quinta-feira, 7 de abril de 2022

SÃO JOÃO BATISTA DE LA SALLE

 



Temos uma ficha para hoje sobre São João Batista de la Salle, cujos dados biográficos são tirados do livro “Saints de France”, de Henri Pourrat:

“São João Batista nasceu em Reims, em 1651, de uma família de magistrados. Menino ainda, em meio a uma festa, sentiu uma náusea profunda de tudo quanto o rodeava. Dirigiu-se a uma prima, que só conseguiu consolá-lo, lendo uma vida dos Santos. Com 17 anos, tornou-se cônego, colocando-se sob a direção de M. Troçont, conhecido como excelente diretor espiritual. Perdendo seus pais, precisou cuidar de seus irmãos.

“Nessa época, em Rouen, uma senhora fundara uma escola gratuita para meninos órfãos. Em Reims, quiseram imitar esse exemplo, mas para os meninos. M. Nille, encarregado de iniciar as suas funções em Reims, foi hospedado por São João Batista que escreveu então: “Se eu soubesse que os cuidados, a simples caridade que eu tomava para com os mestres de escola, transformar-se-iam no dever de morar com eles, eu os teria abandonado. Porque como eu os colocava abaixo de meus criados, as pessoas que trabalhavam em escolas, o único pensamento de que seria obrigado, a viver com eles, me pareceria insuportáve”l.

“E assim começou a missão de São João Batista. A organização do ensino primário católico gratuito, e os irmãos das escolas cristãs. E com isso, seus sofrimentos. Sua cidade natal, seus parentes, puseram-se contra ele.

“Escrevendo suas regras para seus irmãos, quis que vivessem confiados na Providência. Seus companheiros murmuraram que isso era fácil para ele, cônego. Abandonou então a sua posição e distribuiu seus bens. Os discípulos murmuraram agora ser crime distribuir bens senão entre eles mesmos. Organizado o Instituto e as escolas, começaram as perseguições dos mestres-leigos. Seu hábito simples, mereceu-lhe vaias na rua, e que lhe lançassem lama no rosto.

“Mais tarde, difundindo a comunhão frequente, e recebendo cheio de alegria e submissão a bula "Unigenitus", João Batista é atacado pelos jansenistas, e abandonado pelos próprios irmãos. Idoso e alquebrado por suas austeridades, em 1717, la Salle pensa em descansar no noviciado de Saint Ior, mas o padre que o serve em suas doenças, o maltrata. E dois dias antes de sua morte, em suas querelas religiosas, o arcebispo de Rouen, tira-lhe todos os poderes, como a um padre indigno.

‘Espere - diz João Batista com um sorriso - que logo serei libertado do Egito, para ser introduzido na verdadeira terra prometida dos eleitos’. E ele conseguiu isso, na Sexta-Feira Santa, de 1719.”

Vida bonita, mas unilateral

Esta vida é uma vida muito bonita de um lado, mas por outro é unilateral, pois ela apresenta apenas o “rio chinês”, as dificuldades e não mostra como o “rio chinês” chegou ao mar, ou seja, como os caminhos da Providência acabaram por se dar.

A realidade das coisas põe-se nos seguintes termos: na época em que este Santo viveu, em virtude das guerras de religião, que foram muito profundas na França, entre protestantes e católicos, e que desorganizaram a estrutura eclesiástica da Igreja Católica, de um lado. Depois, havia o fato de que estavam se reintroduzindo no clero francês um grande relaxamento de costumes e de empenho apostólico.

Acontece que o apostolado junto aos mais ricos era muito procurado pelo clero. Ou seja, junto aos nobres, às pessoas importantes da corte, aos magistrados, enfim, a quem - a qualquer título - tivesse uma situação social. Mas desdenhava-se muito o apostolado junto aos pobres e, sobretudo, dentre os pobres, junto aos meninos.

Compreende-se esta orientação completamente errada. Uma vez que se tratava de uma sociedade fortemente hierárquica, as maiores vantagens só podiam provir do convívio com as pessoas mais importantes. E então Padres sem zelo, relaxados, procuravam os penitentes que lhes pudessem trazer vantagens, ou relações que lhes pudessem trazer vantagens, e desprezavam o povinho.

O resultado é que uma quantidade enorme de crianças do povo se formavam sem ter ensino religioso. Havia mestres de escolas, mas eram de escolas leigas e assim uma multidão de elementos da França nova, que vinham nascendo, as gerações novas ficavam completamente paganizadas.

