Infelizmente, o superficialíssimo e sobretudo
capciosíssimo ensino de História que se ministra em geral no curso secundário,
obsta a que os alunos formem uma noção exata do que representa, na História da
humanidade, o nascimento do Redentor.
Na realidade, é este o fato dominante de toda a
História.
Em primeiro lugar porque, evidentemente, a Encarnação do próprio Deus é o mais
importante fato que se possa verificar na História humana, pela própria
importância intrínseca do fato.
Em segundo lugar, porque com a vinda de Nosso
Senhor Jesus Cristo a História se dividiu em duas partes: a era pré-cristã e a
era cristã.
O hábito que têm as nações cristãs de dividir a História nestes dois grandes
períodos, contando os anos a partir do nascimento de Jesus, não é apenas um
hábito piedoso. Muito mais do que hábito, ele corresponde à realidade histórica
mais incontestável.
Pelo efeito da Redenção operada pelo Santo
Sacrifício da Cruz, e pelo efeito da pregação do Evangelho pela Santa Igreja no
mundo inteiro, Nosso Senhor Jesus Cristo renovou a vida de toda a humanidade,
fundando uma civilização nova e definitiva, sobre cujos princípios imortais e
eternos os séculos se escoarão em vão, sem conseguir abalá-los.
O que poucos católicos sabem, infelizmente, é
que mesmo os povos gentios esperavam um Salvador.
O acontecimento sacrossanto que comemoramos no
dia 25 de Dezembro representa a realização de uma expectativa universal
existente antes de Jesus Cristo.
Segundo narra a Sagrada Escritura, quando Adão
e Eva pecaram, e o Senhor, que os castigou justamente, lhes prometeu, ao mesmo
tempo, um Redentor.
Esta promessa, que se conservou na memória e no
coração de todos os povos, pois que todos descendem de Adão, tomou aspectos
diversos em virtude da ação deformadora do tempo, mas em todo o caso pode ser
reconhecida nas tradições de muitos povos antigos.
Ao povo eleito, entretanto, aquele que teria a
honra incomparável de ver a Encarnação se operar em um de seus próprios
descendentes, Deus proporcionou graça maior.
Por isto, os profetas, de tempos em tempos,
surgiram entre os judeus, suscitados por Deus, e prenunciavam o futuro Salvador
de modo tal que não restasse dúvida sobre a identidade do Salvador quando este
aparecesse, e que não sofresse qualquer corrupção ou adulteração, a noção exata
que tinha sido revelada pelo Messias.
Para dar deste conjunto grandioso universais
manifestações de esperança da humanidade uma ideia exata, reproduzimos as
principais profecias hebraicas, infalíveis por serem inspiradas por Deus, e
referentes ao nascimento do Salvador.
Também trazemos alguma coisa sobre as
esperanças dos povos pagãos, e sobretudo a respeito de uma famosa écloga de
Virgílio, que tem sido largamente debatida, e que se refere a este assunto.
* * *
As Profecias do Antigo
testamento
Já na antiga Aliança as profecias messiânicas
anunciaram e prepararam maravilhosamente a vinda do Redentor da humanidade.
Antes de vermos as principais profecias que
demonstram de maneira peremptória a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo,
leiamos o extraordinário prólogo do Evangelho do São João:
"No princípio era o Verbo, e o Verbo
estava em Deus, e o Verbo era Deus. Este era no princípio com Deus. Todas as
coisas foram feitas por Ele; e sem Ele nada foi feito daquilo que se fez. Nele
estava a vida, e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, mas
as trevas não o compreenderam. Houve um homem enviado por Deus que se chamava
João. Este veio por testemunha para dar testemunho da luz, a fim de que todos
cressem por meio d'Ele. Ele não era na luz, mas veio para dar testemunho da
luz. Era a luz verdadeira, que ilumina o mundo. No mundo estava, e o mundo foi
feito por ele, e todo homem que vem a este mundo não o conheceu. Veio para o
que era seu, e os seus não o receberam. Mas a todos que o receberam, deu-lhes o
poder de se fazerem filhos de Deus, aos que creem no seu nome. Quem não nascer
do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus. E o
Verbo se fez carne, e habitou entre nós; e vimos a sua glória, como a do Filho
único do Pai, cheio de graça e de verdade. João dá testemunho d’Ele, e exclama,
dizendo: é deste que eu tenho dito: Aquele que há de vir depois de mim, tem
sido antes de mim, porque existia antes que eu. E da sua plenitude tudo
recebemos, e graça por graça. Porque a lei foi dada por Moisés; a graça e a
verdade foram trazidas por Jesus Cristo. Ninguém jamais viu a Deus; o Filho
unigênito, que está no seio do Pai, Ele mesmo o deu a conhecer."
