terça-feira, 16 de agosto de 2016

Cluny, a alma da Idade Média

                     


 
Fundada por Guilherme, o Pio, duque da Aquitânia, em 910, numa época em que a Europa estava consolidando o Cristianismo, a abadia beneditina de Cluny, no leste da França, tornou-se o maior e mais esplêndido dos mosteiros europeus do século XI. Cluny  foi a responsável por ampla reforma em toda a Europa.  Sob a direção de uma série de abades brilhantes e devotados, a abadia cresceu em prestígio e se tornou uma das mais influentes instituições da Cristandade.
Os monges de Cluny, muitos dos quais eram aristocratas, viviam sob a observância estrita da regra de São Bento. Os abades de Cluny logo ganharam uma reputação de santidade que ajudou a disseminar sua influência em toda a Europa. Governantes desejosos para reformar casas da Ordem existentes ou fundar novas, pediam que Cluny enviasse monges para supervisionar o processo. Dessa forma, a célula mater criou várias centenas de dependências. Todos seus monges deviam obediência diretamente ao abade de Cluny. Era ele que escolhia os priores, e quem quisesse se tornar membro pleno da Ordem tinha de tomar seus votos diante dele, em Cluny.
Cluny chegou a ter monges transformados em bispos, cardeais, e até papas, e alguns abades foram conselheiros de reis. Em 1077, no Concílio de Roma, o Papa São Gregório VII afirmou: “Entre todas as abadias do além-Alpes, brilha em primeiro lugar e sobre todas a de Cluny” .
São Hugo, abade de Cluny entre 1049 e 1109, aumentou o número de monges de sessenta para trezentos, aumentou as dependências da abadia e construiu a igreja. Iniciada em 1088, a igreja tornou-se a maior do mundo até o ano de 1612, quando foi concluída a Basílica de São Pedro em Roma. 
Fez parte da reforma de São Hugo a construção de novo refeitório. Haviam outros prédios no conjunto, como oficinas, cozinhas, estábulos, dependências de hóspedes, enfermaria e hospedaria para viajantes.

Ora et labora
Segundo relato de um monge chamado Ulrich, de 1083, lá pelas 02:30 da manhã os monges levantavam-se ao som de um sino, vestiam-se à luz de três lamparinas mantidas acesas toda a noite, e desciam para a igreja a fim de cantar as Noturnas. Depois disso voltavam brevemente para a cama, levantando-se de novo para rezar as Vigílias e as Matinas ao amanhecer do dia.
Antes das Matinas lavavam as mãos e os rostos e penteavam os cabelos. Em seguida, seguiam para realizar suas tarefas do dia: portaria, biblioteca, carpintaria, agricultura, etc. Outros se dedicavam apenas às orações e permaneciam na igreja, os quais se encarregavam de tocar o sino para chamar os outros monges, ora para as refeições, ora para as orações costumeiras que faziam em comum no decorrer do dia.

O Capítulo
Era uma reunião diária para tratar de diversos assuntos. O mais importante, porém, era disciplinar os infratores. Todos tinham obrigação de acusar os pecados, de si ou de outro. Aquele que houvesse cometido um pecado venial, era disciplinado com um bastão, proibido de comer com seus irmãos e teria de prostrar-se diante do altar durante os serviços religiosos até que o superior o absolvesse. Se o pecado era mortal, era-lhe acrescida a proibição de entrar na igreja. Após a absolvição, o infrator era disciplinado ainda com o bastão e poderia cumprir penitências de trabalhos humildes, como varrer o chão, lavar os pratos, etc. Quando o infrator era absolvido, recebia ordem de entrar na igreja e admitido na presença de seus irmãos, os quais tinham de se curvar perante ele para evitar que fossem tentados pelo orgulho de achar que não cometeriam os mesmos pecados do infrator.

A igreja
A igreja românica, construída por São Hugo, media 140 metros, da entrada à abside. Suas paredes estavam decoradas com pinturas. O edifício tinha cinco naves laterais, dois transeptos e aproximadamente quinhentas colunas com capitéis esculpidos. Na nave central apareceram – pela primeira vez na Cristandade – arcos ogivais em estilo gótico.
 Dizia-se que a igreja fora idealizada por santos. De acordo com uma crônica, São Pedro, São Paulo e Santo Estêvão tinham revelado o desenho em sonho para um abade chamado Gunzo, que vivia em Cluny. Quando os monges viajavam para outras localidades, eram chamados a opinar sobre as construções das igrejas. E aí sugeriam ou desenhavam o estilo gótico, que se propagou por vários países.
 Os monges passavam muito mais tempo na igreja do que em qualquer outro lugar. Após as Matinas, as Horas Canônicas continuavam com a Prima, a Terça, a Sexta – por volta do meio-dia, a Nona, as Vésperas ao crepúsculo e as Completas, cerca de uma hora depois. Entre esses haviam ofícios adicionais, em particular nos dias de festas; e havia duas missas matinais, durante as quais os monges ficavam de pé o tempo inteiro. A primeira era entre a Prima e o Capítulo e a segunda, a Missa Solene, acontecia usualmente após a Terça.

O refeitório
Foi outro dos muitos prédios reconstruídos por São Hugo. Em geral, os monges encontravam-se ali duas vezes por dia, para o almoço após a Sexta, ao meio-dia, e para a janta após o pôr-do-sol, entre as Vésperas e as Completas; durante a Quaresma, só havia uma única refeição. Depois de lavar as mãos, ocupavam seus lugares entre as seis mesas arrumadas no salão e permaneciam de pé até que o abade assumisse seu lugar na cabeceira.
A refeição era feita em silêncio, enquanto um dos monges lia as Escrituras. A regra de silêncio proibia que os monges pronunciassem qualquer palavra aos domingos. Durante a semana, podiam conversar somente por breves períodos após o Capítulo e antes da Sexta e do almoço.


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