sábado, 19 de novembro de 2016

MEDITAÇÃO SOBRE O REINO DE CRISTO SEGUNDO SANTO INÁCIO DE LOYOLA



 À guisa de introdução, um pouco de recordações

Li pela primeira vez os "Exercícios Espirituais" numa edição da qual eu gostava muito - a do Pe. Pinamonte, jesuíta, cujos comentários apertam todas as cravelhas como se deve apertar. E acho que muita gente não gostava, porque ele apertava realmente.
Eu estava então no terceiro ano da Faculdade de Direito, tinha portanto 20 ou 21 anos. E encontrava-me no período que, de algum modo, poder-se-ia chamar de minha conversão, ou seja, no período de deixar uma vida, que graças a Deus era muito honesta, mas mundana, para consagrar-me inteiramente à causa católica.
Eu fora aluno dos jesuítas, e tinha uma admiração enorme pela lógica de Santo Inácio, que às vezes refulgia nas argumentações deles. Entrei depois para a Faculdade de Direito, mas sempre ficou, como uma luz nos meus olhos, que a lógica inaciana era a suprema lógica.
Indo à livraria [junto à igreja] do Coração de Jesus, encontrei um livro de capa preta, e nela escrito assim: "Exercícios Espirituaes de Sancto Ignacio de Loyola". Era uma edição bem antiga. Achei que estava bom - desejava me converter - e comprei-o por uma ninharia. Voltei para casa e pus-me a folheá-lo.
Quando vi toda aquela engrenagem lógica que toma desde o princípio - são trinta exercícios -, eu me senti transportado de entusiasmo diante de tanta coerência, portanto de tanta verdade e de tanta força. Foi a única leitura na vida em que eu – tão calmo e tão fleumático – sozinho no quarto, cheguei a bater com a mão na testa, de entusiasmo. Eu considero os "Exercícios", no gênero, a última palavra. Uma perfeição não apenas inexcedível, mas inigualável. Acho-os a última das últimas palavras. Realmente, a meu ver, arma suprema.
 
O que Santo Inácio tem em vista nos "Exercícios"
Segundo excelente tradição da Companhia de Jesus, Santo Inácio compôs os "Exercícios Espirituais" num local chamado Manresa, na Espanha, e quem os ditou foi Nossa Senhora. Realmente são tão sábios, tão lógicos, tão excelentes, que não me espantaria que assim o fosse.
Antes propriamente de desenvolver a meditação, precisaria fazer uma introdução, para que ela seja bem entendida. Primeiramente, cumpre esclarecer o que Santo Inácio de Loyola tem em vista ao propô-la. Depois, quais os pressupostos históricos que ela comporta.
Nesta, como em todas as outras meditações, ele visa por meio da lógica, da sensibilidade e da imaginação, mover inteiramente o homem à prática da virtude, de maneira a estabelecer no espírito da pessoa um bloqueio total, não deixando um aspecto sequer da mentalidade humana que não se sinta convidado à prática da virtude e afastado do vício.
Ela é o contrário de certos locais onde trata-se, não de fazer uma meditação principalmente lógica, para se chegar a determinada conclusão, mas de produzir efeitos, de produzir impressões para, por meio delas, levar a pessoa a uma atitude contrária à lógica das suas convicções internas.
Aqui, não. É um exercício de caráter lógico: trata-se de raciocinar. Santo Inácio raciocina como um jogador de xadrez. Quer dizer, ele deixa completamente sem escapatória a pessoa que medita, desde que seja católica (ele pressupõe católica a pessoa que faz a meditação). O indivíduo é posto diante de tais raciocínios, que absolutamente não pode sair. Fica inteiramente enleado, inteiramente cercado, e não tem outro caminho lógico a não ser a virtude. De tal maneira que, se não o seguir, deverá concluir: "sou sumamente ilógico".
A meditação, portanto, é logicamente ordenada para esse efeito; isto é o que Santo Inácio tem em vista.
Mas, como não há ser humano que goste de passar por ilógico - e com razão, porque é degradante ser ilógico - ele por esta forma toca o homem, como uma alavanca.
Ao mesmo tempo, Santo Inácio imagina situações e convida-nos a recompô-las em nossa sensibilidade, para compreendermos que não se trata somente de coisa lógica, mas de algo que toca a sensibilidade também.
 