Nestas linhas sublimes temos um majestoso
pórtico da vida de Jesus. O evangelista nos mostra como o Verbo se fez homem
por amor de nós, a fim de trazer à pobre terra, envolvida em espessas trevas e
ameaçada por uma condenação eterna, a verdadeira vida, a verdadeira luz e a
salvação.
“No começo era o Verbo...” Iniciando seu evangelho deste modo, o apóstolo São
João o que escreveu expressamente para demonstrar que “Jesus Cristo é o Filho
de Deus."
*
Oculto no seio de seu Pai, o Messias não deixou
de anunciar a sua vinda, através das profecias messiânicas que o preparam desde
o pecado até a Encarnação.
Elas formam uma cadeia admirável de
testemunhos, que começam em Adão e cujo último laço se liga ao Messias, por
intermédio de seu precursor João Batista.
É uma longa série de raios luminosos, que
brilham sucessivamente, são vozes repetidas, animadoras, constantes, que bradam
por ordem e inspiração de Deus: o Messias vem, preparai-vos para recebe-Lo; Ele
chegou, proporcionai-Lhe um digno acolhimento. São um majestoso edifício
construído pouco a pouco pelo próprio Espírito Santo.
A harmonia e a concatenação perfeita das
inúmeras profecias constituem uma maravilha verdadeiramente divina.
Se um único homem as escrevesse e Jesus Cristo
viesse confirmá-las, tal acontecimento, disse Pascal, representaria uma força
infinita. Mas é uma plêiade de homens que, durante quatro mil anos, constantemente
e sem discordância, veem, uns após outros, predizer o mesmo acontecimento,
completando-se, e se interpretando reciprocamente. Constituem as profecias
messiânicas o ponto culminante das revelações do Antigo Testamento.
No pensamento divino, elas têm por fim
principal: preparar os homens e, em particular, o povo de Israel, para a vinda
do Messias.
A mais perfeita de todas as obras de Deus, a
Redenção do gênero humano por Nosso Senhor Jesus Cristo, decidida desde toda a
eternidade no conselho divino, preparou-nos lentamente, durante quarenta
séculos, por meio de transições e etapas sucessivas.
A maioria das profecias messiânicas são tão
claras que dispensam qualquer explicação. Algumas há, entretanto, que exigem
uma interpretação figurada.
*
De acordo com a ordem cronológica, as profecias
se dividem em três grupos.
No primeiro se enquadram as dos tempos
primitivos da história sagrada que se encontram nos cinco livros do Pentateuco.
No segundo as que constituem o livro dos Reis,
desde David, os outros livros poéticos do Antigo Testamento.
Finalmente, no último grupo, as que datam da
época dos grandes e dos pequenos profetas.
I
A época que vai de Adão à morte de Moisés se
subdivide em três períodos: a do paraíso terrestre, a dos Patriarcas e que se segue
à fuga do Egito.
1) No Paraíso Terrestre Deus manifesta aos
culpados a “primeira boa nova”, que foi denominada o Protoevangelho.
Ao proferir a sentença contra a serpente
tentadora, Deus acrescenta: “Eu porei uma inimizade entre ti e a mulher, entre
a tua posteridade e a posteridade dela; ela te pisará a cabeça, e tudo armarás
traições ao seu calcanhar”.
A promessa da redenção é ainda vaga e
indeterminada. Mas a expressão “a posteridade da mulher” é bem o símbolo da
Encarnação do Messias.
2) A profecia do segundo período liga-se ao
chefe de uma família privilegiada. Divinamente inspirado, Noé anuncia a seu
filho Sem que Jeová será o seu Deus e aquele de seus descendentes com o qual
Ele estabelecer relações extremamente estreitas, será o Redentor.
De Sem descende Abraão, justamente chamado o
“pai dos crentes”.
