domingo, 19 de março de 2023

APARIÇÃO DE SÃO JOSÉ EM COTIGNAC, NA FRANÇA

 


         


 

No dia 21 de fevereiro de 1660, o Rei Luís XIV viajava em direção a Saint Jean de Luz (confins com a Espanha), cidade onde, no dia 9 de junho, se uniria em matrimônio a Marie-Thérèse, infanta da Espanha. No caminho, fez uma parada em Cotignac, para testemunhar seu reconhecimento a Nossa Senhora das Graças, a quem devia o seu milagroso nascimento. No dia 7 de junho, após o encontro com os reis da França e da Espanha, na fronteira comum, Marie-Thérèse foi acolhida com honras, na França, aonde chegava para desposar Luís XIV, como previa o Tratado dos Pirineus, restabelecendo assim a paz entre os dois países assim como no interior da própria França.

Neste mesmo dia, no monte Besillon, em Cotignac, Gaspar Ricard, um jovem pastor sedento, ao menos, por um gole de água, não tinha como saciar a sua sede, quando viu surgir diante de si um homem de altura imponente, que lhe mostrou um rochedo, dizendo: "Eu sou José; levanta esta rocha e tu beberás." A pedra era pesada; oito homens juntos poderiam apenas empurrá-la, mas como poderia o pobre Gaspar erguê-la? O venerável ancião - segundo os relatos da época - reiterou a sua ordem e o pastor obedeceu, empurrando a pedra - não se sabe com que força - e viu surgir, diante de seus olhos, um jorro de água fresca que passou a correr. Imediata e avidamente, ele se ajoelhou e bebeu daquela fonte. Ao se levantar, a aparição desaparecera. Gaspar corre ao povoado para contar o que lhe tinha acontecido e os curiosos vieram constatar o ocorrido. Apenas três horas passadas, naquele local conhecido por todos como árido, e desprovido de qualquer fonte, uma água abundante começara a correr.

No dia 19 de março, após a aparição de São José, em Besillon (Cotignac), e o surgimento repentino da fonte de água, Luís XIV decretou como legal, festivo e feriado, o dia de São José. Um sermão do escritor francês, Bossuet, o felicitaria por este gesto.

 

 

Sermão de 19 de março de 1657

O FIEL DEPOSITÁRIO

 

BOSSUET

É opinião generalizada e sentir comum entre os homens que o depósito, isto é, um bem que recebemos para guardar, tem qualquer coisa de sagrado e que o devemos conservar para quem no-lo confia não somente por fidelidade mas por uma espécie de sentimento religioso. Por isso o grande Santo Ambrósio nos ensina no livro 29 de seus Ofícios que era piedoso costume estabelecido entre os fiéis o de trazer aos bispos e a seu clero aquilo que se queria guardar com mais cuidado, para que fosse colocado junto ao altar, em virtude da santa persuasão em que estavam de que não havia melhor lugar para guardar um tesouro do que aquele ao qual o próprio Deus confiou a guarda dos seus, isto é, os santos mistérios.

Este costume se tinha introduzido na Igreja a exemplo da sinagoga antiga. Lemos na História Sagrada que o augusto templo de Jerusalém era lugar de depósito para os judeus. Autores profanos também nos ensinam que os pagãos tributavam esta honra a seus falsos deuses, colocando seus depósitos nos templos e confiando-os a seus sacerdotes, como se a própria natureza das coisas nos ensinasse que o respeito ao depósito tem algo de religioso e que não pode estar mais bem colocado do que nos lugares santos onde se reverencia a Divindade, nas mãos daqueles que a religião consagra.

Ora, se jamais existiu depósito que merecesse tanto ser chamado santo, santamente guardado, é este de que falo, que a providência do Pai confia à fé do justo José, tanto assim que sua casa se assemelha a um templo porque Deus aí se digna habitar e entregar-se a Si próprio em depósito. José deve ter sido, portanto, consagrado a fim de guardar tão santo tesouro. E realmente o foi, cristãos: seu corpo pela continência, sua alma por todos os dons da graça. [...]

No projeto que me proponho, o de apoiar os louvores a São José, não em conjeturas duvidosas mas em doutrina sólida tirada das Escrituras divinas e dos Padres seus intérpretes fiéis, nada de mais conveniente posso fazer, na solenidade deste dia, do que apresentar este grande santo como um homem que Deus escolheu entre todos os outros para lhe pôr nas mãos Seu tesouro e fazê-lo, aqui na Terra, seu depositário. Pretendo fazer ver hoje que nada melhor lhe convém, que nada existe tão ilustre e que esse belo título de depositário, desvendando-nos os desígnios de Deus sobre esse bem-aventurado patriarca, nos mostra a fonte de todas as graças e o fundamento seguro de todos os louvores.

