De modo geral, todo mundo entende o que se quer dizer quando se fala do
famoso “jeitinho brasileiro”. Trata-se
de algo que nasce e cresce em todo brasileiro de uma forma natural. Mas, vamos
ver como se pratica tal jeitinho de uma forma lícita ou de uma outra ilícita.
Vejamos alguns exemplos. Alguém chega a um hospital de pronto socorro,
mas é avisado que tem muitos na frente e tem que aguardar. Geralmente, as
pessoas necessitadas de atendimento de urgência dizem logo para o atendente: dá
um jeitinho aí. Quando o atendente diz ser impossível por causa das normas
internas, surgem então duas opções para o necessitado: esperar com paciência ou
procurar outros recursos, como ligar para um político amigo. Nesse último caso
está o jeitinho ilícito, pois se usa de um recurso para infringir as normas.
Um outro exemplo muito comum: ao ser multado por um guarda de trânsito,
pede-se ao mesmo para dar um jeito, isto é, não emitir a multa. Talvez seja
lícito o guarda, sob sua responsabilidade, atender o pedido e não lavrar a multa,
mas a coisa fica feia se o infringente oferecer uma propina ao mesmo. Pior, se
o guarda aceitar a propina. Aí, temos o jeito não apenas ilícito mas até
criminoso.
Soube do caso de uma senhora que usou do recurso desse jeitinho de uma
forma muito sutil, mas lícita. Seu filho foi acusado do crime de pedofilia,
sendo que ela deveria ser a única testemunha do caso pois moravam juntos apenas
ela com o filho e a suposta vítima. Chamada à delegacia para testemunhar, negou
tudo e disse que não ter visto nada, visando unicamente livrar seu filho da
prisão. Muitos pais, em casos semelhantes, simplesmente dão testemunho contra o
filho com o objetivo de castiga-lo. No caso dessa senhora, como de outros semelhantes,
ninguém pode condená-la por proteger o filho, e nisso podemos dizer que estamos
perante um caso de jeitinho brasileiro, podendo ser censurado por muitos, mas
legítimo por outros.
Enfim, existe uma infinidade de casos em que se pratica o jeitinho,
competindo apenas a nós analisarmos se lícitos ou ilícitos.
Talvez os piores casos de jeitinhos ilícitos sejam o da malandragem.
Uma figura que a
mídia sempre propagou foi a do malandro. Desde o início do século XX que ela é
apresentada como certo “modelo” ao nosso povo.
Quando se pretendia
criar uma música nova sobre o Rio, ou que se referia ao samba ou ao carnaval
carioca, a figura do malandro era sempre realçada. Foi assim que o famoso Noel
Rosa se destacou em suas melodias, embora seu título mais conhecido seja o de
“Poeta da Vila”. Mas outros compositores sobressaíram-se mais como exemplo de
malandros realizados e completos, como Dicrós e Bezerra da Silva, sambistas
famosos que criaram até uma música com o título de “ópera do malandro”, que é
também o nome de uma peça de Chico Buarque.
A fim de que a figura do malandro fosse mais propagada, a Walt Disney criou um personagem famoso, o Zé Carioca: um papagaio, como não poderia deixar de ser, muito esperto e que sempre sabe se sair bem das enrascadas e dar golpes até em seus amigos. Até a década de 60, havia um outro personagem que também personificava o malandro: foi o famoso “Amigo da Onça”, criação de Péricles Moreira da Rocha na revista “O Cruzeiro”, cuja esperteza era sempre elogiada pelos leitores da revista como exemplo de inteligência e sagacidade. Outros malandros ficaram célebres no passado, alguns criados no cinema, como Oscarito que o personificava muito bem.
Será que a figura
do malandro, sendo assim tão propalada como um exemplo para a sociedade, não
tornou-se um mal, por inspirar em todos a ideia de que é lícito ser esperto e
enganar os semelhantes? Quer dizer, será que essa figura não gerou o político
corrupto e o traficante labioso? Não que os tenha produzido na raiz, mas sim
que tenha criado clima psicológico na sociedade para que atuem impunemente. Nessa
figura podemos encontrar, na maioria dos casos, a aplicação do jeitinho ilícito.
Então, temos o jeitinho lícito e o ilícito, sendo este último resultado de pura esperteza. É claro que há um tipo de esperteza legítima, como aquela, por exemplo, da história do Gato de Botas, onde o gato faz seu amo passar por um marquês a fim de se sair bem das complicações em que se metiam. Mas a do malandro carioca sempre tendia para a desonestidade, a sagacidade para enganar o próximo, o esperto que vivia num mundo cercado de pessoas incautas e bobas. Pois bem, essa esperteza do malandro fez escola, muito bem assimilada pelos políticos e traficantes, que a usam naturalmente no seu dia a dia. Hoje, podemos constatar que a esquerda soube muito bem usar este tipo de malandragem, na qual eles são exímios.
Esse tipo de
esperteza, como a do malandro, porém, não é coisa nova. Há exemplos similares
no passado.
Temos exemplo
dentre os próprios bandidos. Um deles nos é contado pelo historiador francês
Henri Robert, ao retratar a vida de um bandido que dominava a Paris do Ancien
Regime. O tipo de esperteza dele é muito conhecido: fazia-se passar por um
homem bom e amigo dos humildes, auxiliando os mais necessitados dos bairros
pobres de Paris. Com isso conseguia proteger-se contra as investidas da
polícia, pois era ocultado dela pelos próprios moradores seus vizinhos, que o
tinham como um homem bom. Este tipo de esperteza tornou-se hoje o mais usado
pelos traficantes, ao lado, sempre, da malandragem, do engodo, etc. Há também a
lenda de Robin Hood que tornou mais popularizado esse método de acobertamento
de bandidos entre os cidadãos de bem. Quer dizer, não é nenhuma novidade. Nesse
caso não temos exemplos isolados de jeitinho, mas um conjunto de maus jeitinhos
produzidos pela esperteza somente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário