segunda-feira, 8 de abril de 2013

Cultura e civilização


 

 

Quando se procura conceituar os termos “Cultura” e “Civilização”, hoje em dia, apesar de muitos debates sobre o tema, cai-se num emaranhado de afirmações díspares e com definições diluídas e pouco convincentes. A cultura pode ser vista como qualquer manifestação do conhecimento humano, e aí ela deveria ser escrita com “c’ minúsculo. Genericamente, cultura é conhecimento, é ciência, é saber, mas estes conceitos se expandem e completam-se num termo amplo denominado Cultura, com maiúscula, onde o conhecimento humano se desenvolve em todo o seu ser. Por sua vez a cultura, qualquer que seja ela, deve tender a crescer, conseqüência lógica da constante busca do saber que é inato na natureza humana, e crescendo ela vai um dia juntar-se a outras culturas e formar um todo harmônico e lógico, formando uma Civilização. Eis porque o progresso científico e tecnológico deveria completar o desenvolvimento cultural, no bom sentido, promovendo a verdadeira Civilização.

Neste aprimoramento cultural, dentre as ciências que mais o homem necessita para seu convívio destaca-se o conhecimento jurídico, o resultado da aplicação dos conceitos de direitos e deveres na sociedade.  Disto depende, em larga medida, uma pacífica convivência social.  É no conhecimento e respeito que o homem tem ao direito de propriedade, por exemplo, que ele aprende e vive o verdadeiro senso de justiça, que é a noção do “meu” e do “teu” e seus limites.

 

As sociedades primitivas não possuem a plenitude da Cultura e da Civilização

O que vem a ser uma verdadeira Civilização? Existiu uma civilização grega? Romana? Egípcia? Evidente; mas estas civilizações não chegaram a atingir a sua plenitude. De modo geral aprimoraram certas ciências menores, e algumas poucas maiores, como a filosofia, assim bem como algumas artes como a arquitetura e a música.  Mas muito pouco, pois logo estagnaram. Somente na medida em que começaram a desenvolver certas ciências é que se aproximaram um pouco da Cultura em toda a sua plenitude. Mas nunca chegaram a desenvolver todos os conhecimentos culturais ao mesmo tempo e atingir a perfeição social possível requerida.

Por que? Porque a Civilização pode ser entendida como o estágio de progresso de um povo, representado pela vida social, artes e conhecimentos culturais ou mesmo científicos. Neste sentido não se pode dizer que determinado povo chegou a constituir uma Civilização se ele desenvolveu apenas alguns setores de sua alma, mas quando tendesse a atingir o ponto máximo da cultura e desenvolvimento social em todas as atividades humanas, desde as mais simples até as mais complexas artes e ciências. Tal estágio só foi alcançado pela Europa Medieval quando nela se desenvolveu a Civilização Cristã.  Desabrocharam-se na alma humana conhecimentos nunca antes imaginados e retomaram-se aqueles que algumas sociedades antigas tinham abandonado na estagnação.

Foi na Idade Média que mais se desenvolveu o relacionamento social harmônico (embora em meio a conturbações decorrentes da antiga barbárie e ainda não inteiramente superada pela recente conversão ao Cristianismo), fruto da Doutrina Social Católica aplicada a todo corpo social. Desenvolveram-se ao máximo todas as ciências maiores, como a filosofia, a teologia (antes quase inexistente), a metafísica e a própria antropologia, as artes de um modo geral, como a arquitetura, a música, a pintura, etc. Desenvolveram-se também uma infinidade de ciências menores, como a matemática, a gramática, a geografia, etc. Tendo como fundo de quadro uma literatura vasta e rica, o medieval foi o único povo (ou povos) que conheceu e viveu uma verdadeira Civilização.  Diz-se geralmente que o europeu medieval formou como que um povo, tal era a unidade que havia no continente. E isto pelo fato de haver um laço comum entre todas aquelas gentes que, com suas línguas e costumes diferentes, obtiveram uma unidade: este laço era a Religião Católica que os unia.