Da longínqua Caldeia, onde nasceu, Deus o conduz ao país de Canaã, a futura
Palestina, para o fazer depositário de inúmeras promessas.
E estabelece consigo, e sua posteridade, uma
aliança íntima e permanente, tornando-o um dos mais gloriosos antepassados do
Messias. São Pedro e São Paulo afirmam em termos expressos que é na pessoa de
Nosso Senhor Jesus Cristo que a raça de Abraão foi abençoada.
Após a morte de Abraão, a promessa messiânica
foi renovada a Isaac e a Jacó, constituídos mediadores da bênção divina a todo
o gênero humano.
Pouco tempo antes de morrer, Jacó, iluminado sobrenaturalmente, profetizou que
o Salvador do mundo surgiria da tribo de Judá e que Ele traria em suas mãos o
cetro real.
A realeza se torna o apanágio dessa tribo
gloriosa com Davi, cujo último herdeiro foi o Messias, como mostra o evangelho
de São Mateus.
3) Alguns séculos mais tarde, Balaão, chamado
pelo rei de Moab para maldizer os Hebreus, pelo contrário, os abençoou em quatro
oráculos, um deles de alta significação messiânica:
“Uma estrela sai de Jacó; Um espectro se eleva
de Israel”.
É, em suma, a reiteração da profecia de Jacó: o
Messias futuro representado como um rei vitorioso.
Individualizando-se a promessa divina, Moisés
recebe diretamente dos lábios do Senhor este oráculo:
“Eu lhes suscitarei do meio de seus irmãos um
profeta semelhante a ti; e porei na sua boca as minhas palavras, e ele lhes
dirá tudo o que eu lhe mandar. Mas o que não quiser ouvir as palavras que lhe
disser em meu nome, eu me vingarei dele”.
Como Moisés, Cristo devia exercer as funções de
legislador, de mediador e de profeta!
II
No cântico de Ana, mãe de Samuel, poema doce e
enérgico ao mesmo tempo, destaca-se uma nota messiânica vibrante:
“O Senhor julgará toda a terra.
Ele dará o poder a seu rei e ele elevará a
majestade de seu Cristo”.
É a ideia da realeza do Messias que continua.
Sob o reinado de Davi é que se multiplicam as
profecias adquirindo um brilho incomparável.
Quando David concebeu o projeto de construir um
templo magnífico em honra do Deus de Israel, o profeta Natã lhe diz que tal
privilégio estava reservado a seu filho Salomão. Se muitos detalhes desta
profecia se aplicam desde logo a Salomão e a outros sucessores de David, é
entretanto fora de dúvida que ela só se realiza plenamente na pessoa do Messias
– o Cristo por excelência, Rei Eterno, cujo reino não terá fim.
O Messias é o termo supremo dos herdeiros
diretos de David. Este rei anteviu, diz Bossuet, em uma série de esplendidos oráculos,
o seu ilustre descendente.
Nos Salmos, se o Messias participa
verdadeiramente da natureza humana, possui também realmente a natureza divina.
O próprio Senhor declarou a seu Cristo: “Tu és meu Filho; eu te gerei hoje”.
O poeta real teve o privilégio de predizer ao
Cristo uma função sublime, que os antigos oráculos não haviam ainda assinalado:
à dignidade de rei, o Messias associará em sua pessoa a de “pai segundo a ordem
de Melquisedec” e, por este título, o Cristo imolará ao Senhor uma vítima de preço
infinito, que não diferirá da sua própria pessoa e que substituirá todos os
outros sacrifícios. É a ideia do “Christus patiens”, é a predição saltérica da
sangrenta tragédia do Calvário. Mas a augusta vítima não permanecerá senão um
tempo muito limitado no sepulcro, porque uma pronta e gloriosa ressurreição
consagrará para todo o sempre a sua glória e a sua majestade.
O mesmo Davi foi escolhido por Deus para
apresentar ao mundo uma ideia nova relativamente ao Messias: coube-lhe a missão
especial, como escritor sagrado, de estabelecer no livro dos Provérbios, uma
aproximação íntima entre o Messias e a Sabedoria personificada, dotada dos
atributos divinos, preparando a noção do “Logos” ou do Verbo, tal qual a lemos
no início do evangelho de São João.
- III –
A era dos profetas propriamente ditos
destaca-se pelo vigor e nova luminosidade em múltiplas revelações que se
referem tanto a particularidades da vida do Messias, como a ideias gerais.
