quarta-feira, 3 de agosto de 2022

O PAPEL DE SANTA LÍDIA NA PROPAGAÇÃO DO CRISTIANISMO NA EUROPA

 



Os episódios e comentários a seguir foram extraídos de uma biografia de São Paulo, de autoria do alemão Joseh Holzner:

“Lídia, a comerciante de púrpura de Filipo  (Act 16, 11-15)

Foi um grande dia da história do gênero humano, quando São Paulo e seus três companheiros puseram seus pés pela primeira vez ns Macedônia, em solo europeu. Noutros tempos viveu aqui um valente, são e nobre povo, que pela atrevida empresa de um jovem rei não somente foi célebre no mundo, mas também, no pensamento da Providência, já séculos antes havia de preparar ao Evangelho o caminho sobre a terra. Com uma simplicidade e grandeza admiráveis, disse a Sagrada Escritura no início do Livro dos Macabeus: “E sucedeu que depois que Alexandre da Maceônia derrotou Dario, rei dos persas e medos, tomou por assalto todas as fortalezas, vencendo todos os reis da terra e penetrado até nos últimos termos do orbe, emudeceu o mundo diante dele... Depois caiu enfermo e conheceu que havia de morrer”. (I Mac 1, 1-8). Mesmo os maiores homens, chamados Alexandre ou César, são somente preparadores do caminho e criados de Deus. Eles haveriam de abrir os sulcos em que o divino Semeador pudesse espalhar sua semente. Entre todos os povos da antiguidade os macedônios foram os que mais assemelharam-se aos romanos. Desde o ano 167 antes de Cristo os romanos foram senhores do país e o dividiram em quatro distritos de governo, dos quais os mais importantes foram Tessalônica e Filipos.

Ao longe já se via o templo de Diana da pequena cidade marítima de Neápolis (hoje Kawalla), a qual está situada em forma de teatro sobre um saliente rochedo banhado pelo mar. Um círculo, no pavimento da igreja de São Nicolau assinala hoje o lugar onde São Paulo desembarcou.  Junto à pequena cidade, nossos viajantes, ora pela famosa estrada romana Via Egnacia, ora por um caminho escavado na rocha, subiram ao monte costeiro Pangeo até à altura do desfiladeiro, onde se abriu ante seus olhos uma vista admirável até o norte. Viram sob a planície do vale, rico em fruteiras, na qual se levantava defronte, sobre o último prolongamento da montanha, Filipos com sua acrópole. Era uma paisagem cheia da antiga poesia bucólica. Agora estava ali os mensageiros de uma nova liberdade, os arautos de um novo conquistador do mundo, que sem espada havia feito mais pela liberdade do mundo que todos os campeões da liberdade juntos. O imperador Augusto havia elevado Filipos à categoria de colônia militar romana com direito municipal itálico e isenção de tributos. Os veteranos se julgavam romanos genuínos e haviam levado consigo, com suas divindades romanas, Minerva, Diana, Mercúrio e Hércules, a honradez e conduta romanas. Pela estrada militar romana que atravessava toda Macedônia de leste a oeste e à outra parte do Adriático ia por Brindis até Roma, sentiam-se unidos com a capital do mundo e o Júpiter Capitolino. Desta forma, Filipos veio a ser uma cidade provincial típica romana, uma Roma pequena com foro, teatro, acrópole e muralhas fortificadas. Os cidadãos estavam orgulhosos de sua constituição favorável à liberdade e à maneira dos cônsules elegiam cada ano dois prefeitos ou “arcontes”, chamados também pelo povo de “estrategas”. Quando estes iam ao foro para pronunciar sentença, precediam-lhes como em Roma dois litores.

Mas em meio a estes romanos viviam ainda os descendentes dos nativos da Macedônia e Trácia que o rei Filipo havia estabelecido aqui noutro tempo para cavar em busca de ouro no Pangeo. Eram todavia intratáveis. Os homens, ásperos, soberbos e teimosos; as mulheres, livres e ansiosas por independência, falavam retamente sobre política e tinham parte nas eleições e turbulências políticas. Se aqui as mulheres se faziam cristãs, podiam exercer grande influência.  Sobretudo as almas das mulheres, tão sensíveis para o celestial, facilmente se lhes comunicava fervor religioso, porque estavam em parte imbuídas em doutrinas orientais misteriosas com seus hinos sublimes e ideias de imortalidade. São Paulo encontrou aqui, sobretudo entre as mulheres, adeptos entusiastas. Filipos prometia ser um proveitoso campo de missão.

