sábado, 29 de junho de 2019

SOBRE ESTA PEDRA EDIFICAREI A MINHA IGREJA




SUPER HANC PETRAM AEDIFICABO ECCLESIAM MEAM

Plínio Corrêa de Oliveira

Hoje é a festa de São Pedro e São Paulo. Estamos festejando o 19º Centenário do martírio dos dois Apóstolos.
A respeito dos apóstolos São Pedro e São Paulo, D. Guéranger, no Année Liturgique, tem essas palavras:
“Pedro e Paulo não cessam de ouvir a prece de seus devotos. O tempo não diminuiu seus poderes, e mais no Céu que outrora na terra, a grandeza dos interesses gerais da Igreja não os absorve a ponto de negligenciarem o menor dos habitantes dessa gloriosa cidade de Deus, da qual foram e permanecem príncipes. Um dos triunfos do inferno em nossa época foi o de ter adormecido, nesse ponto, a fé dos justos. É preciso insistir para terminar esse sono funesto, que nos levará ao esquecimento de que o Senhor quis confiar a homens o cuidado de continuar a Sua obra e representá-lo visivelmente na terra.
Santo Ambrósio exalta a ação apostólica sem cessar eficaz e viva da Igreja, exprime com delicadeza e profundidade o papel de Pedro e Paulo na retificação dos eleitos. A Igreja, diz ele, é um navio onde Pedro deve pescar e nessa pesca ele recebe ordens de usar ora a rede, ora anzol. Grande mistério, porque essa pesca é toda espiritual. A rede protege, o anzol fere, mas a rede é multidão, o anzol o peixe solitário. O bom peixe não repele o anzol de Pedro; ele não mata, mas consagra. Preciosa ferida a sua, que no sangue faz encontrar a moeda necessária ao pagamento do tributo do apóstolo e mestre.
Alusão ao fato do Evangelho.
Então, não te subestimes porque teu corpo é fraco; tens da tua boca do que pagar para Cristo e sua Igreja e para Pedro.
Porque um tesouro está em nós: o Verbo de Deus. A confissão de Jesus o põe em nossos lábios. É por isto que Ele diz a Simão: Vai ao mar alto, isto é, ao coração do homem, porque o coração do homem em seus recônditos é como as águas profundas. Vai ao mar alto, isto é, a Cristo, porque Cristo é o reservatório profundo das águas vivas no qual estão os tesouros da sabedoria e da ciência.
Todos os dias Pedro continua a pescar. Todos os dias o Senhor lhe diz: vai ao mar alto. Mas parece-me ouvir Pedro: Mestre, trabalhamos toda a noite, sem nada conseguir. Pedro sofre em nós quando nossa devoção é trabalhosa.
Paulo está também em luta. Vós o ouvistes hoje dizendo: Quem está doente sem que eu também não esteja doente? Fazei de forma tal que os apóstolos não tenham que sofrer por vossa causa”.
São muito bonitas as palavras e poderíamos fazer um comentário sobre cada uma delas. Uma é essa primeira parte, essa referência interessante de D. Guéranger de que a Providência permitiu que a fé dos justos se tornasse sonolenta quanto ao papel que do alto do céu São Pedro e São Paulo desenvolvem para o bem da Igreja Católica e para a salvação das almas.
É curioso, mas a devoção aos Apóstolos caiu muito, exceção feita a São Judas Tadeu, que era exatamente um Apóstolo quase desconhecido e havia assim da parte de algumas pessoas uma espécie de estranheza instintiva: não sabiam se não era Judas - não o Santo - representado com outra massa no Colégio Apostólico. Com essa exceção, a devoção aos outros Apóstolos caiu muito.
E essa queda é tudo quanto se possa imaginar de menos razoável, porque é evidente que a missão desses Apóstolos não diminui com o tempo. Pelo contrário, deve-se entender que essa missão se mantém íntegra até o fim dos tempos. Porque não foram apóstolos apenas de uma época, não foram apenas pessoas que salvaram as almas numa ocasião, mas são os que estão logo depois de Nosso Senhor Jesus Cristo e que contêm em seu apostolado todas as épocas, porque fizeram uma espécie de implantação da Igreja nos lugares onde Ela depois floresceu.
Compreendemos, portanto, que a devoção a eles é mais do que razoável. E devemos ver nessas palavras de D. Guéranger uma ocasião para nos recomendarmos a eles, pedirmos graças a eles, de maneira tal que sejamos atendidos e com esse atendimento se afervore nossa devoção. Esta é a primeira consideração.