Destas, três merecem especial referência.
Uma descreve, eloquentemente, a idade de ouro
messiânica, ou seja, a paz, a glória e a felicidade do reino de Cristo neste
mundo e na Eternidade. Encerra figuras expressivas e características, que
representam as bênçãos de todo gênero que o Messias devia repartir sobre Israel
e sobre a humanidade. Isaias adquiriu uma justa celebridade por causa dessas
descrições gloriosas, que transformam a terra em um novo e mais perfeito Éden.
Outra ideia geral é a preservação de uma parte
da raça de Israel, que não foi atingida pela cólera divina, provocada pelos
crimes do povo eleito, e reservada para formar o povo digno do Messias. Este
pensamento manifesta não só a misericórdia do Senhor, como ainda a natureza
irrevogável do seu plano relativo à salvação dos homens, à qual nada poderia
constituir obstáculo. A raça real de David receberá a punição merecida. Será
semelhante a um pobre tronco cortado. Mas Nosso Senhor Jesus Cristo a
restabelecerá de novo.
Uma terceira ideia geral, corolário natural da
segunda, é a da inutilidade dos esforços dos impérios pagãos para aniquilar o
povo eleito. Servindo ao Senhor de instrumentos terríveis para castigar seus
filhos rebeldes, serão totalmente vencidos, quando pretenderem destruir a nação
teocrática, ultrapassando o plano divino de apenas reprimi-la, por causa dos
seus crimes.
Quanto aos traços particulares da vida do Messias, são eles inúmeros nos
escritos dos profetas de Israel.
Um canta a glória de Belém, pequenina cidade
entre as milhares de Judá, mas que será grande porque dela há de sair o rei
gerado desde a eternidade.
Outro canta a virgindade da mãe do Salvador: “Uma vigem conceberá e dará à luz
um filho, e o seu nome será Emanuel”.
Outro vê a entrada de Cristo em seu Templo:
“Eis que mando eu o meu anjo, e ele preparará o caminho diante da minha face. E
imediatamente o Dominador que vós buscais, e o anjo do testamento que desejais,
virá ao seu templo. Ei-lo, aí vem, diz o Senhor dos Exércitos”.
Outro canta a glória do Redentor ressuscitado,
saindo vitorioso do sepulcro e vencendo a morte.
Finalmente, Daniel anuncia os anos que se hão
de passar até a sua vinda: “Setenta semanas de anos foram decretadas sobre o
teu povo e sobre a tua cidade santa, a fim de que a prevaricação se consume, e
o pecado tenha o seu fim, e a iniquidade se apague, e a justiça eterna seja
trazida, e as visões e profecias se cumpram, e o Santo dos santos seja ungido.”
Nos livros dos grandes e dos pequenos profetas
encontramos alusões, diretas ou não, ao precursor do Messias, à fuga da Sagrada
Família para o Egito, à vinda de Cristo ao templo de Jerusalém, à dignidade
sacerdotal do Salvador, ao seu título de Filho do homem, à sua entrada triunfal
na Cidade Santa, aos seus milagres, à sua paixão, à sua ressurreição, à divina
Eucaristia, à vinda do Espírito Santo, à conversão de todos os povos, à
renitência dos judeus, ao Cristo Consolador e Redentor, ao grande julgamento do
fim dos tempos, ao qual presidirá o Messias, com todo o seu poder e majestade
de Juiz Supremo.
Entre a brilhante plêiade dos profetas, Isaias destaca-se sob o ponto de vista
messiânico por ter descrito melhor que qualquer outro, de maneira sublime, a
pessoa e as obras, os detalhes gloriosos ou dolorosos da vida de Nosso Senhor.
Por isso os Santos Padres cognominaram-no de evangelista do Antigo Testamento.
Merecem referências especiais as profecias
relativas à natureza divina do Messias. Passagem comovente é aquela em que o
profeta, após ter anunciado que o Messias nasceria miraculosamente de uma
Virgem, exclama, contemplando-o no presépio: “Uma criança nasceu para nós e um
filho nos foi dado. .... e ele será chamado o Admirável, o Conselheiro, o Deus
Forte, o Pai do século futuro, o Príncipe da Paz”.
