Estive lendo, antes de vir para
cá, um resumo biográfico muito condensado da vida de um dos maiores santos da
Igreja que foi Santo Atanásio e alguns dos aspectos de sua vida, que eu não
conhecia, e me parece bem comentá-los aqui com os senhores.
Os senhores todos sabem que Santo
Atanásio (296-373) viveu no tempo do Imperador Constantino e de seus sucessores
imediatos. Quer dizer, naquela época em que a Igreja estava saindo das
catacumbas e se organizando à luz do dia. Nesta época, ao mesmo tempo que as perseguições promovidas
pelos pagãos estavam em declínio, a Igreja sofria de um outro flagelo,
certamente pior do que a perseguição dos pagãos: heresias e divisões internas.
Uma das maiores heresias de toda a História grassou exatamente no tempo de
Santo Atanásio e Constantino, a dos arianos, que afirmava
que Nosso Senhor Jesus Cristo tinha uma natureza apenas humana: não era Deus,
era um grande homem, um homem extraordinário.
E essa heresia importava na
negação completa da religião católica. Reduzir Nosso Senhor Jesus Cristo a um puro homem é negar a religião
católica por inteiro.
Os arianos, que eram muito
poderosos, espalharam-se rapidamente por todo o Império Romano, que se
localizava mais ou menos em torno da bacia do Mediterrâneo e – como eram
exímios em toda espécie de intrigas e na organização de toda espécie de
difamação – obtiveram influências na corte imperial e arrastaram um tal número
de fiéis, inclusive sacerdotes e bispos atrás de si, que Santo Atanásio declarou que um belo dia o
mundo inteiro gemeu porque, ao amanhecer, deu-se conta de que era ariano.
Quer dizer, de um momento para outro essa heresia grassou por toda parte, e
como que todo mundo se tinha tornado ariano.
Nesta
luta contra o arianismo, o grande gigante foi Santo Atanásio. Ele era patriarca – ou seja,
mais do que um arcebispo – de Alexandria, que era uma das grandes sedes
episcopais da antiguidade. Ele foi – não me lembro bem se quatro ou seis vezes
– obrigado a sair fugindo da cidade de Alexandria por causa das conspirações
dos arianos contra si. Os arianos conseguiram vários decretos imperiais
expulsando-o para esta ou aquela parte do império romano, muitas vezes
perseguido de morte, e ao longo dessas perseguições e dessa luta tremenda que
travou, alguns não são tão conhecidos. Conhece-se a história da querela dele
com os arianos no terreno doutrinário, mas menos, por assim dizer, os episódios
policialescos de sua luta com os arianos. Mas me parece que na vida de um santo, mesmo esses episódios
menores têm muito de edificante e que valeria a pena referir alguns
deles aos senhores.
Para os senhores terem ideia de
quanto importa muitas vezes a resistência a favor da ortodoxia contra a
heresia, basta lhes dizer o seguinte: Santo Atanásio, para fugir aos hereges, passou – num dos lances de sua
luta – seis anos no fundo de um poço, sem ver sequer a luz do dia.
Não sei se os senhores se dão bem conta do que significa isso… Havia apenas um
católico fiel, quando o poço estava abandonado, que lhe jogava o necessário
para viver. O poço ao menos água lhe fornecia… e o resto era comida que utilizava.
Então ele ficava ali lendo,
refletindo, louvando ao Criador, rezando, de maneira que Deus, no mais alto dos
Céus, recebeu durante seis anos o
louvor perfeito que um santo lhe enviava, do fundo de um poço, sempre confiando na Providência, sempre disposto
a lutar, sempre inquebrantável no seu propósito. De maneira que, ao cabo
de seis anos, a perseguição amainou e seu amigo, do alto do poço, o avisou. Ele
então saiu e continuou sua luta
contra o arianismo.
Numa outra ocasião a provação foi
menor, mas não deixou de ser também impressionante. Ele teve que fugir pelos
desertos do Egito e não encontrou
outro lugar para se esconder a não ser a sepultura do próprio pai. E
passou metido dentro dela durante
quatro meses. Lúgubre é para a sensibilidade humana; não o é para a alma
de um grande santo, mas em todo caso…De lá ele saiu de novo e conseguiu retomar a luta contra o arianismo, por meio de
sermões extraordinários que eram anotados e as cópias eram
transmitidas de católicos a católicos, por toda a extensão do Império Romano
também.
Numa das ocasiões, foi intimado a
comparecer a um grande concílio de bispos arianos na cidade de Tiro. Ele
declarou que não comparecia porque eram bispos hereges, e não os reconhecia,
portanto, como verdadeiros católicos e não tinha comunhão com aquela gente.
Porém recebeu do Imperador Constantino um decreto obrigando-o a comparecer para
discutir com os hereges. Aí mudava a situação: não era mais aceitar o concílio
como uma assembleia legítima, da qual participaria, mas era ir lutar contra o
pseudo concílio, um conciliábulo de hereges.
