sábado, 24 de julho de 2021

VISÃO BEATÍFICA, UM FLASH CONTÍNUO E ETERNO

 




 

Tudo indica que os órgãos mais privilegiados no Paraíso celeste são nossos olhos, pois é através deles que se terá a “visão beatífica”, a contemplação de Deus por toda a eternidade. Aqui na terra eles foram úteis para se ter uma antevisão dessa beatitude contemplando o belo e as maravilhas da natureza, tudo aquilo que Santo Agostinho chamou de “vestígios de Deus”. São Tomás de Aquino fala sobre essa contemplação, alertando que por serem “vestígios de Deus” não devem ser venerados ou adorados, mas apenas admirados em função do Criador, o único que deve ser adorado.

Eis o que diz o Catecismo da Igreja Católica sobre a visão beatífica, no tópico 1028: “Em razão de sua transcendência, Deus só poderá ser visto tal como é quando Ele mesmo abrir seu mistério à contemplação direta do homem e o capacitar para tanto. Esta contemplação de Deus em sua glória celeste é chamada pela Igreja de “visão beatifica”. Em seguida cita São Cipriano: “Qual não será tua glória e tua felicidade: ser admitido a ver a Deus, ter a honra de participar das alegrias da salvação e da luz eterna na companhia de Cristo, o Senhor teu Deus (...) desfrutar no Reino dos Céus, na companhia dos justos e dos amigos de Deus, as alegrias da imortalidade adquirida”[1] Em outro tópico, diz o seguinte: A visão beatífica, na qual Deus se revelará de maneira inesgotável aos eleitos, será a fonte inexaurível de felicidade, de paz e de comunhão mútua”  (1045)

São Gregório de Nissa, citado também no Catecismo, diz que “A promessa de ver a Deus ultrapassa todas as bem-aventuranças. Na Escritura, ver é possuir. Aquele que vê a Deus obteve todos os bens que podemos imaginar”[2] São João Evangelista diz numa Epístola que no Paraíso “seremos semelhante a Ele, porque o veremos como Ele é”  (I Jo 3.2). São Paulo fala da vida na eternidade, quando “vier o que é perfeito, será abolido o que é imperfeito”, completando: “Nós agora vemos como num espelho, em enigma; mas então veremos face a face”(I Cor 13,12). O Apóstolo também se refere aos olhos, dizendo que ninguém jamais viu o que Deus preparou para aqueles que Ele ama.

De outro lado, o mesmo Catecismo mostra que a condenação do inferno é exatamente a privação da visão de Deus: “A Escritura denomina a Morada dos Mortos, para a qual Cristo desceu, de os Infernos, o sheol ou o Hades, visto que os que lá se encontram estão privados da visão de Deus”  (tópico 633).

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SANTO ANSELMO E O DESEJO DE CONTEMPLAR A DEUS.

 

Santo Anselmo fala sobre a presença de Deus através dessa luz interior que nos leva ver a Deus já antes da eternidade:

“Eia, homenzinho, deixa um momento tuas ocupações habituais; entra num instante em ti mesmo, longe do tumulto de teus pensamentos. Lança fora de ti as preocupações esmagadoras; aparta de ti vossas inquietações trabalhosas.

Dedica-te por um instante a Deus e descansa pelo menos um momento em sua presença. Entra no aposento de tua alma; excluí tudo, exceto Deus e o que possa ajudá-lo a buscá-Lo; e assim, fechadas todas as portas, segue após Ele. Diz, pois, alma minha, diz a Deus: “Busco vossa face; Senhor, desejo ver vossa face”.

E agora, Senhor, meu Deus, ensina meu coração onde e como buscar-Vos, onde e como encontrar-Vos.

Senhor, se não estás aqui, onde Vos buscarei, estando ausente? Se estás em todos os lugares, como não encontro vossa presença? Certo é que habitas numa claridade inacessível. Porém onde se encontra essa inacessível claridade? Como me aproximarei dela? Quem me conduzirá até aí para ver-Vos nela? E assim, com que sinais, sob qual coisa Vos buscarei? Nunca jamais Vos vi, Senhor, Deus meu; não conheço vossa face.

Que fará, altíssimo Senhor, este vosso desterrado tão longe de Vós? Que fará vosso servidor, ansioso de vosso amor e tão longe de vossa face? Deseja Vos ver e vosso rosto está muito longe dele. Deseja aproximar-se de Vós e vossa morada é inacessível. Arde no desejo de encontrar-Vos e ignora onde vives. Não suspira mais que por Vós e jamais viu o vosso rosto.
Senhor, Vós sois meu Deus, meu dono, e, contudo, nunca Vos vi. Me tens criado e renovado, me tens concedido todos os bens que possuo e ainda não Vos conheço. Me criaste, enfim, para Vos ver, e, todavia, nada é feito para aquilo para o qual fui criado.