O que tenho em vista ao comentar os "Exercícios" de Santo Inácio
De minha parte, ao desenvolver a meditação, tenho duas coisas em vista:
1) Ver até que ponto a lógica - mas a lógica logicíssima - pega nas gerações que, com tanta vantagem para a causa católica, seguem a TFP;
2) Mover os membros da TFP para os resultados que Santo Inácio de Loyola tem em vista.
 
 
UMA GUERRA PELO REINO DE CRISTO
 
Contexto histórico da época de Santo Inácio
Uma das meditações que Santo Inácio cogita é sobre o Reino de Cristo. Mas é necessário, para compreendê-la bem, dar os pressupostos históricos, ver a época em que Santo Inácio viveu.
Santo Inácio viveu no século XVI, século de transição entre o regime feudal da Idade Média e o de monarquia absoluta do Ancien Régime. Este último era uma monarquia aristocrática, na qual os antigos senhores feudais dispunham de alguma autoridade - não já a que possuíam na Idade Média, mas era ainda muita autoridade - nos respectivos feudos. E naquela época os exércitos regulares, tais como se concebe hoje, já existiam, mas eram pouco desenvolvidos, menos desenvolvidos que hoje; quando arrebentava uma guerra, o exército regular entrava em cena, mas entravam também os exércitos feudais. Essas forças feudais, por sua vez, eram levantadas por nobres de vários baronatos, condados, marquesados, ducados, entre voluntários nas respectivas terras, para irem engrossar as fileiras do rei.
Havia, portanto, duas espécies de tropas: as tropas inteiramente submissas ao rei e as tropas capitaneadas por nobres.
Quando uma guerra estava para arrebentar, ou mesmo quando esta já estava declarada e as tropas reais dizimadas, o rei mandava os nobres percorrerem os respectivos feudos e levantarem ali, por meio de convicção, por meio de entusiasmo - apelando, portanto, para argumentos racionais - o maior número possível de voluntários. O que se chama hoje mobilização geral ainda não existia, de maneira que era necessário apelar para a lógica a fim de arrastar a maior parte dos indivíduos à guerra.
   
O Divino Rei convoca seus súditos para a divina guerra
Na meditação sobre o Reino de Cristo, Santo Inácio imagina uma situação semelhante. Ele compara Nosso Senhor Jesus Cristo a um rei terreno - se quiserem, o rei da Espanha, uma vez que ele era espanhol - que está em guerra e se dirige a seus súditos, convidando-os a entrar na guerra por Ele. Vejam que é uma situação espiritual, muito parecida com a situação terrena existente no tempo dele.
Nosso Senhor convida então os fiéis para a guerra ao lado dEle, com argumentos parecidos com os que os reis daquele tempo convidavam, por meio dos nobres, seus súditos a participarem da guerra. Ele toma a meditação com todo o raciocínio próprio ao engajamento militar daquele tempo, e o transpõe para Nosso Senhor Jesus Cristo, que ele considera como Rei da Igreja Militante.
 
