No dia 21
de novembro, comemora-se a Apresentação de Nossa Senhora no Templo. Esta festa
possui alguma beleza especial?
A realização da promessa
Maria Santíssima,
eleita desde todos os séculos, a Raiz de Jessé da qual haveria de nascer Nosso
Senhor Jesus Cristo, é apresentada no Templo. A instituição incumbida de
guardar a promessa da vinda do Salvador recebe Aquela que dá o primeiro passo
para sua realização.
Dá-se uma
espécie de encontro da esperança com a realidade. Nossa Senhora entra e se
consagra ao serviço de Deus, levando uma alma insondável e incomparavelmente santa.
Nesse momento, apesar de toda a putrefação da nação de Israel e de o Templo
ter-se transformado num covil de fariseus, como Nossa Senhor estava ligada a
ele, entrou ali uma luz incomparável, que foi exatamente a santidade d’Ela.
Nesse local Ela começava a sua preparação para, sem saber, vir a ser a Mãe de
Nosso Senhor Jesus Cristo.
Na
atmosfera e nas graças desse edifício sagrado, separada para servir a Deus, Ela
foi aumentando de amor a Ele, até formar o desejo ardente de que o Messias
viesse logo e formular o pedido de ser uma servidora daquela que seria a Mãe do
Messias, pois sabia que seria Ela mesma.
Toda essa
santificação preparatória da vinda de Nosso Senhor, essa inaudita e assombrosa preparação,
se deu a partir do momento em que Nossa Senhora se apresentou no Templo. É essa
primeira Apresentação que a Igreja celebra.
Nossa Senhora se dirige ao Templo
No livro de
Régamey[1]
Les plus beaux textes sur la Vierge, nós encontramos as seguintes
reflexões baseadas em São Francisco de Sales:
“É um ato de admirável simplicidade o
desta gloriosa criança que, presa ao regaço de sua mãe, não deixa, contudo, de
conversar com a Divina Majestade. Ela se absteve de falar até o tempo
apropriado e, ainda então, só o fazia como as outras crianças de sua idade,
embora falasse sempre com muito acerto
“Ela permaneceu como um suave cordeiro
junto a Santa Ana pelo espaço de três anos, após os quais foi conduzida ao
Templo, para ali ser ofertada como Samuel, que também foi conduzido ao Templo,
para aí ser oferecida como Samuel, que
também foi conduzido ao Templo por sua mãe e dedicado ao Senhor na mesma idade.
“Ó meu Deus, como desejaria poder
representar vivamente a consolação e a suavidade dessa viagem, desde a casa de
Joaquim até o Templo de Jerusalém! Que contentamento demonstrava essa criança
vendo chegar a hora que tanto desejara!
“Os que iam ao Templo, para adorar e
oferecer seus dons à Divina Majestade cantavam ao longo da viagem. E, para isso
o real profeta David compusera expressamente um salmo, que a Santa Igreja nos
faz repetir todos os dias no Ofício Divino. Ele começa pelas palavras: “Beati inmaculati in
via”: “Bem-aventurados são aqueles,
Senhor, que caminham na tua via sem mácula, sem mancha de pecado (Sl 118, 1).
“Na tu vida”, quer dizer na
observância dos teus Mandamentos.
“Os bem-aventurados São Joaquim e
Santa Ana cantaram então esse cântico ao longo do caminho, e com eles, e nossa
gloriosa Senhora e Rainha com eles.
“Oh Deus, que melodia! Como Ela a
entoava mil vezes mais graciosamente que os Anjos! Por isso ficaram estes de
tal forma admirados que, aos grupos, vinham escutar essa celeste harmonia, e, os
Céus abertos, inclinavam-se nos alpendres da Jerusalém Celeste para olhar e
admirar essa amabilíssima criança.
“Eu quis vos dizer isso, embora
rapidamente, para que tenhais com que vos entreter o resto desse dia
considerando a suavidade dessa Virgem; também para que fiqueis comovidos escutando esse cântico divino que nossa gloriosa Princesa
entoa tão melodicamente, e isso com os
ouvidos de vossa devoção, porque o muito feliz São Bernardo diz que a devoção é
o ouvido da alma.”
Uma infância comum, mas cheia de sabedoria e
contemplação
O
fundamento teológico de tudo quanto está dito aqui é a Imaculada Conceição de
Nossa Senhora.
Como, desde
o primeiro instante de seu ser, Ela foi concebida sem pecado original, não
tinha as limitações inerentes a ele. E entre essas limitações está o fato da
pessoa nascer sem o uso da sua inteligência. Esse uso só vem mais tarde, com o
desenvolvimento do corpo.
