O NAVIO QUE “NÃO
PODIA” AFUNDAR
Esse otimismo à prova de fogo, que não se
altera diante das mais evidentes manifestações de que as coisas vão mal, indica
uma insensibilidade diante dos planos da Providencia, um divórcio entre os
homens e Deus, lembrando aquelas palavras de Nosso Senhor aos Apóstolos:
"As vossas cogitações não são as minhas cogitações, nem as vossas vias são
as minhas vias. Eu cogito em coisas diversas das vossas. E caminho por rumos
que não são os vossos, que vós não seguis". Isso disse Nosso Senhor aos apóstolos
antes de eles prevaricarem durante a Paixão e isso mesmo é o que diz a
Providencia aos homens que não sabem perceber o curso dos acontecimentos e para
onde é que Deus quer conduzir as coisas.
Por causa disso, por exemplo, nas vésperas da
queda do Império Romano do Ocidente, nós encontramos uma cegueira tremenda: os
romanos não percebiam. Na véspera da queda do Império Romano do Oriente era a
mesma coisa. Na véspera da Revolução Francesa a mesma coisa. O Papa Leão X, por
ocasião do protestantismo, não viu o alcance dos acontecimentos e disse que era
uma simples luta de frades. Até no fato semi-lendário e semi-verídico da guerra
de Tróia, vemos a mesma atitude. Os gregos introduzem o cavalo com guerreiros
em Tróia, Cassandra prediz as desgraças que devem decorrer daí, mas os troianos
não acreditam. E de fato, com o cavalo, entraram em seu bojo os guerreiros e,
com estes é o fim de Tróia.
Esse é um estado de cegueira que merece ser
analisado por nós, para que sejamos sensíveis à voz de Deus, para que compreendamos
bem o que significa essas ondas de terrorismo em torno de nós, e essas
explosões quando atingem até uma de nossas sedes.
Então, eu resolvi trazer aqui, para
conhecimento dos senhores, uma narração do naufrágio do navio Titanic:
Esse navio Titanic era, no tempo em que foi
construído, o maior navio do mundo.
Ele inspirava a maior tranquilidade no ano de
1912, no fim da Belle Epoque, que era uma época de prazer, de alegria leve, de
distensão que preparava a I Guerra Mundial. Era considerado um navio que não
podia ser posto a pique. Era um navio inafundável, era o maior navio do mundo.
Ele pertencia à companhia White Star Line, a
companhia "Linha Estrela Branca", e jamais tinha sido feito um navio
daquele tamanho. Exatamente por isso ele chamava Titanic. Era um navio
titânico.
No dia 10 de abril de 1912 ele iniciou a
travessia da Inglaterra, no porto Southampton, para Nova York. E ele, além de
ser considerado o maior navio do mundo, era considerado também o que oferecia a
maior segurança. O engenheiro tinha estudado, para ele, uma configuração e um
revestimento da parte de baixo do navio tal, que se considerava que aquilo
nunca podia romper.
De maneira tal que ainda que rompesse, entre a
primeira e a segunda casca do navio, havia uma zona com ar de maneira tal que
rompendo, havia não sei que choque de vácuo que a água que entrasse era
expulsa. De maneira que o navio continuava a navegar, mesmo depois do primeiro
rombo. Era uma verdadeira obra-prima de segurança. E então se encheu de pessoas
de alta categoria social, de milhardários norte-americanos, de nobres europeus,
de artistas; havia uma segunda classe muito grande. Havia uma terceira classe
de imigrantes, que iam para os Estados Unidos, como quem vai para o Eldorado
fazer fortuna, abandonando a miséria da condição operária em que estavam na
Europa. E foi num ambiente de alegria que o navio saiu dirigindo-se para os
Estados Unidos.
Essa situação do navio criou, naturalmente, a
bordo, uma atmosfera de festas contínuas, e o navio tinha 2201 passageiros.
Isso já em 1912. Dois mil passageiros, os
senhores podem calcular, é uma pequena aldeia flutuante.
Além disso tinha uma carga muito grande,
calculada mais ou menos em 420 mil dólares-ouro naquele tempo, que representava
muito mais do que o dólar de nossos dias. A bordo, na primeira classe, festas
continuamente. Um tempo magnífico. O céu muito sereno, o mar muito tranquilo.
Na segunda classe também uma atmosfera muito animada. Na terceira classe
diversões populares, danças populares. Estava todo mundo alegre dentro do
navio.