A guerra divina contra o demônio, o mundo e a carne
A Igreja, como sabem, divide-se em Gloriosa, Penitente e Militante. A Gloriosa é constituída pelos fiéis que estão no Céu, tanto os que foram diretamente para o Céu quanto os que passaram pelo purgatório, ali resgatando os seus pecados e indo para o Céu. A Penitente é constituída pelas pessoas que estão no purgatório, expiando suas faltas. E a Militante é a que está na Terra, em luta contra o demônio, o mundo e a carne, que são os inimigos de Deus e inimigos da Igreja.
Por demônio entendem-se as hostes de anjos rebeldes condenados, que procuram arrastar os homens para o inferno. Por carne, a natureza do homem maculada pelo pecado original, que arrasta o homem para o mal. E por mundo, as organizações, partidos, seitas que querem impor na Terra uma civilização oposta à Civilização Cristã; a Civilização Cristã ajuda os homens a praticarem os Mandamentos e se salvarem; a civilização anticristã torna difícil a prática dos Mandamentos, e faz com que os homens se percam. A primeira dá glória a Deus aqui na Terra; a civilização pagã, ou anticristã, é um insulto a Deus já aqui na Terra.
A Igreja é militante porque luta pela virtude, pela glória de Deus, pela Civilização Cristã. Esta é uma condição para se dar glória a Deus e praticar a virtude: lutar contra o demônio, contra o mundo - isto é, contra o gozo do mundo - e contra a sensualidade, quer dizer, os prazeres impuros da carne. Portanto, contra todas as organizações, todas as seitas que defendem a obra do demônio, do mundo e da carne.
Em nossos dias temos, portanto, duas lutas máximas:
No campo espiritual - Primeiramente, na sociedade espiritual - a Igreja Católica - entre dois estandartes: de um lado, os que são de verdade católicos, apostólicos, romanos, ou seja, os que seguem a doutrina católica de todos os tempos; de outro, os progressistas, que sob pretexto de melhorar a Religião Católica querem alterá-la e transformá-la numa religião oposta à Religião pregada por Nosso Senhor Jesus Cristo. Há então uma grande guerra dentro da Igreja Católica: a guerra dos ortodoxos, isto é, dos que têm a boa doutrina, contra os católicos progressistas.
No campo temporal - Na sociedade temporal - isto é, nos países, no Estado - temos uma grande luta análoga. É a luta dos católicos contra os comunistas, que querem transformar a sociedade civil em uma sociedade construída no desprezo das leis de Nosso Senhor Jesus Cristo, negando assim todos os Mandamentos, negando mais especialmente a instituição da família - portanto, a pureza, a castidade em todos os seus aspectos, a prolificidade da família - de um lado; de outro lado, negando a propriedade particular, e deste modo todos os princípios fundamentais de justiça em matéria de haveres, em matéria de bens e de distribuição dos bens da Terra.
Temos, portanto, essa luta de católicos na Igreja e no Estado. Naturalmente, comunistas e progressistas se entendem. O progressista simpatiza em matéria civil com o comunista; o comunista vê com bons olhos o católico dito progressista, e detesta o católico verdadeiramente contra-revolucionário [no sentido em que a palavra é utilizada na obra “Revolução e Contra-Revolução”, a R-CR].
Em nossa época, temos então uma imensa guerra que envolve a Terra. Não é uma guerra de tiros, não é uma guerra com efusão de sangue, ao menos nos países do Ocidente. Na guerra do Vietnã, de algum modo entra em cena essa questão, mas no Ocidente essa guerra não existe. Mas essa guerra é pior do que se fosse de sangue: é uma guerra que divide as almas, divide os espíritos, dilacera a humanidade em duas correntes.
 
SUBLIMIDADE DESSA GUERRA SEGUNDO SANTO INÁCIO

Ponhamo-nos então na perspectiva de Santo Inácio de Loyola, mas considerando a Igreja Militante.
Nosso Senhor Jesus Cristo que aparece, que é Rei da Igreja Católica, que vem pedir-nos para entrarmos na Sua Guerra Santa - dentro da Igreja contra o progressismo; dentro do Estado contra o comunismo - e nos dirige um apelo para lutarmos, para não sermos homens moles, para não sermos indiferentes a essa luta, para batalharmos com toda alma. Este é o tema da meditação que ele nos propõe.
Santo Inácio, é claro, não fala em progressismo. Como a meditação dele é para todos os tempos, ele se refere genericamente ao mundo, ao demônio e à carne, que são a causa de todos os erros em todos os tempos, os quais vão apenas mudando de nome.
No seu tempo o erro era o protestantismo, apoiado pela posição de pessoas que se diziam católicas, mas no fundo protestantes, e que trabalhavam pelo protestantismo dentro da Igreja Católica. Tais pessoas tendiam, no terreno civil, a acabar com as desigualdades políticas e sociais. Ou seja, eram precursoras da Revolução Francesa. Aqui, portanto, damos de cheio no tema das três revoluções, da R-CR, etc.
   
