sábado, 3 de maio de 2025

SANTO DO DIA: INSTITUIÇÃO QUE NASCEU DE UM PEDIDO

 




Certo dia em 1963, o Autor estava encarregado do expediente vespertino na sede da Rua Martim Francisco, quando ouviu soar a campainha interna, acionada por Dr. Plínio, o qual trabalhava na sala dos fundos. Entrou, segundo o costume, e ajoelhou-se para servir água, pensando ao mesmo tempo em como poderia formular o seu desejo a respeito das reuniões da noite. Mas, de modo inesperado, o seu pai espiritual lhe disse:

- Então, meu filho. Faça alguma pergunta.

Ele respondeu:

- Dr. Plinio, mais do que uma pergunta, eu queria expor uma situação e fazer ao senhor um pedido.

- Qual é o pedido?

- Às vezes um ou outro de nós tem sido convocado no fim do dia para subir à Sede do Reino de Maria, a fim de tratar com os mais velhos algum assunto de trabalho quando termina a reunião da noite. Nós sabemos que o senhor dá verdadeiras pérolas nessas reuniões, e aproveitamos assim para conversar com eles, procurando ouvir os ecos dos comentários do senhor. Então, eu desejaria pedir licença para fazer todas as noites, oficialmente, o que temos feito de vez em quando: ir à sede da Rua Pará, e ali colher um pouco das migalhas que caem da mesa dos mais antigos. O senhor veria isso com maus olhos, Dr. Plínio?

Num gesto de surpresa, ele se afastou um pouco para trás, olhou fixamente quem lhe falava e disse:

- Ora! O que é isso?  Vocês não são filhos?

- Sim, nós temos o senhor como pai.

- Como é possível que um pai alimente seus filhos com migalhas que caem da mesa? Não pode ser! Isso se faz, quando muito, com os animais, mas não com os filhos. Vamos dar um jeito nisso. Diga-me: vocês têm alguma atividade depois da meia noite?

- Não. A essa hora estamos livres de qualquer obrigação.

- Teriam tempo de subir à Rua Pará todas as noites, quando termina a reunião?

- Sim, claro que temos tempo! Já fazemos justamente isso.

- Então, vamos proceder da seguinte forma. Apareçam lá pouco antes desse horário e, à meia-noite em ponto, passem-me um bilhete avisando que chegaram. Terminada a reunião eu mandarei abrir as portas, convidarei vocês a entrarem e farei o comentário de algum texto, por exemplo a respeito do Santo do Dia, para os novos e os antigos, durante uns vinte minutos. Como é evidente, não haverá cadeiras para vocês, e terão de ouvir em pé. E alguém precisaria me preparar quatro ou cinco parágrafos sobre a vida de cada Santo. Você acha que está bem assim?

- Está perfeito! Excelente! Podemos começar hoje à noite?

- Sim, pode ser. Comunique que estão autorizados a comparecer todos aqueles que quiserem.

Assim, naquele mesmo dia, 24 de fevereiro de 1963, foi preparada a resenha sobre o Santo correspondente à data, São Matias Apóstolo, e à noite todos assistiram ao comentário, como prolongamento da Reunião Normal. Estava oficializada a entrada dos mais jovens à Sede do Reino de Maria, e nascia a instituição destinada a perdurar ao longo de toda a vida de Dr. Plínio, surgida de uma súplica atendida com zelo paternal: o Santo do Dia.”[1]

 

Como era um Santo do Dia?

Os felizes beneficiados por essa nova instituição eram, de início, vinte jovens. Eles saíam a pé de sua sede na Rua Aureliano Coutinho, chegavam cedo à Sede do Reino de Maria, quando a reunião ainda estava longe de terminar, e dirigiam-se à porta do último cômodo antes do Auditório da Santa Sabedoria, chamado Sala da Mesa, que ficava fechado até concluir a reunião. Logo formavam fila, à espera de serem chamados. O Autor, entretanto, já comparecia às dez e meia, horário em que começava a Reunião Normal, e ali permanecia pronto para ser dos primeiros a entrar e assim poder assistir ao Santo do Dia num lugar à frente, o mais perto possível de Dr. Plínio, não apenas para ouvir bem suas palavras e acompanhar os temas desenvolvidos, mas, sobretudo, por sentir nessa proximidade com ele uma intensidade maior de graças, de união de almas e de transmissão de seu espírito.

Assim, quando por volta da meia-noite eram abertas as portas que separavam aquele auditório, composto de trinta poltronas, do jardim e da Sala da Lareira, todos eles entravam correndo, cheios de entusiasmo, mas com ordem e disciplina. Os mais ágeis enchiam o corredor central, enquanto outros se apinhavam nas janelas atrás de Dr. Plínio, e os demais ocupavam a sala do lado. Eram levadas as fichas contendo informações sobre o Santo do dia numa pequena pasta de couro, e então começava o comentário, o qual durava 15 ou vinte minutos, chegando às vezes a completar meia hora.