Então, Senhor, até quando? Até quando Vós esquecereis de nós, apartando de nós vosso rosto? Quando, finalmente, nos olharás e nos escutarás? Quando encherás de luz nossos olhos e nos mostrará vosso rosto? Quando voltarás para nós?

Olha-nos, Senhor; escuta-nos, ilumina-nos, mostrai-Vos a nós. Manifesta-nos novamente vossa presença para que tudo nos ocorra bem; sem isso tudo será mal. Tem piedade de nossos trabalhos e esforços para chegar até Vós, porque sem Vós nada podemos.

Ensina-nos a buscar-Vos e mostrai-Vos a quem vos busca; porque não posso ir em vossa procura a menos que Vós me ensine, e não posso Vos encontrar se não Vos manifestas. Desejando Vos buscarei, buscando Vos desejarei, amando Vos acharei e encontrando-Vos vos amarei”.[3]

 

UMA FENOMENAL DESCRIÇÃO DE FLASH

 “Será que todo mundo sabe o que é “flash”? Já viram máquina fotográfica, não é? Então, quando vai se tirar fotografia em um ambiente escuro, existe um dispositivo nestas máquinas atuais que atuam por si só abrem, enfim, uma portazinha, sai uma lampadazinha assim, e de repente aperta no botão e aquilo ilumina. E é uma luz forte, muito eficaz, mas rápida, o suficiente para bater a fotografia,  porque se ficar aquela luz acesa, gasta bateria e às vezes até queima a lâmpada.  Então precisa ser rápida, coisa assim bem fugaz. Não é isso?

“Flash”. É isso, não é? “Flash” é isso. Isso é um “flash” concreto. Agora, alguém me mandou um outro texto além de Santa...  Ah, Santo Agostinho! Santo Agostinho e Santa Faustina Kowalska, ambos de forma diferente falam a respeito do “flash”, não de máquina fotográfica, o “flash” sobrenatural, o “flash” espiritual. E o Sr. Dr. Plínio também tem toda uma, eu já fiz um simpósio uma vez, com dez conferências dele sobre o “flash”, dez conferências. E estes dois santos, Santo Agostinho e Santa Faustina, e também o Doutor Plínio, tratam do assunto “flash” com muita propriedade. Santo Agostinho, esse trecho, é uma pena, foi no ofício divino destes dias, eu creio que foi de anteontem, anteontem, foi... foi anteontem, foi no avião ainda, rezando o ofício divino no avião que eu me deparei com o texto esse do “flash”.

O “flash” corresponde ao quê? Deus quer nos santificar, Deus quer que nós cheguemos à perfeição e quer que , chega em determinado momento, em que Ele possa dar-se a si mesmo a conhecer e amar como Ele mesmo se conhece e Se ama, a cada um de nós. Então, Ele quer que vivamos da vida d’Ele. Porque nós temos em nós minerais, vegetais, animais, somos  homens, e temos algo alguinho de Anjo. Mas, esses cinco graus de criação que existe em nós, porque se vão fazer  exame de sangue, vão encontrar ferro, vão encontrar potássio, vão encontrar... tudo isso é mineral. Então, está cheio de mineral no organismo. Depois nós vamos ter na vida de um cada um vegetal, algo de vegetal. Veja, eu estou vendo que um ou outro vai ter que passar pelo barbeiro, depois... Depois de chegar de viagem, claro, eu mesmo antes de viajar tive que cortar  o cabelo. Agora, imagine só, imagine só se o cabelo não fosse vegetal , mas, o cabelo fosse animal, quando metesse a tesoura o cabelo [gritasse]Ai! Imagine só, imagine se fosse cortar a unha, e a gente quando metesse o cortador de unha sentisse como se fosse uma vida animal, não fosse vida vegetal. É que a unha tem uma parte animal, que está posta na carne, e uma parte vegetal. Então, temos minérios, temos vegetal e temos a parte animal.

