sexta-feira, 9 de novembro de 2018

O SACROSSANTO OLHAR DE JESUS CRISTO





O Dr. Plínio Corrêa de Oliveira, ao longo de sua vida pública, teceu alguns  comentários sobre o olhar de Nosso Senhor. Em uma famosa Via Sacra, por exemplo:  “Vós, Senhor,  o fitaste (Pilatos) por longo tempo com aquele olhar que em um segundo operou a salvação de Pedro. Era um olhar em que transparecia vossa suprema perfeição moral, vossa infinita inocência, e, entretanto, ele Vos condenou”.
A Beata Anna Catharina Emmerich narra em detalhes o tocante episódio em que os olhares de Nosso Senhor e São Pedro se encontraram naquele momento. Segundo ela, após haver negado Nosso Senhor pela primeira vez, São Pedro encontrou-se por acaso com Seu Mestre, o qual lançou-lhe terrível olhar de repreensão: “O Senhor lançou a Pedro um olhar sério de repreensão. Pedro ficou como que esmagado pela dor. Mas, lutando com o medo e ouvindo alguns dos circunstantes dizerem: ‘Quem é esse sujeito?’, saiu novamente para o pátio, tão abatido e tão confuso pelo medo, que andava cambaleando a passos lentos. Vendo-se, porém, observado, entrou de novo no átrio, aproximou-se da fogueira, ficando ali bastante tempo sentado, até que diversas pessoas, que fora lhe tinham notado a confusão, entraram, começando de novo a provocá-lo, falando mal de Jesus e de suas obras. Um deles, chamado Cássio e mais tarde Longino, disse então: ‘É verdade, também és daquela gente; és Galileu, tua linguagem prova-o’. Como Pedro quisesse sair com um pretexto, impediu-o um irmão de Malcho, dizendo: ‘O que? Não te vi com eles no horto das oliveiras? Não feriste a orelha de meu irmão?’  Tornou-se Pedro então como insensato, pelo pavor que o dominou e livrando-se deles, começou a praguejar (tinha um gênio violento) e jurar que absolutamente não conhecia esse homem e correu do átrio para o pátio interior. Foi à hora em que o galo cantou de novo; os soldados conduziram Jesus, nesse mesmo momento, da sala circular, pelo pátio para o cárcere que ficava sob a sala. Virou-se, porém, o Senhor e olhou para Pedro com grande dor e tristeza; lembrou-se Pedro então da palavra de Jesus: ‘Antes do galo cantar duas vezes, negar-me-ás três vezes’, e essa lembrança pesou-lhe com terrível violência sobre o coração. Fatigado pela angústia e o medo, tinha-se esquecido da promessa presunçosa de querer antes morrer do que O negar e do aviso profético de Jesus;  mas à vista do Mestre, esmagou-o a lembrança do crime que acabara de cometer. Tinha pecado, pecado contra o Salvador, tão cruelmente tratado, condenado, inocente, sofrendo tão resignado toda a horrível tortura. Como desvairado de contrição, saiu apressadamente pelo pátio exterior, a cabeça velada e chorando amargamente; não temia mais ser interrogado; teria então dito a todos quem era e que pecado lhe pesava na consciência” .(Vida, Paixão e Glorificação do Cordeiro de Deus” – Mir Editora – São Paulo, 1999 – págs. 189/190)

O OLHAR DE JESUS FULGURA COMO O SOL
Nas palavras do Dr. Plínio Corrêa de Oliveira fomos colher um precioso comentário sobre o olhar de Jesus:
“Em Jesus, o semblante, as expressões da face e até o timbre da voz não são senão comentários ao que mais O exprime, isto é, seu olhar. Este é sumamente ordenado e feito de gradualidades. Quando fulgura, é como um sol. Quando não, mostra-se sempre de um certo modo, semelhante ao que representa o barítono para a música vocal: nem muito alto nem muito baixo.
“Não é um olhar que sai de si para penetrar nos outros, a não ser raramente. Antes, convida que se entre nele, para entabular elevados colóquios conosco.
“Olhar muito sereno, aveludado quase... No fundo, porém, revelando uma sabedoria, retidão, firmeza e força que nos enchem ao mesmo tempo de encanto e de confiança.
“A meu ver, todas as perfeições existentes na ordem do Universo – a das estrelas como as de uma Gruta de Capri, ou as de qualquer outra maravilha – estão contidas no olhar de Nosso Senhor Jesus Cristo, e os estados de alma d’Ele correspondem a todas as belezas do mundo. Por isso, ao apreciarmos algum esplendor da criação, seria bastante proveitoso meditarmos na excelência do olhar d’Ele que se acha espelhada naquela grandeza criada.
“Por exemplo, quando estou sozinho e contemplo o céu todo estrelado acima de mim, experimento a curiosa impressão de que sou visto, e de que aquele firmamento todo converge sobre mim. Esta é a sensação que se tem quando Nosso Senhor nos olha. É todo um céu que se debruça sobre nós. Mas quando somos nós que nos pomos a fitá-Lo e colhemos o fundo de seu olhar, nos sentimos melhor do que ao sermos olhados por Ele.
“Pois ali, no conjunto dos olhares d’Ele, a ordem do Universo se reflete inteiramente, as regras da estética se resumem de modo perfeito, os princípios da lógica se articulam de maneira admirável. Numa palavra, o “pulchrum” e o significado interno de tudo quanto existe estão contidos no olhar de Nosso Senhor.
“De sorte que, por exemplo, ao conversar com Lázaro, com Marta ou com Maria Madalena, a fisionomia, a voz e o olhar de Jesus – sem indiscrição alguma – iam muito naturalmente mudando, e em sua expressão se podia compreender um número incontável de coisas.
Olhar que acompanha a História