Três dias de navegação, na aurora do domingo,
quando o dia, mais uma vez tinha levantado muito belo e muito claro, outra
coisa que tornava radiosa a viagem, da chaminé do navio escapava apenas um
pouco de fumaça.
Porque se tinha conseguido um tipo de
combustível que não deitava quase fumaça, de maneira que era uma fumacinha
branca, ligeira apenas, para não entristecer a viagem com o longo sulco da
fumaça preta. Era o estado de alma de todos aqueles elegantes. Era apenas um
pouquinho de alegria que se exalava de lá; mais nada; não havia tristeza, nem
agressão.
Estavam sendo realizados a bordo - era domingo
- serviços religiosos. E haviam... ...e tocava pífaro perdidamente na terceira
classe, fazendo se ouvir pelo navio inteiro.
As nove horas da manhã, o operador do rádio do
navio recebeu um despacho de um navio chamado Caronia, que dizia o seguinte:
Mensagem ao comandante do Titanic: "Navios fazendo o mesmo caminho que o
vosso, em sentido inverso, assinalaram em tais locais importantes massas de
gelo flutuante. Esse gelo parece vir da Terra Nova".
Mais adiante, outro navio que passa um
telegrama, uma comunicação pelo rádio. Era o navio California chamando o
Titanic. Como o operador de rádio de bordo participava do otimismo geral, ele
não deu importância ao primeiro aviso e quando ele viu que era o Califórnia que
estava chamando, pelos sinais, ele achou que era um navio de segunda classe que
não teria nada de importante a comunicar.
E nem tomou nota do telegrama, nem ouviu. O
telegrama bateu, e ele tocou a viagem... Os senhores estão vendo como o
otimismo ia grosso. Também não podia ser afundado o navio: era insubmergível um
navio tão grande, tão bonito, uma época de tanta alegria. Como é que ia afundar
esse navio? Não é possível...
Às treze horas e quarenta e dois, novo aviso.
Era o Valtic, era outro navio que anunciava também que estavam se deslocando
massas de gelo, icebergs, na direção do Titanic. Então o telegrafista tomou
nota da mensagem e mandou para a sala de comando. O oficial que estava de
serviço no momento leu e mandou levar para o comandante. O comandante estava na
hora do almoço. Ele almoçou, depois foi para o tombadilho e percebeu no
tombadilho, andando de um lado para outro, o senhor diretor da Companhia, e
parou diante dele para mostrar a mensagem.
Os senhores estão vendo o que é o próprio do
subordinado indolente: vai empurrando as decisões para cima para continuar na
moleza, com a intuição de que ele encontrará um mais mole em cima também, e que
aquilo vai para cima e se perde na estratosfera... como a fumaça azulada do
navio.
Lê o telegrama e o coloca no bolso; estava
passeando com duas senhoras. Explicou a elas, de um modo muito amável, que era
um pequeno incidente de viagem, eram icebergs que iam atravessar a rota, e
continuou a passear com elas, não dando atenção nenhuma.
Os senhores estão vendo uma espécie de quase
evidente fatalidade caminhando para o desenlace.
Mais tarde, às dezenove horas e quinze o
comandante pediu de volta o telegrama, a fim de colocar no quadro de avisos dos
oficiais. O jantar realizou-se normalmente na grande sala de jantar, estilo
século XVII, estilo glorioso.
Os senhores podem imaginar.
Os senhores sabem que nos grandes navios
daquele tempo, os homens e as senhoras jantavam em vestido de baile todas as
noites. E os homens de casaca, os mais moços de smoking. Os senhores podem
imaginar o que seria o jantar do Titanic esse dia.
O jantar foi muito alegre. Fazia frio no
tombadilho, mas a noite estava muito bela, sem lua, mas cheia de estrelas.
Depois da refeição, vários passageiros de segunda classe se reuniram no salão
onde o reverendo Carter dava um concerto religioso.
Devia ser um concerto protestante.
Eram perto de 22 horas e os empregados já
tinham preparado os biscoitos e cafés para toda a assistência, quando se
ouviram na primeira classe os acordes de música da segunda classe. E era uma
música religiosa: "Senhor, ouvi nossas orações para aqueles que estão no
perigo do mar". Na ponte de comando, o primeiro tenente, um marinheiro consumado
muito experimentado, foi acordado às vinte e duas horas pelo segundo capitão
Murdock. Tinham discutido com os outros oficiais da vizinhança a respeito de
gelos que pelo menos cinco telegramas tinham anunciado. As vigias tinham
recebido ordem de trazer, de ver com atenção qualquer particularidade a esse
respeito. Previa-se que o navio pudesse encontrar os icebergs a partir das nove
horas e meia, portanto, a velocidade foi calculada para essa eventualidade...,
o tal capitão, foi se deitar.
