quarta-feira, 28 de outubro de 2020

EXERCÍCIO DA ENCARNAÇÃO E DO PRIMEIRO TRABALHO DE JESUS

 


Adoro-Te Verbo divino encarnado, adoro-Te Filho de Deus vivo humanado, adoro-Te Deus meu verdadeiro, vestido de mísera carne, e mortalidade. Chegastes desejado dos Santos Padres: chegastes saúde das almas, verdadeira vida, e bem-aventurança dos errados pecadores. Já não se gabará o Céu de ser ele só vossa casa, pois já aqui Vos tenho unido a minha humanidade, morador de meu degredo e companheiro destas terrenas moradas. Já não me desprezará criatura nenhuma, pois eu não adorei Anjo divino, e eles adorarão Deus humano. Chegou a vossa hora, fonte de águas vivas, rio de infinitas bondades e misericórdias. Arrebentastes fora da madre, tudo enchestes, e alagastes de divinas riquezas e graças. Esquecestes-Vos de nossos males, abraçastes nossas misérias e viestes esposo das almas, cheio de graças e de verdades. Quem como Vós, Deus meu, quando o mundo menos o merecia, quando os pecados mais reinavam, quando esta natureza estava pelos pecados mais danificada e corrupta, quando mais razões tínheis de Vos enojar e enfastiar de nós; então mostrais vossas verdades, então Vos dais todo, então nos socorreis com vossa presença, e Vos fazeis homem como nosso companheiro e remediador de nossos males. Só Vós sois verdadeiro, vossos prazos sempre chegam. Quando parece que estais mais longe, então Vos achais perto e mais presente, cheio de graças e de verdades. Porque Vós trazeis misericórdias verdadeiras, riquezas verdadeiras, bondade, saúdes, vidas, bem-aventuranças, pazes, amizades, tesouros, glórias, grandezas e abastanças verdadeiras para as almas, que vindes buscar e para o mundo perdido, que vindes remediar. Não vindes despejado, meu soberano Senhor, nem deixais vossos tesouros no Céu represados; tudo quanto tendes trazeis convosco. Não perdeis nada do vosso, fazendo-Vos homem como eu; mas dai-me quanto tendes. Já Vos não posso fugir de medo de vossa majestade, pois aqui Vos tenho em minha miséria, e de meu amor preso, e rendido. Abraço-Vos todo meu bem, amo-Vos minha bem-aventurança, meu tesouro, minha riqueza, meu companheiro, meu amigo verdadeiro, minha paz, minha alegria, minha glória, vida, saúde minha.

Ó como estou rico convosco! Havei-me inveja, Anjos, havei-me inveja, Serafins, havei-me inveja, Céus e terra, e todas as criaturas, porque tenho neste Senhor o que não tendes; porque tenho Deus Homem, e vós não tendes Deus Anjo. Adorais o meu  tesouro, adorais o meu único bem, adorais o meu companheiro, e amigo, o meu Deus humanado, e o meu homem Deus, de que vos vem, e há-de vos vir quantos bens tendes e podeis ter.  Pudestes mais que eu, amor divino: não pude tanto pecar, que mais não pudésseis perdoar; não pude tanto desagradecer que Vos tirasse a vontade de dar; não pude tanto enjeitar , que de todo Vos pudesse perder; não Vos pude tanto fugir, que me não alcançásseis, porque soltastes a força, a fúria de vosso divino fogo, e prendestes minha humanidade, e Vos vestistes de minhas misérias, e nelas Vos destes todo, e entrastes por meu degredo, e vos misturastes comigo, e se fujo a Deus, não posso fugir a homem:  maneira que se me não perder a  mim por minha vontade, não Vos posso perder a Vós homem como eu, já companheiro de minhas misérias, e mortal.

Bem Vos entendo, Deus meu: amor Vos traz, e amor quereis; em fogo ardeis, e quereis, que pegando nas estopas desta humanidade ardam em amor, se se deixarem de Vós abrasar, e quiserem antes viver molhadas nos charcos, e lodos do amor terreno. Mas Vós, Deus meu, da vossa parte a todas as almas ponde fogo, e tanto que até os que se perdem, perdem-se carregados de obras, e mercês de vosso infinito amor, mas porque Vos não dão seu coração, fica tudo neles em vão. Doui-Vos, Senhor da minha alma, todo meu coração, todo meu espírito, todo este homem inteiro, todo meu amor. Amo-Vos e desejo todo derreter-me em vosso amor. Se tivera o amor de todas as criaturas, como todo Vos amara; e se tivera infinito amor, amara-Vos infinitamente. Mas, amo-Vos quanto posso, e pois Vós, infinito Bem, todo seus meu, convosco todo Vos amo.

Ó se sempre Vos amasse! Ó se sempre me abrasásseis! Ó se sempre Vos possuísse! Ó se nada me apartasse de Vós, Deus meu humanado, ainda que minha humanidade está em Vós perfeitíssima, puríssima, cheia de graças, parte da minha miserável é. Não pode em Vós estar corrupta e culpável, como em mim, mas está como instrumento de meu remédio e por essa, como esta por quem me perco, me quereis Vós remediar. Curai-me, saúde verdadeira, alumiai-me, grandeza divina, sustentai-me, fortaleza soberana; aviventai-me, vida eterna, pois Vos vejo como Deus que adoro, homem rodeado de minhas misérias sem pecado e cheio de todas estas graças e perfeições para meu remédio. A misericórdia e amor que Vos humanou, Vos faça haver piedade desta vossa humanidade em mim tão perdida, mísera e corrupta. Quisestes, Deus meu, mostrar que quanto fazeis nos homens, já o fazeis como no vosso, pois Vos fizeste homem. Já curais minhas chagas como vossas, olhais para mim, governai-me, ajudai-me, remediai-me, como vosso, pois tomais por honra desta humanidade, que tomastes todos os homens sejam como Vós quereis, e pretendeis, puros, limpos, ricos, grandes e bem-aventurados. Vosso sou, meu Criador, vosso sou todo por justiça, vosso quero ser por amor e vontade de todo coração. Eis-me aqui, todo a Vós me apego, com estes sacratíssimos pés me abraço, pois todo sois meu, todo entregue, todo rendido, por me adquirirdes o amor dessa alma.

Ó amor, fazei em mim, tal mudança, que possais também dizer: toda és minha, miserável criatura! Ó se visse este prefeito todo, de parte a parte! Mas Vós só o haveis de fazer fogo divino, e todo me haveis de queimar, e abrasar, e converter em Vós.

(“Trabalhos de Jesus” – Padre Tomé de Jesus – I Volume – Lelo & irmãos Editores – 1951 – págs. 80/83);

 NOTA: O padre Tomé de Jesus foi um místico jesuíta (século XVI), tornado prisioneiro entre os muçulmanos, onde fez estas meditações e depois as publicou quando foi libertado.

 

 

 

 

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