Santo Atanásio foi e eram cento e
tantos bispos, o que para aquela época era muita coisa. E com os hábitos de
seriedade e solenidade daquele tempo, ele entra acompanhado de um sacerdote que
lhe era fiel, na assembleia de todos os bispos paramentados que o recebem, não
lhe destinam lugar para sentar-se, nem nada: ele fica ali em pé. E percebe logo
que – como é hábito dos hereges – eles não queriam discutir doutrina, mas vão
afirmando uma coisa, outra, outra e depois caluniando e fingindo o contrário…
Os senhores que conhecem o
progressismo “católico”, sabem disso perfeitamente: travar uma discussão leal,
eles não o fazem! Mas somente reafirmam os mesmos erros e procuram destroçar
quem diz o contrário. Está acabado.
Ele percebeu que seria julgado e
numa atmosfera de calúnia e de ódio tal que nem se constituía um tribunal
regular. Foi um puro vozerio contra sua pessoa. E a primeira coisa que se fez
contra Santo Atanásio foi uma coisa extraordinária: uma mulher de má vida se
levantou naquele ambiente e disse que ela estava rica de dinheiro, que lhe
havia sido dado por Santo Atanásio, que ela presenciara suas fugas, períodos em
que ele passava por lugares ignotos, tal e tal outra abominação, e que podia
dar provas disso pois ela era testemunha…!
À medida que ela falava, os
bispos arianos bramiam que ele precisava ser deposto, ser condenado etc. Com
efeito, não há como o herege para se fingir de zelador dos bons costumes quando
se trata de perseguir um ortodoxo.
Santo Atanásio, com uma
inteligência extraordinária, sutil, não disse nada. Conservou-se sereno e
deixou o pessoal vociferar. Apenas soltou um cochicho no ouvido do padre que o
acompanhava. Quando o padre pôde cortar a palavra dessa mulher infame, ele lhe
disse, fingindo que era Santo Atanásio: “Então você afirma realmente que me
conheceu, e afirma que me viu, etc., etc.?”. A tonta pensou que aquele fosse
Santo Atanásio, o qual ela nunca tinha visto. Então, declarou ela: “Afirmo”. –
“Jura?” – “Juro”. Os senhores veem com que superior inteligência ele decidiu a
situação…
Deu-se na assembleia o que se deu
aqui com os senhores: os próprios hereges estalaram na gargalhada, porque a
farsa ficou de tal maneira evidente, que não era mais possível segurar. E houve
assim um movimento que era para dissolver todo mundo, porque a coisa tinha
terminado em chanchada.
Então, alguns mais fanáticos
dentre os arianos começaram a exclamar: “Não senhor! tem mais essa acusação, e
é gravíssima, onde é que se viu?! etc. etc.” É tal a má fé dessa gente, que
voltaram para ouvir a segunda
acusação. Depois de se constatar que a primeira era uma chanchada, do
que valeria a autoridade desses mesmos homens para levantarem outra acusação?
Nessa circunstância, Santo
Atanásio foi mais uma vez extraordinariamente servido pela Providência.
Levantou-se um bispo herético e tirou de uma caixa uma mão ressequida de um
morto. E disse: “Aqui está a mão do bispo – havia uma heresia colateral, meio
relacionada com a dos arianos, chamada dos melecianos – aqui está a mão do tal
bispo Meleciano, morto por Atanásio em tal ocasião, o que foi um crime nefando!
E para provar que realmente foi morto, aqui está a mão desse venerável homem de
Deus que se afundou no deserto. Era o mesmo deserto onde estava Atanásio. Quem
é que poderia ter cometido esse assassinato senão Atanásio?!”
Santo Atanásio ouviu também com
toda a serenidade possível. Entre os assistentes – é uma coisa que só se
explica por intervenção divina – estava um homem de cabeça baixa e recoberto
com aqueles panos do Oriente. Santo Atanásio foi ao homem e disse: “O bispo tal
morreu? Vocês têm certeza?” “Temos”. Ele puxou o pano e disse: “Olhem aqui
ele…” Era o próprio!
Então, Santo Atanásio,
gracejando, disse o seguinte: “Deus não deu a cada um de nós mais do que as
duas mãos. Levante uma mão!” Ele levantou. “Agora, levante a outra”. Ele
levantou. Santo Atanásio disse: “Bem, compete a vocês explicarem em que parte
do corpo dele se encaixava a outra mão”…
Os senhores pensam que os arianos
desarmaram? Não, começaram a gritar atrás dele: “Mágico! Praticou crime de
magia! Não pode explicar a não ser por magia que esse homem estivesse aqui
presente nesta hora!”
Isso é a psicologia do herege
absolutamente. Diante das provas mais capazes de cegar, mais retumbantes de que
estão com má fé, não desanimam. Eles encontram outra calúnia, depois outra
calúnia e vão sempre para frente. Mas a coisa ficou tão desmoralizada, que
acabou.