O navio era insubmergível, portanto eles não
tinham tratado disso, a possibilidade de desviar a rota, nem nada. Fugir, que é
o que se faz nesses casos, nada! Diminuir um pouco a velocidade para diminuir o
impacto... e acabou!
O comandante do navio também foi para o quarto.
A calma reinava há muito tempo na parte dos emigrantes. Nas cabines de primeira
e de segunda classe as lâmpadas iam se extinguindo. Os icebergs iam chegando.
Os senhores vêm: é o símbolo de uma
civilização, de uma ordem de coisas caminhando à deriva para o perigo.
No posto de rádio estavam Philips, que tinha
substituído o tenente...
Novamente começaram as faíscas no aparelho
telegráfico e era novamente o navio California. O California dizia para o
Titanic: "Meu caro, é bom você saber que nós estamos bloqueados de gelo
aqui". Resposta do Philips, do telegrafista do Titanic. Ele disse:
"Fecha essa geringonça, meu caro. Eu estou aqui conversando com um cabo e
você está atrapalhando todas as minhas emissões".
Quer dizer, estava conversando com outra pessoa
no rádio... "eu estou de prosa com outro no telegrafo em outro
lugar".
Eram vinte e três horas e quarenta. Nesse
momento preciso, como se surgisse do vácuo, uma grande forma branca apareceu e
foi direto para a proa do Titanic... que era um dos oficiais, durante um
momento não pode acreditar em seus olhos. Estava anunciado longamente, mas ele
não podia crer no que via. Mas como? Uma viagem com gente tão fina, um navio
tão bonito e acontecer isso? Não tem perigo, é uma coisa que não acontece.
Mas ele teve que se dar conta da realidade
sinistra. Freneticamente ele deu três sinais de alarme, assinalando que havia
alguma coisa diante dele. Depois telefonou para o posto de comando e disse:
"Um iceberg imediatamente diante de nós". O capitão, o sub-comandante
não teve sequer tempo de dar a resposta regulamentar. Ele urrou: "À
esquerda com toda velocidade!"
O timoneiro manobrou rapidamente o comando do
navio e começou a desviar. Mas o iceberg estava de tal maneira próximo que foi
impossível evitar o choque. O choque se deu.
Houve um grande choque, uma pequena inclinação
num dos lados do navio. Pedações de gelo caíram sobre a proa, na parte da
frente. O Titanic lentamente parou.
Quer dizer, o golpe foi tão forte que o navio
perdeu a sua velocidade.
O navio estava mortalmente ferido. O comandante
ferido. O comandante aí saiu correndo do quarto...
Só aí é que ele acordou! Quer dizer, nem
acordaram o comandante...! ...perguntando: "Nós fomos abordar no
que?" – "Abordar! Bem um iceberg, comandante, respondeu um dos
homens".
Algumas lâmpadas se acenderam nas cabines de
primeira e segunda classe. Começa novamente o arrepio.
Os senhores vão ver as reações...
Passageiros com olhos cheios de sono passaram
as cabeças por aquelas janelinhas redondas, que davam sobre o tombadilho.
"Por que é que nós paramos?", perguntou um deles ao maître d'hotel.
"Eu ignoro, senhor, mas eu não penso que se trate de qualquer coisa de
importância" – "Ah, está bem!"
Na sala de fumantes do navio, jogadores de
pôquer ainda estavam jogando a essa hora. Eles sentiram um ligeiro abalo, viram
desfilar uma montanha de gelo, alta de vinte metros pela janela da sala em que
eles estavam, mas a noite era calma e bela. O Titanic era insubmergível. Eles
nem sequer tomaram o trabalho de sair do lugar onde estavam. Continuaram a
jogar. Por que? Porque o Titanic é insubmergível...
De cada estralo sai cada bombada, sai coisas do
outro mundo! Mas a sociedade atual é insubmersível... Não se discute!
Entretanto, alguns da tripulação começaram a
compreender a situação e já entreviam que o ferimento do navio era mortal. Nos
porões notava-se, por algumas fendas, a água do mar que entrava aos borbotões.
Praticamente a proa do navio estava aberta para o mar. Em dois minutos houve
dois metros e meio de água na caldeira do navio....
