O “problema da certeza”
envolve o homem desde o começo do mundo. Estar convicto de que se está de posse
da verdade, de que se está no caminho certo a seguir ou de que as idéias
concebidas são corretas, é um estado de espírito que, afirmamos COM CERTEZA, é
mais comum em pessoas que têm Fé, porque esta é a Virtude da certeza por
excelência. A certeza provém da Verdade, mas esta precisa ser aceita
pacificamente; do contrário, ocorre como o episódio de Pilatos que perguntou a
Nosso Senhor Jesus Cristo o que é a verdade, e Ele nada respondeu. Por quê?
Porque de nada adiantaria lhe falar sobre o que é a Verdade (que é Ele mesmo), pois para um homem cheio de dúvidas, assoberbado de incertezas, naquele momento não seria uma
simples resposta que lhe faria ter certezas. Era preciso algo mais.
Há pessoas que não
acreditam em coisas sobrenaturais, como, por exemplo, em milagres, mas aceitam
de bom grado e acreditam nas informações recebidas de um professor em sala de
aula, mesmo que este seja um homem materialista, ateu, agnóstico, etc. Por quê? Porque as informações para serem mais facilmente cridas têm que
partir de uma fonte que tenha credibilidade para o ouvinte. E o professor tem
credibilidade perante o aluno pelo simples fato de ser seu mestre, de outro modo ele não estaria ali para aprender
com ele. A partir do momento que o aluno acredita no que o professor diz
passa então a ter certezas. É claro que num clima social todo cético e
agnóstico como no mundo moderno, talvez nem um professor consiga fazer
determinado aluno acreditar no sobrenatural, pois agora isso vai depender de
muitos outros fatores.
Do mesmo modo o filho
acredita em seus pais e ouve deles ensinamentos e deles tira uma série de
conclusões e certezas, com as quais vai guiar os passos de sua vida. O motivo é
o mesmo: a fonte de informações que lhe deu aquelas certezas, frutos da crença
no que lhe disseram, tem credibilidade e merece confiança. Um outro fator que
faz com que alguém acredite no outro é uma questão afetiva, uma simpatia, um pendor
por aquele que lhe transmite a informação. Um ateu, por exemplo, acredita mais numa
prostituta com quem convive, mesmo esporadicamente, do que num sacerdote quando
ouve informações sobre prazer ou sobre um tema prosaico qualquer.
Existem, assim, fontes
fidedignas de várias naturezas. As fontes históricas, por exemplo. Em primeiro
lugar estas são compostas pelas testemunhas oculares dos fatos; em seguida vêm
os documentos escritos, as crônicas, as cartas, etc., mas muitas destas também
se reportam às testemunhas vivas que presenciaram os fatos. Em terceiro lugar,
há as fontes oriundas de pesquisas dos historiadores, muitos deles vivendo numa
época muito afastada das que ocorreram os fatos. Assim, numa tradição ou mesmo
através de documentações pesquisadas, surgem fontes históricas fidedignas e que
transmitem a quem as consulta crença e certeza de que aqueles fatos ocorreram
verdadeiramente. Após estudar um filósofo grego durante um período letivo,
determinado estudante vai aos poucos adquirindo simpatia e afeto por aquele
personagem, embora ele tenha vivido muitos séculos atrás, e, no final, vai
acreditar e ter algumas certezas sobre seus ensinamentos que os professores lhe
repassam em sala de aula.
Mas, existem outras
certezas. A certeza moral, por exemplo. Um juiz pode acreditar num réu porque, moralmente,
ao ouvi-lo num processo, considera-o digno de fé e passa a ter certeza de que
ele é inocente, mesmo que não haja provas materiais para isso. Uma mãe que conhece bem seu filho pode
concluir, por uma certeza moral, que seja inocente ou culpado perante alguma
calúnia. Um político pode ter uma certeza moral quando ouve uma pesquisa e se
diz que seus eleitores, porque gostam dele, vão lhe dar seus votos. Assim, a
questão da certeza é muito abrangente e muitas são as ocasiões em que ela pode
ou não enraizar-se no espírito de uma pessoa. E, por isso, a certeza é algo
muito próprio aos que têm Fé.
