueles que batalham nesta mesma luta contra o poder das trevas.

 

“... e tão fortemente amparados pelo poder divino que, com a humildade de seu calcanhar, e em união com Maria, esmagarão a cabeça do demônio e promoverão o triunfo de Jesus Cristo”. (idem).

 

É o final da profecia: haverá um período de justiça alcançado por estes apóstolos. Eles esmagarão a cabeça do demônio.

Vemos, portanto, as características fundamentais desses apóstolos postas por São Luís Grignion:

a) É uma raça de homens, raça espiritual, oposta e irredutivelmente adversa à Lúcifer e à raça dele;

b) São homens que viverão num estado de perseguição constante;

c) Serão chamados por Maria Santíssima, de um modo especial, a uma grande dedicação à causa da Igreja;

d) Acabarão por vencer, porque esmagarão a cabeça do demônio.

São os traços distintivos dos Santos dos Últimos Tempos. Mas, como estes tempos já começaram[1], os santos de nossa época estão já numa espécie de relação com os dos últimos dias da Igreja. O santo de nossa época é, pois, o tipo do santo dos últimos tempos, descrito por São Luís Grignion, que ele apresenta como um fruto característico da devoção a Maria Santíssima.

Há, portanto, uma conexão muito grande entre os últimos tempos e a nossa época, entre os Santos dos últimos Tempos e os batalhadores da causa da Igreja em nossos dias.

Os Apóstolos dos Últimos Tempos.  São Luís Grignion nos fala agora especificamente dos Apóstolos dos Últimos Tempos.

 

“Deus quer, finalmente, que Sua Mãe Santíssima seja agora mais conhecida, mais amada, mais honrada, como jamais o foi...” (tóp. 55).

 

Dizíamos acima que, nos últimos tempos, Nossa Senhora seria mais conhecida e mais amada.  Neste tópico São Luís Grignion nos afirma que é agora, isto é, no tempo dele. Portanto, sua época já participa dos últimos tempos.

 

“E isto acontecerá, sem dúvida, se os predestinados puserem em uso, com o auxílio do Espírito Santo, a prática interior e perfeita que lhes indico a seguir.” (tóp. 55).

 

Eis o papel histórico da devoção que prega. É o meio pelo qual os predestinados da graça podem adquirir este espírito e colocar-se de acordo com a sua vocação. É a devoção que até aí conduz.

 

“E, se observarem com fidelidade, verão então claramente, quando[2] lho permite a Fé, esta bela Estrela do Mar, e chegarão a bom porto, tendo vencido as tempestades e os piratas. Conhecerão as grandezas desta Soberana, e se consagrarão inteiramente a seu serviço como súditos e escravos de amor” (jdem).

 

Será que antes de São Luís Grignion – poder-se-ia perguntar – ninguém conheceu Nossa Senhora? Maria Santíssima não levou antes dele ninguém a bom porto? Será que Ela não fez manifestar na Igreja, antes ou fora dele, as suas grandezas? Seria absurdo admiti-lo. Por que, então, ele apresenta estas coisas como típicas do seu espírito? É porque elas serão mais reais nas almas formadas em sua escola de espiritualidade do que em qualquer outra. O que já é verdade de todos os santos, de todos os que seguem a doutrina da Igreja, será muito mais ainda dos que seguirem a espiritualidade de São Luís Grignion.

Ele aqui apenas insinua o que irá dizer mais tarde: a devoção que ensina e os princípios mariais que inculca, não são acessíveis ao conhecimento de qualquer homem. Conhecer bem Nossa Senhora, praticar esta devoção, é uma predestinação, é uma graça especial, não comum. Esta não é uma devoção para qualquer pessoa, mas apenas para alguns predestinados. É uma graça especialíssima que Deus reserva para os últimos tempos. Por isso, mais tarde ele dirá que, para compreender esta devoção e praticá-la verdadeiramente, é preciso ter recebido um chamado muito especial.[3]

 

Serão setas para perfurar

 

“Mas, quem serão esses servidores, esses escravos e filhos de Maria?” (tóp. 56).

 

Aqui segue a descrição dos Apóstolos dos Últimos Tempos:

 

“Serão ministros do Senhor, ardendo em chamas abrasadoras, que lançarão por toda parte o fogo do divino amor.

Serão sicut sagittae in manus potentis (Sl 126, 4) – flechas agudas nas mãos de Maria todo-poderosa, pronta a transpassar seus inimigos” (idem).

 

Como isto corresponde ao gênero de devoção que devemos ter a Nossa Senhora!

A devoção a Maria Santíssima, segundo São Luís Grignion, está aliada à combatividade.  Não se trata apenas de fazer cordeirinhos de Cristo Rei! Trata-se de transformar cada um de nós numa seta posta nas mãos de Maria. Evidentemente não para, como bálsamo, aliviar e curar, porque isso não é próprio da seta, mas para perfurar os seus adversários. Para isso é que estão destinados os Apóstolos do Últimos Tempos.