Nossa
Senhora teve, desde o primeiro instante, o uso da sua inteligência de modo
altíssimo. Na infância d’Ela, como na de Nosso Senhor – e na d’Ele com uma
sublimidade desconcertante -, reuniam-se, num contraste admirável, aspectos
aparentemente contraditórios. De um lado, Ela tinha uma contemplação que, a meu
ver, era maior do que os maiores Santos da Igreja, quando Ela estava ainda nos primeiros
passos de sua vida. Mas, de outro lado, Ela mantinha toda a atitude de uma criança
e não fazia uso externo disso, de sua sabedoria, querendo, por humildade, viver
como uma criança qualquer.
De maneira
tal que, quem tratasse com Ela, a não ser por alguma expressão de olhar ou algo
semelhante, teria a sensação de estar tratando com uma criança comum, igual às
demais, como Nosso Senhor Jesus Cristo que em todas as suas manifestações
externas era como uma criança e, como tal, quis se nutrido, guardado, pajeado
como uma criança, embora fosse Deus, soberano Senhor e Rei do Céu e da Terra;
mas em todas as suas manifestações externar era como uma criança.
Podemos
imaginar, então, na vida quotidiana de São José e Nossa Senhora , o momento em
que era preciso dar-Lhe leite ou trocar-Lhe as roupas. Eles O pegavam,
colocavam-No sobre uma mesa e vestiam-No com uma roupinha. Ver Aquele que eles
sabiam ser Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade hipostaticamente unida
à natureza humana, o Qual estava nos esplendores das alegras, da majestade e da
grandeza da divindade e, ao mesmo tempo, era aquela criancinha que ria, não só
fazendo que não entendia, mas com uma certa autenticidade nesse não entender,
embora entendesse!
Pois bem,
algo semelhante se dava igualmente com São Joaquim e Santa Ana. Não sei se eles
sabiam que Nossa Senhora seria a Mãe do Verbo Encarnado, mas certamente sabiam
ser Ela uma Menina designada a altíssimas coisas em ordem ao Messias. E essa
Menina levava a vida de uma criancinha.
Beleza dos contrastes harmônicos
Isso nos
faz compreender como se ajustam esses aspectos da benignidade extrema de Deus
Nosso Senhor, da extrema afabilidade, da extrema acessibilidade, da extrema
bondade de Nossa Senhora, com uma grandeza de que os maiores homens da Terra não
são senão uma minúscula figura.
Por quê? Porque
Nossa Senhora quis que as coisas fossem assim e, sendo Rainha incomparável, Ela
era, ao mesmo tempo, Menina simplicíssima. O que, aliás, Santa Teresinha do
Menino Jesus, discorrendo a respeito do modo de pregar sobre Nossa Senhora ,
comenta muito bem, dizendo que ela gostaria de fazer um sermão à sua maneira,
ou seja, mostrando em Nossa Senhora todo esse lado de simplicidade, de
acessibilidade, a ponto de comportar-se como uma criancinha obediente a seus
pais, sendo a Rainha do Céu e da Terra.[2]
Esses contornos
harmônicos têm uma tal beleza em si mesmos, que eu até digo que desdouramos o
assunto tratando longamente dele. Porque eles têm qualquer coisa de insondável,
sendo melhor mantermos silêncio do que propriamente o comentarmos.
Uma Menina com voz inefável caminha cantando o Salmo
de Davi
Ora,
segundo uma tradição muito generalizada, foi Nossa Senhora, nessas condições,
aos 3 anos de idade, levada ao Templo, cantando durante o percurso, como os
judeus costumavam fazer naquela época. É um fato lindíssimo!
O Templo
ficava em Jerusalém. Em outros locais havia sinagogas para rezar; mas, para
fazer os sacrifícios, somente o Templo de Jerusalém.
Os judeus
de toda a nação, como também os da diáspora dispersos pelo mundo inteiro, iam
periodicamente a Jerusalém para participar do sacrifício no Templo. E como era
motivo de alegria ir aonde se manifestavam a glória e as consolações de Deus,
ao lugar que representava o vínculo entre o Céu e a Terra, era bonito que
fossem cantando, como tantas vezes acontecia em romarias antigas.
Os métodos
de locomoção modernos conspiram contra o canto. Não se pode imaginar uma pessoa
no subúrbio, partindo para Aparecida de trem, este a toda velocidade e ela
cantando dentro dele. É melhor cantar do que não cantar. Mas, como é mais
bonito ir a pé, pousando de quando em quando, parando, cantando, tocando para
frente! Como isso tem outra plenitude humana, outra harmonia natural que o
canto dentro de uma locomotiva não tem. Pior é o canto enlatado dentro do ônibus
Eu sou pouco viajante com este veículo,
mas, presumo, há uma tal conjugação de lataria contra a harmonia, que cantar
ali se torna impossível..
Imaginemos
a beleza, quando chegava o mês da visita ao Templo, os judeus de todos os lados
irem cantando até ele. E a nação judaica se encher, nos seus caminhos, de cânticos
de todos os lados.
Por isso
São Francisco de Sales imagina como algo normalmente certo, que quando Nossa
Senhora se dirigiu ao Templo, foi cantando com São Joaquim e Santa Ana.