Segue abaixo, uma palestra
de Dr. Plínio Corrêa de Oliveira, dividida em dois artigos, sobre como adquirir certezas:
Como adquirir certezas
Quase toda a filosofia moderna – inclusive os sistemas mais opostos entre
si, desde o idealismo de Kant até o mais crasso materialismo -, procede de
Descartas (1596-1650). Este considera que, para se conhecer com certeza alguma
coisa, é preciso rejeitar o testemunho dos sentidos, duvidando-se de todas as
impressões adquiridas, e começar do zero a elaboração da análise.
Na verdade, Descartes tentou transplantar a certeza matemática para todos
os campos do saber, acabando por gerar um método geométrico, abstrato e
apriorístico (segundo Saisset), com “raciocínios por demais generalizadores e
aéreos” (segundo Leibniz).
Nada mais natural que Dr. Plínio se opusesse ao método cartesiano. Era
ele adepto entusiasta da Escolástica – o ensinamento dos mestres católicos
medievais aprovados pela Igreja -, aos quais Descartes tinha verdadeiro horror.
A base para as cogitações filosóficas plinianas é principalmente São Tomás de
Aquino, a par de outros astros do saber católico, como São Boaventura.
"Conforme me pediram, passo
a tratar a respeito da verdade e do erro, e depois falarei sobre a questão da
incerteza.
No tocante ao primeiro
tema, é necessário antes apontar uma doutrina que devemos repudiar
completamente. É a tese de Descartes, que hoje é adotada subconscientemente por
milhões de pessoas.
Descartes – famoso
filósofo francês do século XVII – afirmava o seguinte: antes de alguém estudar
um assunto, deve duvidar de tudo o que já aprendeu a respeito dele, e começar a
raciocinar de novo.
Por exemplo, se quero
estudar a natureza das velas acesas diante de uma imagem de Nossa Senhora,
preciso cancelar tudo o que jáestá na minha cabeça a respeito de vela, pois não
tem valor algum. Devo começar as minhas deduções prescindindo disto.
Ora, ignorar todo o
conhecimento anterior gera uma conseqüência psicológica, da qual Descartes não
tratou, mas que é um dos resultados do seu sistema.
Que conseqüência é essa?
Como é impossível que alguém consiga estudar todas as coisas que deve conhecer
utilizando o método por ele preconizado – ignorando o que já aprendeu por meio
das impressões, etc. -, a solução é buscar esse conhecimento nos livros. Se
alguém não pode coordenar tudo o que sabe, começa por ler. E o conhecer uma
ampla bibliografia sobre o assunto é, então, o primeiro passo de um estudo.
Assim, o pensamento começa pela leitura.
Não julgo isto correto.
Volto ao exemplo da vela: tenho já uma idéia embrionária sobre velas, embora
seja a mais rudimentar e vaga possível. Se fosse começar a pensar sobre as
velas, talvez tratasse primeiro de reunir o que já sei, e ordenar um pouco
essas idéias; depois, fazer algumas observações. Quando o que está na minha cabeça
e o que eu poderia pensar por mim mesmo sobre velas tivesse chegado a um certo
ponto, aí, sim, eu ia ler sobre o assunto em algum livro.
O livro não pode ser a
pista do meu pensamento, mas uma espécie de bomba de gasolina que eu tenho à
margem do caminho. E eu me abasteço tanto quanto queira, mas não é meu pensar.
O livro é um servo a quem eu mando que me traga materiais para o meu
pensamento. Mas vou refletir segundo minas coordenadas, meus antecedentes, meus
modos de ver, etc.
Esta é a maneira de pensar
característica da nossa escola. Estudamos nos livros para nos completarmos.
Quem é da outra escola,
começa por procurar nas bibliotecas tudo quanto outros pensaram sobre uma
matéria, para depois tirar suas conclusões. Ele faz o estudo, ou com o intuito
de aprender o que outros concluíram, ou para derrubar tudo em função do que
outros disseram, ou ainda para acrescentar algo às opiniões de outros.
Não sei se percebem que a
finalidade do estudo se deslocou. Notem bem: não estou afirmando que Descartes recomendou
isto; estou dizendo que o método dele, como é inumano, na ordem prática das
coisas produz, por via de extrapolação, esse resultado.
O mais curioso é que, na
concepção de Descartes, uma certeza adquirida previamente ao estudo é
considerada um preconceito. A certeza, para o cartesianismo, é um fruto só do
estudo: depois de ter estudado fantasticamente, ele adquirirá a certeza. Eu
nego que isto seja assim.