Gravíssimos. Os sacos com correspondência
começaram a boiar no porão. Nas instalações de aquecimento do navio um jorro de
água de mar caiu em cima e apagou tudo. Os seis compartimentos da frente
estavam completamente inundados.
Em dez segundos, o iceberg tinha aberto no
navio insubmersível, um corte de noventa metros.... ... o diretor da Companhia,
chegou, afinal, ao tombadilho do navio, enrolado num grande chambre e
perguntou: "Afinal, o que é que está acontecendo?" O comandante... disse:
"Aconteceu que nós esbarramos num iceberg" – "O senhor crerá que
serão muito graves as avarias?"
Com um robe-de-chambre tão bom, com é que
poderia ter graves avarias?...
"O senhor crerá que serão muito graves as
avarias?" O comandante: "Eu receio bem".
Aos poucos a vida foi se reanimando no navio
onde todo mundo dormira. Homens e mulheres e crianças que acordaram, puseram
questões. A ordem foi dada de tirar as lonas dos barquinhos de salvamento. A
água subiu cada vez mais e até alguns passageiros já subiam dos andares mais
profundos com os pés molhados. Mas os passageiros, quase todos, ainda ignoravam
que o navio estava afundando.
Quer dizer, o navio pára, o navio esbarra,
alguns estão com os pés molhados, a pergunta é normal: "Não vai afundar
isso?" – "É insubmersível". Se é insubmergível, não afunda!
Diante das coisas mais evidentes, não tem perigo. É a mentalidade das épocas de
decadência...
Afirma o historiador:
"O navio era grande demais para que
simples icebergs, flutuando sem eira nem beira, pudessem lhe causar uma avaria
grave. A noite era calma demais, bela demais para trazer a morte".
Esse era o estado de espírito dos passageiros,
afirma esse historiador.
Lança o sinal de desespero, que naquele tempo
não era SOS, mas CQB. Os operadores lançaram o sinal de salvamento para todos
os navios da zona, e o navio Provence e o navio... responderam. Aos poucos
foram descendo para baixo para os barquinhos de salvamento, mas não com a
rapidez desejada, porque os marinheiros, eles mesmos relaxados, levaram muito
tempo para cada um vir tomar conta do barquinho que devia ir. De maneira que o
serviço de salvamento se efetuou com atraso. E alguns até nem sabiam para que
barquinhos deviam ir.
Havia sido esquecido de indicar para eles para
onde eles deviam ir em caso de naufrágio. Por que esqueceram? Razão muito
simples: não haveria naufrágio. Quer dizer, o barquinho estava mais lá como
enfeite do que como uma medida concreta.
Era preciso urrar as ordens para que os
marinheiros obedecessem. De outro lado, o navio começou a apitar horrendamente,
por efeitos acústicos da água que entrava por vários lados, de maneira tal que
ao cabo de algum tempo ninguém mais se entendia.
Os senhores devem imaginar passageiros
apavorados: "Não, o navio não pode afundar, está todo mudo mais ou menos
calmo". Essa obstinação...
À meia-noite e meia a ordem foi lançada:
"As mulheres e as crianças para os barquinhos". Separar-se do navio
que não pode afundar, para tomar um barquinho afundável... E o medo deles era
esse. Houve mesmo uma senhora que recusou e disse que do Titanic ela não saía.
Os empregados acabaram de acordar os
passageiros que ainda estavam dormindo e puseram neles os salva-vidas. Alguns
sorriam diante dessa precaução. Eles diziam: "Não, isso é um excesso de
precaução". E ainda sorriam...
O sinal de desespero, o CQD, foi dado com tal
potência, os aparelhos do navio eram tão bons, que em Nova York os jornais
começaram a tirar edições extraordinárias, sensacionalistas, anunciando que o
navio ia afundar, porque o sinal chegou até Nova York.
É um estado de espírito, que de um certo ponto
de vista é otimismo, e de outro ponto de vista é o pânico do medroso, que não
ousa olhar de frente a realidade, não quer se engajar na coisa.
O navio, de repente, começou a inclinar para
frente. Na ponte de passeio começam a se notar sinais de pânico. Um músico, por
exemplo, que corre de um lado para outro com seu instrumento. Preocupação fixa:
salvar o instrumento.