Nos dias seguintes indagaram as perspectivas e pontos de contato para a pregação do Evangelho. Assim chegou o sábado. Viviam poucos judeus em Filipos. Não havia nenhuma sinagoga, porque faltava o número dos escribas requeridos segundo a lei rabínica para formar um tribunal. Mas, se não conseguiram possuir uma sinagoga pelo menos havia de ter um lugar fechado, rodeado de um muro ou cercado de sebe como lugar de oração. Os rabinos sabiam que o povo sem o exercício público de religião logo haviam de cair na indiferença ou no ateísmo. São Lucas teve conhecimento de dito lugar, e conduziu seus compatriotas para a porta da cidade, ao longo do curso do rio Gangas. Ali viram logo o lugar rodeado de uma parede baixa de jardim. Com admiração sua encontraram dentro do cercado somente algumas mulheres, parte judias, parte gentias tementes a Deus, que rezavam suas devoções da manhã. Majestosamente ao fundo o Pangeo alçava seu cume nevado e ao lado o arroio murmurava sua melodia. Estas mulheres não sabiam muito seguramente, mas tinham um vivo interesse religioso; e àquele que tem isso Deus o leva mais adiante. Aqui ante estas mulheres conseguiu São Paulo dar livre curso a seu coração. Poucas vezes terá tido um público tão agradecido. Neste grupo de mulheres causa maravilha ver a uma senhora bem vestida, especialmente interessada no que toca a religião, a qual não era de Filipos, mas uma piedosa pagã vinda de Tiatira, na Lídia. Por isso era chamada de Lídia. Era uma rica comerciante, que, sem dúvida, depois da morte de seu esposo, do qual nada sabemos, continuou na cidade seu negócio com telas de púrpura. Sua pátria, Tiatira, era conhecida desde os tempos de Homero (Ilíada 4, 141) pelo comércio de púrpura. A púrpura era um tecido precioso e o comércio com ele exigia grande capital. Lídia era uma daquelas almas cristãs por natureza, que, logo ao ouvir falar de Jesus, o reconhecem ao ponto como o caminho, a verdade e a vida. É uma representação encantadora saber que a este ato religioso da manhã assistiram também, além de Lídia, Evodia e Sintique, que mais tarde rivalizaram entre si, e às quais São Paulo em sua carta aos filipenses exortou tão afetuosamente à paz. Assim, pois, temos já várias pessoas conhecidas nesta cidade.

Temos de ser muito reconhecidos a São Lucas pela formosa palavra com que introduz a conversação de Lídia, e que nos descobre sua compreensão do coração da mulher e da obra da graça: “O Senhor lhe abriu o coração para que escutasse atentamente as palavras de São Paulo”. Era uma mulher prudente e refletida. Uma hábil mulher de negócios analisa tudo detalhadamente. Mas aqui não há para ela nenhuma demora. Com extraordinária rapidez se resolve receber o batismo. Talvez tenha sido no mesmo dia, na noite de sábado para o domingo, quando São Paulo e seus companheiros com as mulheres recém convertidas desceram o sussurrante Gangas, onde se efetuou a solenidade do batismo. A resoluta comerciante Lídia, com seu jeito enérgico e vigoroso voz de dona de casa, logo também dispôs que todos seus criados recebessem o batismo. Mais ainda, dada sua energia é de suspeitar que não somente em Filipos, mas também em sua terra Tiatira foi uma apóstola de Cristo, e teve parte no louvor que São João no Apocalipse escreve por ordem de Jesus ao anjo da comunidade de Tiatira: “Conheço tuas obras, tua caridade, tua fé, teus serviços e tua paciência” (Apoc 2, 19).