Um conceito de estudo formado com
base no bom senso
Parece-me chegado o
momento de exprimir o nosso conceito de estudo. Ele consiste no seguinte: tenho
na mente dados de bom senso – incluindo o senso lógico – que constituem um
patrimônio comum de todos os homens.
Ou seja, assim como nasci
nascendo mover os olhos para ver o que quero, também nasci sabendo raciocinar.
Ninguém precisa de um “tratado de movimentação dos olhos” para saber como
fazer. Isto poderá ser necessário para algum doente, mas não para uma pessoa
normal. Toda criança mexe naturalmente os olhos, a cabeça, etc.
O senso lógico é assim
também. Está na condição humana. Portanto, aprendi diretamente, no contato como
mundo externo, uma série de verdades primevas que não necessitam de
demonstração. Isto forma em mim um patrimônio de certezas que são inteiramente
lógicas, naturais, primeiras. Considerar isto sem valor seria insensatez.
Essas certezas são os
pressupostos com os quais vou analisar e pensar.
Alguém poderá me objetar:
- Não pode haver erro
nessas certezas primeiras?
- Pode. Como ocorre com
tudo o que é humano, é normal que haja.
- Então, rejeite-ase parta
do zero.
Para mim, um conselho
deste tipo equivale a dizer:
- O senhor não pode ter
algum defeito na vista?
- Posso.
- Então, antes de começar
a olhar qualquer coisa, arranque os olhos.
Quem age assim com suas
certezas iniciais não vê mais nada. Cai na noite da incerteza.
O fundamento da certeza é,
portanto, esse patrimônio primeiro, semi-explícito, semi-implícito, que são as
certezas iniciais.
Relação entre as certezas e o senso
do bem e do mal
Alguém pode retrucar: mas
qual é o valor lógico dessa certeza? Como o senhor pode se certificar de que
dentro desses dados não haja uma grande série de erros?
A minha resposta é: a
imensa maioria dos erros vem de apegos. Para alguém ter confiança nas suas
certezas primeiras, precisa ter possuído um senso do bem e do mal muito vivo.
Porque, neste caso, seu olho é límpido para ver. As deformações “visuais” se
originam, em sua quase totalidade, da vontade.
Quem, com a alma limpa,
procura conhecer assim essa verdade primeira, poderá cometer erros acidentais,
poderá cometer erros secundários, mas o grosso do conhecimento sobre
determinada coisa, ele obtém. Ou seja, na linha-mestra não erra. É do senso
natural. Isto é ainda mais verdade quando ele é batizado e assistido pela
graça.
Qual é, então, o sistema
de conquista da verdade? Esta começa por uma lenta explicitação do que já se
sabe. E uma ordenação das coisas novas que se vai sabendo, mas em função do bom
senso fundamental desses dados primeiros.
A marcha “de proche em proche” para atingir
a verdade última
Sem isso, o senso da
verdade não existe. Chega-se à verdade mais ou menos numa marcha de procheenproche(“da
próxima à próxima”). Das verdades primeiras, não se deve saltar logo para as
últimas, mas é preciso caminhar modestamente para verdades mais próximas. E
assim, de uma para outra, embora já se possa ter intuído a verdade última –
costuma acontecer que muita gente a intui -, é preciso construir uma
demonstração de procheenproche. Construí-la sem aparato, sem
espalhafato, sem agitação, mas humilde, sólida e organicamente.
A esse respeito, sustento
que o nosso melhor livro somos nós mesmos. Não somos só um livro, cada um de
nós é uma biblioteca que contém imensamente mais do que as bibliotecas em que
estão os livros. Jamais alguém escreveu tudo o que possa haver na mente de um
homem.
Por exemplo: ao
repararmos, num tecido,o contraste entre o vermelho e o azul, há milhares de
impressões que saltam no nosso subconsciente. Se tomarmos o trabalho de as
explicitar, teremos muito mais que numa biblioteca. Este é o grande trabalho
intelectual ao qual devemos nos dedicar.
Qual é, então, o papel do
livro? Ele me ajuda a colher dados de que eu preciso, me transmite alguma
consideração interessante de alguém, etc. Mas nunca devo “entornar” o livro na
minha cabeça. Ele deve servir de depósito de material para a minha construção.
Há alguns anos, fui
almoçar com um grande medievalista francês, escritor de vários livros e com
obras laureadas. Eu não havia lido nem a terça parte do que ele lera sobre a
Idade Média. Contudo, no meio da nossa conversa, após eu ter feito alguns
comentários sobre coisas medievais, ele me disse: “Caro amigo! O senhor precisa
indicar-me sua bibliografia. De que livros o senhor tirou essas observações?”