Hoje em dia, o clero novamente caindo na decadência, procura não os ricos mas os soprados pela demagogia

Era uma situação, até certo ponto, diametralmente oposta à de hoje. Os senhores vêem o clero infelizmente caindo de novo no relaxamento, bajular os grandes do dia. Mas acontece que estes últimos já não são mais os ricos, muito menos ainda o são os nobres, também não são os intelectuais. Os grandes do dia são os homens soprados pela demagogia, quer dizer, são os chefes populares, os líderes operários, os elementos que dirigem sindicatos etc., e com os quais parece estar o poder no dia de amanhã. São os meios esquerdistas bafejados pela imprensa e que proporcionam uma publicidade lisonjeira às pessoas que os apóiam.

E então os senhores vêem mais uma vez o clero, como disse antes, caindo em decadência, e, pois, anti-hierárquico, anti-aristocrático, desdenhando os intelectuais e procurando os revolucionários.

Mas naquele tempo em que a Revolução não tinha destruído a ordem de coisas como veio a fazer, o clero relaxado por análogas razões, desdenhava os pequenos e procurava os que então eram grandes. Mas numa ou noutra situação, a constante é a mesma: o clero relaxado procurando os grandes.

Segue uma orientação diversa do clero decadente e vai procurar os que estão sendo abandonados

Acontece que São João Batista de la Salle, que era de uma família entre burguesia e nobre, portanto sem ser uma grande família, era de certa categoria, além do que era cônego, e todos os cônegos naquela época tinham rendas. Assim sendo, ele que podia seguir o movimento geral e candidatar-se para frequentar meios mais altos que os dele, para fazer carreira, eventualmente ficar bispo, talvez cardeal, São João Batista de la Salle segue uma orientação diversa.

Como pessoa modelar que era, abnegado, desinteressado dos bens desse mundo, vai à busca dos que estão sendo abandonados. Em nossa época, ele procuraria quem a Revolução desdenha, portanto a classe oposta daquela que procurou naquele tempo. E constituiu uma Congregação Religiosa de irmãos leigos, especialmente destinados a ensinar a religião para as crianças.

Vantagens do apostolado feito com crianças

Os senhores me dirão: "Mas Dr. Plínio, esse apostolado de ensinar Religião para crianças, não é um apostolado muito “mocorongo”, de último nível? Um apostolado com criancinhas em que todos levantam, cantam uma coisinha, sentam e depois vem o bê-á-bá? Vale a pena um homem de maior vôo, de inteligência maior consagrar toda a sua vida a este tipo de apostolado?"

Respondo da seguinte maneira: temos de distinguir. Em nossos dias, uma pessoa com vocação para o apostolado católico e contra-revolucionário da TFP, é chamada para algo de muito mais alto e de muito mais eficiente do que apostolado junto a crianças de grupo primário, evidentemente.

Não obstante isto, fazer apostolado em grupo primário, em si - não tomando a comparação com a TFP - se faz uma coisa muito boa. Porque qualquer apostolado é uma grande coisa. Qualquer alma, do último meninote de escola, foi remida pelo sangue infinitamente precioso de Cristo, quem somos nós para julgar pouco fazer bem para esta alma? Qualquer atividade apostólica, em si, é digníssima, é esplêndida, é digna de toda a veneração.

De maneira que entre um homem passar a vida procurando defender exclusivamente os seus interesses e não fazer apostolado, ou ele fazer apostolado - ainda que seja o modesto apostolado com crianças para ensinar catecismo - de algum modo, trabalhou pelo Reino de Deus, salvou almas. Fez, portanto, muito melhor porque trabalhou para a eternidade, do que se tivesse meramente acumulado fortuna, honras desse mundo, que são coisas que os vermes da terra hão de comer. Quando morrermos, não levaremos nem nossas honrarias, nem nossas fortunas; levamos nossas boas obras. Ensinar crianças, é uma muito boa obra!

Mas acontece uma outra coisa sobretudo que devemos observar: São João Batista de la Salle, não era um desses professorezinhos de Religião que se vê lecionar por aí, com um ensino “mocorongo” de Catecismo. Ou seja, um ensino tal que as crianças papagaiam o Catecismo, mas este absolutamente não lhes entrou na alma e não lhes marcou um rumo para a vida inteira, sendo que há meios de lecionar o Catecismo em nível primário, de maneira que isto não ocorra.

Para estudar a vida de um Santo, deve-se conhecer sua mentalidade, suas intenções, para se conhecer o verdadeiro alcance da obra que fundou

Há na vida de São João Batista de la Salle, como de grandes outros Santos catequistas, pessoas em grande quantidade que permaneceram católicas por toda a vida graças a um ensino de Catecismo bem dado. Quer dizer, não devemos imaginar que ele desse aulinhas de Catecismo...

