Certo dia em 1963, o Autor estava encarregado
do expediente vespertino na sede da Rua Martim Francisco, quando ouviu soar a
campainha interna, acionada por Dr. Plínio, o qual trabalhava na sala dos fundos.
Entrou, segundo o costume, e ajoelhou-se para servir água, pensando ao mesmo
tempo em como poderia formular o seu desejo a respeito das reuniões da noite.
Mas, de modo inesperado, o seu pai espiritual lhe disse:
- Então, meu filho. Faça alguma pergunta.
Ele respondeu:
- Dr. Plinio, mais do que uma pergunta, eu
queria expor uma situação e fazer ao senhor um pedido.
- Qual é o pedido?
- Às vezes um ou outro de nós tem sido
convocado no fim do dia para subir à Sede do Reino de Maria, a fim de tratar com
os mais velhos algum assunto de trabalho quando termina a reunião da noite. Nós
sabemos que o senhor dá verdadeiras pérolas nessas reuniões, e aproveitamos
assim para conversar com eles, procurando ouvir os ecos dos comentários do
senhor. Então, eu desejaria pedir licença para fazer todas as noites,
oficialmente, o que temos feito de vez em quando: ir à sede da Rua Pará, e ali
colher um pouco das migalhas que caem da mesa dos mais antigos. O senhor veria
isso com maus olhos, Dr. Plínio?
Num gesto de surpresa, ele se afastou um pouco
para trás, olhou fixamente quem lhe falava e disse:
- Ora! O que é isso? Vocês não são filhos?
- Sim, nós temos o senhor como pai.
- Como é possível que um pai alimente seus
filhos com migalhas que caem da mesa? Não pode ser! Isso se faz, quando muito,
com os animais, mas não com os filhos. Vamos dar um jeito nisso. Diga-me: vocês
têm alguma atividade depois da meia noite?
- Não. A essa hora estamos livres de qualquer
obrigação.
- Teriam tempo de subir à Rua Pará todas as
noites, quando termina a reunião?
- Sim, claro que temos tempo! Já fazemos
justamente isso.
- Então, vamos proceder da seguinte forma.
Apareçam lá pouco antes desse horário e, à meia-noite em ponto, passem-me um
bilhete avisando que chegaram. Terminada a reunião eu mandarei abrir as portas,
convidarei vocês a entrarem e farei o comentário de algum texto, por exemplo a
respeito do Santo do Dia, para os novos e os antigos, durante uns vinte
minutos. Como é evidente, não haverá cadeiras para vocês, e terão de ouvir em
pé. E alguém precisaria me preparar quatro ou cinco parágrafos sobre a vida de
cada Santo. Você acha que está bem assim?
- Está perfeito! Excelente! Podemos começar
hoje à noite?
- Sim, pode ser. Comunique que estão
autorizados a comparecer todos aqueles que quiserem.
Assim, naquele mesmo dia, 24 de fevereiro de
1963, foi preparada a resenha sobre o Santo correspondente à data, São Matias
Apóstolo, e à noite todos assistiram ao comentário, como prolongamento da
Reunião Normal. Estava oficializada a entrada dos mais jovens à Sede do Reino
de Maria, e nascia a instituição destinada a perdurar ao longo de toda a vida
de Dr. Plínio, surgida de uma súplica atendida com zelo paternal: o Santo do Dia.”[1]
Como era um Santo do
Dia?
Os felizes beneficiados por essa nova
instituição eram, de início, vinte jovens. Eles saíam a pé de sua sede na Rua
Aureliano Coutinho, chegavam cedo à Sede do Reino de Maria, quando a reunião
ainda estava longe de terminar, e dirigiam-se à porta do último cômodo antes do
Auditório da Santa Sabedoria, chamado Sala da Mesa, que ficava fechado até
concluir a reunião. Logo formavam fila, à espera de serem chamados. O Autor,
entretanto, já comparecia às dez e meia, horário em que começava a Reunião
Normal, e ali permanecia pronto para ser dos primeiros a entrar e assim poder
assistir ao Santo do Dia num lugar à frente, o mais perto possível de Dr.
Plínio, não apenas para ouvir bem suas palavras e acompanhar os temas
desenvolvidos, mas, sobretudo, por sentir nessa proximidade com ele uma intensidade
maior de graças, de união de almas e de transmissão de seu espírito.
Assim, quando por volta da meia-noite eram
abertas as portas que separavam aquele auditório, composto de trinta poltronas,
do jardim e da Sala da Lareira, todos eles entravam correndo, cheios de
entusiasmo, mas com ordem e disciplina. Os mais ágeis enchiam o corredor
central, enquanto outros se apinhavam nas janelas atrás de Dr. Plínio, e os
demais ocupavam a sala do lado. Eram levadas as fichas contendo informações
sobre o Santo do dia numa pequena pasta de couro, e então começava o
comentário, o qual durava 15 ou vinte minutos, chegando às vezes a completar
meia hora.
Mais de vinte anos depois, será o próprio Dr.