Mais adiante, na segunda parte de seu livro,
Isaias traça uma figura maravilhosa do “Servidor de Jeová”, que é o próprio
Messias.
O profeta real narra as suas glórias em um
estilo transbordante de santo entusiasmo, e canta, numa passagem que arranca as
lágrimas, o “Homem das dores”, o Cristo vítima do escarnio dos homens, morto
entre os mais cruciantes martírios, para expiar os pecados da humanidade
inteira.
Jeremias vem completar os Salmos de Isaias,
fazendo ressaltar a figura da Nova Aliança, muito mais perfeita que a primeira
e que, após o restabelecimento da amizade entre Deus e o seu povo regenerado,
por intermédio do Messias, prevalecerá até o fim dos séculos.
Eis o suficiente para mostrar até que ponto o
Antigo Testamento é rico e majestoso nos seus tesouros messiânicos. A suave e
sublime figura do Redentor é anunciada a cada passo. Ela envolveu totalmente a
história de Israel, preparando a penetração posterior, completa e integral, do
Cristo na história da humanidade inteira.
Nas inúmeras profecias messiânicas, a grande
realidade que se deduz é o progresso crescente, acentuado e admirável da
Revelação Divina. O Espírito Santo foi pouco a pouco evocando a majestosa
figura que se apresenta sempre diante dos homens, cada vez mais viva, à medida
que se aproxima a “plenitude dos tempos”, a época em que todos os oráculos
serão cumpridos.
Cada profeta que surgia, acrescentava um traço novo. Quando terminou a missão
do último, o quadro estava perfeito, a imagem era de uma tal precisão, que
bastava surgir a figura anunciada, para brotar imediatamente a exclamação:
“É Ele! Eis o Cristo, cuja fisionomia enche e anima todo o Antigo Testamento”.
* * *
A esperança dos povos
pagãos pelo Messias
O nascimento do Messias surge como que
satisfazendo o anseio dos povos da antiguidade. No povo hebreu, o "povo
escolhido”, esse anseio era expresso e claro, pré-estabelecido pelas profecias.
Nos outros povos, porém, tal desejo aparecia indefinidamente como traços
fundamentais da primava revelação, obscurecida pelo pecado original e suas
consequências.
Esses traços fundamentais, raios de luz na
confusão das crendices de cada povo, são inúmeros sobre a vinda do Messias, um
papel no futuro dos povos.
Na "Vida de Jesus Cristo”, escrita por S.
Excia. Revma. E. Le Camus, Bispo de La Rochelle, são compilados e refusados
esses traços comuns.
Não se encontra, com efeito, em todo o Oriente, uma única religião que no
complexo de seu âmbito, por mais estranho que seja, onde não se haja conservado
um traço profundo dessa aspiração da humanidade por um mediador.
A China espera Kuntze, o rei pastor, o grande
mestre do povo, o santo que virá governar o mundo.
No Japão, no Sião, no Tibé, os povos segundo a
doutrina de Fó, uniam a ideia de um deus descido à terra para instruir os
homens, a noção de um deus que lhes repara os pecados.
Nos países mais vizinhos à Palestina, enquanto
os hindus, para destruir a obra perversa de Kaliga, a grande serpente, contaram
com a encanação de Vishnu ou de Brahma, os mágicos ensinaram que Mitra, o
intercessor supremo, triunfará também do Ahriman, o espírito maléfico, e
reunirá a humanidade inteira em uma família com a mesma língua e sob o mesmo
cetro.
Oshanderberga, o “homem do mundo”, expurgará da terra a iniquidade e
restabelecerá o universo em sua primitiva perfeição. As coisas lhe obedecerão e
tudo prosperará em sua mão.
Bem logo surgirá Sosiosh, o conquistador, o
restaurador da santidade, que deverá purificar o mundo e dar-lhe, no tempo
preciso, a felicidade e a dignidade perdida. Destruirá toda a espécie de males
e eliminará completamente o pecado.
O Egito espera Horus, o filho de Iside, a mãe
do gênero humano. Ele será o herói que aterrará a serpente Tifone, esta antiga
personificação do inimigo dos homens.
O árabe nômade invoca também o futuro salvador
do mundo.
Nos antípodas, as populações da América diziam que Puru havia enviado do céu o
próprio filho para exterminar, por sua vez, a serpente; e os mexicanos
esperavam que uma transformação religiosa transformaria por fim a oblação
inocente aos sacrifícios humanos.
No norte da Europa os escandinavos dirigiam
seus votos a Thor, o mais forte dos deuses, o qual devia aterrar o dragão e
cair ele mesmo no melhor da vitória.
Por fim os druidas, nas suas obscuras
florestas, levantaram altares a Iside, a virgem de quem era esperado um filho.
Mas com que energia viva e sob que formas
corretas essa esperança se manifesta no meio das duas nações mais civilizadas
da antiguidade.
Atenas, atenta, ouvia Sócrates enunciar a seus discípulos, a insuficiência do
homem no determinar os próprios deveres para com Deus e com o próximo, e fazer
apelo, com todo o coração, ao doutor universal que deveria ensinar a todo
gênero humano.
Alcebíades, protestou, com grande alegria,
querer suprir todos os ensinamentos desse sábio, se aparecesse, para se tornar
melhor. Nesse interim, confia na bondade dos deuses, que esse dia bendito não
tardará a surgir.
Platão confessa ser firme persuasão de seu mestre que só um enviado de Deus
conseguirá reformar os costumes corrompidos da humanidade.
Roma, de seu canto, tem a boa fortuna de escutar Cícero que anunciava uma lei
inimitável universal, a qual regerá todos os povos sob um Senhor comum, Deus,
Rei visível de todos os homens.
Se por acaso um inesperado prodígio sobrevinha,
a Cidade Eterna se conturba e pensa que a natureza está preparando um novo rei
dos romanos. Ela teme ver chegar esse momento supremo, o qual, segundo a
Sibila, se deverá recorrer para obter salvação.
Virgílio cantou uns versos harmoniosos, e sob a
mais graciosa imagem, o nascimento de um príncipe, filho e concidadão dos
deuses. Vê em sua honra a terra abalar-se nos seus fundamentos, a terra, o mar,
e o céu, comover-se e expandir a alegria pela época nova.
Esta aspiração e esta esperança tornam-se cada
dia mais geral e Tácito, como Suetônio, falam da persuasão comum que, segundo
uma tradição antiga e constante, o Oriente haveria de fazer a conquista do Ocidente
e que os homens unidos da Índia estenderiam o seu domínio sobre o mundo
inteiro.
Já então o país para qual toda humanidade volvia o olhar, estava determinado.
Vimos que os povos da Ásia esperavam o libertador da região onde o sol se põe,
e as nações europeias esperando donde o sol nasce. Será, portanto, ponto de
conjunção dos dois mundos que se deverá delimitar a terra bendita onde “Ele”
deverá surgir: será, portanto, a Judeia o centro de esperança do mundo.
* * *
A vinda do Salvador e a
IV Écloga de Virgílio
No mundo inteiro era grande a expectativa pela
vinda de um Messias, um Salvador que rompesse as cadeias que pesavam sobre a
humanidade sofredora.
A IV écloga de Virgílio [écloga é um poema ambientado na natureza, que
apresenta, na maioria das vezes, a forma de um diálogo entre pastores ou o
solilóquio de um só pastor, de tal modo que pode ser representado como uma
pequena peça de teatro] parece atestar esse fato entre os romanos. Não faltou
mesmo quem quisesse entendê-la como uma profecia da Sibila [entre os antigos,
mulher a quem se atribuíam o dom da profecia e o conhecimento do futuro]
referente ao nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Tal interpretação, embora
esposada por muitos estudiosos no decorrer da Idade Média, foi, entretanto, rejeitada
por São Jerônimo.
Modernamente a tendência dos comentadores desse
trecho tem sido a de provar, por meio dele, as afinidades e relações do
cristianismo com o mundo pagão. Essa tentativa foi combatida pelo Revmo. Padre
Garrigou-Lagrange e recente estudo do Sr. Jeronymo Carcopino vem demonstrar que
as palavras da IV écloga, embora não contrariem tal expectativa, não se referem
ao Messias.
Este último comentador não nega a mística da écloga, mas procura definir seu
sentido exato, situando-a na História.
Ao tempo em que Virgílio completava seus
estudos em Roma, um grande número de escritos neo-pitagóricos haviam difundido
pela sociedade especulações da seita. Confrontados com aqueles, os versos mais
curiosos da écloga parecem revelar seu sentido exato:
“Eis que renasce em sua integridade a grande
ordem dos séculos”
Este verso anuncia a renovação do Grande Ano ou como a natureza, no conjunto de
seus corpos e em cada um de seus seres, retorna à sua forma original e recomeça
um novo ciclo.
