domingo, 24 de abril de 2011

A caridade dos reis católicos para com mendigos e doentes



São Fernando de Castela

1. Como surgiu a tradição do “lava-pés” do rei espanhol para os pobres e doentes

São Fernando, rei de Castela e Leão (século XIII), foi um modelo de santidade e bondade para todos seus súditos. Ele procurava sempre uma maneira de mostrar a todos como se pode praticar o bem pelo amor de Deus. E uma oportunidade surgiu por ocasião da Semana Santa de 1242.
Naquele ano o amor de Cristo abrasava como nunca o coração do rei, que passava noites em vigília e orações. Seus nobres lhe chamaram a atenção, pois estava bastante enfraquecido por causa das vigílias, jejuns e penitências que vinha praticando, podendo cair doente novamente. São Fernando apenas lhes respondeu sorrindo, mas censurando-os:
- Se eu não vigiar, como podereis dormir tranqüilos?
Finalmente chegou a Quinta-Feira Santa. Era costume o rei dar de comer diariamente da mesma comida de sua mesa real aos pobres que aparecessem naquele dia. Também já era costume que São Fernando pessoalmente servia aos pobres fazendo-lhes os melhores pratos de seus manjares. Porém naquela Quinta-Feira Santa ele queria fazer diferente. Chamou um criado e mandou buscar um pote de água bem limpa e uma toalha.
O moço foi cumprir as ordens do rei sem imaginar para que ele queria aquilo. Todos os que estavam ali presentes, nobres e familiares, também ficaram perplexos sem entender qual era sua intenção. O rei, enquanto isso, conversava amigavelmente com os mendigos e doentes, procurando ouvir seus queixumes e lhes fazendo grande caridade.
Finalmente, chegou o criado trazendo o pote com água e a mais limpa toalha que pôde achar. O rei tirou seu manto, o cíngulo e a espada, arregaçou as mangas até os cotovelos, tomou a toalha e a prendeu na cintura. Tomando o pote, ajoelhou-se diante do primeiro velho que estava à sua frente e começou a lavar com suas mãos reais aqueles pés asquerosos e tão sofridos. Em seguida passou para o segundo mendigo, para o terceiro e assim lavou todos os pés daqueles miseráveis.
Todos ficaram perplexos, presenciando aquela cena. Alguns nem sequer tiveram palavras para dizer alguma coisa ou alguma recriminação. Quando perceberam, alguns dos próprios nobres estavam chorando de emoção e o ambiente tornou-se muitíssimo abençoado e cheio de graças divinas. Os pobres mendigos não se continham em si de tão contentes e começavam a bendizer o rei por aquela ação caridosa. O rei lhes pediu que não se assombrassem com aquilo, mas sim com o que Deus fizera lavando nossos pecados com seu próprio sangue. O santo rei estava cheio do espírito de Deus, nem percebia o que dizia, pois a boca fala do que o coração está cheio.


A cerimônia do lava-pés tornou-se, desde então (1242), tradição na Corte Espanhola, interrompendo-se somente por ocasião da queda de Afonso XIII, em 1931. Com o tempo, o cerimonial foi se tornando mais sublime e piedoso. Num salão especialmente preparado para o ato, dispunham-se três tribunas de honra, ao centro a da Família Real, à esquerda a Presidência do Conselho, o Governador e outras autoridades, e à direita a do Corpo Diplomático. Depois surgiam doze lacaios conduzindo, um a um, doze anciãos e doze anciãs, estas vestidas de negro com mantilhas da mesma cor e os homens com capas negras e chapéus copados. Após a leitura do Evangelho do dia (Quinta-Feira Santa), a garbosa assembléia é abençoada, o casal real é aspergido com água benta e, dando-se as costas para o altar, voltam-se para o público. O rei entrega sua barretina militar a um cavaleiro e tira as luvas e dá-las a outro. A rainha, por sua vez, entrega sua bolsa e suas luvas a uma das damas. Em seguida cingem o casal com toalhas brancas trazidas em bandejas de ouro. Um nobre ajoelha-se perante cada ancião e vai lhe tirando aos poucos os sapatos e as meias. Uma duquesa ajoelha-se também perante as anciãs e lhes tira sapatos e meias. O rei ajoelha-se ante o ancião mais próximo, o qual mantém o pé sobre uma grande bacia de prata. Um bispo despeja água sobre o pé do mendigo e o rei o seca cuidadosamente e o oscula. Enquanto o rei lava os pés dos doze anciãos, alguns muito doentes, a rainha faz o mesmo com os das anciãs. Após terminar o lava-pés e lavarem-se as mãos solenemente, os reis dirigem todo mundo em procissão em direção de um lauto banquete, o qual é feito especialmente para os pobres. Da mesma forma o banquete é servido pelos soberanos. Terminada a cerimônia toda a Corte sai do local em procissão, sendo seguida piedosamente pela multidão que os acompanha.

2. Entre as cerimônias de sagração dos reis franceses, a “cura das escrófulas”

Segundo o historiador francês Henri Robert narra em sua obra "Os Grande Processos da História", entre as cerimônias da sagração, há uma cena singularmente pitoresca, segundo descrevem os relatos daquele tempo. É a cura ou tentativa de cura das escrófulas pelo rei. Uma crença perpetuada desde São Luís IX pretendia que os reis de França tivessem o poder quase milagroso de curar pelo toque as escrófulas e até os cancros. E a tradição mantivera-se constantemente em vigor, de modo que o rei, nas festas da sagração, destinou um dia para tentar curar todas as lamentáveis chagas físicas dos doentes de seu reino.
Era uma tarefa repelente e meritória.
Dois mil e quatrocentos escrofulados e cancerosos enfileiravam-se a ambos os lados duma comprida alameda, que atravessava o parque à direita da igreja.
“Com o calor – diz o Duque de Croy, que assistia ao episódio – o mau cheiro era tremendo e o ar estava infecto, de sorte que era preciso muita coragem e força ao rei para tomar parte nessa cerimônia que eu não teria julgado, antes de ver, tão rude e repugnante”.
Luís XVI, entretanto, sem se deixar desanimar pelo cheiro e pelo aspecto daquelas chagas horrendas, tocava paternalmente cada um dos enfermos na fronte, nas duas faces e no queixo, esboçando o sinal da cruz, e dizia, cada vez, esta frase:
- Deus te cure, o rei te toca.
Um médico o assistia, levando um vaso de vinagre, em que o rei molhava a mão antes de passar ao doente seguinte. Atrás dele vinham os marechais de França e os grandes oficiais da coroa...

Apesar de alguns aspectos deploráveis em sua vida, também Luís XV (como mandava a Tradição) realizou a cerimônia da cura dos escrófilos em sua coroação; pergunta-se: qual presidente de república ou autoridade moderna praticou algo parecido?

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