quarta-feira, 24 de setembro de 2025

A FIGURA DO MALANDRO E O JEITINHO BRASILEIRO

 


 

De modo geral, todo mundo entende o que se quer dizer quando se fala do famoso “jeitinho brasileiro”.  Trata-se de algo que nasce e cresce em todo brasileiro de uma forma natural. Mas, vamos ver como se pratica tal jeitinho de uma forma lícita ou de uma outra ilícita.

Vejamos alguns exemplos. Alguém chega a um hospital de pronto socorro, mas é avisado que tem muitos na frente e tem que aguardar. Geralmente, as pessoas necessitadas de atendimento de urgência dizem logo para o atendente: dá um jeitinho aí. Quando o atendente diz ser impossível por causa das normas internas, surgem então duas opções para o necessitado: esperar com paciência ou procurar outros recursos, como ligar para um político amigo. Nesse último caso está o jeitinho ilícito, pois se usa de um recurso para infringir as normas.

Um outro exemplo muito comum: ao ser multado por um guarda de trânsito, pede-se ao mesmo para dar um jeito, isto é, não emitir a multa. Talvez seja lícito o guarda, sob sua responsabilidade, atender o pedido e não lavrar a multa, mas a coisa fica feia se o infringente oferecer uma propina ao mesmo. Pior, se o guarda aceitar a propina. Aí, temos o jeito não apenas ilícito mas até criminoso.

Soube do caso de uma senhora que usou do recurso desse jeitinho de uma forma muito sutil, mas lícita. Seu filho foi acusado do crime de pedofilia, sendo que ela deveria ser a única testemunha do caso pois moravam juntos apenas ela com o filho e a suposta vítima. Chamada à delegacia para testemunhar, negou tudo e disse que não ter visto nada, visando unicamente livrar seu filho da prisão. Muitos pais, em casos semelhantes, simplesmente dão testemunho contra o filho com o objetivo de castiga-lo. No caso dessa senhora, como de outros semelhantes, ninguém pode condená-la por proteger o filho, e nisso podemos dizer que estamos perante um caso de jeitinho brasileiro, podendo ser censurado por muitos, mas legítimo por outros.

Enfim, existe uma infinidade de casos em que se pratica o jeitinho, competindo apenas a nós analisarmos se lícitos ou ilícitos.

Talvez os piores casos de jeitinhos ilícitos sejam o da malandragem.  

 Qual o papel da figura do malandro na psicologia popular?

Uma figura que a mídia sempre propagou foi a do malandro. Desde o início do século XX que ela é apresentada como certo “modelo” ao nosso povo.

 Primeiramente, veio o malandro do samba, do morro, pintado como um cara esperto e ladino, conseguindo levar vida mansa, inclusive enganando aos incautos. Esse modelo de esperteza ganhou a simpatia popular e passou a pautar a vida pública, inclusive de políticos. Para contrastar com a figura do malandro, criaram a figura daquele que é facilmente lesado por ele, chamado de “Mané”.

Quando se pretendia criar uma música nova sobre o Rio, ou que se referia ao samba ou ao carnaval carioca, a figura do malandro era sempre realçada. Foi assim que o famoso Noel Rosa se destacou em suas melodias, embora seu título mais conhecido seja o de “Poeta da Vila”. Mas outros compositores sobressaíram-se mais como exemplo de malandros realizados e completos, como Dicrós e Bezerra da Silva, sambistas famosos que criaram até uma música com o título de “ópera do malandro”, que é também o nome de uma peça de Chico Buarque.

A fim de que a figura do malandro fosse mais propagada, a Walt Disney criou um personagem famoso, o Zé Carioca: um papagaio, como não poderia deixar de ser, muito esperto e que sempre sabe se sair bem das enrascadas e dar golpes até em seus amigos. Até a década de 60, havia um outro personagem que também personificava o malandro: foi o famoso “Amigo da Onça”, criação de Péricles Moreira da Rocha na revista “O Cruzeiro”, cuja esperteza era sempre elogiada pelos leitores da revista como exemplo de inteligência e sagacidade. Outros malandros ficaram célebres no passado, alguns criados no cinema, como Oscarito que o personificava muito bem.

Será que a figura do malandro, sendo assim tão propalada como um exemplo para a sociedade, não tornou-se um mal, por inspirar em todos a ideia de que é lícito ser esperto e enganar os semelhantes? Quer dizer, será que essa figura não gerou o político corrupto e o traficante labioso? Não que os tenha produzido na raiz, mas sim que tenha criado clima psicológico na sociedade para que atuem impunemente. Nessa figura podemos encontrar, na maioria dos casos, a aplicação do jeitinho ilícito.

Então, temos o jeitinho lícito e o ilícito, sendo este último resultado de pura esperteza. É claro que há um tipo de esperteza legítima, como aquela, por exemplo, da história do Gato de Botas, onde o gato faz seu amo passar por um marquês a fim de se sair bem das complicações em que se metiam. Mas a do malandro carioca sempre tendia para a desonestidade, a sagacidade para enganar o próximo, o esperto que vivia num mundo cercado de pessoas incautas e bobas. Pois bem, essa esperteza do malandro fez escola, muito bem assimilada pelos políticos e traficantes, que a usam naturalmente no seu dia a dia. Hoje, podemos constatar que a esquerda soube muito bem usar este tipo de malandragem, na qual eles são exímios.

Esse tipo de esperteza, como a do malandro, porém, não é coisa nova. Há exemplos similares no passado.

Temos exemplo dentre os próprios bandidos. Um deles nos é contado pelo historiador francês Henri Robert, ao retratar a vida de um bandido que dominava a Paris do Ancien Regime. O tipo de esperteza dele é muito conhecido: fazia-se passar por um homem bom e amigo dos humildes, auxiliando os mais necessitados dos bairros pobres de Paris. Com isso conseguia proteger-se contra as investidas da polícia, pois era ocultado dela pelos próprios moradores seus vizinhos, que o tinham como um homem bom. Este tipo de esperteza tornou-se hoje o mais usado pelos traficantes, ao lado, sempre, da malandragem, do engodo, etc. Há também a lenda de Robin Hood que tornou mais popularizado esse método de acobertamento de bandidos entre os cidadãos de bem. Quer dizer, não é nenhuma novidade. Nesse caso não temos exemplos isolados de jeitinho, mas um conjunto de maus jeitinhos produzidos pela esperteza somente.

 Vejam também nossa postagem anterior sobre o tema:

 https://quodlibeta.blogspot.com/2011/11/qual-o-papel-da-figura-do-malandro-na.html

 (publicada em 14 de novembro de 2011)

 

 

Nenhum comentário: