quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

A CONVERSÃO DE SÃO PAULO CONTADA POR ELE MESMO

 




Inicialmente é preciso notar que Quem o converteu foi o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, mas quem o encaminhou para a Igreja, batizando-o e catequizando-o, foram os membros do Corpo Místico de Cristo, ao qual ele perseguia. Estando em Jerusalém, já famoso por suas pregações, São Paulo foi acusado de profanar o templo ao trazer até ali gregos, ou seja, não judeus.  Ao ser preso, fez o seguinte discurso, conforme consta nos Atos:

“Estando para ser recolhido à fortaleza, disse Paulo ao tribuno: “É-me permitido dizer-te uma palavra?” Replicou o tribuno: “Sabes o grego? Não és tu, acaso, o egípcio que, dias atrás, sublevou e arrastou ao deserto quatro bandidos?” Respondeu-lhe Paulo: “Eu sou judeu, de Tarso, da Cilícia, cidadão de uma cidade insigne.  Agora, porém, peço-te: permite-me falar ao povo”. Dando-lhe ele a permissão, Paulo, de pé sobre os degraus, fez sinal com a mão ao povo. Fazendo-se grande silêncio, dirigiu-lhes a palavra em língua hebraica;

“Irmãos e pais, escutai a minha defesa, que tenho agora a vos apresentar”. Tendo ouvido que lhes dirigia a palavra em língua hebraica, fizeram mais silêncio ainda. Ele prosseguiu: “Eu sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas fui criado aqui nesta cidade. Como discípulo de Gamaliel, fui instruído em todo o rigor da Lei de nossos antepassados, tornando-me zeloso da causa de Deus, como acontece hoje convosco. Persegui até à morte os que seguiam este Caminho, prendendo homens e mulheres e jogando-os na prisão. Disso são minhas testemunhas o Sumo Sacerdote e todo o conselho dos anciãos. Eles deram-me cartas de recomendação para os irmãos de Damasco. Fui para lá, a fim de prender todos os que encontrasse e trazê-los para Jerusalém, a fim de serem castigados. Ora, aconteceu que, na viagem, estando já perto de Damasco, pelo meio-dia, de repente uma grande luz que vinha do céu brilhou ao redor de mim. Caí por terra e ouvi uma voz que me dizia: ‘Saulo, Saulo, por que me persegues?’ Eu perguntei: ‘Quem és tu, Senhor?’ Ele me respondeu: ‘Eu sou Jesus, o Nazareno, a quem tu estás perseguindo’. Meus companheiros viram a luz, mas não ouviram a voz que me falava. Então perguntei: ‘Que devo fazer, Senhor?’ O Senhor me respondeu: ‘Levanta-te e vai para Damasco. Ali te explicarão tudo o que deves fazer’. Como eu não podia enxergar, por causa do brilho daquela luz, cheguei a Damasco guiado pela mão dos meus companheiros.

Um certo Ananias, homem piedoso e fiel à Lei, com boa reputação junto de todos os judeus que aí moravam, veio encontrar-me e disse: ‘Saulo, meu irmão, recupera a vista!’ No mesmo instante, recuperei a vista e pude vê-lo. Ele, então, me disse: ‘O Deus de nossos antepassados escolheu-te para conheceres a sua vontade, veres o Justo e ouvires a sua própria voz. Porque tu serás a sua testemunha diante de todos os homens daquilo que viste e ouviste. E agora, o que estás esperando? Levanta-te, recebe o batismo e purifica-te dos teus pecados, invocando o nome dele!'” (At 21, 37-40 e 22,1-16).

Notemos outra particularidade: quando São Paulo se diz judeu é porque ele tinha participado da religião judaica e não porque havia nascido na Judéia. O termo “judeu” é usado, tanto por ele quanto por São João, no seu Evangelho, para caracterizar os descendentes da tribo de Judá e que dominavam a nação e a religião, tendo alterado todo seu conteúdo ao longo dos anos, isto é, tratava-se de uma elite que formava uma conjuração política e religiosa.  Usou espertamente este título de judeu em seu discurso para atrair a simpatia do povo. Ele se refere a seu batismo como cristão, mas não fala aí do momento em que recebeu o sacramento da Ordem ao ter sobre ele as mãos impostas por um Apóstolo.

São Paulo, o primeiro Apóstolo do Corpo Místico de Cristo

O primeiro a revelar no interior de São Paulo a existência de Seu Corpo Místico nesta terra foi o próprio Cristo, no famoso e conhecido episódio em que o censurava por persegui-Lo e o encaminhava para os cuidados dos primeiros cristãos. Não se fala como o Apóstolo foi sagrado padre e bispo, a não ser que o gesto de Ananias (At 9, 1-17) seja considerado não somente como seu batismo, mas também sua ordenação, quer dizer, recebeu dois sacramentos ao mesmo tempo. Na aparição de Jesus a Ananias já estava prevista a missão de São Paulo como Apóstolo: “... este homem é para mim instrumento de escol para levar o meu nome diante das nações pagãs...” (At 9, 15). Quer dizer, Nosso Senhor instrui o que fazer sobre seu neo convertido, mas quem faz tudo é seu Corpo Místico através de seus membros, apóstolos, sacerdotes ou bispos.

No episódio da conversão de São Paulo poderemos ver uma forma diferente da Providência agir no interior das almas. No seu apostolado em vida, Nosso Senhor Jesus Cristo usava dos sentidos humanos para converter as pessoas, aguardando que a ação do Pai e do Espírito Santo no interior das almas seja correspondida. Assim, Ele discursava e operava maravilhas, no entanto deixando o interior das almas por conta de cada um e das outras 2 Pessoas da Santíssima Trindade. Após Sua subida aos Céus a ação conjunta da Santíssima Trindade passou a ser mais apropriada, operando assim um grande poder de conversão na Igreja nascente.

Discípulos que realizam obras maiores do que o Fundador

Mesmo na companhia de Jesus Cristo, os Apóstolos não realizaram milagres ou pregaram como deviam, nem sequer um exorcismo conseguiram fazer. E, no entanto, Nosso Senhor disse que “aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço, e fará outras ainda maiores...” (Jo 14, 12). E porque a ação da Santíssima Trindade neles passou a ser mais eficaz após o Pentecostes e por intermédio de uma intercessão poderosa que é o Corpo Místico aqui deixado entre nós.  Foi assim que a Providência nos deixou os Sacramentos, a Confissão, a Comunhão, a Santa Missa, etc., meios com que as almas puderam mais eficazmente santificar-se.  Os primeiros mártires, como Santo Estêvão, receberam os dons sagrados desta vida divina através do Corpo Místico de Cristo, por intermédio de seus membros aqui na terra. Jesus Cristo, enquanto vivia entre nós, não tinha disposto a coisa assim, mas apenas operava prodígios a fim de conseguir formar seu grupo de seguidores, de discípulos e apóstolos, os quais deveriam ser membros de Seu Corpo Místico após sua morte. E desta forma a Igreja Católica, criada por Ele, conseguiu dá início à fundação de Seu Reino entre nós.

Segundo definição de São João, em seu Evangelho, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade era o Verbo, era a Palavra, como se diz. São Tomás de Aquino na Suma, assim fala sobre o poder da Palavra processar outra Pessoa Divina:

“Nas pessoas divinas há duas processões: a da Palavra e outra. Para demonstrá-lo há que ter presente que nas pessoas divinas não há processão mais que enquanto ação que não tende para algo externo, mas que permanece no mesmo agente. Assim, esta ação na natureza intelectual é ação da vontade. A processão da Palavra corresponde à ação intelectual. Pela operação da vontade em nós se encontra outra processão, a do amor, pela qual o amado está em quem ama, como pela concepção da palavra o dito ou entendido está em quem tem entendimento. Por isso, ademais da processão da Palavra há outra processão nas pessoas divinas, e é a geração do amor. (I, Q. 27, art. 3) »

Quer dizer, é mais ou menos isso que pode significar a razão de São Paulo haver tido um tal grau de santidade, a ponto de ter-se equiparado ao próprio São Pedro como peça fundamental na propagação da Fé Cristã. Por que São Paulo aparentemente recebeu ou correspondeu mais às graças da vocação do que os outros Apóstolos, os quais, no entanto, foram doutrinados pelo próprio Cristo em vida? É que a ação na alma dele foi direta do Espírito Santo e do Pai, diferente dos outros que usavam mais os sentidos humanos para entender as pregações de Jesus Cristo, e, também de uma forma interior, mas menos intensa. Quer dizer, a ação do Corpo Místico de Cristo, agora dirigido por Ele diretamente do Céu com as outras 2 Pessoas divinas, passou a ser mais eficiente. O novo cristão recebia não só a pregação, a doutrina, mas agora tinha o poder dos Sacramentos, o Batismo, a Confissão, a Santa Missa, a Confissão e todos os demais. As 3 Pessoas da Santíssima Trindade passavam a habitar completamente as almas.