Há uma outra consideração: é uma comparação entre a pesca milagrosa e o papel de São Pedro e São Paulo. Parece-me interessante notar aqui aquela distinção entre apostolado de rede e apostolado de anzol, que costumamos usar em nossa linguagem. Apostolado de rede são certas campanhas gerais que se destinam a atrair muita gente.
Apostolado de anzol, ou de pinça -- o anzol não é senão uma pinça aquática -- é feito para pegar este ou aquele ou aquele outro. E assim temos duas modalidades de apostolado aqui expressas. Ele fala a respeito do apostolado de rede e depois do anzol, e quando fala do anzol tem palavras muito bonitas. O anzol fere, machuca a boca do peixe, mas com o sangue com que o peixe se apresenta, vem o pagamento da conversão.
Isto quer dizer que muitas vezes há conversões duras, conversões ao longo das quais a pessoa sofre, sangra, mas essas conversões feitas com sangue vêm trazendo consigo o preço de si mesmas. O sangue paga a dívida daquele que deve ser convertido. Esse é um tipo de conversão e é uma conversão que se opera por meio da dor.
Mas há outro tipo de conversão que se opera de um modo mais largo, de modo menos dolorido, que é pela rede. Pega-se um mundo de gente, e a ação da misericórdia é mais palpável. Então, vê-se aí um grande número de pessoas convertidas, e convertidas com pouca dor.
Os senhores têm exemplo maravilhoso disso na Idade Média, onde se notava que pela conversão dos reis, de certos reis, nações inteiras se convertiam. O reino dos francos, por exemplo, o reino dos poloneses e assim outros reinos, os reinos ânglicos, etc. O reino inteiro se convertia. É claro que não se podia imaginar que cada um daqueles homens passasse por um drama horroroso até se converter. Mas era a rede que era deitada e que trazia um mundo, uma multidão de peixes para dentro da Igreja Católica.
Uma outra referência bonita é a que diz aqui a respeito de não conseguir nada. São Pedro e São Paulo sempre tiveram enorme dificuldade em seu apostolado e depois tiveram resultados extraordinários. Não foram apostolados fáceis, não foi apostolado tipo happy end, certo tipo de apostolado, falso apostolado, como fazem certos liturgicistas.
Essa gente gostava de contar: foi a uma fábrica, e falou com fulana. “Amigos, bom dia”, e todos responderam “bom dia”. E daqui a pouco toda a fábrica estava convertida...
É o contrário que acontece. É apostolado difícil, apostolado pedregoso, em que a gente deve continuamente pedir a Nossa Senhora que nos alcance a bênção de Deus para nosso apostolado. Sem esse auxílio especial, esse apostolado tão pedregoso não rende nada.
Há uma bonita prece do Cardeal Merry del Val, em que ele pede para ter sempre em mente que Deus estava na origem do apostolado dele - quer dizer, é quem lhe tinha dado as graças, quem lhe tinha dado a idéia, quem lhe tinha dado os meios para iniciar. Deus estava no meio, porque era a ação de Deus, obtida pelas preces de Nossa Senhora, que determinava os auxílios que faziam progredir o apostolado, e Deus era o fim do apostolado, Aquele a quem o apostolado deve servir.
Devemos nos lembrar disso. Se tivermos isso bem em mente, estaremos fazendo como São Pedro, que pediu o auxílio de Deus e a rede estalou de tão cheia. Se não tivermos isto em mente nosso apostolado corre o risco de ser minguado, corre o risco de ser um apostolado ilusório. Por quê? Porque exatamente a graça de Deus não veio. Então, a referência à pesca milagrosa vem muito a propósito para termos isto em mente; para termos, ao longo de nosso apostolado, aquela humildade, aquele espírito sobrenatural, para compreendermos que de nós para nós não somos coisa nenhuma e que na ordem sobrenatural não conseguimos nada; na própria ordem natural precisamos o auxílio de Deus.
Então, nos recomendarmos a Nossa Senhora, que é a Medianeira onipotente, para que Ela nos alcance - porque nossas preces sem Ela de nenhum modo alcançariam porque não merecemos. Então, tudo isto redunda na glória de Nossa Senhora e no desejo de nos acercarmos cada vez mais a Ela, como sendo nossa Mãe muito afável, mas onipotente enquanto suplicante, Aquela cuja oração pode tudo e que nos pode alcançar tudo aquilo que devemos desejar.

(Legionário, 25 de junho de 1944, n. 610, 1ª página)

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