Quase respondi: li a minha própria cabeça...
É assim. E não é sério
levantar a objeção de que em algumas mentes há mais do que noutras. Quando
alguém quer saber mais do que tem na cabeça, não adianta afundar-se em
leituras. Primeiro ele precisa saber aproveitar o que já possui. Um homem que
saiba bem aproveitar todo o cabedal que já adquiriu é um talento, um gênio.
Dessas considerações
concluo: no analisar determinado assunto, não é preciso ler tudo sobre eles,
nem é o caso de dar todos os argumentos a respeito dele, Necessário mesmo é ter
dele uma noção básica sólida. Pode até acontecer que não saibamos fundamentar
alguns pontos numa discussão. Ora, discussão não é teste de certeza. Pensa-se
home em dia que sim: “Discuti com Fulano, ele ficou sem resposta; logo, quem
tem razão sou eu”. Esta dedução não se justifica.
Qual é, então, o teste da
certeza? Sustento que é a verificação da consonância entre aquilo que se afirma
e os dados do bom senso que todos possuem. É uma certeza inicial que, procheenproche,
vai se desenvolvendo.
Contudo, ela mesma não é,
no fundo, senão uma projeção do senso do bem e do mal e desse senso nativo da
verdade e do erro, que se apóiam e se vão tornando mais vigorosos.
(Revista “Dr. Plínio”, nº
36, março de 2001)
O senso católico e o desabrochar das certezas
Há algum tempo atrás, li
numa revista de história francesa, a crítica que um alemão fazia a esse método
errado de raciocínio, adotado por certos historiógrafos. Com muito critério,
ponderava ele o seguinte:
Um livro de história
escrito por um cartesiano é uma maravilha de clareza. O leitor entende tudo
perfeitamente. Mas, afinal, essa capacidade de explicar é qualidade ou
defeito? Ora, dado que a realidade tem
plumas e tem brumas, o cartesiano, ao se recusar a incluir na sua narrativa o
aspecto brumoso da história, e se limita a contar apenas aquilo que ele
entendeu, não faz uma descrição abrangente. Ele oculta as incógnitas que não
compreendeu.
Parece-me uma objeção
magistral. Aliás, tratava-se de um francês que resumia a objeção do alemão, e
talvez daí viesse esse punhal incisivo cravado na cultura cartesiana. O
pensamento, porém, aponta de modo expressivamente germânico esse equívoco
proveniente do espírito cartesiano, para o qual um fato sem explicação é como
uma vergonha que precisa ser ocultada, pois, pensa ele, o cartesiano: “Só
devemos fazer a história do explicável”.
Como já disse, não
concordo com esses métodos. Para mim, a marcha do pensamento é comparável ao
desenvolvimento de um corpo, que nasce e cresce como tudo quanto é vivo: aos
poucos, célula por célula, tomando em conta as verdades e certezas primeiras,
nascidas daquele bom senso que é patrimônio comum de todos os homens.
Bom senso versus cartesianismo em
face da Religião Católica
Essa diferença de
procedimentos intelectuais se torna mais viva quando o assunto é religião. Por
exemplo, diante da necessidade de demonstrar que a Religião Católica é
verdadeira. Segundo o método do cartesianismo e afins, um estudo para provar
essa veracidade deve partir do zero e incluir etapas como estas:
Primeiro, a verificação da
autenticidade e inautenticidade dos livros, historicidade das revelações
havidas, críticas dos testemunhos, etc., em todas as religiões.
Segundo, confronto das
doutrinas de todas as religiões.
Terceiro, qualquer
conclusão sobre o assunto: tal religião é verdadeira; nenhuma é verdadeira;
todas são verdadeiras, etc.
Quarto, respostas a
objeções. Poder-se-ia dizer que só esta etapa já ocuparia vinte vidas de vinte
homens que iniciarem o primeiro balbucio sobre a matéria.
Os adeptos do sistema
cartesiano e de tudo o que se baseou nele consideram pura idiotice um estudo
baseado em métodos diferentes. Se, na discussão com um deles, para
justificarmos nossa adesão à Igreja Católica, não fornecemos essa batelada de
análises, comparações, gráficos, etc., acharão a demonstração insuficiente.
