sábado, 21 de novembro de 2015

O DIREITO MODERNO E A REALEZA SOCIAL DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO




 Plinio Corrêa de Oliveira

"Não queremos que Ele reine sobre nós!" "Não temos outro rei senão César!" Eis os termos pelos quais os judeus repudiaram a Realeza de Nosso Divino Salvador. E eis os termos segundo os quais ainda hoje se desenrola a luta: "O inimigo é o paganismo da vida moderna, as armas são a propaganda e o esclarecimento dos documentos pontifícios. O tempo da batalha é o momento atual. O campo de batalha é a oposição entre a razão e a sensualidade, entre os caprichos idolátricos da fantasia e a verdadeira revelação de Deus, entre Nero e Pedro, entre Cristo e Pilatos. A luta não é nova; é novo, somente, o tempo em que ela se desenrola" (Cardeal Pacelli em discurso ao Congresso dos Jornalistas Católicos).

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Mas não são inimigos da realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo somente os que se confessam frontalmente contrários ao Seu plano de Redenção. Fazem coro veladamente com essas vozes ímpias e renegadas, aqueles próprios católicos que deformam as palavras do Divino Mestre perante Pilatos, quando declarou que Seu Reino não é deste mundo ( Jo. 18, 36 ), emprestando-lhes sentido restritivo, como se essa realeza fosse uma realeza exclusivamente espiritual, realeza sobre as almas, e não uma realeza social sobre os povos, sobre as nações, sobre os governos.
Quando Nosso Senhor diz que Seu Reino não é deste mundo, esclarece o Cardeal Pie, é para significar que não provém deste mundo, porque vem do céu, porque não pode ser arrebatado por nenhum poder humano. Não é um reino como os da terra, limitado, sujeito às vicissitudes das coisas deste mundo. Por outras palavras, a expressão "deste mundo" se prende à origem da Realeza Divina e não significa de maneira alguma que Jesus Cristo recuse à Sua Soberania um caráter de reino social. De outro modo, se não passasse da órbita estritamente espiritual ou da vida interna das almas, haveria flagrante contradição entre essa declaração de Nosso Senhor e, entre outras, aquela em que Ele diz claramente que "todo poder me foi dado no céu e na terra" ( Mat. 28, 18 ).

E, como diz Soloviev, "se a palavra a propósito da moeda havia tirado a César sua divindade, esta nova palavra lhe tira sua autocracia. Se ele deseja reinar sobre a terra, não o pode fazer de seu próprio arbítrio: deve fazê-lo como delegado d'Aquele a quem todo poder foi dado na terra".

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Ora, uma das principais características do espírito revolucionário, é justamente a pretensão de realizar a divisão entre a vida religiosa e a vida civil dos povos. Não é a vontade expressa de Deus que prevalece nas leis, como um ditame da reta razão promulgado pelo poder legítimo no sentido do bem comum, mas a expressão da maioria ou da vontade geral todo-soberana. Não se acha fora e acima do homem a causa eficiente do bem comum, mas sim na livre vontade dos indivíduos. Passa o poder público a ter sua primeira origem na multidão e, diz Leão XIII, "como em cada um a própria razão é único guia e norma das ações privadas, deve sê-lo também a de todos para todos no tocante às coisas públicas. Daí que o poder seja proporcional ao número, e a maioria do povo seja a autora de todo direito e obrigação" (Encíclica "Libertas").
Eis como se repudia, na sociedade moderna, a intervenção de qualquer vínculo "entre o homem ou a sociedade civil e Deus, Criador, e, portanto, Legislador Supremo e Universal" (Doc. cit.).
Antes do século XVIII, antes que a Revolução Francesa houvesse tiranicamente implantado no mundo o artificialismo do "direito novo" revolucionário, todos os países tinham instituições políticas e sociais baseadas na força dos costumes cristãos, instituições que não haviam sido elaboradas por assembléias eleitas pela burla da soberania do povo. Como diz Joseph de Maistre, "a constituição civil dos povos não é jamais o resultado de uma deliberação". Não deve ser um simples ato de vontade que nos dita a lei básica que nos há de reger, mas sobretudo um preceito da reta razão que não pode desconhecer, e muito menos ir contra o mandamento divino. Da lei eterna é que hão de dimanar as leis humanas. Se se deixa ao arbítrio das eventuais maiorias ou da multidão mais numerosa a lei que estabelece o que se há de fazer e omitir, eis, segundo Leão XIII, preparada a rampa que conduz os povos à tirania.
Transferindo, portanto, o direito de sua fonte natural que é a vontade de Deus expressa pela lei natural e pela Revelação, das quais a Igreja é guardiã e intérprete infalível, para os sectários que por golpes políticos se assenhorearam dos corpos legislativos através da alquimia do sufrágio universal, o liberalismo preparou o mundo moderno para as cadeias que o prendem ao Leviatan totalitário.