Suscitou vocações de homens que deixavam o mundo para se consagrarem exclusivamente ao ensino do Catecismo

Devemos imaginar algo que nós não vimos - pelo menos eu não vi, e tenho razões sérias, sólidas e robustas para imaginar que os senhores também não viram -, ou seja um ensino ministrado com toda a atenção, o recolhimento, a influência que a aula de um Catecismo dada por um Santo tem...

Acresce ainda que ele fez coisa muito melhor: não só deu aulas de Catecismo, mas fundou uma Congregação Religiosa inteira! Quer dizer, ele suscitou - no sentido humano da palavra - vocações de homens que deixavam o mundo para se consagrarem exclusivamente ao ensino do Catecismo. E, para simplificar - a terminologia canônica não é muito correta - ele fundou uma Ordem Religiosa, especialmente destinada ao ensino do Catecismo.

Os senhores estão vendo, portanto, que são centenas, milhares de pessoas, que ao longo de séculos, passaram ensinando o Catecismo. Se essas pessoas tivessem sido fiéis à orientação dele até nossos dias, só sua Congregação - e que se estendeu por inúmeros países, que ainda existe e é uma das pujantes da Igreja Católica - já seria um baluarte de Contra-Revolução admirável.

Uma vez que estamos estudando a vida de um Santo, devemos conhecer sua mentalidade. E para tal devemos conhecer sua intenção, o que é possível conhecendo o verdadeiro alcance da obra que ele fundou. E é por causa disso, que eu estou me empenhando em mostrar, que realmente, S. João Batista de la Salle teve em vista uma obra de grande elevação.

Não seria talvez a obra mais indispensável a ser realizada, a obra mais necessária, mas é uma obra necessária; não seria talvez a mais necessária, mas necessária porque é preciso que haja quem dê o Catecismo para as crianças, de um lado.

Nem todo o mundo foi chamado por Deus para fazer as mais altas obras

De outro lado, nem todo o mundo foi chamado por Deus para fazer as mais altas obras. Também nas vocações dadas por Deus, há uma hierarquia. E é excelente que uma pessoa que não tenha sido chamada para o mais alto, faça de um modo altíssimo aquilo a que foi chamada, e foi exatamente essa bonita realização de São João Batista de la Salle.

Os senhores vêem que ele teve êxito nisto. Sua Congregação se estende por toda a Terra e, durante muitos séculos, fez muito bem. Quer dizer, esta é a linha mestra de seu apostolado. É um homem chamado, que se esforçou e realizou aquilo para o que foi chamado. Esta é a linha mestra.

Em torno disto que é reto e claro, e de um traçado límpido como é um canal, se estabelece o ziguezague do “rio chinês”.

Então, os senhores têm todas essas dificuldades, que sua ficha biográfica menciona, e que ele teve para de fato reunir sua Congregação.

Aí é que os senhores vêem, na sua verdadeira perspectiva, sua vida e a obra por ele realizada. Os senhores compreendem, então, como é belo, ter tido de lutar com tantas dificuldades, incompreensões, das quais certamente as mais dolorosas, foram as que teve entre os seus, quer dizer, os que foram chamados para trabalharem consigo. Parece não ter sido uma turma acomodatícia... Os senhores viram que primeiro ele queria que o pessoal todo vivesse com muita pobreza, confiados só à Providência, sem ter capitais... e o pessoal resmungou: "Você é cônego, tem bom ordenado, é fácil confiar na Providência quando tem todos os meses uma diocese que paga um dinheiro para você; nós, coitados, onde está o nosso dinheiro? Nós queremos patrimônio!"

Ele vai e renuncia ao patrimônio:

– Está aí, eu estou pobre como vocês.

– Que loucura, vai pôr fora esse dinheiro; era só o que nós tínhamos, por pouco que fosse ainda dividia conosco...

Quer dizer, era um pessoal que não estava compreendendo grande coisa do que ele estava querendo fazer.

 

É próprio das vidas dos Santos mal escritas que não contam os aspectos mais interessantes

Como é que chegou a se esclarecer esse conjunto de pessoas e como nessa turma rebarbativa – e, se se pudesse dizer isto, inóspita, no sentido de dizer que no meio deles não devia ser agradável estar... - clareou o zelo, limpou os horizontes e depois se tornou à altura do santo, isto exatamente a ficha não diz...

Porque é próprio da vida dos Santos mal escritas, que elas não contam os pontos interessantes. Como foi alcançada esta grande vitória interna, a ficha não o diz.