A guerra que Jesus Cristo veio trazer
Passo agora ao texto de Santo Inácio: "Considera a guerra que Jesus Cristo veio trazer do Céu à Terra". A palavra choca, porque as pessoas estão acostumadas à idéia de que Nosso Senhor Jesus Cristo veio trazer a paz, e ele com toda naturalidade começa a meditação dizendo: "Considera a guerra que Jesus Cristo veio trazer do Céu à Terra". Como isto é diferente desse pacifismo choco contemporâneo! Que meditação, por exemplo, para uma noite de Natal: Nosso Senhor Jesus Cristo aparece na Terra, veio como um guerreiro trazer a guerra!
E a citação que está ao pé da página é impecável. "Non veni pacem mittere, sed gladium" (Mat. 10, 34) - Não vim trazer a paz, mas a espada. É o que Nosso Senhor disse de Si mesmo. Portanto, não há por onde escapar. Pois, se não veio trazer a paz, mas a espada, veio trazer foi a guerra à Terra. E a meditação começa, com uma naturalidade toda inaciana, tomando isso logo de roldão, como pressuposto, e começa logo com a declaração de guerra: "Jesus Cristo veio trazer a guerra à Terra".
 

Nosso Senhor, Rei dos reis e Senhor dos senhores
Continua Santo Inácio: "E primeiramente representa diante de ti a nosso Redentor com semblante dum Rei de suma majestade, potentíssimo, sapientíssimo, amorosíssimo para com os seus e disposto a carregar os seus súditos, não de tributos, mas de benefícios, e não a enriquecer-se com seus bens, mas a fazer-se pobre para os enriquecer a eles; dotado de todas as prerrogativas naturais e divinas para governar, sendo ele ainda, pela sua santíssima humanidade, Rei dos reis e Senhor dos senhores".
Só aqui já caberia toda uma meditação, de tal maneira este texto é denso. Mas, de dentro dele, tirarei alguns elementos.
Santo Inácio tem diante de si os reis do seu tempo, que convocam soldados para a guerra, e imagina Nosso Senhor Jesus Cristo como um Rei. Esta comparação é verdadeira? Quando Pôncio Pilatos perguntou a Nosso Senhor Jesus Cristo se Ele era Rei, a resposta foi: "Verdadeiramente, Eu sou Rei"; e por isso a Igreja instituiu a festa de Cristo-Rei. Além do mais, está escrito de Nosso Senhor no Apocalipse o seguinte: "Rex regnum et Dominus dominantium - Rei dos reis e Senhor dos senhores”. Ele é portanto o Sumo; Ele é o Supra-Sumo. Se há alguém que seja Rei. Este é Nosso Senhor Jesus Cristo.
Santo Inácio quer, portanto, que nós imaginemos a Nosso Senhor Jesus Cristo como Rei. Mas, ao fazermos isto, devemos entrar com algo de nossa imaginação. Não se trata simplesmente de um imaginar assim no ar, mas compor diante de nós a figura de Cristo como Rei.
Para terem um pouco idéia do que isto seja, coloquem diante de si, em mente, a verdadeira imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é o Santo Sudário de Turim. Imaginem aquela fisionomia, posta no Seu esplendor e na Sua glória, e não morta, na rejeição do crime que contra Ela foi praticado. Imaginem aquela Cabeça cingida na fronte por uma coroa com as pedras mais resplandecentes. Tomem em consideração Nosso Senhor Jesus Cristo investido, como diz Santo Inácio, de todas as qualidades de um rei: suma majestade, potentíssimo, amorosíssimo para com os seus - uma verdadeira teoria da realeza.
 