Sua segunda ação como cristã foi convidar todos os missionários a deixar seu albergue e alojar-se em sua espaçosa casa de comércio: “Se me tendes por fiel ao Senhor”, disse. Isto estava cordialmente falado. Lídia tinha realmente boas razões: Sua casa era o único lugar adequado para as reuniões de culto da futura comunidade cristã. O que também seu pundonor cristão, sua necessidade material,  sua ambição feminina encontrassem certa satisfação em abrigar a primeira igreja cristã e favorecer os missionários, quem poderia vituperá-la por isso? “Assim nos obrigou!”, acrescenta São Lucas, risonho. Era uma honra para Lídia que São Paulo aceitasse o convite. Ela foi uma coluna para a igreja apostólica, uma amiga maternal do Apóstolo, de todos os mensageiros da fé e da recente comunidade. Quando São Paulo escreve depois : “Vós o sabeis, filipenses meus: quando comecei a pregar o Evangelho entre vós, e depois saí da Macedônia, nenhuma comunidade entrou comigo numa relação do mútuo dar e recebe senão somente a vossa... Também à Tessalônica me haveis enviado mais de uma vez algo para socorrer minha necessidade” (Filipenses 4, 15-16), sem dúvida muitas destas dádivas passaram pelas mãos de Lídia.

Quem haveria de pensar que o Evangelho faria sua entrada na Europa tão calada e ocultamente? Não solenemente como no Areópago ante os filósofos, não dramaticamente como em Chipre ante o homem de Estado, mas em forma de idílio como uma manhã de verão fresca pelo rocio ou como uma deliciosa aurora no Oriente. Estes suaves e contudo vigorosos tons de sentimento introduziu a mulher no Evangelho já no tempo de Jesus. E em Filipos continua ecoando. Quando o Evangelho veio para a Europa, chegou primeiramente para as mulheres, porque os homens não estava presentes, como também entre os samaritanos foi uma mulher a que Jesus iniciou no mistério do reino de Deus. As mulheres foram as últimas ao pé da cruz, na sepultura, assim as primeiras junto ao sepulcro vazio. Nas tristes histórias de hipocrisias, ódios, perseguições, injúrias, deserções e covardes fugas não encontramos no Evangelho mulher alguma. Os homens, como mensageiros da fé,e missionários e defensores dos interesses religiosos estão, na verdade, mais na luz do reverbero; porém, onde estaria a Europa cristã sem a mulher cristã em casa como mãe, esposa, irmã, como auxiliadora virginal-maternal da miséria de todas as classes? São Paulo teve para este lado da feminilidade uma profunda compreensão e foi o primeiro em empregar a mulher ativamente na missão. Ele aprecia a mulher dotada de gênio, como Priscila que instrui ao douto Apolo. Em qualquer de suas cartas dispensa saudações e reconhecimento para as mulheres. Reconhece os serviços de Cloe em Corinto, de Febe em Cencreas, a quem confia sua carta aos romanos, e o ser pequena mulher a mãe Rufo que foi também para ele uma mãe. Quando escreve ao rico comerciante Filemon não esquece de saudar sua esposa Apfia. Aprecia especialmente o trabalho da mulher de família e a educação dos filhos, pela qual a mulher adquire o céu; aprecia as filhas virgens de Filipe de Cesarea, dotadas de profecia; seu cuidado se dirige também às boas viúvas, que se destacavam no campo da caridade e por isso eram mantidas pela comunidade (I Tim 5, 3-16). Como profundo conhecedor do gênero humano tem uma olhada para todos os bons lados do caráter feminino. As nobres mulheres de Filipos como santas figuras estão às portas da Europa, como se quisessem recordar a todas suas irmãs desta parte do mundo que as mulheres da Europa têm na Igreja cristã um santo destino, de ser sacerdotisas, às quais se confiou em primeiro lugar o sagrado fogo que fez feliz e grande a nossa parte do mundo.

Mas tampouco devemos esquecer àqueles nobres varões, como Epafrodito, a quem São Paulo chama seu “companheiro de armas, co-militante e colaborador”, que visita o Apóstolo preso em Roma e lhe traz presentes. Também Clemente e Sicigo (se realmente esta última palavra é um nobre mesmo) e muitos outros.estão ao lado daquelas mulheres, e em verdade com tal constância que São Paulo sabe estar escritos seus nomes no livro da vida (Fil. 4, 3)

Nenhuma comunidade foi tão amada por São Paulo como Filipos. Ela foi em solo europeu seu primeiro amor, “seu gozo e sua coroa” (Fil. 4, 1). “Deus é testemunho de como os amo a todos vós do fundo do coração” (Fil. 1, 8).

 (“San Pablo – Heraldo de Cristo” – de Josef Holzner – Editorial Herder, Barcelona, 1956 – págs. 180/185)

Reportamo-nos à nossa postagem a seguir com maiores detalhes sobre a vida de Santa Lídia:

https://quodlibeta.blogspot.com/2017/08/santa-lidia-e-expansao-do-cristianismo.html

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