Para transpassar é preciso não estar pregando bondades untuosas, vagas, sem consistência. A seta é arma de guerra, é feita para o combate, e o seu principal objetivo é derrubar o inimigo e matá-lo. Para isso, e não para outra coisa, elas existem. São Luís Grignion é explícito: “sicut sagitti”. É mesmo seta, e seta para perfurar os inimigos. É preciso não ter ilusões, o fruto característico da devoção que ele prega é o de tornar o apóstolo uma seta nas mãos de Nossa Senhora.

 

Serão ascetas, colados, sem interstício algum, a Deus e à Sua Igreja

 

“Serão filhos de Levi, bem purificados no fogo das grandes tribulações, e bem colados a Deus...(idem).

 

É importante observar o grau de união a Deus que está prometido. E só há um meio de estar colado a Deus: é estar colado à Igreja de Deus. Estar colado significa estar unido sem qualquer interstício, sem vácuo algum; é estar preso por todas as aderências possíveis à Igreja de Deus. Este é o sentido que ele nos quer dar, inculcando o espírito de devoção à Igreja Católica.

 

“...que levarão o ouro do amor no coração, o incenso da oração no espírito, e a mirra da mortificação no corpo”. (idem).

 

É a idéia da ascese, da austeridade, da virtude dura, mortificada.

 

Serão odor de morte

 

“...e que serão em toda parte, para os pobres e pequenos, o bom odor de Jesus Cristo; e, para os grandes, os ricos e os orgulhosos do mundo, um odor   repugnante de morte.” (idem).

 

O que são, na lingua da Escritura, os pobres e os pequenos? Não são os sequazes dos demagogos modernos. Ser pobre e pequeno é ser pobre de espírito, é ser desapegado. Para esses é que é bom odor a presença dos servidores de Maria. Pelo contrário, para os que não são seus servidores, para os que são ricos, que têm espírito apegado (neste sentido um maltrapilho pode ser rico), para os que são orgulhosos e mundanos, a ação de presença desses apóstolos é um odor de morte.

Nesse sentido, podemos dizer que, quem tem verdadeiramente o senso católico, simpatiza conosco. Não encontramos, ao longo do nosso apostolado, pessoa alguma que, tendo senso católico, fosse hostil a nós. Nem alguém que, por causa das próprias virtudes, nos tivesse antipatia.

Pelo contrário, é para os apegados, os igualitários e os orgulhosos que a nossa presença dissemina, de fato, um odor de morte. E as reações são vigorosas, porque o odor de morte não é bem recebido em parte alguma!

 

Serão o terror do demônio

 

“Serão nuvens trovejantes...“ (tóp. 57).

 

Não são zéfiros[4] nem brisas amenas, que trazem o bom odor das sensações emocionantes e românticas para as almazinhas adocicadas. São nuvens tonitroantes que voam pelos ares.

A imagem é majestosa, grandiosa, reflete, em contraposição à suavidade de certo tipo de religiosidade sentimental, a grandeza, o poder e a cólera de Deus. A nuvem trovejante é a nuvem carregada, na qual o raio se forma, e da qual é lançado.

 

“...esvoaçando pelo ar ao menor sopro do Espírito Santo...” (idem).

 

Uma atmosfera cheia de nuvens trovejantes, a esvoaçar do oriente ao ocidente, não reflete absolutamente o clima carregado de otimismo que em certos ambientes se encontra...

 

“.. que, sem apegar-se a coisa alguma nem admirar-se de nada, nem preocupar-se, derramarão a chuva da palavra de Deus e da vida eterna. Trovejarão contra o pecado...” (idem).

 

Não se trata, portanto, de pregar a bondade contra o pecado.

 

“...e lançarão brados contra o mundo, fustigarão o demônio e seus asseclas, e, para a vida e para a morte, transpassarão lado a lado, com a espada de dois gumes da palavra de Deus (Ef. 6, 17), todos aqueles a quem forem enviados da parte do Altíssimo”  (idem).

 

São batalhadores eficacíssimos, que têm a espada de dois gumes quando forem enviados a alguém da parte de Deus, perfurá-los-ão dos dois lados.

Podemos aí distinguir um feitio de espiritualidade e de apostolado que convém a nós. Os apóstolos que São Luís Grignion assim descreve, são homens cheios de um santo ódio, de um poder verdadeiramente terrível, que causam ao demônio um medo capaz de desfazer as suas tramas. Argutos, perspicazes e vigorosos, esses apóstolos são os protótipo do verdadeiro católico.

 

 



[1] Segundo a linguagem de São Luís Grignion, a sua época estava já dentro da perspectiva dos últimos tempos.

[2] Na tradução espanhola (da BAC) está consignado “Enquanto o permite a fé...” e não “quando”.

[3] O restante do tópico contém uma série de promessas sobre as quais não há comentários especiais a fazer.

[4] Zéfiro é um vento brando e agradável.

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