quarta-feira, 17 de abril de 2013

O nosso jeitinho



Tem havido muita discussão sobre o “jeitinho”, especialmente o que se tornou comum chamar de “jeitinho brasileiro”. Isso porque supõe-se que tal modo de proceder seja uma característica muito especial de nosso povo. Em tudo o que se vai fazer, aqui no Brasil, havendo qualquer dificuldade a transpor, a pessoa sempre apela para a frase “Dá um jeitinho aí!...”  E isso ocorre por aqui cotidianamente, tanto nas relações comuns do dia a dia, nas atividades comerciais ou sociais, quanto nas complicações jurídicas ou de qualquer outra natureza. O “jeitinho” tornou-se uma fórmula de resolver problemas fora das situações normais, através de uma solução que não seja a legal ou convencional.

Pelo fato disso ter se disseminado de forma indiscriminada no Brasil, a saída para o “jeitinho” encontrou lugar até na política e na economia. As empresas, as entidades financeiras, os economistas e até as autoridades do governo sempre acham um “jeitinho” para encobrir situações vexatórias ou algumas dificuldades perante o grande público. Se alguma empresa ou banco  vai apresentar prejuízo, os diretores têm que arranjar um “jeitinho” para que tal não ocorra; se um ministério está passando por dificuldades, às vezes problemas de corrupções e escândalos, tem-se que arranjar um “jeitinho” para a coisa ficar encoberta. Se os políticos que estão no poder aproveitam-se do cargo e roubam, são aconselhados pelas autoridades que dêem um “jeitinho” para que a coisa se resolva de forma encoberta para que o nome e o prestígio do Governo não fique comprometido. Talvez tenha sido por isso que houve o famoso caso do “mensalão”, quando dezenas de políticos foram pegos em contravenções escandalosas, mas o Governo tentou a todo custo encobrir tudo. Aqui o “jeitinho” se confunde com esperteza.

E chegou ao ponto das próprias autoridades econômicas serem criticadas no exterior por procurarem sempre arranjar o tal “jeitinho” para encobrir as mancadas e falhas do nosso sistema político-econômico. O nosso ministro da fazenda chegou a ser chamado pela mídia americana de “profissional do jeitinho” (lá a expressão usada é “little way” – pequeno jeito), haja vista que o mesmo teria feito várias manobras contábeis com o Tesouro Nacional com vistas a justificar o cumprimento das metas fiscais programadas pelo Governo. A manobra foi facilmente descoberta pelos economistas, e o “jeitinho” foi denunciado como prática normal por aqui.

Mas, afinal, como caracterizar uma situação em que o uso do “jeitinho” seja lícito e até aconselhável?

Segundo alguns historiadores, essa quase mania de tudo se resolver com um “jeitinho” não nasceu aqui entre nós, mas seria uma herança de nossos bons colonizadores. E a fórmula do “jeitinho” já era muito usada em Portugal desde os tempos do Rei Dom João I (séc. XIV), mas não teria sido ele o principal responsável, e não teria sido nenhum português, mas uma inglesa, a rainha Dona Filipa de Lencastre. Numa época rigorosa, em que tudo se fazia com disciplina e rigor, era necessária alguma fórmula caridosa de amortecer as tensões sociais, e isso a rainha o fazia através do “jeitinho” muito peculiar de seu sexo e de sua religiosidade, repetida pelos filhos e nobres da corte, logo se disseminando pela população e sendo transposta para o Brasil.

Este “jeitinho” português que a rainha tão bem praticava de modo correto era fruto da bondade, virtude muito peculiar entre cristãos, e que procura sempre tentar amenizar o sofrimento do próximo. Não é bem assim que pensa alguns povos que sofreram muito fortemente os efeitos do humanismo e da Renascença, para os quais as regras existem para serem aplicadas com rigor..

Dessa forma, podemos caracterizar algumas situações em que o uso do “jeitinho” pode ser lícito e até aconselhável, e outras em que as pessoas o usam mais como esperteza para ludibriar e se sair de enrascadas. A maioria dos “jeitinhos” lícitos são decorrentes do excesso da burocracia, onde há uma infinidade de exigências com papéis, muitas delas absurdas e sem sentido.Por exemplo, se você vai se matricular numa escola e, entre os papéis, há um que o funcionário quer devolver porque não é uma cópia perfeita, ou por outro motivo, não custa nada apelar para o “jeitinho” pedindo, por exemplo, que o funcionário aceite aquele papel sob a promessa de vir depois trazer outro na forma exigida. Mas há os casos em que o “jeitinho” pode se consumar numa ação criminosa, como pedir a um policial para “deixar passar” alguma infração grave (às vezes sob promessa de propinas) e os citados acima nos casos de situações econômicas complicadas.

Segundo reportagem da revista “Língua Portuguesa” (edição 89, de 2013), o lingüista John Robert Schmitz (seria brasileiro com esse nome?), da Unicamp, afirma que “jeito” deriva do verbo “jacere” – jacio, jacere, jeci, jactum (lançar, arremessar), “objeto” ou “objeção” (o que está diante) e “sujeito” (por baixo). Lançar para fora (e, ex) é “ejetar”; para dentro é “injetar”. Temos “rejeição” àquilo que deve ser jogado fora (abjeto)..., etc.” Segundo a revista, “o jeitinho seria a extensão dessa idéia corporal para o âmbito das relações sociais”. A mesma revista expõe ainda a opinião de um filósofo, segundo o qual o jeitinho é uma predisposição em ser cooperativo. E concluía que o “jeitinho” não se confundiria com favorecimento ou privilégio, o que acho razoável.

O europeu se espanta com o nosso “jeitinho” porque se tornou um homem empírico, apegado demais a convenções e hábitos, tido como lógico e racional, mas, no fundo, apenas apegado às regras. Os fariseus do tempo de Nosso Senhor Jesus Cristo também eram assim e foram recriminados por nosso Salvador. Talvez o europeu de hoje não seja exatamente igual ao fariseu, mas que tem muita coisa parecida com eles, isso tem. Lembremos que foi de lá que se originou o lema “é proibido proibir”, e de dentro da universidade mais famosa. Um amigo meu, que residia na Europa, certa feita disse-me que nenhum francês recebe visita em sua casa se não for com hora marcada. O mesmo ocorre com os ingleses, alemães, com as honrosas exceções de Espanha e Portugal, embora nestes dois países ainda exista também muito apego às regras. Se um brasileiro, amigo de um francês, ligar para ele dizendo que vai lhe fazer uma visita exatamente na hora do almoço, ao ser negado, certamente será tentado a dizer: “dá um jeitinho aí, pois viajo hoje mesmo”. Mesmo assim, o francês dificilmente mudará de atitude, a não ser que tenha já convivido algum tempo no Brasil e tenha aprendido a usar esta bela fórmula social, a do “jeitinho” de se viver em sociedade.

Em suma, eles lá não são “honestos” porque o preceitua dois Mandamentos da Lei de Deus (o 7° e o 10°), mas por causa de um hábito, um costume que eles seguem há anos. E o importante, para eles, é seguir as regras. É a maneira “cartesiana” de viver, diferente da nossa, mais flexível, mais agradável e versátil, sabendo fazer “jogo de cintura”, como se diz aqui, e contornando situações sem causar maiores males sociais.

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