Nosso Senhor, Rei sumamente majestoso
O que quer dizer "majestoso"? Quer dizer, propriamente, que ele é mais do que todos, e que perto d’Ele todo mundo se sente pequenino. Quando Ele desceu do Monte Tabor, as pessoas que com Ele se encontravam gritavam de medo diante de Sua majestade. Naquele local Ele apareceu tão refulgente, tão majestoso, que os Apóstolos quase não conseguiram fitá-lo, tal o esplendor que tinha.
Outra manifestação de Sua majestade foi no Horto das Oliveiras, quando perguntaram-lhe se era Jesus de Nazaré, e Ele simplesmente respondeu: "Ego sum! - Eu sou!”. E todos que foram prendê-lo caíram no chão, com a face em terra. Quando resolveu manifestar num momento apenas a própria majestade, esta manifestação foi tal que os homens, que estavam ali com paus, com varas e outras coisas para prendê-Lo, caíram com a face no chão. Pode-se por aí ter alguma idéia da majestade de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Tomem as figuras majestosas que houve na História. Carlos Magno, por exemplo, o Imperador do Ocidente, sumamente majestoso. Mas, perto de Nosso Senhor Jesus Cristo, Carlos Magno não era nada, tal a majestade e grandeza de Nosso Senhor.
Imaginem portanto Nosso Senhor cingindo a coroa, e apresentando-se diante de nós com esse tríplice atributo: potentíssimo, sapientíssimo, amorosíssimo.
 
Nosso Senhor, Rei potentíssimo
Ser poderosíssimo é um atributo da majestade: Ele pode tudo. Quem pode ressuscitar a Si mesmo, pode tudo. Foi Ele quem criou o Céu e a Terra. Ele, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade feito Homem. Portanto Deus; portanto onipotente.
Pode-se imaginar a majestade dEle no momento em que disse "fiat lux". Só isto! Pode-se imaginar a majestade dEle no momento em que pairava com o Espírito Santo sobre as águas, e era tudo desordem. Ele é o ordenador de todas as coisas, e tudo que está no mundo em ordem foi Ele quem pôs assim.
Quem tem um poder longinquamente comparável ao dEle? Um rei terreno? Já nem falemos de reis terrenos. Um desses miseráveis tiranos terrenos, com suas leizinhas, suas policiazinhas, seus grandes crimes, o que são em comparação com Aquele que tudo fez, que deu origem à primeira luz, e que infundiu a ordem nas entranhas mesmas das coisas? Ninguém é como Ele, nem de longe!
 
Nosso Senhor, Rei sapientíssimo
Além de potentíssimo, Ele é sapientíssimo. Ele sabe tudo, pois fez tudo. Ele sabe muito mais do que aquilo que fez: Ele sabe o que é. Quem sabe o que é, sabe tudo.
Ser sábio não é apenas saber, mas conhecer a ordem das coisas e querê-las em tal ordem. Ele, sumo critério, suma ordem no espírito, é suma disposição de tudo de acordo com o que compete, com o que convém. Ele é, portanto, suma Sabedoria.
Ele não apenas sabe tudo, mas seus desígnios são os melhores possíveis; os meios que usa, os mais perfeitos. Reis, os mais capazes, não são nada em comparação com Ele; generais, os mais extraordinários, são uns incompetentes em relação a Ele, em relação ao que Ele faria se quisesse dirigir uma batalha; sábios, os mais extraordinários, são uns analfabetos em relação ao que Ele pode dizer a respeito de qualquer coisa.
Imaginem tudo isso coincidindo numa só figura: é Nosso Senhor Jesus Cristo, a figura sem comparação na História.
Numa revista histórica laica, li o seguinte pensamento que me chamou muito a atenção: "Grandeza, grandeza... Alguns são aclamados, outros até carregados. Diante de nenhum homem se ajoelha: esse único é Nosso Senhor Jesus Cristo". E é verdade. Quem tem a glória de Nosso Senhor Jesus Cristo? Ninguém, nem de longe, tem uma glória como a dEle.
 