Tudo isso é na nada perto do que se chama vida divina. Como é que se define a vida divina? Como é que se define a vida de Deus? Como é que Deus vive? Qual é a vitalidade de Deus? Deus vive na seguinte essência: Ele se vê a Si próprio tal qual Ele é, e Se ama a Sim próprio tal qual Ele é. O ver-Se a Si e amar-Se é a vida de Deus. E essa vida é que Deus quer dar para nós, porque nós não temos essa vida. Nós temos mineral sem vida, nós temos vegetal com vida vegetal, nós temos animal, mas nós não vemos... Estão vendo a Deus? Não. Vieram pelo caminho, encontraram a Deus no caminho? Não encontraram a Deus no caminho, não encontraram porque não se vê a Deus. Mas, me digam uma coisa: no catecismo, todos já passaram pelo catecismo, não foi? Não perguntaram no catecismo: Deus está aqui debaixo da mesa? Deus está lá fora na rua? Deus está na França? Deus está na Espanha? Deus está em Portugal? Então, Deus está por...?  - Em todo o lugar. E eu não vejo Deus, como é que é isso? Por que não vejo Deus? Sabe por que eu não vejo Deus? Porque em relação a Deus eu sou um morcego. Eu tenho a vista ruim, minha vista não alcança ver a Deus, porque para ver a Deus precisa ter uma vista especialíssima, e não dá pra ver a Deus. E é verdade, Deus está aqui, nós todos estamos dentro de Deus. Não é isso? Deus está dentro de nós, mas nós não vemos a Deus. Por que?  Porque nossa vista é ruim. Para ver a Deus sabe o que é preciso? Os olhos de Deus.  E é o que Deus nos dá quando nós vamos para a eternidade. Quando nós vamos para a eternidade, Deus nos dá uma parcela da vista d’Ele. E nós chegamos, então, e vemos a Deus face a face. É uma maravilha! E vendo a Deus face a face, nós não queremos mais sair de lá. Não passaram por certos lugares onde disseram: “Ui, se eu morasse aqui! Se eu vivesse aqui!”  Pois fiquem sabendo que, quando a gente vê Deus face a face, não é que a gente diz: “Ui, se eu vivesse aqui! Eu vou viver aqui e daqui ninguém mais me tira”. “Não quero sair mais! Não quero sair mais!” Agarro em Deus e não solto mais. Por isso quem vê Deus face a face, se está vivo morre, porque se a condição é ir embora com a alma, o corpo fica aqui não é? Meu corpo, adeus!

Então nessa caminhada para ver a Deus face a face, Deus que quer me dar essa maravilha, Ele, de vez em quando, me faz sentir quem é Ele. Sabe como? Numa máquina fotográfica que tem no Céu e que Ele aperta em um botão, um “flash”, e a gente sente naquela hora quem é Deus. Sentiu naquela hora quem é Deus, a gente está disposto a tudo. Quem é chamado ao martírio, morre em estado de “flash”, porque se não fosse não tinha coragem de enfrentar a morte. E a graça do martírio é uma graça do Espírito Santo eficaz, produz aquilo de uma forma extraordinária , e a pessoa morre em estado de “flash”. Por isso, pega um São Tarcísio, por exemplo, que com dez anos de idade morreu daquela forma tão extraordinária, tendo a Eucaristia no peito. Pegam Santo Estêvão, qualquer mártir; qualquer mártir morre em estado de “flash”.  E a Providência nos dá durante a vida estes e aqueles “flashes” para ir nos educando e para ir abrindo o nosso apetite e chegar ao Céu e chegar à eternidade. E por isso a gente deve saber cultivar esses “flashes” e não esquecer mais esses “flashes”.

O meu maior “flash” na vida foi ter encontrado o Sr. Dr. Plínio. Aí está. A Providência já me tinha preparado, porque eu vivia meio desgostoso com todos os companheiros, com todos os parentes, com tudo. Via esse mundo perdido e afundado. E dizia: “Mas tem que existir alguém, tem que existir alguém que não seja assim, tem que existir alguém. É um homem!”  Isso uns dois, três anos antes de conhecê-lo. E eu, mais ou menos, de tanto rezar para conhecer esse  homem, eu vi uma silhueta, que, quando no dia 7 de julho de 1956, estando na basílica do Carmo em São Paulo, eu vi um conjunto de treze pessoa entrando , doze e mais ele no fim, quando o olhei, disse: “É este o homem!”  Este foi o “flash” maior que tive na vida, porque eu senti em mim qual era aquela vocação, quem era aquele homem e aquela missão. E por isso agüentei e estou aqui; cinqüenta anos depois, estou aqui junto com os senhores.

(Texto extraído, sem revisão do orador, de vídeo postado pelos Arautos do Evangelho no YouTube, em 05.07.2021- CONSELHOS DE PAI, PALAVRAS DE FUNDADOR - “Através dos “flashes” Deus nos faz sentir quem é Ele” – Monsenhor João S. Clá Dias – 31.08.2006)

 



[1] Referência no rodapé do citado Catecismo: S. Cipriano, Epístola 58, 10.

[2] Catecismo da Igreja católica – Edições Loyola, tópico 2548, pág. 653

[3] Del libro Proslógion de san Anselmo, obispo - (Cap. 1: Opera omnia, edición Schmitt, Seckau [Austria] 1938, 1, 97-100


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