Primeiramente, cristãos, é-me fácil fazer-lhes ver o quanto esta qualidade é, para ele, honra, porque, se o título de depositário já inclui a nota de estima e testemunho de probidade, se para confiar um depósito costumamos escolher entre nossos amigos aquele cuja virtude é mais reconhecida, cuja fidelidade é mais comprovada, enfim o mais íntimo e mais confidente, qual não será glória de São José, que Deus fez depositário não somente da bem-aventurada Virgem Maria, cuja pureza angélica a torna agradável a Seus olhos, mas ainda de Seu próprio Filho, único objeto de suas complacências, única esperança de nossa salvação: de modo que guardando a pessoa de Jesus Cristo, São José é instituído depositário do tesouro comum de Deus e dos homens. Que eloqüência poderá igualar a grandeza e a majestade desse título?

Então, fiéis, se esse título é tão glorioso e vantajoso àquele a quem devo hoje fazer o panegírico, é preciso que eu mesmo penetre em tão grande mistério com o socorro da graça; e que, procurando nas Escrituras o que aí lemos sobre José, vos faça ver que tudo converge para esta bela qualidade de depositário.

Efetivamente encontro nos Evangelhos três depósitos confiados ao justo José pela Providência divina, e ali também encontro três qualidades que refulgem entre as outras e que correspondem a esses três depósitos. É o que precisamos explicar por ordem. Segui, por favor, atentamente.

O primeiro de todos os depósitos que foi confiado à sua fé (o primeiro na ordem do tempo) é a santa virgindade de Maria, a qual São José devia conservar intacta sob o véu sagrado do seu matrimônio, que ele sempre guardou santamente como um depósito sagrado que não lhe era permitido tocar. Eis o primeiro depósito.

O segundo, o mais augusto, é a pessoa de Jesus Cristo, que o Pai celeste depõe em suas mãos a fim de que lhe sirva de pai, ao Santo Menino que não o tem na Terra. Vede, desde já, cristãos, dois grandes, dois ilustres depósitos confiados ao zelo de São José. Mas observo ainda um terceiro, que acharão admirável, se eu conseguir explicá-lo com clareza. Para isso é preciso compreender que o segredo é uma espécie de depósito. Trair o segredo de um amigo é como violar a santidade do depósito. Pelas leis humanas sabemos que, se alguém divulga o segredo de um testamento a ele confiado, pode ser acusado de ter violado o depósito: Depositi actione tecum agi posse, dizem os juristas. É evidente, pois, a razão por que o segredo é como um depósito. Por onde podemos facilmente compreender que, se José é o depositário do Pai eterno, é porque Este lhe contou o Seu segredo. Que segredo? Um segredo admirável: a encarnação de Seu Filho.

Assim, porque, como sabemos, era desígnio de Deus esconder Jesus Cristo do mundo até que Sua hora houvesse chegado, São José foi escolhido não somente para O guardar mas também para O esconder. Por isso lemos no Evangelista (S. Lucas 2, 33) que José, com Maria, admirava tudo o que se dizia do Salvador, mas não lemos que ele falasse, porque o Pai eterno, desvendando-lhe o mistério, fez dele um segredo sob a obrigação do silêncio. Este segredo é o terceiro depósito que o Pai acrescenta aos outros dois. Segundo o que nos diz o grande São Bernardo, Deus quis confiar à sua fé o segredo mais santo de seu coração: Cui toto committeret secretissimum atque sacratissimum sui cordis arcanum (Super Missus est — hom. 2, no 15).

Como sois querido de Deus, ó incomparável José, já que Ele a vós confia esses três grandes depósitos: a Virgindade de Maria, a pessoa de Seu Filho único e o segredo de Seu mistério!

Mas não julgueis, cristãos, que ele desconhecia essas graças. Se Deus o honrava com aqueles três depósitos, de sua parte José apresentava a Deus, em sacrifício, três virtudes que observo no Evangelho. Não duvido que sua vida tenha sido ornada com todas as outras, mas eis aqui as três principais virtudes que Deus quer que vejamos na sua Escritura. A primeira é a pureza, que aparece pela continência no seu matrimônio; a segunda, sua fidelidade; a terceira, sua humildade e seu amor à vida obscura. Quem não verá a pureza de São José nesta santa sociedade de desejos pudicos, nesta admirável correspondência à Virgindade de Maria e em suas bodas espirituais? A segunda, sua fidelidade, aparece nos cuidados infatigáveis que tem para com Jesus no meio das tantas adversidades que por todas as partes seguem esse Menino divino desde o começo de sua vida. A terceira, sua humildade, vê-se em que, possuindo tão grande tesouro por uma graça extraordinária do Pai eterno, longe de se vangloriar por esses dons ou de publicar suas vantagens, se esconde tanto quanto pode aos olhos dos mortais, contemplando, em gozo pacífico com Deus, o mistério que lhe fora revelado e as riquezas imensas que tem sob sua guarda.

Ah! Quanta grandeza descubro aqui e como aqui descubro tão importantes instruções! Quanta grandeza vejo nesses depósitos, quantos exemplos vejo nessas virtudes! E como a explicação desse assunto tão belo será glorioso para São José e frutuoso para todos os fiéis!

(PERMANÊNCIA, ano XI, março/abril, números 112/113.)


Jacques-Bénigne Bossuet (Nascido em, 27 de setembro de 1627, em Dijon - e morreu em Paris, 12 de abril de 1704) foi Bispo de Condom e Meaux (Dioceses da França) e teólogo francês.


Fonte: Ite ad Joseph

 


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