Nosso Senhor, Rei amorosíssimo para com os seus
O terceiro atributo: amorosíssimo. Este Rei, que é terrível para os adversários, infinitamente terrível para os adversários, para com os Seus é infinitamente amoroso. Quer dizer, é um rei cheio de bondade que, apesar de tanta grandeza, olha-nos com complacência, com afabilidade.
 

Nosso Senhor, Rei disposto a carregar seus súditos, não de tributos, mas de benefícios
E aqui vem uma comparação com os reis da Terra; uma comparação implícita, mas quão mais severa se fosse para com os déspotas do século XX: Ele está disposto a sobrecarregar Seus súditos, não com impostos, mas com benefícios. Em todas as épocas, os súditos gemem por causa dos impostos que os governos lançam. Ele não é um Rei que vem para cobrar impostos; é um Rei que vem para encher de benefícios, e não para enriquecer-se com os bens dos súditos.
Os reis, naquele tempo de finanças ainda pouco organizadas, quando viajavam, viviam por conta dos habitantes dos lugares por onde passavam. E estes tinham que oferecer o que de melhor possuíam, para mantê-lo. De maneira que o habitante não muito enlevável tinha pânico de receber a visita do Rei: o melhor vinho, as melhores roupas de cama, as melhores ovelhas, os melhores perus, iam todos para o rei. Nosso Senhor Jesus Cristo, não. Ele não veio para se enriquecer com o que é dos súditos, mas veio para dar.
 
Nosso Senhor, Rei dotado de todas as prerrogativas para governar
Vejam neste trecho o contraste e a perfeição desse Rei: "Dotado de todas as prerrogativas naturais e divinas para governar, sendo Ele ainda, pela sua santíssima humanidade, Rei dos reis e Senhor dos senhores".
E uma espécie de conclusão: quem tem tudo isto, quem está dotado destas e de todas as prerrogativas para governar, é um rei perfeito.
  Aqui está a introdução, o primeiro ponto da consideração. Mas, para bom efeito, deveríamos imaginar diante dos olhos alguma figura que nos tocou mais especialmente: ou o Santo Sudário de Turim, ou aquela imagem francesa que a mim me toca muito, "Le Beau Dieu d'Amiens" - o Belo Deus de Amiens, estátua de Nosso Senhor Jesus Cristo que fica do lado esquerdo da fachada da Catedral de Amiens. Como imagem, para meu gosto, é a mais bela de Nosso Senhor que já se fez.
 
Nosso Senhor quer guerra contra nossos inimigos
Agora, o segundo ponto: "Considera, pois, que Ele, convocando todos os homens, e a ti entre eles, declara que a sua resolução é fazer guerra aos seus e nossos inimigos: mundo, demônio e carne".
Imaginem, por exemplo, Nosso Senhor Jesus Cristo realmente presente como está na Eucaristia, mas de modo vivo, de modo sensível, a nos dizer: "Há certos inimigos que são inimigos meus: o mundo, o demônio e a carne. Não são apenas meus, mas de cada um de vós, porque querem vos arrancar o Céu e jogar-vos no inferno. Venho vos propor: façamos guerra a esses nossos inimigos".
Notem a diferença entre a conduta dEle e a dos governos terrenos. Esses últimos convocam para a guerra contra o inimigo do Governo - no tempo dele o inimigo do Rei - que às vezes podia não ser inimigo dos particulares. Para dar um exemplo, os inimigos contra os quais Hitler se atirou não eram nem um pouco inimigos dos alemães; eram pessoas que ele atacava para satisfazer à sua megalomania. Nosso Senhor Jesus Cristo, não: leva-nos ao ataque contra nossos piores inimigos, que nos querem o pior dos males - no caso concreto, o comunismo e o progressismo.
Nosso Senhor Jesus Cristo aparece em toda Sua perfeição, e nos diz: "Aqui está o comunismo, aqui está o progressismo: convido-vos à guerra contra esses inimigos".
 