Dirão tratar-se de uma religiosidade rotineira, supersticiosa, derivada da
indolência e de atavismos.
Ora, nós temos uma idéia,
ainda que sumária, das várias religiões. Temos, também, um bom senso nutrido
pelo Batismo, com o qual a Religião Católica se harmoniza inteiramente. A esse
respeito, lembro-me das minhas meditações enlevadas no meu tempo de menino:
“Como a Religião Católica satisfaz por completo a necessidade da alma humana!
Que maravilha! Pode-se dizer que, de algum modo, é a religião do homem! Porque,
se a Religião Católica não existisse, e quiséssemos imaginar aquilo capaz de
fazer com que o homem fosse o melhor possível, era preciso inventá-la!”
O que mais me chamava a
atenção era a sensatez de tudo o que havia no catolicismo: como as verdades
aparentemente mais opostas se fundiam numa síntese equilibrada superior, sem
nunca a Igreja tremer com esses contrastes, mas guardando toda a serenidade, e
tirando daí uma verdade líquida, límpida, extraordinária.
Recordo-me, por exemplo,
do meu entusiasmo de criança tanto com o luxo do Papa, quanto com a pobreza dos
religiosos. Eu pensava: “Caramba! Essas coisas devem chocar-se. Entretanto, os
católicos que conheço acham a coexistência desses contrastes a coisa mais
natural do mundo. Aceitam isso, porque há uma superior posição onde tudo se
ordena. Como isso é humano! Como a vida não seria vida se não fosse assim! Como
tudo seria inexplicável se a Religião Católica não fosse verdadeira!”
Devo dizer que nunca me
interessei por provar que a Religião Católica e autêntica. Trata-se de uma
preocupação que jamais me passou pela mente. Não condeno que se façam pesquisas
e estudos aprofundados sobre a questão. Pelo contrário, louvo que assim
procedam, mas considero que o objetivo não deve ser provar a veracidade da
Religião Católica, e sim acrescentar novos testemunhos de que ela o é.[2]
Essa convicção parte da minha certeza nativa,,do meu bom senso calmo,
planturoso [abundante, copioso], embrionário, do meu gosto pelas coisas como
elas devem ser, e também da minha rejeição a tudo quanto seja atitude ou
doutrina que não se coaduna com a natureza humana, e assim faz pressão sobre
meus nervos.
Com efeito, todas as
verdades têm de ser coerentes com os nervos do homem. Aquilo que os abala é
errado, do mesmo modo que não pode ser verdade o que é contrário à boa ordem da
natureza humana.
Temos assim, a propósito
da Igreja, uma visão do modo pelo qual, do senso do bem e do mal, acrescido do
bom senso e do senso católico, nasce uma flor, alva, calma, perfumada, de vida
longa, resistente a insetos e ao mesmo tempo muito delicada: a certeza.
Eu pergunto: alguém pode
adquirir a Fé católica pelo processo científico?
Se um homem passasse a
vida inteira estudando, creio que chegaria alogicamente á Fé.Mas, com quantas
possibilidades de se enganar ao longo dessa vida? Por aí podemos perceber que
esse processo é inidôneo para a aquisição da certeza.
Alguém poderia me objetar:
- O senhor então condena a
pesquisa e o método de dedução científica?
Não! Longe de mim
condená-los! Aceito-os. Contudo, não começando com a dúvida metódica de
Descartes nem com a tabula rasa do empirismo, nem tampouco afirmando que
só por esses métodos se alcançam as grandes certezas. Digo mais. A convicção da
própria certeza científica se adquire por causa dessas certezas anteriores que
se depreendem do bom senso e iluminam o método científico.
Eu condeno, sim, a ruptura
entre o bom senso e o processo científico.
Para uma demonstração ter
validade, é preciso que suas grandes linhas, as linhas capitais, estejam de
acordo e em consonância com as grandes linhas do bom senso. Essa consonância e
esse acordo é que têm importância; o resto são pormenores que, se em algo são
falhos, não comprometem a visão correta o raciocínio. Poe exemplo, se estou
apresentando a visão correta de um fato histórico, mas me equivoco a respeito
do nome de um personagem (digamos, de um rei), e alguém me corrige: “Não, não é
tal rei assim, é tal outro”, eu não fico esmagado por causa do meu engano.
Agradeço a retificação e digo: “Ah, meu bom secretário, é tal rei? Vou tomar
uma nota, porque já tinha me esquecido desse pormenor”. Está acabado.