Plínio quem guardará desses momentos uma recordação saudosa: “Eu me lembro bem:
quando chegava a meia-noite, abria-se a porta que dava para o jardim e era o
estouro dos jovens que entravam. Bem na frente, vibrando com a vitalidade que
os senhores todos conhecem e com a fidelidade que nós todos admiramos, o meu
querido João Clá entre outros. Enchiam as duas salas. A sala de reuniões, a
Sala da Mesa. E começavam a ouvir o Santo do Dia”[2]
Tão numerosos, originais e substanciosos são os
ensinamentos proferidos ao longo de três décadas de Santo do Dia, até o ano de
1995, que sua menção mereceria constituir obra à parte, com volumes em número
indefinido. Entretanto, a fim de nos introduzirmos por uns instantes no
ambiente do Auditório da Santa Sabedoria e participarmos do clima de fervor que
se estabelecia nessas ocasiões, nada melhor do que percorrermos algumas das
primeiras linhas dessa imensa sequência, na qual a figura de cada Santo ou o
objeto de cada festa foram motivos para a manifestação de diversos aspectos da
catolicidade e profunda piedade de Dr. Plínio.
A festa da Visitação de Nossa Senhora, por
exemplo, deu oportunidade para seus discípulos se beneficiarem com inéditas
considerações sobre o Magnificat, nas
quais muito haveria para admirar e meditar. “Quem é o poderoso e quem é o
humilde? O humilde é o que atribui tudo a Deus, como Ela o fez nesse cântico,
isto é, reconhece ser Deus a origem de todo bem e a fonte de todo poder, e que
sem o seu concurso nada podemos na ordem sobrenatural, como também na ordem
natural. O poderoso de que fala a Santíssima Virgem é quem não reconhece isso e
pensa que tem poder independente do concurso divino. Então, ‘Deus depôs os
poderosos e elevou os humildes’ é uma tese, seguida de todos os argumentos até
o final, e canta muito equilibradamente a grandeza de Deus em sua misericórdia
e em sua justiça, e o domínio d’Ele sobre todo o universo. É o hino triunfal da
grandeza de Deus!”[3]
Não menos belo e categórico é o conselho dado
por ele em outra ocasião, ao comentar a defecção do Apóstolo Pedro na hora
dramática da Paixão: “Há soldados que vão à guerra por medo de um riso, para
não cair no ridículo. Não há nada que assuste mais os poltrões do que serem
ridicularizados. Não sejamos nós como esses poltrões, mas enfrentemos o riso
toda vez que se fizer necessário para a causa de Deus”.[4]
E o que dizer da ousada afirmação proferida
quando lhe pediram para fazer algum comentário sobre a festa de Nossa Senhora
Rainha da Paz? “Há uma atitude fundamental de inimizade e de guerra da Rainha
da Paz. Ela sozinha esmagou todas as heresias, e por isso as lutas empreendidas
pela Igreja em toda a História, contra os hereges, antes de tudo são travadas e
vencidas pela Rainha da Paz. Então, que paz é esta? Como Nossa Senhora é a
Rainha da Paz, se o espírito d’Ela nos leva à guerra? O que é a paz? É a
tranquilidade da ordem. Quando uma alma tem o firme propósito de se manter na
ordem, custe o que custar e por maiores que sejam as dificuldades e as
angústias a enfrentar, só aí ela tem a paz. Nossa Senhora não perdeu a paz, nem
mesmo no Calvário, porque Ela possuía a tranquilidade da ordem em seu espírito,
cumprindo o seu dever”.[5]
E a festa de Santo Ambrósio deu a Dr. Plínio
ensejo para deixar transparecer o seu ardoroso amor em relação à sagrada
hierarquia, ao comentar a famosa cena do grande Bispo de Milão enfrentando o imperador
às portas de sua catedral. “São fatos
que se tornam símbolos para os vinte séculos da História Eclesiástica. No
momento em que Teodósio ia ingressar, ele encontrou Santo Ambrósio com todo o
seu clero do lado de fora, proibindo-o entrar. Teodósio se arrependeu e se
humilhou. Essa atitude do poder espiritual em relação ao poder temporal lembra
um princípio ao qual nós devemos ser sumamente afeitos: quando as potências
humanas não andam bem, sejam elas de que natureza forem e apresentem-se ao título
que se apresentarem, por mais que sejam exaltadas e glorificadas na sociedade
civil, é missão do clero enfrenta-las, humilhá-las e quebra-las, com vistas à
glória de Deus. E por esta forma torna-se claro que, em face da eternidade,
elas passam e se reduzem a nada. Afinal de contas, a única coisa que fica
sempre, que vale sempre e está acima de tudo, é a Santa Igreja Católica
Apostólica Romana, a Igreja de Deus”.[6]
Assim, os Santos do Dia foram se sucedendo ao longo de toda a década de 1960. Mais tarde, as duas reuniões da noite se fundiram numa única, conservando sempre o título de Santo do Dia, inclusive quando outros temas, não ligados à vida dos Bem-aventurados, fossem nela abordados.[7]
[1]
Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, EP -
“O Dom da Sabedoria na Mente, Vida e Obra de PLÍNIO CORRÊA DE OLIVEIRA”
– Vítima expiatória – vol. IV, pág.31/33 – e 35
[2]
Santo do dia de Sábado, 23/2/1980.
[3]
Santo do Dia, 2/7/1963
[4]
Santo do Dia, 24/6/1964
[5]
Santo do dia, 10/7/1964
[6]
Santo do Dia, 7/12/1964
[7]
Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, EP -
“O Dom da Sabedoria na Mente, Vida e Obra de PLÍNIO CORRÊA DE OLIVEIRA”
– Vítima expiatória – vol. IV, págs.31/39
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