Mas Nosso Senhor impõe condições
Que vá à frente da luta - Para tal guerra, Ele põe como condição que, embora seja Rei, Ele vá à frente da batalha. Os reis terrenos mandam os outros combaterem na frente. É muito difícil ouvir-se falar de um chefe de Estado - coroado ou não coroado - que tenha morrido na guerra. Eles dizem: "Marchemos ... e ide!" Quer dizer, ficam para trás. Já Nosso Senhor Jesus Cristo vai na frente (veremos adiante como é este ir na frente).
Que sofra Ele os maiores incômodos da guerra - Santo Inácio continua: "... e há de ser o primeiro nos incômodos da guerra". Os chefes de Estado, na guerra, ficam em tendas muito boas (e deve ser assim), são muito bem servidos, etc. Nosso Senhor Jesus Cristo, não: leva o pior da guerra consigo.
Que o prêmio seja para os soldados - "... o primeiro nos riscos do combate, o primeiro em receber as feridas; e que, depois da vitória, o prêmio há de ser todo dos seus soldados". Ele toma o prêmio e o distribui aos soldados; o que, positivamente, não é o hábito dos governos. É um Rei tão majestoso, mas também tão bom, que vai como bom pastor na frente da luta, defendendo suas ovelhas. Ele simplesmente convida as ovelhas para a luta.
 
Aplicação aos dias de hoje
Como isto se aplica na luta contra o progressismo? Como se aplica na luta contra o comunismo?
No caso do progressismo, Nosso Senhor nos mostra esse inimigo que tenta arrastar-nos para a heresia; e, com a heresia, para a morte de nossa alma (porque assim caímos em pecado mortal, e portanto nossa alma estará morta). Ele quer tomar a dianteira nessa guerra contra o progressismo, quer arcar com todos os esforços. O prêmio será nosso, porque, se vencermos o progressismo, seremos nós os que receberemos o prêmio.
No caso do comunismo, da mesma forma. Ele vai à frente, arrisca-Se de todos os modos (veremos adiante, também, qual é esse risco), mas o prêmio será nosso. O comunismo é nosso terrível inimigo. Vejam o que ele está fazendo na Rússia. A Rússia vive do trigo que fornecemos, conforme está em todos os jornais, até em jornais comunistas. Isto porque o regime depaupera as finanças, atira a miséria de todos os lados. Mais ainda: perde as almas pela imoralidade intrínseca dele, pelo caráter ateu dele.
Nosso Senhor diz então: "Vou tomar a dianteira nesta luta contra o comunismo. Quereis ir? Vou tomar a iniciativa da luta contra o progressismo. Quereis ir?" Imaginem, portanto, Nosso Senhor Jesus Cristo dirigindo-nos diretamente estas palavras. Qual de nós ousaria dizer "Não"? Qual de nós deixaria de ficar deslumbrado?
Esse convite não é um convite imaginário, ele é real. Isto porque é nosso dever combater o comunismo, e Nosso Senhor Jesus Cristo a todo momento nos convida para o cumprimento do dever. De maneira que é um convite verdadeiro, não é imaginação. Apenas o que há é que não O vemos, mas todo o resto é verdadeiro. Falta-nos apenas vê-Lo com nossos olhos, porque, de resto, é a realidade da situação na qual estamos.
 
A dianteira, já a tomaram Nosso Senhor e os santos
Continua a meditação: "Cumpriu este divino Rei exatamente esta lei, em todo o tempo da sua vida e na sua morte, vivendo sempre e morrendo com suma pobreza, terribilíssimas dores, gravíssimos desprezos e ignomínias. Seguiram-no depois inumeráveis almas que, imitando os seus divinos exemplos, combateram valorosamente contra os sobreditos inimigos; e agora, com o mesmo seu Rei e Senhor, triunfam no Céu".
O plano no qual Santo Inácio se coloca aqui é grandioso: o demônio, o mundo e a carne são os mesmos em todos os tempos, e geram todas as heresias ao longo dos séculos. A raiz é a mesma, e a luta é também do mesmo Deus contra os mesmos fatores.
Pois Nosso Senhor Jesus Cristo veio à Terra, e aqui teve a vitória fundamental. Resgatou o gênero humano com Seu sangue e deu aos homens, pela graça que obteve, luz para conhecer a Fé e força para praticar a virtude. Tal foi conseguido porque Ele morreu na Cruz. Se não houvesse morrido, não teríamos luz intelectual para ter a Fé católica, nem força para praticar a virtude.
De maneira que todas as pancadas que o demônio, o mundo e a carne receberam depois de Nosso Senhor, e receberão até o fim do mundo, receberam e receberão porque esse Rei caminhou na frente de todos. Ele apresentou-se antes de todos, morreu por todos e deu todo Seu sangue por todos nós, até o resto de água e sangue. Os atos de virtude praticados antes de Cristo, os homens receberam graças para os praticar na previsão de Sua morte. Quer dizer, todo o bem que se fez e se fará no mundo até o fim, fez-se ou se fará porque Ele veio à Terra, encarnou e morreu. Toda essa luta não é senão um desdobramento da luta dEle, é pelo mérito do Seu sangue que estamos hoje lutando.
Trata-se portanto de um ato de suma generosidade desse Rei. É o Rei perfeito, que, entrando na arena e dando inteira Sua vida, lutou, estrangulou e liquidou o adversário. Deu ele a doutrina perfeita, por onde se repelem todos os males e todos os erros; fundou a Igreja perfeita, e deu-Lhe autoridade, muniu de poderes esta mesma Igreja. Surgiram então legiões de homens, de santos, que em todas as épocas lutaram contra o demônio, o mundo e a carne, e que no Céu recebem o prêmio.
 
Resta-nos agora cumprir a parte que nos toca
A Sua pergunta para nós é: "Quereis continuar a batalha? Quereis ser o elo entre os batalhadores dos antigos tempos e os batalhadores dos tempos futuros? Quereis ser esse elo de ouro? Aqui está o caminho que vos espera: quereis lutar contra os inimigos da Igreja?"
Aqui paro um pouco, e pergunto quem tem a coragem de dizer "Não quero!". Porque, se nos colocamos diante desses raciocínios, fica tão absurdo dizer "Não quero!". É uma tal contradição, uma tal covardia, que não se sabe o que dizer. E a única resposta possível é: "Senhor, eu quero! Dai-me forças". É uma lógica claríssima. Se a Fé Católica é verdadeira, o indivíduo tem que ser um lutador por ela, e lutador desinteressado, ardoroso, como o foi Nosso Senhor Jesus Cristo.
O "Exercício" continua assim por quatro, cinco ou seis páginas, com pontos igualmente substanciosos. Neste ponto, pergunto-me se já não é matéria demais, se não lhes encho um pouco demais a cabeça, dando tantas coisas juntas.
Por que os "Exercícios" contêm tanta matéria? Porque visam persuadir absolutamente. É por causa disso que Santo Inácio dá uma cascata de argumentos, e quer que o retirante beba toda essa cascata. Às vezes não pode beber de um gole só. Um homem do tempo dele fazia disso, e de tudo quanto ainda vem, uma só meditação. Não sei se para nós a taça não é um pouco maior do que a nossa capacidade de engolir. Eu creio bem que sim, e por esta razão dou uma espécie de epílogo, de aplicação prática.
 
   ( Conferência (Santo do Dia), 1° de setembro de 1973 - A seguir, Dr. Plínio faz algumas colocações práticas a seus filhos espirituais, as quais deixamos de transcrever por conter situações peculiares e muito íntimas de seu grupo de amigos)











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