À meia-noite e quarenta e cinco desce a
primeira canoa, o primeiro barco de salvamento toca na água. As mulheres, que
estavam numa espécie de escada para tomar aquilo em baixo, resistem. Elas ficam
enloucadas de medo diante da ideia de deixar o Titanic e elas exclamam: "O
Titanic não pode ir a pique, ora essa, eu não vou entrar nesse barquinho".
Os homens encorajam as mulheres, dizendo para elas que se trata apenas de uma
medida de precaução, mas que o navio vai ser salvo. E despedem-se, muitos deles
assim, muitos homens às esposas: "Para o café da manhã nós nos encontramos
aqui de novo no navio". E as mulheres vão, enquanto os homens ficam.
Apesar desse pânico das mulheres que descem, o
resto dos passageiros se mostram calmos e todos vão subindo das cabines com
toda tranquilidade, para o tombadilho.
Os emigrantes se divertem enormemente com o
caso e conversam com animação. Para eles é novidade. Mais ainda: a orquestra de
bordo se reúne no tombadilho e começa a executar danças.
Os senhores estão vendo até onde pode ir este
estado de espírito...
Vejam isso. É incrível!
... aí foi posta fora a canoa número 6:
continha apenas 28 pessoas, só 28 embarcaram quando podia receber 65.
Mas é a obstinação: "Nosso navio não vai
afundar!"
A uma hora da manhã, a água continua a subir.
As canoas de salvação descem uma a uma para o mar. Os acentos da orquestra
chegam sempre através dos gritos de ordem dados da ponte de comando, para retardar
a entrada da água etc. Afinal, chega a vez da canoa número 1, mais confortável
e reservada para os milionários de bordo.
Isso é muito do tempo: uma canoa mais
confortável para os milionários.
Ela tem uma capacidade de quarenta homens, mas
contém somente Sir... e Lady... e dez outros passageiros. Os imigrantes, pelo
contrário, percebem o perigo e começam então a lutar uns com outros pelas suas
próprias canoas.
Quer dizer, esses menos apegados à vida, porque
têm menos dinheiro, e quando percebem o perigo, querem escapar mais depressa.
Os ricaços desdenham, por essa forma, a canoa de luxo, a salvação do luxo que
estava proporcionado a eles.
Para por em ordem os emigrantes, um oficial
desce entre eles e dá três tiros no ar. Quatro chineses, no meio do susto, por
via das dúvidas, entram numa canoa escondidos e ficam lá no fundo. E, de fato,
desceram.
A uma e vinte, começa-se a se notar na classe
mais alta também um certo pânico e o pessoal começa a querer também salvar-se.
Mas olhem, leva tempo, hein!?
Algumas senhoras começam a se despedir umas das
outras abraçando-se e beijando-se no choro. A água continua a subir, a
orquestra continua a tocar. A uma e meia o oficial é obrigado a dar tiros no ar
para segurar a classe de luxo que vai voando por cima das canoas também. Uma
mulher faz questão de levar consigo o cachorro dinamarquês. Como não permitem
que ela leve o cachorro, ela prefere não entrar dentro da canoa. O pintor
Millet perdeu o pequeno sorrisinho que ele costumava conservar sempre. Seus
lábios estão contraídos, ele traz cobertores para as mulheres e começa a fazer
para todo mundo gestos de adeus.
Quem conhece o Angelus de Millet, tão tranquilo...
...um judeu famoso, chamado Benjamin pelo
contrário, está vestido de um modo impecável de casaca e diz ao Millet:
"Eu subi de casaca para morrer como um gentleman".
O major.... ajudou as últimas mulheres a entrar
nas suas embarcações. Uma judia riquíssima, madame... está no ponto de colocar
o pé no barco quando ela se volta para o marido e diz o seguinte (o marido
estava numa espécie de escaler): "Nós passamos a vida inteira juntos e
havemos de morrer juntos". O marido topa a parada, ela volta para o navio.
O coronel John Jacob Astor, que é um sujeito
muito importante da Inglaterra, e sua jovem esposa, embarca sua jovem esposa e
quando ela parte vê-se que ele está batendo um cigarro numa cigarreira de luxo
e dizendo para ela: "Querida, não se incomode, daqui a pouco nós estaremos
juntos".
Um dito muito equivoco, não é?...
A orquestra continua a tocar. As duas horas da
manhã o Titanic entra em agonia e começa a se inclinar cada vez mais no sentido
longitudinal.
E aqui eles reproduzem o desenho que um
passageiro fez, de dentro de um barquinho, das várias fases do Titanic
afundando.
Mais ou menos 660 pessoas embarcaram. 1500
pessoas estão afundando junto com o navio. Com o rosto lívido, o comandante
aparece numa das portas e diz para a tripulação: "Meus caros, vós fizestes
vosso dever. Cada um agora trate de fazer o que puder, porque não há mais
barcos e todo mundo é livre".
O comandante volta para o seu posto de comando,
onde está o seu valet de chambre, o qual tranquilamente pergunta que ordem ele
tem para dar. No meio da classe de luxo irrompe uma figura horrorosa: era um
carvoeiro, todo sujo de carvão, louco de medo, que procura de todo lado um
salva-vidas. Entretanto, na sala de ginástica, o professor de educação física
está olhando dois gentleman que sobre bicicletas imóveis fazem exercícios e um
outro que joga ....ball, durante o naufrágio.
Essa coincidência de pânico com a
despreocupação completa são duas formas de pânico.
A orquestra afinal pára de tocar danças e
começa hinos religiosos.
Aí que eles se lembram de Deus...
Então, ouvem-se cânticos de passageiros que
então começam a rezar e acompanhar, e cantam todos juntos: "Perto de ti,
meu Deus, perto de ti". Algumas mulheres se ajoelham. Muitos correm
aloucadamente pela ponte. Quando o hino vai chegando ao fim o chefe da
orquestra, o violinista.... bate com o arco do violino contra um objeto de
madeira e encomenda a música "Outono" aos seus oito músicos, cujos
pés já estão dentro d’água e que fazem força para não cair, não rolar no
tombadilho já inundado. As pessoas começam a pular no mar gelado. Uma mulher
urra: "Salvem-me, salvem-me." Um homem lhe responde: "Só Deus
pode lhe salvar agora, minha boa senhora".
A orquestra começa a tocar o hino
"Outono" cujos dizeres são: "Deus de piedade e misericórdia,
inclina-te sobre as minhas dores".
São duas horas e dezessete da manhã; todas as
luzes do navio estão extintas e reina a escuridão por toda parte. Às duas horas
e dezoito começa-se a perceber homens que pulam de todos os lados no mar
gelado.
Quer dizer, desespero completo.
O navio vai inclinando cada vez mais; a parte
detrás está cada vez mais alta; ainda se ouvem hinos da orquestra tocando até o
fim.
Às duas horas e vinte, o maior navio do mundo
desapareceu. Ouvia-se só no mar um longo gemido contínuo, que saía de dentro,
que era o ar que o navio levava consigo e que era expulso por essa forma. As
embarcações para levar os passageiros começam a correr risco porque eram mal
construídas, mal armadas mal equipadas, e mal carregadas.
Ninguém tinha pensado nas medidas de prudência,
no maior navio do mundo. Por que? Porque o navio era insubmergível...
Em algumas havia por demais pouco marinheiros,
de tal maneira que as mulheres tinham que remar para o barquinho poder andar.
Houve uma lady, por exemplo, que tomou o leme do barco e guiou, porque os
marinheiros não davam conta do recado. Um italiano, que estava com um pulso
quebrado, se tinha oculto e se tinha disfarçado de mulher, com chapéu e capote
de mulher e envergonhado diante das mulheres (porque estas viam que ele não era
mulher e estava em uma embarcação destinada a mulheres).
Em algumas embarcações onde havia lugar de
sobra, os passageiros recusavam aos náufragos a entrada, e davam com o remo em
cima dos náufragos para ver se ao menos eles se salvavam. Em alguns lugares, as
mulheres ficavam loucas e os homens tinham que desmaiá-las, desacordá-las a
bofetadas, para elas não criarem dificuldades.
Afinal de contas apareceu um outro navio,
pegou-os e eles foram para Nova York.
Aqui a gente vê os náufragos nesse navio. Os
senhores sabem qual é o incrível? As poucas caras que a gente vê eram caras
sossegadas. Esse novo navio não era afundável, eles não tinham afundado, não ia
acontecer nada... Passou para outro. Provavelmente alguns pereceram depois da I
Guerra Mundial.
Esse é o estado de otimismo desesperado das
épocas de decadência.
Uma pessoa com esse estado de otimismo, se
pertencesse à TFP cometeria um erro que nenhum de nós cometeu, depois da bomba
que os terroristas colocaram na sede da (Rua) Martim Francisco, que seria
dizer: "Foi apenas um meteoro; não aconteceu nada. A sede da Rua Pará é
inatingível..." Isso seria esse estado de espírito.[1]
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