“Por isso mesmo, considero o olhar de Nosso Senhor Jesus Cristo como se fosse quase outro Evangelho, e uma prodigiosa “leçon des choses”.
“De fato, Jesus é Rei do Universo e, portanto, Rei da História. Não o é apenas da história das nações, mas também da existência individual de cada um de nós. E os desígnios d’Ele vão se fixando e se traçando na medida em que a nossa trajetória neste mundo se desenvolve. Ele vai olhando para nós, e se pudéssemos vê-Lo em cada momento, teríamos o sentido daquilo que estamos vivendo a cada passo.
“Imaginemos Nosso Senhor por ocasião da multiplicação dos pães, considerando o povo reunido em torno d’Ele: “Tenho piedade desta multidão” (Mt 15, 32). É concebível que Ele tenha proferido essa frase com os olhos fechados? Não pode ser.
“Se os olhos de Jesus não estivessem abertos enquanto Ele falava ou caminhava, teria atraído aquela multidão? Claro está que, se assim o quisesse, Nosso Senhor tocaria aquelas almas mesmo sem lhes dirigir o olhar. Porém, não procedeu dessa forma, e foi o olhar d’Ele que as atraiu.
“Outra passagem do Evangelho na qual me parece que o divino olhar do Salvador se reveste de maior expressividade é o momento em que Jesus, flagelado e coroado de espinhos, foi apresentado ao povo por Pilatos. Para mim, excetuando o instante em que Nosso Senhor fita o Apóstolo Pedro que acabara de negá-Lo, não há episódio no Evangelho onde o papel do olhar se manifesta tão evidente como no “Ecce Homo”. Tanto mais quanto, naquela circunstância, o Redentor não proferiu qualquer palavra, permanecendo num majestoso silêncio.
“Cumpre ressaltar, aliás, o fato impressionante de que os algozes de Nosso Senhor, quando O esbofetearam durante a Paixão, não suportaram o divino olhar que os fitava. Para consumar as suas atrocidades contra Jesus, tiveram de Lhe vendar os olhos..
Devoção ao Sacrossanto olhar

“Essas considerações nos fazem compreender bem que noite tremenda se fez para o mundo quando o olhar d’Ele se extinguiu! Noite na qual se teria vontade de pedir a Deus que nos levasse desta Terra. Pois uma vez que alguém se habituou ao convívio daquele olhar, tendo este se apagado, nenhum sentido restaria para se continuar a viver no mundo. Para fazer o quê? Turismo em alguma linda cidade européia? Visitar Paris, conhecer Viena? Como estas nos parecem pobres e insípidas, em comparação com a graça de ver aquele divino olhar! As maravilhosas jóias da casa d’Áustria, a extraordinária coroa do Sacro-Império, nada seriam para o homem sobre quem pousaram os olhos misericordiosos do Salvador.
“Muito embora a devoção ao Sagrado Coração de Jesus me fale tanto à alma, na realidade toca-me ainda mais a devoção ao olhar d’Ele. Talvez, pela razão mesma de ser o olhar a melhor expressão do coração. E esta seria, caso não o impugnasse a Teologia, a “devoção ao Sacrossanto Olhar...”.
“A partir dessa idéia, poder-se-ia introduzir no “Anima Christi” outras invocações como: olhar padecente, olhar misericordioso, olhar de divino Juiz... penetrai em mim e fazei-me entrar em vós. Poder-se-ia, igualmente, compor uma “Ladainha dos olhares de Jesus”, a qual reluziria de uma beleza arrebatadora.
“Concluo, fazendo notar que, quando se analisa assim o Evangelho, encontram-se nele profundidades insuspeitadas. Suas páginas constituem um tesouro repleto de “nova et vetera” – coisas antigas e recentes.
“Tudo quanto acima foi dito nos revelou algo imensamente valioso, mas é natural que se procurem também outras gemas preciosas nesse tesouro. As jóias que acabamos de admirar, a nós nos regalam, porque são as meditações que se acrescentam ao cântico antigo, em função de nossa vida, nossas batalhas e nossos sofrimentos nesta terra de exílio”
Em outras oportunidades Dr. Plínio teceu comentários sobre o olhar de Nosso Senhor Jesus Cristo, conforme relatamos adiante:
“Se nós pudéssemos fazer uma coleção dos timbres de voz de Jesus ensinando como Mestre!... Ninguém foi Mestre como Ele, que é o Divino Mestre! Explicando com clareza, com sabedoria, com profundidade, horizontes extraordinários, mas com uma simplicidade de desconcertar. Seu ensino é tão simples e, ao mesmo tempo, tão profundo! Santo Agostinho dizia que o ensinamento d’Ele era como um rio no qual um elefante se afogaria e um cordeiro passaria sem molhar senão os pés.
“Como nós gostaríamos também de, por exemplo, colecionar os seus sucessivos olhares! Para falar senão em dois: o olhar para São Pedro, que o converteu e o fez chorar a vida inteira, e um olhar para Nossa Senhora. Escolham o momento. Talvez o momento do último olhar nesta vida. Com certeza, antes de morrer, Eles trocaram um olhar em que transpareciam o carinho e adoração da parte d’Ela, e o amor indizível, o apreço extraordinário e o carinho da parte d’Ele, ao se separarem.
“Como seria a história de todos os seus olhares? E como seria o olhar d’Ele expulsando os vendilhões do Templo? Para Pilatos, desprezando toda a covardia do Procurador romano? E o olhar de repreensão aguda e severa para Anás e Caifás?
(Extraído da revista “Dr. Plínio”, janeiro de 2004, págs. 18/20)


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