quinta-feira, 31 de outubro de 2019

PROVEITOS QUE A PROVIDÊNCIA DIVINA TIRA DA PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA





Perseguição religiosa nos tempos modernos? Sim. Mas, não somente aquela perseguição movida pelos radicais muçulmanos, ou mesmo de outras religiões pagãs: há perseguições até mesmo entre adeptos do mesmo credo, de muçulmanos contra muçulmanos, budistas contra budistas, e, (pasmem!) de cristãos contra cristãos, mais exatamente, de católicos contra católicos. Há muito tempo que não se fala mais em perseguições religiosas de comunistas e nazistas contra os católicos, a não ser na China e na Coréia do Norte, onde ainda governa desastrosamente o regime marxista. No entanto, governos que se dizem laicos e indiferentes á religião, na realidade quando se trata do catolicismo tradicional são radicalmente contrários e chegam a fazer uma perseguição menos visual, dissimulada, mas perceptível, como é o caso da Venezuela, Nicarágua e outros países aqui nas Américas.
Que proveito a Providência Divina pode nos tirar de tais perseguições? São muitas as vantagens que advêm para a Religião, para incremente da Fé entre os católicos e para a própria unidade do Corpo Místico de Cristo, fazendo com que os fiéis estejam mais firmes em suas crenças.
Enumeramos a seguir algumas vantagens que se pode tirar de tais perseguições, expostas por Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, o bispo de Olinda que chegou a ser preso no final do século XIX. Publicou ele uma Carta Pastoral logo após sua libertação,  ocorrida em setembro de 1875, na qual explicita tais vantagens.
Citando o revolucionário Montesquieu, comenta ele que “A prosperidade da Religião é diferente da dos impérios: as humilhações da Igreja, a sua dispersão, a destruição de seus templos, os sofrimentos de seus mártires, são o tempo de sua glória; e quando, aos olhos do mundo, parece que triunfa, então é que é o tempo do seu abatimento” [1]
A seguir, afirma aquele santo Prelado:
“Cada lágrima da Santa Igreja, cada baga de suor, cada gota de sangue que ela vai vertendo, vistas com olhos d’alma, se vão transformando em pérolas de subido valor, em gemas de preço inestimável.
Deus, que do mal soe tirar o bem (Gên 50, 20), tem feito, como de costume, reverter a hodierna perseguição religiosa em maior glória sua e proveito de sua Esposa diletíssima. Se permite que seja combatida, é para fornecer-lhe ocasião de colher novos louros, é para dar-lhe maiores consolações: “Inter persecutiones mundi, et consolationes Dei, peregrinando percurrit Ecclesiae” [2]
Imensas vantagens trouxe-nos, com efeito, Irmãos e Filhos no Senhor, a geral perseguição de hoje. Entre muitas outras, sobressaem incontestavelmente as seguintes”
E quais foram tais vantagens? Ei-las:

Mostra a divindade de nossa Santa Religião

1º ) Tornou de um lado bem patentes a malícia e impotência da impiedade; e de outro lado a santidade e força invencível do Catolicismo.
Entretanto, apesar de tudo isto a seu favor, que tem ela conseguido contra a Igreja do Deus vivo, “coluna e firmamento da verdade?” (I Tim 3, 15)

Cousa singular e admirável!
Aqui, ela se declara impotente em face de um velho octogenário, débil, abandonado dos homens, sem outro apoio mais que o divino; ali, revela fraqueza diante de um humilde Bispo, sem armas, sem soldados, sem defesa a não ser a que do céu lhe vem; acolá, ataca diante de um simples sacerdote igualmente inerme, indefeso e que se deixa arrastar  à enxovia; além, treme diante de um pobre frade, sem bens de fortuna, sem brasões  de nobreza, sem prestígio de família; por toda a parte, em suma, acesa em cólera, fremente de raiva, fula de despeito, extorce-se toda convulsa ante o “Non licet” da consciência católica, ante o “Non possumus” da Igreja de Deus!
Que maravilhoso contraste!
De um lado, tanto rancor infernal!...e de outro, que calma toda celeste!
Aqui, tanta perversidade e impotência!...ali, que santidade e que poder!
É o mar das humanas paixões que referve, esbraveja, rebrame irado; é a onda da impiedade que se alteia ameaçadora, avança impetuosa, e se vai arrebentar de encontro ao granito impassível, inconcusso, da fé católica.
Ó homens irrefletidos! Ainda vos não serviu a experiência de dezenove séculos, gastos em loucas tentativas, em trabalhos baldados; ainda vos não escarmentaram tantas derrotas que sofrestes, quantos os combates que empenhastes contra a Igreja de Jesus Cristo?!
Ah! Convencei-vos! A Barquinha de Pedro, na linguagem sublime de São João Cristóstomo, zomba do acometimento de seus inimigos e do ímpeto das mundanas tempestades, ri-se do furor das vagas, não teme contrários ventos, não pode soçobrar: o Filho de Deus vai ao leme. Os assaltos do mundo, as perseguições do século, cobrem-na de maior glória e esplendor, fazendo-a permanecer firme, inabalável, em sua fé.
No mar revolto desta vida, leva derrota segura, pois Deus é seu piloto, os anjos seus remeiros, os santos seus passageiros, a cruz o seu mastro, as doutrinas do Evangelho suas velas; impelida pelo sopro do Espírito Santo, ela vai sulcando os mares, até abicar ao porto bonançoso do paraíso, às praias serranas da eternidade!.[3]