Realidades inesgotáveis, equilíbrio
e nervosismo
Concluo acrescentando mais
um dado.
Um dos pressupostos dos
sistemas derivados do cartesianismo é que uma realidade pode ser conhecida e
esgotada por inteiro. Daí ouvirmos perguntas deste tipo (feitas, aliás, de modo
excitado):
- Você já leu tudo sobre
tal coisa?
Ou seja, para um adepto de
tais sistemas a realidade sobre um determinado ponto é completamente esgotável
pelo estudo. Por causa disso, fazendo-se duzentos estudos, esgotando-se
duzentas realidades, chega-se a tal certeza. Esse modo de pensar revela uma
limitação e uma falta de aristocracia de espírito a toda prova. Pois toda realidade é inesgotável,o que se
traduz até por uma atitude física: em vez de olhar para uma realidade de perto,
a fim de devorá-la, preciso considerá-la meio de longe, com recuo e panorama.
Dou-lhes um exemplo.
Imaginemos que, em determinada universidade norte-americana, alguém com uma
mentalidade como essa que descrevemos se interesse em pesquisar as algas
marinhas. Começa, então, por formar um pequeno departamento de algas no
Instituto de Botânica Oceanográfica adstrito ao Setor de Geografia da Faculdade
de Ciências, etc. (porque, é claro, tudo ali já é ultra-especializado).
Depois, trata-se de
conseguir do Governo uma verba de tantos bilhões de dólares para fundar uma
própria Universidade de Algas,, a qual, por sua vez, se divide em diversas
Faculdades e em várias seções.
Pois bem: ao cabo de dois
mil anos desse sistema, o desdobramento ainda não teria terminado, nem a
pesquisa terá chegado a seu fim. Porque, em última análise, cada alga é uma
realidade inesgotável, e para se estudar um minúsculo pedaço de alga, uma
universidade não basta.
Então não se deve estudar
as algas? Sim, deve-se pesquisá-las, não com o objetivo de esgotar a análise,
mas para se descobrirem os aspectos dominantes dessa realidade chamada alga.
Esse é o modo de procedermais ordenativo, mais calmo e mais nobre da mente
humana.
Claro que se alguém quiser
dar a um de nós um pormenor sobre a alga, devemos aceitar gratamente essa
contribuição. Mas com a condição de a nova informação não dominar a nossa
visão. E de, com nossas linhas gerais, sermos donos do assunto, e não uns
eruditos.
Um espírito equilibrado
possui não apenas os três sensos já mencionados (o senso do bem e do mal, obom
senso e o senso católico), mas ainda o senso do metafísico, o do orgânico,
enfim, todos os sensos inerentes a uma reta inteligência.
Ora, os cartesianos e os
empiristas querem esgotar o inesgotável, e desejam que isso caiba na mente do
homem. É o erro deles, que acaba originando problemas nervosos, pois, sem a
ordenação e a serenidade interiores, a pessoa acaba se jogando num precipício
de gagueiras. Por isso sou da opinião de que muitos dos distúrbios
psiquiátricos verificados hoje em dia vêm do fato de que a formação em certos ambientes
modernos já falseia na criança esse equilíbrio interior primeiro. E uma vez
falseado, o indivíduo fica lesado em sua paz de alma e não vive bem.
Um inevitável círculo vicioso
Em resumo, eu afirmo que
da nossa escola sai a certeza. Das outras escolas saem apenas afirmações
categóricas, aliás, temporárias, pois só serão válidas até nova descoberta.
Imaginemos que vem dar uma
conferência um professor universitário, especialista em algas do
Baixo-Mediterrâneo. Informadíssimo, mas não e homem de certezas. Ora, alguém
que seja muito bem informado, mas não possua certezas, pode até ser muito
inteligente – presto homenagem à inteligência dele – mas é um pobre coitado.
A um sábio desse gênero,
eu gostaria de propor esta questão:
- O senhor deseja,
naturalmente, construir seu raciocínio sobre umas primeiras noções. Mas que
certeza o senhor tem de que o raciocínio humano conduz à verdade? Se o senhor
afirmar isto sem prova, estará formando um preconceito. Não seria melhor partir
de um estudo sobre esse problema criteriológico?
O sábio me responderá:
- Perfeito. Então eu vou
começar por aí...