Como seria
o cântico da Menina, entoando com uma voz inefável o salmo que Davi, por
inspiração do Espírito Santo, havia composto para esta circunstância!
Ora, com
uma finura de tato extraordinária, São Francisco de Sales não fala da impressão
que esse canto produziu nos homens, porque precisamente como Nossa Senhora não
manifestava a sua grandeza, era possível que Ela não cantasse com toda a perfeição
com que sabia cantar O cântico de Nossa Senhora teria de ser o cântico por
excelência. Antes e depois d’Ela ninguém cantou melhor, exceto Nosso Senhor
Jesus Cristo. E depois disso, nenhum cântico foi cântico.
Isso nos
faz imaginar outra coisa: os Anjos ouvindo o cântico d’Ela, porque eles ouviam
as harmonias de alma com que Ela cantava, e isso os extasiava. E, como se pode
comparar o Céu a uma cidade, a Jerusalém Celeste, São Francisco diz que dos
alpendres ou dos terraços da Jerusalém Celeste, os Anjos debruçavam-se para ver
Nossa Senhora cantando pelos caminhos da Judeia, e era para eles, então, um
gáudio inexprimível, embora os homens ignorassem aquele canto.
Eu confesso
que não conheço ideia mais apropriada para essa circunstância, nem mais bonita.
Um pensamento mais belo do que esse só poderia haver no momento em que
imaginássemos Nossa Senhora entrando no Templo.
Depois da grande plenitude, veio a grande tragédia
O Templo de
Jerusalém, na sua majestade sacral, na sua grandeza, ainda habitado pela glória
do Padre Eterno, onde se realizavam sacrifícios, era o lugar mais sagrado da
Terra.
Meditemos
no estremecimento de alegria de todos os Anjos que pairavam ali no momento em
que Nossa Senhora entrou pela primeira vez, como uma rainha naquilo que lhe é
próprio, como a joia no escrínio onde deve ser guardada.
Os Anjos
sabiam que a grande história e, ao mesmo tempo, a grande tragédia do Templo ia
se realizar. O Messias entraria no Templo e este iria recusá-Lo. E o fim dessa tragédia
seria aquilo que Bossuet chamou magnificamente de as pompas fúnebres de Nosso
Senhor Jesus Cristo, referindo-se ao momento em que Ele morreu e o Padre Eterno
começou a preparar funerais: o céu se obscureceu, o Sol se toldou, a terra tremeu
e, diz Bossuet, os Anjos sacudiram o Templo com indignação .
A meu ver, os
Anjos receberam ordem de entregar o Templo aos demônios, à maneira de cem mil gatos
selvagens soltos dentro do lugar sagrado, ou qualquer coisa desse gênero,
fazendo estremecer o edifício todo. Deu-se aí o fim da história desse lugar.
Primeiro passo da plenitude do Templo
Mas, antes
disso, o Templo conheceu sua plenitude quando Nossa Senhora levou até ele o Menino
Jesus, e Ana e Simeão, que representavam a fidelidade da nação, receberam-Nos.
Aí os fieis reconheceram o Enviado e se fechou o elo entre os justos da Antiga
Lei e a promessa que se cumpria.
Entretanto,
Nossa Senhora, quando entrou no Templo ainda Menina, no momento da sua
Apresentação, realizava o primeiro passo nessa plenitude da história do Templo
de Jerusalém. O que os “Simeões” e as “Anas” que havia por lá naquele momento
devem ter sentido? Quais as graças e fulgurações do Espírito Santo deve ter
havido ali nessa ocasião? Ninguém poderá dizê-lo, a não ser no fim do mundo.
Sigamos o conselho
do suavíssimo São Francisco de Sales e fiquemos com todas essas recordações em
nossas almas; pensemos nela suave e alegremente, tanto quanto possível ao cabo
de um dia de luta: Nossa Senhora cantando pelos caminhos, entrando no Templo de
Jerusalém e, dos alpendres da Jerusalém Celeste, os mais altos Anjos
embevecidos com a alma dessa Menina.
Esta é uma
meditação muito adequada para o dia da Apresentação de Nossa Senhora. (Extraído
de conferências de 20 e 21.11.1965)
Revista “Dr. Plínio”, n. 320, de
novembro de 2024, págs. 20/24 – Observação: o mesmo tema foi objeto da revista “Dr. Plínio”, nº 20, novembro de 1999, mas sem
indicar a data da conferência)
[1] RÉGAMEY,
Pie, OP, Les plus beaux textes sur la
Vierge Marie, Paris, La Colombe, 1941, pág. 229/230
[2]
SAINTE THÉRÉSE DE L’ENFANT-JESUS ET DE LA SAINTE-FACE OEuvres completes. Les Éditions du Cert et Desclée de Brouwer, Paris,
1992, p. 1102-1103.
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