Assim também o trecho:
“Olhai o mundo que gravita sob o peso da
abobada celeste e as terras e a extensão dos mares e as profundezas do céu!
Olhe como tudo se rejubila à aproximação do século!” traduz a dependência dessa
renovação em face das oscilações incessantes do mundo. Longe de inspirar
inquietação, o movimento oscilante do mundo garante o retorno do século
afortunado.
No começo do Grande Ano, todas as almas, sem
exceção, libertadas dos entraves da natureza, se reencarnarão em sua pureza
primitiva:
“Uma geração renovada desce do alto dos céus”. O
menino que sobrevém a esta hora radiosa manifesta, em sua claridade e em todo o
seu esplendor, as forças divinas de onde sua alma desce, através dos espaços
celestes. É ele verdadeira e magnífica floração de Deus. O crescimento desse
infante paralelamente ao advento da idade de ouro é um traço que explica a
solidariedade universal e a influência sideral, caras à escola de Pitágoras.
Enfim, a seita captou todas as correntes espirituais vindas de todas as partes
do mundo, filtrando-as em seus próprios sistemas e tornando-as como que
diluídas até à saturação na sociedade em que devia surgir o gênio de Virgílio,
data da paz de Brindes, porque foi no dia seguinte que o poeta iniciou seu
poema. Conseguiu ele situá-las, com extrema precisão, no dia 5 ou 6 de outubro
do ano 40 antes de Cristo. Esta constatação, se acomoda às mil maravilhas, aos
dados que a própria écloga nos impõe, e que remontam ao início do consulado de
Polião. Contrariamente à regra, a investidura dos cônsules não se realizou,
naquele ano excepcional, a 1º de janeiro; os acontecimentos da guerra civil
fizeram com que tal data se seguisse à conclusão da paz.
Por outro lado, Virgílio saúda em seu poema a
volta da Virgem (V. 6), com o que foi o seu intuito aludir à reaparição no céu
dessa constelação, a qual, segundo os ensinamentos da escola pitagônica, era o
signo da Justiça, inseparável da idade de ouro.
E os cálculos astronômicos revelam que, no
referido ano 40, a estrela mais brilhante da constelação, desaparecida depois
de 23 de agosto, reapareceu no céu às primeiras horas de 5 de outubro.
Há, portanto, entre a paz de Brindes e a volta
da Virgem, não uma vaga aproximação cronológica, mas uma coincidência decisiva
e surpreendente.
Que se passou então na alma de Virgílio? Foi ele iniciado pelos pitagônicos no
mistério do Grande Ano. Como eles, persuadiu-se de que com a era de discórdias
se entraria no último dos séculos. Como eles, viu na espera do primeiro dos
séculos o “século de Saturno”. Bruscamente, a 5 ou 6 de outubro do ano 40 a.C.,
reaparece a Virgem no céu, ao mesmo tempo que na terra a paz era assinada entre
os chefes de boa vontade, na primeira linha dos quais se acha Polião, benfeitor
do poeta, proclamado cônsul e general da república. Nessa concepção do acontecimento
histórico e do fenômeno celeste, não podia Virgílio ver o presságio dos novos
tempos e o cumprimento de suas esperanças?
Mas a écloga também canta o nascimento de um menino. Ora, Polião havia se
tornado pai nas primeiras semanas que se seguiram à paz de Brindes, ao mesmo
tempo o novo cônsul, na Dalmácia, se dispõe a entrar numa campanha militar. O
comentador identifica, assim, o pequeno herói do poema com Salonimo, filho de
Polião, afastando desse modo os outros candidatos propostos pela crítica.
E Virgílio se convence de que a geração nova, destinada às felicidades da idade
de ouro, começou a viver com esse menino.
Confundindo a felicidade de seu poderoso amigo
com a regeneração do mundo, sua inspiração se fixa, suas imagens se coordenam,
suas predições se encadeiam. Virgílio compõe o poema que viria trazer tamanhos
tropeços aos seus futuros comentadores.
(Plínio Corrêa de Oliveira – “Legionário”, 25
de dezembro de 1938)
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