Distingue o bom Pastor do mercenário:

2º) O segundo benefício da perseguição tem sido, diletos Filhos, revelar quais os verdadeiros sacerdotes de Jesus Cristo, e fazer realçar o valor e firmeza dos Pastores de sua Igreja santa. Tanto é certo o dito sentencioso do melífluo Doutor São Bernardo: “Persecutio quidem indubitanter mercenarios a pastoribus segregat et discernit” [4]
Em verdade assim é.
O mau sacerdote, como judiciosamente observa um sábio autor sagrado[5], aquele que não verdadeiro pastor, digamo-lo em uma palavra, o mercenário, esse, apenas vê aproximar-se o lobo infernal para devorar o rebanho, o herege para iludi-lo e seduzi-lo, o tirano para imolá-lo, foge covarde e vergonhosamente, abandonando-o, sem piedade, à sanha dos inimigos.
E assim procede porque não ama as ovelhas por Jesus Cristo, senão, como diz Santo Agostinho, por amor do leite e da lã que elas lhe fornecem: “Non diligit in ovibus Christum, sed lac et lanam” [6]
Mas, não! Não é assim o bom pastor! Esse não abandona o rebanho no momento do perigo; esse resiste impávido a todos os adversários, ainda com iminente risco da própria vida: às tentações de Satan opõe admoestações caridosas; às argúcias dos hereges, a explicação da sã doutrina; aos ardis dos inovadores, a pregação da palavra de Deus; aos ataques dos ímpios, fervorosas orações ao céu, pelas ovelhas, cujo bem unicamente almeja, sem jamais curar dos próprios cômodos e interesses. [7]
E não é isto precisamente, caros Filhos, o que ora está acontecendo na Alemanha, na Suíça, na Itália, por toda a parte, em suma, onde crepita a chama voraz da perseguição?[8]
Os sacerdotes indignos, os mercenários, ou bandearam-se para os inimigos, revoltando-se abertamente contra a autoridade eclesiástica, ou desertaram das fileiras da fé, calcando a verdade, não resistindo ao erro, negando à Igreja o devido auxílio: “Fugit, tacendo, non resistando, et auxilium debitum subtrahendo” [9]; ao passo que os legítimos ministros de Deus vão sofrendo processos, condenações, prisões, desterros, e uma infinidade de tropelias. São perseguidos, sim. Mas não fogem, não se escondem; estão firmes no posto do dever. Glória a essa plêiade valente de varões imortais – “Per quos salus facta est in Israel”[10]
Uns e outros, no tribunal divino serão julgados segundo as suas obras. (Salmo 61, 11 e Ecl. 16, 15)”
Vamos resumir a seguir o restante das vantagens, a fim de poupar o leitor de uma leitura cansativa;

Divide os bons e maus cristãos

Aqui o santo bispo argumenta que, na perseguição, se mostra claramente aqueles cristãos que eram falsos e hipócritas, e que vendo seus irmãos serem perseguidos ou ficam omissos, calados, ou até mesmo os atacam. Quer dizer, a perseguição faz com que se apresente cada um como realmente ele é. Diz ele:
“Se a perseguição, amados Filhos, há feito discriminar o pastor do mercenário, tem igualmente distinguido o verdadeiro do falso cristão; o católico sincero, do herege encapotado”
.Em seguida, um dos principais benefícios da perseguição que gira em torno de nossa Fé:

