Quando se procura conceituar os termos
“Cultura” e “Civilização”, hoje em dia, apesar de muitos debates sobre o tema,
cai-se num emaranhado de afirmações díspares e com definições diluídas e pouco
convincentes. A cultura pode ser vista como qualquer manifestação do
conhecimento humano, e aí ela deveria ser escrita com “c’ minúsculo.
Genericamente, cultura é conhecimento, é ciência, é saber, mas estes conceitos
se expandem e completam-se num termo amplo denominado Cultura, com maiúscula,
onde o conhecimento humano se desenvolve em todo o seu ser. Por sua vez a
cultura, qualquer que seja ela, deve tender a crescer, conseqüência lógica da
constante busca do saber que é inato na natureza humana, e crescendo ela vai um
dia juntar-se a outras culturas e formar um todo harmônico e lógico, formando
uma Civilização. Eis porque o progresso científico e tecnológico deveria
completar o desenvolvimento cultural, no bom sentido, promovendo a verdadeira
Civilização.
Neste aprimoramento cultural, dentre
as ciências que mais o homem necessita para seu convívio destaca-se o
conhecimento jurídico, o resultado da aplicação dos conceitos de direitos e
deveres na sociedade. Disto depende, em
larga medida, uma pacífica convivência social.
É no conhecimento e respeito que o homem tem ao direito de propriedade,
por exemplo, que ele aprende e vive o verdadeiro senso de justiça, que é a
noção do “meu” e do “teu” e seus limites.
As sociedades primitivas
não possuem a plenitude da Cultura e da Civilização
O que vem a ser uma verdadeira
Civilização? Existiu uma civilização grega? Romana? Egípcia? Evidente; mas
estas civilizações não chegaram a atingir a sua plenitude. De modo geral
aprimoraram certas ciências menores, e algumas poucas maiores, como a
filosofia, assim bem como algumas artes como a arquitetura e a música. Mas muito pouco, pois logo estagnaram.
Somente na medida em que começaram a desenvolver certas ciências é que se
aproximaram um pouco da Cultura em toda a sua plenitude. Mas nunca chegaram a
desenvolver todos os conhecimentos culturais ao mesmo tempo e atingir a
perfeição social possível requerida.
Por que? Porque a Civilização pode ser
entendida como o estágio de progresso de um povo, representado pela vida
social, artes e conhecimentos culturais ou mesmo científicos. Neste sentido não
se pode dizer que determinado povo chegou a constituir uma Civilização se ele
desenvolveu apenas alguns setores de sua alma, mas quando tendesse a atingir o
ponto máximo da cultura e desenvolvimento social em todas as atividades
humanas, desde as mais simples até as mais complexas artes e ciências. Tal
estágio só foi alcançado pela Europa Medieval quando nela se desenvolveu a
Civilização Cristã. Desabrocharam-se na
alma humana conhecimentos nunca antes imaginados e retomaram-se aqueles que
algumas sociedades antigas tinham abandonado na estagnação.
Foi na Idade Média que mais se
desenvolveu o relacionamento social harmônico (embora em meio a conturbações
decorrentes da antiga barbárie e ainda não inteiramente superada pela recente
conversão ao Cristianismo), fruto da Doutrina Social Católica aplicada a todo
corpo social. Desenvolveram-se ao máximo todas as ciências maiores, como a
filosofia, a teologia (antes quase inexistente), a metafísica e a própria
antropologia, as artes de um modo geral, como a arquitetura, a música, a
pintura, etc. Desenvolveram-se também uma infinidade de ciências menores, como
a matemática, a gramática, a geografia, etc. Tendo como fundo de quadro uma
literatura vasta e rica, o medieval foi o único povo (ou povos) que conheceu e
viveu uma verdadeira Civilização. Diz-se
geralmente que o europeu medieval formou como que um povo, tal era a unidade
que havia no continente. E isto pelo fato de haver um laço comum entre todas aquelas
gentes que, com suas línguas e costumes diferentes, obtiveram uma unidade: este
laço era a Religião Católica que os unia.