Que dizer, então, dos povos antigos? É verdade que, na medida em que respeitaram a lei natural, as manifestações do homem na Antiguidade anterior a Cristo podem ser entendidas como expressões da cultura e de uma civilização, mas incompletas e cheias de erros. Desde a antiga Babilônia ao Império Romano, passando pelo mundo grego, aqueles povos fizeram ressurgir algo de civilização, mas em muitas coisas incipientes. Um exemplo é o senso de propriedade privada ou mesmo os conceitos de direito que se firmaram apenas com o surgimento da Civilização Cristã.

Pode-se dizer o mesmo de algumas sociedades primitivas, tipo tribal, que tenham de algum modo respeitado as leis naturais. A propriedade coletiva entre os índios é um exemplo. Posto, porém, que a tendência do homem pagão para o desregramento das paixões é mais forte, a lei é facilmente desrespeitada e o mais comum é o estabelecimento de costumes bárbaros e desumanos, geralmente inspirados e insuflados pelos feiticeiros. Pois para dominar os impulsos das paixões descontroladas é necessário mais do que conhecimento e força de vontade: é imprescindível a educação da consciência religiosa para tornar o homem dócil às graças divinas. E sem a graça de Deus o pagão tende por força de suas más inclinações para a crença em ritos fetichistas, cultos demoníacos, antropofagia, e uma infinidade de baixezas. Os costumes são depravados com vícios baixos e animalescos, até chegar ao uso de drogas alucinógenas. A brutalidade de seus instintos descontrolados impele-os facilmente para a crueldade, a vingança, a inveja, levando-os a cometer banalmente os crimes mais hediondos.

Não é deixando-se levar pela natureza que se conhece o verdadeiro estado de direito. Deus deixou ao homem a “lei natural”, por onde ele pode medir o seu comportamento e fazer o bem e evitar o mal. Mas isto não é suficiente para formar elementares conceitos de justiça e equidade, de molde a favorecer a concórdia de um bom convívio social. Resultado: a convivência, por não ser guiada pela consciência religiosa da retidão de alma, facilmente propende para as guerras. Como a paz social é ponto máximo a que se deve almejar uma verdadeira Civilização, já de per si um costume próprio a ela (a guerra, principalmente se for injusta ou por motivo fútil) não faz com que a vida primitiva se constitua uma civilização autêntica. Do mesmo modo não há verdadeira Cultura.

 

A Civilização e nossos sentidos

Para conhecer e amar a Deus, que encheu a Natureza de seus vestígios para que pudéssemos conhecê-LO e um coração humano propenso à bondade para amá-Lo, dispôs Ele no homem cinco sentidos. Mas tais sentidos não devem se limitar às suas funções primárias. Desta forma, a boca não se destina apenas a falar e deglutir, mas também para apetecer alimentos mais condimentados, para apurar mais o gosto, e usar as cordas vocais para entoar cânticos, louvores, recitar coisas artisticamente elaboradas pela inteligência. E assim são todos os outros sentidos, cada qual podendo ser usado pelo homem para algo mais sublime do que as suas simples funções primárias.  A visão para apreciar obras de arte, a audição para ouvir cantos e músicas que causem enlevo, o olfato para cheirar perfumes e aromas agradáveis, etc.

Qual a causa disto? É que o homem deve procurar os vestígios de Deus nas coisas criadas que estão ao seu redor, mas sempre buscando-O de uma forma mais perfeita, pois o homem não é só imagem mas semelhança de Deus. Assim, o gosto das comidas não deve se resumir só em mastigar e engolir os alimentos; a fala não deve se resumir na comunicação vocal entre os homens, etc.

