Está sendo deflagrado um movimento grevista no Nordeste (e talvez em todo o País) que é a essência de uma técnica da Revolução: a do terror. A tal ponto que um jornal da capital baiana classificou os grevistas de “amotinados”. Sim, quando militares se revoltam contra as autoridades caracteriza-se uma ação de motim e não de simples greve reivindicatória.
Há pouco mais de dez anos houve a primeira greve dos policiais militares naquela capial. Na oportunidade, a população viu atônita o banditismo tomar conta da cidade. O mesmo ocorreu no início deste ano em Fortaleza, quando se desencadeou todo um processo de revoltas e de anarquia na segurança pública. Tantas foram as mortes, assaltos, vinditas e todo tipo de violência em Fortaleza que a mídia local e nacional se viu obrigada a fazer uma censura, com alguns órgãos minimizando os episódios e dizendo que havia mais pânico e exageros do que fatos reais.
Não é o mesmo que ocorre em Salvador, quando a mídia noticia tudo até com certo exagero, repetindo as mesmas notícias para dar a entender a existência de uma situação caótica e de desgoverno. E quanto mais o caos impera, mais as forças da desordem lucram com isso.
Como é que um punhado de homens consegue tumultuar uma cidade com quase três milhões de habitantes? Segundo dados da Polícia Militar os grevistas não chegam a 30% do efetivo. Acredito que há exagero nisso, pois observa-se que a adesão ao motim dos militares baianos não chegou a 10%. Sim, e como é que pouco mais ou menos do que 3 mil homens conseguem tumultuar uma cidade? Simplesmente usando as táticas revolucionárias que eles aprenderam nos sindicatos.
Uma greve nunca é feita respeitando os direitos e a vontade da maioria. Geralmente é contra o pensamento da maioria, que não aderem ao movimento e às vezes até são contra. O que ocorre é que a minoria que domina o sindicato faz o que chamam de “parede” grevista, isto é, colocam-se em locais estratégicos para impedir os demais de comparecer ao trabalho.
No caso presente essa greve não é só contra os colegas de trabalho, mas contra toda a população baiana.
O mesmo pode-se dizer dos revolucionários de 1789. Segundo o historiador Pierre Gaxote, “os indivíduos que é necessário enfurecer não são mais do que alguns punhados. Bastam duzentos ou trezentos homens por seção para fazer a lei, quedando-se o maior número passivo ou amedrontado. Nesta Paris que contava mais de um meio milhão de habitantes, as “massas” revolucionárias não passavam além de dez mil homens, é certo que enquadrados, treinados, sujeitos a uma disciplina”. Assim, nesta Salvador com mais de três milhões de habitantes, os fautores da anarquia e da revolução militar não são mais do que duas ou três unidades de milhar. Os demais ficam inertes porque têm medo de afrontar os anarquistas.
Antecedentes históricos
Por ocasião da Revolução Francesa deu-se talvez o primeiro lance dessa técnica revolucionária. Trata-se do que ficou conhecido depois como o “Grand peu”, ou grande medo, uma onda de pavor que tomou conta do país entre os dias 20 de julho de 1789 até o início do mês seguinte. Notícias, falsas ou verdadeiras, voavam de vila em vila, de burgos a vilarejos, falando de milhares de brigadas que estavam vindo para atacar as populações. Os historiadores são unânimes em afirmar que esta onda de medo que invadiu o país serviu de preparação para o Terror, logo implantado quando a Revolução se pôs em marcha. O historiador Albert Malet comenta que os cidadãos se aproveitavam para se lançar sobre os castelos, sem ódio contra os proprietários, unicamente para se livrar e para queimar os documentos que estabeleciam os direitos dos senhores nos rendimentos feudais.
Averiguamos fatos análogos que ocorrem na Salvador do século XXI, quando a população invade e saqueia lojas, depreda veículos e outras atrocidades feitas por causa da ausência de alguns militares em seus postos de trabalho. Sim, de alguns, porque a grande maioria dos militares compareceu ao trabalho e só está havendo esse clima de pânico por causa da ênfase que a mídia irresponsavelmente está dando à greve (ou motim).
É claro que, tanto na França do século XVIII quando nos dias de hoje, foi detonada uma alucinação coletiva, mas outro historiador, Ghislain de Diesbach, afirma que tudo não passa de tramas revolucionárias. Quer dizer: a alucinação existe porque um grupo a está alimentando, ou com boatos ou com alguns fatos ocorridos para justificar os boatos... Medo de ataques que às vezes nunca vieram, ou de alguns que chegaram a vir, mas de pouca consistência. Medo de assaltos que diziam estar vindo, mas na hora se formam grupos de auto-defesa que termina por amedrontar populações vizinhas. E assim o pânico se multiplica.
Será que podemos comparar o clima de pânico criado pelas greves de polícias com o “grande medo” havido na Revolução Francesa? É claro que não se trata de alcançar os mesmos objetivos finais, mas apenas imediatos. Na França do Ancién Regime o objetivo era preparar o terreno para aqueles que vinham derrubar o regime. Hoje, nas greves de polícias não se trata de mudar regimes políticos, mas de caracterizar na sociedade a ausência deles. Trata-se de criar um clima de caos e anarquia, o qual, junto com o pânico da população, mina cada vez mais os alicerces da hierarquia social.
Com que objetivo? Na França do século XVIII alguns chegaram a acusar o duque de Órleans e outros a Mirabeau pelo estado de desordem; porém, em geral, todos estão de acordo em atribuí-lo aos “chefes da Revolução”, expressão um pouco vaga.. Eis aqui a tese: Paris, que havia sido “preparada” há muito tempo, ao 14 de julho reagiu conforme o objetivo do partido revolucionário; mas a população rural, muito aderente à Monarquia, parecia indiferente aos acontecimentos. Como resolver o problema de galvanizar aquela massa despreocupada, e, sobretudo, como armar instantaneamente, sem que o Governo pudesse impedi-lo, aquele povo cujo concurso era indispensável? No nosso caso, como fazer crer à nossa população a total ausência de governo, a propalada anarquia social?
No nosso caso, trata-se de expor toda uma corporação (a PM) ao descrédito, ao desprestígio da população. Na Revolução Francesa, os camponeses encontravam-se sem armas e sem munições. Fazia muitos anos, a pedido da nobreza rural, haviam-se confiscado muitos fuzis com o pretexto de perseguir aos caçadores furtivos, e a pólvora havia se convertido em artigo raro. Assim, pois, quando ocorreu ao clamor da presença de imaginários foragidos, todos correram ao castelo do senhor vizinho ou aos arsenais da cidade mais próxima, pedindo armas aos gritos. Como negá-las se era para ir contra os bandidos?
Em nosso Brasil do século XXI já foram feitas várias tentativas de desarmar a população, sob alegação de que são as armas as culpadas pelo clima de violência. Quanto mais o governo usa o programa de desarme popular, mas a violência aumenta, demonstrando que o problema encontra-se em outro fator e não no das armas. Ainda bem que no caso da greve dos militares a população não está procurando se armar; ou, ainda mal, porque se todos se armassem para enfrentar os bandidos, se fazendo de seguranças ou policiais, os marginais teriam mais receio de agir. E olhem que muita gente nunca tinha roubado até o presente momento: até que viu uma loja arrombada, cheia de gente saqueando-a, e aí passou a ser ladrão a partir daquele momento. Um ladrão sem registro policial, inteiramente livre das penas da lei, e ainda sendo considerado como cidadão de bem.
É assim o mundo moderno.
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