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Não é para admirar, portanto, que Napoleão se declarasse mais orgulhoso do Código que traz o seu nome, que de suas vitórias como soldado. Consolidador da Revolução, não o seria tanto nos campos de batalha, quanto ao codificar toda a enxurrada de leis emanadas das assembléias revolucionárias. Cambacèrès e seus comparsas põem um simulacro de ordem naquele caos de legislação racionalista, que apenas se preocupa com as aparências da ordem natural, ignorando completamente a ordem sobrenatural. Esse naturalismo já seria bastante para estabelecer a cisão da legislação revolucionária com a lei eterna. Mas não são poucos os artigos do Código Napoleônico que se acham em oposição frontal a Jesus Cristo e à Sua Igreja.
O cesarismo se manifesta pelo estabelecimento do "casamento civil", pela permissão do divórcio, pelos atentados contra o patrimônio familiar nas disposições sobre as sucessões e o direito de testar; pelo não reconhecimento da existência das Ordens religiosas; pela recusa do direito que tem a Igreja de adquirir e de possuir livremente. Mantém a supressão revolucionária das corporações ou da liberdade de associação, afirma o falso princípio da igualdade civil e política de todos os cidadãos, e é baseado nesse falso princípio que dá mais um golpe de morte na instituição da família, ao prescrever a partilha igual das heranças. E assim, através desse Código revolucionário, modelo da legislação que seria adotada por todos os Estados modernos, Cristo Rei é banido dos governos e das leis que regem os povos.
E é assim que se pode dizer, com Blanc de Saint-Bonnet, que "o império foi o coroamento do liberalismo, ou, por outras palavras, a instalação do cesarismo: a mais perfeita substituição do homem a Deus, do Estado à Igreja, que jamais se realizou fora do império romano, ou, se se preferir, do império otomano".

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Eis a porta aberta ao socialismo ao comunismo. Porque o liberalismo conduz fatalmente ao comunismo, não por via de reação, como declamam certos sociólogos improvisados, mas por sua própria essência, por suas próprias características. Gerou ele o ateísmo, por seu desprezo pela fé, e pela liberdade desenfreada concedida ao erro religioso e social. Em seguida, solapou a propriedade em sua própria base pelo modo de tratar os direitos da nobreza, de desapropriar os bens da Igreja, de dispor arbitrariamente do patrimônio familiar, de consentir nos abusos da vida econômica e na exploração do homem pelo homem. Enfim, o liberalismo instalou nos Estados a força brutal das massas, entregando o poder de mãos e pés amarrados ao sufrágio universal. "Ora, o comunismo toma por base o ateísmo, por fim a usurpação do capital, e por meio a força empregada pelas massas" (Blanc de Saint-Bonnet, em "La Legitimité").
O ponto geral de convergência de toda a obra revolucionaria, é, portanto a radical negação do Reino social do Divino Salvador. "Não queremos que Ele reine sabre nós!" "Não temos outro rei senão César!" Destarte, "o erro dominante, o crime capital deste século é a pretensão de subtrair a sociedade ao governo e à lei de Deus,... o princípio posto à base de todo o moderno edifício social, é o ateísmo da lei e das instituições. Que ele se disfarce sob os nomes de abstenção de neutralidade, de incompetência ou mesmo de igual proteção, que se vá até contradizê-lo por algumas disposições legislativas de detalhe ou por atos acidentais e secundários: o princípio de emancipação da sociedade humana em relação à ordem religiosa permanece no fundo das coisas; é a essência daquilo a que se dá o nome de tempos novos" (Cardeal Pie, Oeuvres, t. 7).
Para não desertar de sua fé, como membro da Igreja Militante, deve o católico, portanto, lutar pela restauração do Reino de Cristo, como única via para a restauração da verdadeira civilização, que é a civilização cristã, a cidade católica. E se Jesus Cristo é Rei de toda a Criação, temos em Sua Mãe Santíssima a Rainha dos céus e da terra. Diz São Luiz Maria Grignion de Montfort que foi pela Santíssima Virgem que Jesus Cristo veio ao mundo, e é também por Ela que no mundo deve reinar. Essa devoção à humilde Virgem Maria, tão desprezada pelos orgulhosos inchados pela vã ciência do mundo, essa devoção se acha ligada de modo tal a toda a doutrina católica, que se pode dizer que ela é o último elo de uma cadeia de verdades cujo primeiro elo é o dogma de um Deus Criador, e é esse último elo que retém a sociedade humana ameaçada de cair no abismo do naturalismo e do comunismo. As mais graves questões, as mais vastas conseqüências de ordem humana e social dependem desses artigos de fé, desses pontos do dogma relegados para o interior dos santuários.
Neste mês do Rosário e da Festa de Cristo Rei, façamos subir até o trono da Mãe de Deus as nossas ardentes súplicas para que seja apressada para a humanidade sofredora a plena restauração do reinado de Seu Divino Filho.



(“Catolicismo” Nº 22 - Outubro de 1952)

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