Outro episódio da vida de Santo
Atanásio. Ele, como verdadeiro santo, tinha verdadeiro horror à mentira.
Evidentemente, não mentia nunca, nem que fosse para coisa leve. Em determinado
momento estava ele andando pelo deserto e apareceram tropas imperiais à sua
procura. Alguém lhe perguntou: “Sabes onde está Atanásio?” (não o tinham
reconhecido, obviamente) Responde o Santo: “Sei, sim. Ele não está longe
daqui”. O pessoal foi à sua procura, enquanto ele se esquivava…
Da parte de um Doutor da Igreja,
grande teólogo, herói de grande sisudez, de grande profundidade de
espírito, esses traços enriquecem
sua fisionomia moral, mostrando a pluralidade e a riqueza de aspectos que tem a
alma de um verdadeiro santo. Sobretudo, destroçando um tanto essa ideia meio melada que certas imagens projetam
sobre o fiel a respeito do santo. Não me refiro às imagens monstruosas
modernas, mas a imagens chamadas
sulpicianas, que apresentam o santo com uma carinha muito bem feitinha, sem
barba, olhando com um sorrisinho de quem não compreendeu nada. Não é isso de nenhum modo um Doutor da
Igreja! Sobretudo um Santo Atanásio, que é um dos maiores santos de toda
a História, e que sozinho foi um lutador contra a heresia como talvez a Igreja
não tenha tido nem antes nem depois dele.
Agora, para os senhores
conhecerem os lados dramáticos de sua vida, menciono apenas um episódio, e com
isso encerro.
Constantino, o Grande – que
libertou a Igreja – foi enredado, em certo momento, pelas intrigas dos arianos.
Aliás, a vida pós conversão de Constantino é um tanto discutida. E tomou, em
certo momento, partido decidido por Ario, chamou Santo Atanásio e o expulsou
para a Gália. Santo Atanásio lhe disse: “Vós me proibis de voltar para meu
trono patriarcal e apoiais o herege. Vós prestareis em breve contas a Deus por
isso”. E tomou o caminho do exílio.
Na Gália, foi recebido com todas
as atenções e toda a cortesia por Constantino, filho de Constantino, o Grande.
E ali ele esteve durante algum tempo, tendo ido depois para Roma, justificar-se
perante o Papa que lhe deu toda razão. Assim são os santos: expulsos de um
lugar, aproveitam para fazer maravilhas em outros; ninguém consegue tolher a
capacidade de ação deles. E esse biógrafo que escreveu essa sua vida afirma
que, em Roma, aproveitou e fundou o estado monástico na “Cidade eterna”.
Posteriormente, veio a notícia de
que Constantino tinha morrido. E pouco depois chegou a notícia de que Ario
também havia passado para a eternidade. Ario tinha sido colocado por
Constantino no trono patriarcal de Constantinopla, onde era, portanto, um
arcebispo usurpador, não era o patriarca legítimo. No ato de sua posse, Ario
organizou a procissão com aquela solenidade que se fazia antigamente para a
posse de um bispo. Quando a procissão ia correndo, ele, em determinado momento,
sentiu-se mal e, estando perto de instalações sanitárias públicas, desceu do
animal em que montava e entrou em ditas instalações, onde morreu do modo mais
horrível que possa haver: parece que seu abdômen se rompeu e as vísceras se
derramaram pelo chão…
Assim, Santo Atanásio ficou
senhor de sua diocese. Mas pouco depois recomeçaram novamente as perseguições e
ele levou sua vida, quase até o fim, de perseguição em perseguição.
O povo de Alexandria gostava
muito dele e em geral quem o perseguia eram as cúpulas podres. Numa das
ocasiões em que voltou àquela cidade e foi reempossado na arquidiocese como
legítimo pastor, o povo de Alexandria lhe preparou uma grande recepção. E esta
foi tão afetuosa e tão extraordinária, que se transformou em provérbio, em
Alexandria e naquelas partes do Egito, a seguinte expressão quando se queria
dizer que alguém era muito bem acolhido: “foi recebido como Santo Atanásio”. Ou
seja, era o mais alto grau de popularidade, da acolhida respeitosa, cheia de
veneração filial e, ao mesmo tempo, cheia de entusiasmo!
Aí os senhores têm um outro aspecto da vida de tantos santos
perseguidos: as cúpulas
podres organizam contra eles toda espécie de difamação, mas o Espírito Santo
sopra onde quer e previne a opinião pública a respeito da realidade das coisas.
De maneira que de um modo ou de outro acontece com frequência – não é uma regra
absolutamente geral, pois não há regras absolutamente gerais nessa matéria –
que o povo vê claro e que justiça a quem os poderosos estão perseguindo.
Essas são as notas mais
interessantes que me parecia conveniente dar a respeito do grande Santo Atanásio.
(Plínio Corrêa de Oliveira, "Santo do Dia" de 20 de fevereiro de 1971, sábado)
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