Se é verdade que a liberdade para mim consiste em
que os bons movimentos que brotam de mim, ora pela ação da natureza, ora pela
ação da graça, cheguem a seu termo normal, como esses movimentos são sempre de
acordo com os Mandamentos, acontece que, quando obedeço aos Mandamentos, exerço
minha liberdade. Nesta perspectiva, a plenitude da liberdade é idêntica a
obedecer.
Entretanto, na minha liberdade vejo que sou
concebido no pecado original. E que eu conheço o suficiente a respeito do bem
para saber que é mais amplo do que minha mentalidade pode abarcar, de maneira
que algo eu vejo e algo não vejo. Logo, eu devo me apoiar em quem vê. Assim,
minha liberdade consiste em procurar quem vê e pedir-lhe que me leve, que me
esclareça para eu andar.
Conformando meu modo de ver ao daquele que me
explica, que me persuade e que eu vejo que vê mais do que eu e que, portanto,
devo seguir, embora eu não compreenda, eu obedeço. Mas, no fundo, exerço minha
liberdade, porque sigo aquele caminho que devo querer seguir e que há de levar
a bom termo os bons movimentos de minha alma.
Por fim, há um terceiro modo de liberdade. Quando
vários querem fazer uma obra, está na natureza das coisas que haja um que
mande, porque do contrário a obra não se faz.
Isso era assim mesmo antes do pecado original e é um ponto aceito pelos
teólogos unanimemente. Se Adão e Eva não tivessem pecado, teria havido governo,
teria havido estados, teria havido nações, teria havido uma organização
incomparavelmente mais perfeita do que a atual, mas com uma autoridade.
Por que eu, obedecendo à autoridade, que
eventualmente pode até ver menos do que eu, mas que é autoridade, exerço minha
liberdade? É porque se eu quero que as coisas estejam em ordem, eu hei de
compreender que há de haver uma autoridade que possivelmente veja menos do que
eu, mas que mande. E eu farei o que a autoridade manda.
De maneira que continuamente, segundo a Doutrina
Católica, o exercício da obediência é o exercício da fina ponta da liberdade. E
a dignidade do homem não consiste, como diz a Revolução, em não obedecer, mas
em obedecer a quem se deve.
(Extraído da Revista “Dr. Plínio”, edição de março de 2025,
pág. 17; conferência de Dr. Plínio Corrêa de Oliveira sobre a sagrada escravidão a Nossa Senhora)
Em outra oportunidade, a liberdade quando é vista num
direito, Dr. Plínio defende que esse direito é de fazer o bem. Não tem sentido,
portanto, certo ‘direito” de ter liberdade de fazer tudo o que desejar, inclusive
o mal.
“O DIREITO DE FAZER O BEM”
Plínio Corrêa de Oliveira
É o momento de dizer uma palavra
sobre a livre iniciativa.
Tanto se fala, em nossos dias, da liberdade individual, consequência natural da
condição de ente dotado de alma e corpo, de inteligência, vontade e
sensibilidade, como é o homem.
Infelizmente, contudo, o zelo por
essa liberdade se aplica cada vez mais em restringir o poder do Estado na
repressão da imoralidade, do vício e do crime. Vivemos, por exemplo, na era da
anarquia penitenciária, do que fatos ocorridos recentemente no Brasil dão
exemplos consternadores.
Porém, os zelotes[3] da liberdade dão cada vez menos
mostras de seu empenho em defender as legítimas liberdades do homem de bem
contra essa ação do Estado, ora invasora quase até as raias do totalitarismo,
ora omissa quase até as raias da anarquia. Assim, a proibição de uma peça de
teatro imoral pode dar ocasião a que se desencadeie contra o Governo um
verdadeiro estrondo publicitário. E a eventual atuação da polícia contra
piquetes grevistas pode ocasionar algo análogo. Tudo em nome da liberdade.
De maneira que propagar no palco o vício ou o crime seria um “direito humano”.
Usar de violência para impedir a colegas que trabalhem honestamente no sustento
do lar, também seria um “direito humano”.
Ora, a liberdade do homem
consiste essencialmente no direito de fazer o bem.
Por disposição divina, o homem
tem necessidades a enfrentar nesta vida, mas ao mesmo tempo é dotado de
recursos para prover essas necessidades. Os problemas de cada homem devem ser resolvidos
antes de tudo por ele mesmo, isto é, com a utilização de seus dotes de corpo e
muito principalmente dos de alma. O direito de utilizar em favor de si mesmo
sua própria inteligência, os recursos de sua própria sensibilidade - nisso
consiste a livre iniciativa. Negá-la, mutilá-la, criar-lhes entraves
usurpatórios, é tratar o homem parcial ou inteiramente como coisa, como objeto
inanimado.
Nos casos em que o homem se
encontre legitimamente impedido de prover por si as próprias necessidades, é
natural que ele recorra à ação supletiva do grupo social que lhe é mais
próximo, ou seja, a família.
Quando a ação subsidiária da
família se verifica legitimamente insuficiente, pode o homem recorrer a outros
grupos menos próximos, como associações profissionais, caritativas, etc.
Na eventualidade de mesmo então
não encontrar a ajuda necessária, está o homem no direito de recorrer, também
subsidiariamente, à ação do grande grupo que sobrepaira a todos os outros, e na
mais alta instância o protege: o Estado.
O princípio de subsidiariedade,
assim descrito, situa a livre iniciativa no âmago de um conjunto de círculos
concêntricos sucessivamente destinados a ajudá-la.
É ela exatamente o oposto do
coletivismo, que se propõe a estancá-la.
Com efeito, o Estado coletivista
impede toda iniciativa individual, suprime a família e os demais grupos
intermediários entre o indivíduo e o Estado, e enfeixa tudo nas mãos do Poder
Público, dotado, para dominar a cada qual, do cetro da propaganda monopolizada,
e da terrível chibata da perseguição policial.
Em consequência dos princípios enunciados, o Governo deveria demonstrar ao povo
que, de fato, nas condições atuais do Brasil, o direito natural imprescritível
do homem ou do bem comum nacional exigem a reforma agrária.
Tal demonstração ela a deveria
fazer em duas ordens de ideias:
a) Na linha da justiça, provando
que a atual estrutura fundiária do País é injusta;
b) Na linha do bem comum social e
econômico, demonstrando que a atual situação fundiária é contrária ao interesse
coletivo, porque não produz suficientemente.
Mas para isto seria indispensável
que ele exibisse a argumentação doutrinariamente correspondente, bem como
estatísticas, pesquisas, análises e relatórios em abundância, para que o povo
pudesse formar seu juízo sobre a matéria. Porém, nada disso fez ele.
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