- Não, não, devagar! Há
uma dificuldade. O senhor vai provar por meio de raciocínios que o raciocínio
conduz à verdade. Ora, existe aí uma petição de princípio, porque o senhor vai
usar o raciocínio para justificar a si próprio. Para provar que o raciocínio
conduz à verdade, é preciso haver um elemento anterior a ele. O senhor quer me
dizer em que sua certeza se funda? Qual é o início?
Ora, se for considerada
como certa a tabula rasa do empirismo, não há uma base para o começo! É
o mesmo problema da dúvida metódica cartesiana, que ignora tudo o que é
adquirido anteriormente ao raciocínio abstrato[3].
Na realidade, há verdades
primeiras[4] –
São Tomás de Aquino o demonstra muito bem – que são evidentes por si mesmas, e
sem as quais não há como adquirir a certeza".
(Revista “Dr. Plínio”, nº
37, abril de 2001).
Descartes é considerado o primeiro filósofo moderno. A sua contribuição à epistemologia é
essencial, assim como às ciências
naturais por ter estabelecido um método
que ajudou no seu desenvolvimento. Descartes criou, em suas obras "Discurso sobre
o método" e "Meditações" - a primeira escrita em francês, a segunda escrita em latim, língua tradicionalmente
utilizada nos textos eruditos de sua época - as bases da ciência contemporânea.
O método
cartesiano consiste no Ceticismo
Metodológico - que nada tem a ver com a
atitude cética: duvida-se de cada idéia que não seja clara e distinta. Ao contrário
dos gregos antigos e dos escolásticos, que acreditavam que as coisas existem
simplesmente porque precisam existir, ou porque assim deve
ser etc., Descartes instituiu a dúvida: só se pode dizer que existe aquilo que
puder ser provado, sendo o ato de duvidar indubitável. Baseado nisso, Descartes
busca provar a existência do próprio eu (que duvida, portanto, é sujeito de
algo - ego cogito ergo sum- eu que penso, logo existo) e de Deus.
Também consiste o método de quatro regras básicas:
- verificar se existem evidências
reais e indubitáveis acerca do fenômeno ou coisa estudada;
- analisar, ou seja, dividir ao máximo as coisas, em
suas unidades mais simples e estudar essas coisas mais simples;
- sintetizar, ou seja, agrupar novamente as unidades
estudadas em um todo verdadeiro;
- enumerar todas as conclusões e
princípios utilizados, a fim de manter a ordem do pensamento.
Observação: Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein, ainda quando
judia) avançou nos estudos da chamada “Fenomenologia” ao afirmar que há a
certeza de que as coisas existem porque estas se manifestam pelos fenômenos de
suas naturezas intrínsecas, não dependendo, portanto, de nosso conhecimento.
Isso derruba tanto o cartesianismo (a dúvida como ponto de partida) como o
empirismo (pelo qual, todo conhecimento só se comprova com as experimentações
empíricas). A certeza da existência de seres espirituais, como os Anjos, não
provém de experiências empíricas nem de puros raciocínios, mas porque há
manifestações deles através de fenômenos percebidos e testemunhados pelos
homens.
[1] Uma
esclarecedora amostra do empirismo é encontrada no seguinte trecho de Hume: “Se
tomarmos nas mãos qualquer volume de teologia ou metafísica escolástica, por
exemplo, perguntemos: ‘Contém ele algum raciocínio abstrato a respeito da
quantidade ou número?’ Não. ‘Contém algum raciocínio experimental a respeito de
assuntos de fato e existência?’ Não. Entregue-o então às chamas, pois não
poderá conter nada senão sofistaria e ilusão. (Peter Gay, “A ilha da razão”, in
Folha de São Paulo, caderno Mais!, 15/4/2001).
[2]Claro
está que Dr. Plínio excetua aqui as necessidades apologéticas, das quais era
entusiasta.
[3] Foi
para tentar sanar essa fatal lacuna de seu sistema que Descartes imaginou a
tese da existência deidéias inatas, considerada absurda pela sã filosofia.
[4] A
primeira e básica de todas as verdades é a Revelação divina. Todo o
conhecimento humano é, assim, oriundo de alguma revelação, ou de Deus ou de um
Anjo,ou de um outro homem. A certeza, muitas vezes, se origina da credibilidade
que se da à fonte de onde provém a revelação. O aluno adquire a certeza porque
confia no professor... e é este quem “revela” ao aluno as verdades por ele
antes desconhecidas.
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