Que dizer, então, dos povos antigos? É
verdade que, na medida em que respeitaram a lei natural, as manifestações do
homem na Antiguidade anterior a Cristo podem ser entendidas como expressões da
cultura e de uma civilização, mas incompletas e cheias de erros. Desde a antiga
Babilônia ao Império Romano, passando pelo mundo grego, aqueles povos fizeram
ressurgir algo de civilização, mas em muitas coisas incipientes. Um exemplo é o
senso de propriedade privada ou mesmo os conceitos de direito que se firmaram
apenas com o surgimento da Civilização Cristã.
Pode-se dizer o mesmo de algumas
sociedades primitivas, tipo tribal, que tenham de algum modo respeitado as leis
naturais. A propriedade coletiva entre os índios é um exemplo. Posto, porém,
que a tendência do homem pagão para o desregramento das paixões é mais forte, a
lei é facilmente desrespeitada e o mais comum é o estabelecimento de costumes
bárbaros e desumanos, geralmente inspirados e insuflados pelos feiticeiros.
Pois para dominar os impulsos das paixões descontroladas é necessário mais do
que conhecimento e força de vontade: é imprescindível a educação da consciência
religiosa para tornar o homem dócil às graças divinas. E sem a graça de Deus o
pagão tende por força de suas más inclinações para a crença em ritos
fetichistas, cultos demoníacos, antropofagia, e uma infinidade de baixezas. Os
costumes são depravados com vícios baixos e animalescos, até chegar ao uso de
drogas alucinógenas. A brutalidade de seus instintos descontrolados impele-os
facilmente para a crueldade, a vingança, a inveja, levando-os a cometer
banalmente os crimes mais hediondos.
Não é deixando-se levar pela natureza
que se conhece o verdadeiro estado de direito. Deus deixou ao homem a “lei
natural”, por onde ele pode medir o seu comportamento e fazer o bem e evitar o
mal. Mas isto não é suficiente para formar elementares conceitos de justiça e
equidade, de molde a favorecer a concórdia de um bom convívio social.
Resultado: a convivência, por não ser guiada pela consciência religiosa da
retidão de alma, facilmente propende para as guerras. Como a paz social é ponto
máximo a que se deve almejar uma verdadeira Civilização, já de per si um
costume próprio a ela (a guerra, principalmente se for injusta ou por motivo
fútil) não faz com que a vida primitiva se constitua uma civilização autêntica.
Do mesmo modo não há verdadeira Cultura.
A Civilização e nossos
sentidos
Para conhecer e amar a Deus, que
encheu a Natureza de seus vestígios para que pudéssemos conhecê-LO e um coração
humano propenso à bondade para amá-Lo, dispôs Ele no homem cinco sentidos. Mas
tais sentidos não devem se limitar às suas funções primárias. Desta forma, a
boca não se destina apenas a falar e deglutir, mas também para apetecer
alimentos mais condimentados, para apurar mais o gosto, e usar as cordas vocais
para entoar cânticos, louvores, recitar coisas artisticamente elaboradas pela
inteligência. E assim são todos os outros sentidos, cada qual podendo ser usado
pelo homem para algo mais sublime do que as suas simples funções
primárias. A visão para apreciar obras
de arte, a audição para ouvir cantos e músicas que causem enlevo, o olfato para
cheirar perfumes e aromas agradáveis, etc.
Qual a causa disto? É que o homem deve
procurar os vestígios de Deus nas coisas criadas que estão ao seu redor, mas
sempre buscando-O de uma forma mais perfeita, pois o homem não é só imagem mas
semelhança de Deus. Assim, o gosto das comidas não deve se resumir só em
mastigar e engolir os alimentos; a fala não deve se resumir na comunicação
vocal entre os homens, etc.