Avivou a fé

“O quarto resultado da perseguição, Irmãos e Filhos muito amados, tem sido o robustecer a nossa fé, avivá-la e torna-la mais frutífera. A fé sem obras, diz a Sagrada Escritura, é morta: “Fides sine operibus mortua est” (Tiago 2,20).
Demonstra-nos a experiência que, ordinariamente, nas doçuras da paz enervam-se os ânimos, abatem-se os espíritos, afeminam-se os caracteres. As delícias da prosperidade são, na bela imagem de S. Bernardo, para almas incautas, o que é o calor para a cera, o raio de sol para o floco de neve; “Prosperitas hoc est incautis, quod ignis ceram, solis radius ad nivem”.[11]
Em que época, com efeito, começou a declinar o fervor da primitiva caridade, a arrefecer o ardor daquela fé que, na sociedade do Cristianismo, de cada fiel fazia, digamo-lo assim, um santo?
Não foi, di-lo a história, nas eras sanguinolentas,  porém luminosas, das perseguições, senão nos dias calmos e bonançosos da prosperidade.
Então, sim, é que principiou a afrouxar o nervo da disciplina, a relaxarem-se as fibras da caridade, entibiarem-se as almas, diminuírem os santos, escassearem os doutores, minguarem os videntes em Israel, corromper-se aquele “sal da terra”, embaciar-se aquela “luz do mundo”, de que fala o Divino Mestre (Mt 5, 13-14)
A perseguição, pois, é utilíssima, caros Filhos, senão necessária. Cruzes, espinhos, tribulações, físicos e morais padecimentos são mimos do céu”
Conclui assim tal vantagem:
“Acordamos do sono letárgico em que nos entorpecíamos; já se não temem os risos sarcásticos do século; já se não atendem as dolosas sugestões do respeito humano, já se não seguem os néscios conselhos da timidez; regeneraram-se os caracteres abastardados; retemperaram-se os ânimos desfalecidos; afervoram-se as almas tímidas; em uma palavra, sobe o nível moral: é a fé que se avivou, inflamada pelo atrito das perseguições!
Fazem-se romarias públicas; fazem-se procissões solenes; fazem-se comunhões gerais; fazem-se confissões frequentes; ouve-se mais a miúdo a palavra de Deus; fundam-se associações católicas; estabelecem-se conferências de S. Vicente de Paulo; surgem folhas religiosas; levantam-se vozes eloquentes, na imprensa e na tribuna, a favor da Igreja; operam-se conversões estupendas: é a fé que se tornou ativa! É a fé que está frutificando!
Salutares efeitos da luta que ora se degladia no mundo inteiro!
A uva, observa Santo Agostinho, enquanto descansa sob a fresca ramagem da parreira, enquanto não é espremida, nada produz: “Uva in vite pressuram non sentit, sed nihil inde manat”
Mas, ponde-a no lagar, calcai-a, recalcai-a, espremei-a bem: parece que lhe irrogai grave afronta, porém essa afronta é que a torna produtiva e mais preciosa, fazendo-a destilar o licor inebriante; ao passo que sem isso permaneceria estéril: “Mittitur in torculari, calcatur, premitur, injuria videtur accederet sterille remaneret” [12]
É a imagem da fé! Quanto mais torturada, mais fecunda! Quanto mais perseguida, mais virtuosa!”

(Carta Pastoral de Dom Vital de Oliveira, Bispo de Olinda e Recife, preso por causa de perseguição religiosa  - publicada logo após sair da prisão, em 24 de setembro de 1875. Anuncia o termo da sua reclusão e a sua próxima viagem “Ad limina Apostolorum” ao Papa Pio IX )





[1] Montesquieu, “De la grandeur et de la decadence des Romains”
[2]      Entre as perseguições e consolações do mundo, a Igreja de Deus está de passagem como uma peregrina ( S. Agost. De Civit. Dei,c. 51.)
[3] S. João Cris., hom. 21 in Math.
[4] A perseguição, sem dúvida, separa e distingue o pastor do mercenário – Convers. Ad clericos, num. 22
[5] Ludolf, “Vida de Jesus Cristo”
[6] Tract. 45, in Joan.,
[7] Vita Jesu Christi, cap. 86
[8] Dom Vital está se referindo a uma onda de perseguições à Igreja que varria a Europa, especialmente nestes países, quando o Papa teve que fugir de Roma e procurar abrigo em outro país.
[9] Vita Jesu Christi, cap. 86
[10] ...homens a quem era dado salvar israel (I Mac 5, 62)
[11] De consid. 2. 12
[12] Levada para a prensa, pisada, espremida, por essa injúria deixa de ser estéril – In Ps. 54

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