Há vários episódios na História em que os discípulos realizaram maiores feitos do que os Fundadores. No Antigo Testamento consta, por exemplo, os casos de Josué que venceu mais reis (cerca de 33) do que Moisés, Eliseu que realizou mais milagres do que Elias (inclusive uma ressurreição), e na história da Igreja há os casos de São Francisco Xavier, o qual realizou mais portentosos milagres do que Santo Inácio. E o caso especialíssimo de São Tiago de Compostela, que fez milagre maior do que Cristo ressuscitando Lázaro, pois ressuscitou um judeu que jazia na sepultura há vários anos, o qual foi batizado e tornou-se o primeiro bispo da península ibérica, São Pedro de Rates, de Braga, Portugal.

A doutrina de São Paulo sobre o Corpo Místico de Cristo

Quando Nosso Senhor Jesus Cristo apareceu a São Paulo e lhe disse: “Saulo, por que me persegues?” – deixou bem claro que era seu Corpo Místico que estava sendo perseguido. É claro que Saulo não entendeu, no momento, o que queriam dizer estas palavras, mas só algum tempo depois com as inspirações interiores recebidas do Espírito Santo. E compreendeu tão bem seus significados que procurou explicitá-las, deixando esparsa em algumas epístolas de suas cartas a sua doutrina sobre o Corpo Místico de Cristo, como, por exemplo:

“Porventura não sabeis que os vossos membros são templo do Espírito Santo, que habita em vós, que vos foi dado por Deus e que não pertenceis a vós mesmos?” (I Cor 6, 19)

“[Cristo] É a cabeça da Igreja, que é seu Corpo”  (Col 1, 18). “O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja” (Cl 1, 24); “O constituiu chefe supremo da Igreja, que é o seu corpo” (Ef 1, 22-23); “A uns ele constituiu apóstolos; a outros, profetas; a outros, evangelistas, pastores, doutores, para o aperfeiçoamento dos cristãos, para o desempenho da tarefa que visa à construção do corpo de Cristo” (Ef 4, 11-12); “Cristo é o chefe da Igreja, seu corpo, da qual ele é o Salvador (Ef 5, 23); “como Cristo faz à sua Igreja, porque somos membros de seu corpo” (Ef 5, 29). "Pois, assim como num só corpo, temos muitos membros e os membros não têm a mesma função, de modo análogo, nós somos muitos e formamos um só corpo em Cristo, e todos e cada um membros uns dos outros" (Rm 12, 4-5)

 “Com efeito, o corpo é um e, não obstante, tem muitos membros, mas todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, formam um só corpo. Assim também acontece com Cristo. Pois fomos todos batizados num só Espírito para formar um só Corpo, judeus ou gentios, escravos ou livres, e todos bebemos de um só Espírito. O corpo não se compõe de um só membro, mas de muitos. Se o pé disser: Mão eu não sou, logo eu não pertenço ao corpo, nem por isto deixará de fazer parte do corpo. E se a orelha disser: Olho eu não sou, logo não pertenço ao corpo, nem por isto deixará de fazer parte do corpo. Se o corpo fosse todo olho, onde estaria a audição? Se fosse todo ouvido, onde estaria o olfato?

Mas, Deus dispôs cada um dos membros no corpo, segundo a sua vontade. Se o conjunto fosse um só membro, onde estaria o corpo? Há, portanto, muitos membros, mas um só corpo. Não pode o olho dizer à mão: Não preciso de ti; nem tampouco pode a cabeça dizer aos pés: Não preciso de vós.

Pelo contrário, os membros do corpo que parecem mais fracos são os mais necessários, e aqueles que parecem menos dignos de honra do corpo, são os que cercamos de mais honra, e nossos membros que são menos decentes, nós os tratamos com mais decência; os que são decentes não precisam de mais cuidados. Mas Deus dispôs o corpo de modo conceder maior honra ao que é menos nobre, a fim de que não haja divisão no corpo, mas os membros tenham igual solicitude  uns com os outros. Se um membro sofre, todos os membros compartilham o seu sofrimento; se um membro é honrado, todos os membros compartilham a sua alegria.

Ora, vós sois o Corpo de Cristo e sois os seus membros, cada um por sua parte. E aqueles que Deus estabeleceu na Igreja são, em primeiro lugar, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, doutores... Vêm a seguir os dons dos milagres, das curas, da assistência, do governo e o de falar diversas línguas " (l Cor 12, 12-28).

Em outro oportunidade, o Apóstolo chega a afirmar que um membro pode também contribuir para a formação de outros membros do Corpo Místico de Cristo, como ele próprio o fazia: “Quos iterum parturio, donec formetur Christus in vobis” (Gal 4, 19): Dou à luz todos os dias os filhos de Deus, até que Jesus Cristo seja nele formado em toda a plenitude de sua idade.

 


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