O homem civilizado e cristão, ademais, é dotado de um dom, sobrenatural, com que ele se utiliza destes sentidos de uma forma moderada, comedida e sapiencial, e com isto busca também a Deus em coisas mais superiores que são as do espírito. O homem primitivo, pelo contrário, não apetece algo mais sublime do que empanturrar a barriga, músicas mais suaves do que folhas ou paus roçando uns nos outros e o rufar abafado dos rústicos tambores. E a arte? Nada há de mais rude e grotesco do que os penduricalhos nas orelhas, rasgando-as, dilacerando-as, ou então as tatuagens que deformam o corpo humano, sendo este mais do que vestígio pois é a própria imagem e semelhança de Deus.

 

O que é Cultura; o que é Civilização

A Civilização por excelência é a Católica; a Cultura por excelência também é a Católica. Portanto, somente sendo católicos teremos verdadeira cultura e verdadeira civilização. Não há melhor definição para Cultura e Civilização do que a encontrada na obra “Revolução e Contra-Revolução”, do Prof. Plínio Corrêa de Oliveira:

“...o elemento fundamental da cultura católica é a visão do universo elaborada segundo a doutrina da Igreja. Essa cultura compreende não só a instrução, isto é, a posse dos dados informativos necessários para uma tal elaboração, senão também uma análise e uma coordenação desses dados conforme a doutrina católica. Ela não se circunscreve ao campo teológico, ou filosófico, ou científico, senão que abarca todo o saber humano, se reflete na arte e implica a afirmação de valores que impregnam todos os aspectos da existência”.[1]

Só se é verdadeira Cultura por causa de tais princípios, o que destoa das culturas (com “c” minúsculo) pagãs, da Antiguidade ou indígenas, que desenvolveram (quando o fizeram) apenas alguns aspectos do saber humano. Eis a definição principal:

“Civilização católica é a estruturação de todas as relações humanas, de todas as instituições humanas, e do próprio Estado, segundo a doutrina da Igreja.

“De todos estes dados é fácil inferir que a cultura e a civilização católica são a cultura por excelência e a civilização por excelência”.[2]

Como a Igreja tem por objetivo levar o homem a Deus, a verdadeira Civilização deve ser fruto da doutrina da Igreja, a qual somente desta forma conseguirá levar o homem ao seu fim último, que é a construção do Reino de Deus aqui na terra, reino não só espiritual mas também temporal. Pode-se também dizer que a Civilização deverá ser o amor de Deus posto em prática no convívio social. E assim, o egrégio pensador católico acima citado afirma em outra oportunidade:

“Há nos desígnios da Providência uma relação íntima entre a vida terrena e a vida eterna. A vida terrena é o caminho, a vida eterna é o fim. O Reino de Cristo não é deste mundo, mas é neste mundo que está o caminho pelo qual chegaremos até ele.

“Pode-se dizer que o Reino de Cristo se torna efetivo na terra, em seu sentido individual e social, quando os homens no íntimo de sua alma como em suas ações, e as sociedades em suas instituições, leis, costumes, manifestações culturais e artísticas, se conformam com a Lei de Cristo.

“Se Jesus Cristo é o verdadeiro ideal de perfeição de todos os homens, uma sociedade que aplique todas as suas leis tem de ser uma sociedade perfeita, a cultura e a civilização nascidas da Igreja de Cristo têm de ser forçosamente, não só a melhor civilização, mas a única verdadeira. Di-lo o Santo Pontífice Pio X: “Não há verdadeira civilização sem civilização moral, e não há civilização moral senão com a verdadeira religião” (Carta ao Episcopado Francês, de 28.08.1910, sobre “Lê Sillon”).  De onde decorre com evidência cristalina que não há verdadeira civilização senão como decorrência e fruto da verdadeira Religião...”[3]

 



[1] “Revolução e Contra-Revolução” – Plínio Corrêa de Oliveira -  Edições “Diários das Leis”, novembro de 1992, págs. 107/108
 
[2] op. cit. pág. 108
[3] Artigo “A Cruzada do Século XX”, de Plínio Corrêa de Oliveira, “Catolicismo”, janeiro de 1951.

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