A gente vê que isso lhe custou muito. Porque como os senhores perceberam, ele tinha um sumo desprezo pelos professores primários. Ele dizia que achava o ofício de professor primário, uma coisa tão inferior, que preferia ser criado da casa dele mesmo, do que ser professor primário...

Vem a Providência e o chama: "Meu filho, eu o convido para professor primário"...

"Está bem, eu vou deixar esta gente toda, vou viver no meio dos professores primários"...

Reúne os professores primários, uma companhia que deveria ser pelo visto – aliás, eu não participo desse desprezo pelos professores primários como os senhores viram há pouco – desagradável para ele; digamos uma palavra muito forte, mas talvez verdadeira para o caso, nauseá-lo. Ele podia esperar ali, entre professores primários, de ser bem tratado, porque era o único que era mais que os professores primários. Qual o quê?! Entra na surra! Incompreensões, vistas limitadas, estupidez etc.

Nossa Senhora quis que São João Batista de la Salle com seu sangue regasse a semente que tinha sido incumbido de plantar e de fazer vicejar

De outro lado, os senhores viram bem... que ele manuseou o trabalho que costumamos conhecer: "Não, onde é que se viu! Você, tão inteligente, vai entrar para essa história e coisa e tal...".

Ele adota um hábito muito simples para indicar a modéstia da profissão e das condições. Qual o resultado de sua atitude?

Na rua, as pessoas chegam a jogar lama nele. Volta-se para o clero e este o maltrata de todos os modos. Mas a obra indo para a frente... Eis aí o ponto interessante.

Nossa Senhora quis que ele sofresse essas coisas todas para, com os méritos de seus sofrimentos, com seu sangue portanto, regar a semente que ele tinha sido incumbido de plantar e fazê-la vicejar.

Esta é uma regra à qual não escapa, meus caros, nenhuma forma de apostolado!

O verdadeiro apóstolo ou sofre pela obra que deseja realizar, mas mete sangue e dá a alma dentro disso... Coisa muito pior do que sangue do corpo, muito pior, um verdadeiro apóstolo ou mete sangue da alma e sofre por aquilo que ele quer realizar ou ele absolutamente não é apóstolo.

Todo apóstolo tem que ter sofrimentos. E um dos sofrimentos mais pungentes é a gente se sentir, de um lado, chamado para realizar uma vocação; e de outro perceber as ondas contrárias que parecem tornar sem sentido o chamado que se recebeu. Esta coação ou esta coarctação da vocação, este enfrentar obstáculos que parecem opor-se à via do Espírito Santo, isto é uma das dilacerações mais penosas que uma alma pode sofrer.

De maneira que São João Batista de la Salle agiu como verdadeiro homem de Deus, aguentando todas essas coisas. Afinal de contas, a morte o libertou de tudo isto e ele encontrou a sua coroa no Paraíso.

Por que razão eu insisti de um modo especial a respeito desta vida de Santo?

Os senhores poderão me dizer que é uma vida de um Santo bem diferente da vida que caracteriza um membro da TFP. E que, debaixo deste ponto de vista, talvez não valesse a pena desenvolver tanto essa biografia.

Mas foi intencionalmente que eu a desenvolvi. Porque eu não quisera jamais que - por mais chamada, por mais perdoada e por mais abençoada que seja a TFP - nossas vistas fossem tão estreitas que não víssemos a Igreja a não ser dentro da TFP!

A Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana - instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo, direta e pessoalmente por Ele - é infinitamente maior do que a TFP. E o valor da TFP é de ser um grãozinho cheio de suco da Santa Igreja.

Mas o bom, o santo, o verdadeiro está na Igreja. E é da Igreja que vem a TFP, que é um corpúsculo da Igreja. Da Igreja vem à TFP a seiva, a vitalidade, a santidade que torna a TFP estimável.

Então, o bom membro da TFP, que deve ser uma pessoa penetrada até o fundo de sua alma, de intelecção, de compreensão nesse sentido superior da palavra, de amor, de veneração, de ternura, para com a Igreja Católica verdadeira, eterna. E deve ter uma compreensão admirativa por tudo aquilo que fizeram os Santos por mais que suas atividades e suas vidas tenham sido diferentes das da TFP, porque é só a gente tendo essa compreensão e a gente percebe tudo isto que tesouro é; é só assim que a gente compreende o que é a TFP.


 (Plínio Corrêa de Oliveira – Santo do Dia, 15 de maio de 1971 – Extraído de  “São João Batista de la Salle e os esplendores da Santa Igreja Católica” -
https://www.pliniocorreadeoliveira.info/DIS_SD_710515_Sao_Joao_Batista_de_la_Salle.htm#.Yk9W4fnMK1s )

 


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