Tem havido muita discussão sobre o
“jeitinho”, especialmente o que se tornou comum chamar de “jeitinho
brasileiro”. Isso porque supõe-se que tal modo de proceder seja uma
característica muito especial de nosso povo. Em tudo o que se vai fazer, aqui
no Brasil, havendo qualquer dificuldade a transpor, a pessoa sempre apela para
a frase “Dá um jeitinho aí!...” E isso
ocorre por aqui cotidianamente, tanto nas relações comuns do dia a dia, nas
atividades comerciais ou sociais, quanto nas complicações jurídicas ou de
qualquer outra natureza. O “jeitinho” tornou-se uma fórmula de resolver
problemas fora das situações normais, através de uma solução que não seja a
legal ou convencional.
Pelo fato disso ter se disseminado de forma
indiscriminada no Brasil, a saída para o “jeitinho” encontrou lugar até na
política e na economia. As empresas, as entidades financeiras, os economistas e
até as autoridades do governo sempre acham um “jeitinho” para encobrir
situações vexatórias ou algumas dificuldades perante o grande público. Se
alguma empresa ou banco vai apresentar
prejuízo, os diretores têm que arranjar um “jeitinho” para que tal não ocorra;
se um ministério está passando por dificuldades, às vezes problemas de
corrupções e escândalos, tem-se que arranjar um “jeitinho” para a coisa ficar
encoberta. Se os políticos que estão no poder aproveitam-se do cargo e roubam,
são aconselhados pelas autoridades que dêem um “jeitinho” para que a coisa se
resolva de forma encoberta para que o nome e o prestígio do Governo não fique
comprometido. Talvez tenha sido por isso que houve o famoso caso do “mensalão”,
quando dezenas de políticos foram pegos em contravenções escandalosas, mas o Governo
tentou a todo custo encobrir tudo. Aqui o “jeitinho” se confunde com esperteza.
E chegou ao ponto das próprias autoridades
econômicas serem criticadas no exterior por procurarem sempre arranjar o tal
“jeitinho” para encobrir as mancadas e falhas do nosso sistema
político-econômico. O nosso ministro da fazenda chegou a ser chamado pela mídia
americana de “profissional do jeitinho” (lá a expressão usada é “little way” –
pequeno jeito), haja vista que o mesmo teria feito várias manobras contábeis
com o Tesouro Nacional com vistas a justificar o cumprimento das metas fiscais
programadas pelo Governo. A manobra foi facilmente descoberta pelos
economistas, e o “jeitinho” foi denunciado como prática normal por aqui.
Mas, afinal, como caracterizar uma situação
em que o uso do “jeitinho” seja lícito e até aconselhável?
Segundo alguns historiadores, essa quase
mania de tudo se resolver com um “jeitinho” não nasceu aqui entre nós, mas
seria uma herança de nossos bons colonizadores. E a fórmula do “jeitinho” já
era muito usada em Portugal desde os tempos do Rei Dom João I (séc. XIV), mas
não teria sido ele o principal responsável, e não teria sido nenhum português,
mas uma inglesa, a rainha Dona Filipa de Lencastre. Numa época rigorosa, em que
tudo se fazia com disciplina e rigor, era necessária alguma fórmula caridosa de
amortecer as tensões sociais, e isso a rainha o fazia através do “jeitinho”
muito peculiar de seu sexo e de sua religiosidade, repetida pelos filhos e
nobres da corte, logo se disseminando pela população e sendo transposta para o
Brasil.
Este “jeitinho” português que a rainha tão
bem praticava de modo correto era fruto da bondade, virtude muito peculiar
entre cristãos, e que procura sempre tentar amenizar o sofrimento do próximo.
Não é bem assim que pensa alguns povos que sofreram muito fortemente os efeitos
do humanismo e da Renascença, para os quais as regras existem para serem
aplicadas com rigor..
Dessa forma, podemos caracterizar algumas
situações em que o uso do “jeitinho” pode ser lícito e até aconselhável, e
outras em que as pessoas o usam mais como esperteza para ludibriar e se sair de
enrascadas. A maioria dos “jeitinhos” lícitos são decorrentes do excesso da
burocracia, onde há uma infinidade de exigências com papéis, muitas delas
absurdas e sem sentido.Por exemplo, se você vai se matricular numa escola e,
entre os papéis, há um que o funcionário quer devolver porque não é uma cópia
perfeita, ou por outro motivo, não custa nada apelar para o “jeitinho” pedindo,
por exemplo, que o funcionário aceite aquele papel sob a promessa de vir depois
trazer outro na forma exigida. Mas há os casos em que o “jeitinho” pode se
consumar numa ação criminosa, como pedir a um policial para “deixar passar”
alguma infração grave (às vezes sob promessa de propinas) e os citados acima
nos casos de situações econômicas complicadas.
Segundo reportagem da revista “Língua
Portuguesa” (edição 89, de 2013), o lingüista John Robert Schmitz (seria
brasileiro com esse nome?), da Unicamp, afirma que “jeito” deriva do verbo
“jacere” – jacio, jacere, jeci, jactum (lançar,
arremessar), “objeto” ou “objeção” (o que está diante) e “sujeito” (por baixo).
Lançar para fora (e, ex) é “ejetar”; para dentro é “injetar”. Temos “rejeição”
àquilo que deve ser jogado fora (abjeto)..., etc.” Segundo a revista, “o
jeitinho seria a extensão dessa idéia corporal para o âmbito das relações
sociais”. A mesma revista expõe ainda a opinião de um filósofo, segundo o qual
o jeitinho é uma predisposição em ser cooperativo. E concluía que o “jeitinho”
não se confundiria com favorecimento ou privilégio, o que acho razoável.
O europeu se espanta com o nosso “jeitinho”
porque se tornou um homem empírico, apegado demais a convenções e hábitos, tido
como lógico e racional, mas, no fundo, apenas apegado às regras. Os fariseus do
tempo de Nosso Senhor Jesus Cristo também eram assim e foram recriminados por
nosso Salvador. Talvez o europeu de hoje não seja exatamente igual ao fariseu,
mas que tem muita coisa parecida com eles, isso tem. Lembremos que foi de lá
que se originou o lema “é proibido proibir”, e de dentro da universidade mais
famosa. Um amigo meu, que residia na Europa, certa feita disse-me que nenhum
francês recebe visita em sua casa se não for com hora marcada. O mesmo ocorre
com os ingleses, alemães, com as honrosas exceções de Espanha e Portugal,
embora nestes dois países ainda exista também muito apego às regras. Se um
brasileiro, amigo de um francês, ligar para ele dizendo que vai lhe fazer uma
visita exatamente na hora do almoço, ao ser negado, certamente será tentado a
dizer: “dá um jeitinho aí, pois viajo hoje mesmo”. Mesmo assim, o francês
dificilmente mudará de atitude, a não ser que tenha já convivido algum tempo no
Brasil e tenha aprendido a usar esta bela fórmula social, a do “jeitinho” de se
viver em sociedade.
Em suma, eles lá não são “honestos” porque o
preceitua dois Mandamentos da Lei de Deus (o 7° e o 10°), mas por causa de um
hábito, um costume que eles seguem há anos. E o importante, para eles, é seguir
as regras. É a maneira “cartesiana” de viver, diferente da nossa, mais flexível,
mais agradável e versátil, sabendo fazer “jogo de cintura”, como se diz aqui, e
contornando situações sem causar maiores males sociais.
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