O homem civilizado e cristão, ademais,
é dotado de um dom, sobrenatural, com que ele se utiliza destes sentidos de uma
forma moderada, comedida e sapiencial, e com isto busca também a Deus em coisas
mais superiores que são as do espírito. O homem primitivo, pelo contrário, não
apetece algo mais sublime do que empanturrar a barriga, músicas mais suaves do
que folhas ou paus roçando uns nos outros e o rufar abafado dos rústicos
tambores. E a arte? Nada há de mais rude e grotesco do que os penduricalhos nas
orelhas, rasgando-as, dilacerando-as, ou então as tatuagens que deformam o
corpo humano, sendo este mais do que vestígio pois é a própria imagem e
semelhança de Deus.
O que é Cultura; o que é
Civilização
A Civilização por excelência é a
Católica; a Cultura por excelência também é a Católica. Portanto, somente sendo
católicos teremos verdadeira cultura e verdadeira civilização. Não há melhor
definição para Cultura e Civilização do que a encontrada na obra “Revolução e
Contra-Revolução”, do Prof. Plínio Corrêa de Oliveira:
“...o
elemento fundamental da cultura católica é a visão do universo elaborada
segundo a doutrina da Igreja. Essa cultura compreende não só a instrução, isto
é, a posse dos dados informativos necessários para uma tal elaboração, senão
também uma análise e uma coordenação desses dados conforme a doutrina católica.
Ela não se circunscreve ao campo teológico, ou filosófico, ou científico, senão
que abarca todo o saber humano, se reflete na arte e implica a afirmação de
valores que impregnam todos os aspectos da existência”.[1]
Só se é verdadeira Cultura por causa
de tais princípios, o que destoa das culturas (com “c” minúsculo) pagãs, da
Antiguidade ou indígenas, que desenvolveram (quando o fizeram) apenas alguns
aspectos do saber humano. Eis a definição principal:
“Civilização
católica é a estruturação de todas as relações humanas, de todas as instituições
humanas, e do próprio Estado, segundo a doutrina da Igreja.
“De
todos estes dados é fácil inferir que a cultura e a civilização católica são a
cultura por excelência e a civilização por excelência”.[2]
Como a Igreja tem por objetivo levar o
homem a Deus, a verdadeira Civilização deve ser fruto da doutrina da Igreja, a
qual somente desta forma conseguirá levar o homem ao seu fim último, que é a
construção do Reino de Deus aqui na terra, reino não só espiritual mas também
temporal. Pode-se também dizer que a Civilização deverá ser o amor de Deus
posto em prática no convívio social. E assim, o egrégio pensador católico acima
citado afirma em outra oportunidade:
“Há
nos desígnios da Providência uma relação íntima entre a vida terrena e a vida
eterna. A vida terrena é o caminho, a vida eterna é o fim. O Reino de Cristo
não é deste mundo, mas é neste mundo que está o caminho pelo qual chegaremos
até ele.
“Pode-se
dizer que o Reino de Cristo se torna efetivo na terra, em seu sentido
individual e social, quando os homens no íntimo de sua alma como em suas ações,
e as sociedades em suas instituições, leis, costumes, manifestações culturais e
artísticas, se conformam com a Lei de Cristo.
“Se
Jesus Cristo é o verdadeiro ideal de perfeição de todos os homens, uma
sociedade que aplique todas as suas leis tem de ser uma sociedade perfeita, a
cultura e a civilização nascidas da Igreja de Cristo têm de ser forçosamente,
não só a melhor civilização, mas a única verdadeira. Di-lo o Santo Pontífice
Pio X: “Não há verdadeira civilização sem civilização moral, e não há
civilização moral senão com a verdadeira religião” (Carta ao Episcopado
Francês, de 28.08.1910, sobre “Lê Sillon”).
De onde decorre com evidência cristalina que não há verdadeira
civilização senão como decorrência e fruto da verdadeira Religião...”[3]
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