Mais de vinte anos depois, será o próprio Dr. Plínio quem guardará desses momentos uma recordação saudosa: “Eu me lembro bem: quando chegava a meia-noite, abria-se a porta que dava para o jardim e era o estouro dos jovens que entravam. Bem na frente, vibrando com a vitalidade que os senhores todos conhecem e com a fidelidade que nós todos admiramos, o meu querido João Clá entre outros. Enchiam as duas salas. A sala de reuniões, a Sala da Mesa. E começavam a ouvir o Santo do Dia”[2]

Tão numerosos, originais e substanciosos são os ensinamentos proferidos ao longo de três décadas de Santo do Dia, até o ano de 1995, que sua menção mereceria constituir obra à parte, com volumes em número indefinido. Entretanto, a fim de nos introduzirmos por uns instantes no ambiente do Auditório da Santa Sabedoria e participarmos do clima de fervor que se estabelecia nessas ocasiões, nada melhor do que percorrermos algumas das primeiras linhas dessa imensa sequência, na qual a figura de cada Santo ou o objeto de cada festa foram motivos para a manifestação de diversos aspectos da catolicidade e profunda piedade de Dr. Plínio.

A festa da Visitação de Nossa Senhora, por exemplo, deu oportunidade para seus discípulos se beneficiarem com inéditas considerações sobre o Magnificat, nas quais muito haveria para admirar e meditar. “Quem é o poderoso e quem é o humilde? O humilde é o que atribui tudo a Deus, como Ela o fez nesse cântico, isto é, reconhece ser Deus a origem de todo bem e a fonte de todo poder, e que sem o seu concurso nada podemos na ordem sobrenatural, como também na ordem natural. O poderoso de que fala a Santíssima Virgem é quem não reconhece isso e pensa que tem poder independente do concurso divino. Então, ‘Deus depôs os poderosos e elevou os humildes’ é uma tese, seguida de todos os argumentos até o final, e canta muito equilibradamente a grandeza de Deus em sua misericórdia e em sua justiça, e o domínio d’Ele sobre todo o universo. É o hino triunfal da grandeza de Deus!”[3]

Não menos belo e categórico é o conselho dado por ele em outra ocasião, ao comentar a defecção do Apóstolo Pedro na hora dramática da Paixão: “Há soldados que vão à guerra por medo de um riso, para não cair no ridículo. Não há nada que assuste mais os poltrões do que serem ridicularizados. Não sejamos nós como esses poltrões, mas enfrentemos o riso toda vez que se fizer necessário para a causa de Deus”.[4]

E o que dizer da ousada afirmação proferida quando lhe pediram para fazer algum comentário sobre a festa de Nossa Senhora Rainha da Paz? “Há uma atitude fundamental de inimizade e de guerra da Rainha da Paz. Ela sozinha esmagou todas as heresias, e por isso as lutas empreendidas pela Igreja em toda a História, contra os hereges, antes de tudo são travadas e vencidas pela Rainha da Paz. Então, que paz é esta? Como Nossa Senhora é a Rainha da Paz, se o espírito d’Ela nos leva à guerra? O que é a paz? É a tranquilidade da ordem. Quando uma alma tem o firme propósito de se manter na ordem, custe o que custar e por maiores que sejam as dificuldades e as angústias a enfrentar, só aí ela tem a paz. Nossa Senhora não perdeu a paz, nem mesmo no Calvário, porque Ela possuía a tranquilidade da ordem em seu espírito, cumprindo o seu dever”.[5]

E a festa de Santo Ambrósio deu a Dr. Plínio ensejo para deixar transparecer o seu ardoroso amor em relação à sagrada hierarquia, ao comentar a famosa cena do grande Bispo de Milão enfrentando o imperador às portas de sua catedral.  “São fatos que se tornam símbolos para os vinte séculos da História Eclesiástica. No momento em que Teodósio ia ingressar, ele encontrou Santo Ambrósio com todo o seu clero do lado de fora, proibindo-o entrar. Teodósio se arrependeu e se humilhou. Essa atitude do poder espiritual em relação ao poder temporal lembra um princípio ao qual nós devemos ser sumamente afeitos: quando as potências humanas não andam bem, sejam elas de que natureza forem e apresentem-se ao título que se apresentarem, por mais que sejam exaltadas e glorificadas na sociedade civil, é missão do clero enfrenta-las, humilhá-las e quebra-las, com vistas à glória de Deus. E por esta forma torna-se claro que, em face da eternidade, elas passam e se reduzem a nada. Afinal de contas, a única coisa que fica sempre, que vale sempre e está acima de tudo, é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, a Igreja de Deus”.[6]

Assim, os Santos do Dia foram se sucedendo ao longo de toda a década de 1960. Mais tarde, as duas reuniões da noite se fundiram numa única, conservando sempre o título de Santo do Dia, inclusive quando outros temas, não ligados à vida dos Bem-aventurados, fossem nela abordados.[7]



[1] Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, EP -  “O Dom da Sabedoria na Mente, Vida e Obra de PLÍNIO CORRÊA DE OLIVEIRA” – Vítima expiatória – vol. IV, pág.31/33 – e 35

[2] Santo do dia de Sábado, 23/2/1980.

[3] Santo do Dia, 2/7/1963

[4] Santo do Dia, 24/6/1964

[5] Santo do dia, 10/7/1964

[6] Santo do Dia, 7/12/1964

[7] Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, EP -  “O Dom da Sabedoria na Mente, Vida e Obra de PLÍNIO CORRÊA DE OLIVEIRA” – Vítima expiatória – vol. IV, págs.31/39

 


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