quinta-feira, 28 de novembro de 2019

A BONDADE DA BENQUERENÇA BENFAZEJA






- BONDADE: a busca da  perfeição cristã ou da santidade;
- BENQUERENÇA: o exercício do bem querer, do desejo de amar ao próximo por amor a Deus;
- BENFAZEJA ; fazer o bem, isto é, agir conforme aquilo que desejou.

Definições

1.            BONDADE:
Segundo a filosofia tomista a Bondade reflete a perfeição de cada coisa.  Neste sentido ela não seria bem uma qualidade, mas o reflexo de todas as qualidades em conjunto. Seria a ação conjunta de todas as boas qualidades de uma pessoa. São Tomás de Aquino diz que, embora o ente seja bom em si mesmo, ele o é por participação na Bondade divina, a origem de todas as bondades. “Com efeito, a bondade de qualquer coisa é a sua perfeição” [1]
Daí não haver nenhum tipo de bondade no homem que não seja por participação, haja vista que somente Deus é a Bondade por excelência. Bom só Deus. O homem pode participar da Bondade enquanto tal através da Graça, que é a participação na vida divina. A Bondade do homem é fazer-se perfeito. Ora, perfeito só Deus. No entanto, Nosso Senhor Jesus Cristo disse: “Sede perfeito como o meu Pai que está no céu”.

Conceito revolucionário - No entanto, a Revolução[2] procurou explicitar um conceito contrário, onde o homem poderia atingir a plenitude, a perfeição, portanto a Bondade completa, sem a participação de Deus.  A definição filosófica desta “bondade” natural só foi explicitada completamente no século XVIII. Consiste ela em admitir que o homem só vai atingir a plenitude de seu ser, portanto tornar-se perfeito,  guiando-se por seus instintos e vivendo conforme a natureza que o circunda.

O que é a “bondade natural”
Rousseau imagina que houve uma época na humanidade em que se vivia num estado natural perfeito, o “estado da natureza” conforme define. Adão e Eva, quando viviam no Paraíso, só viviam neste “estado” antes de receber de Deus as luzes e os preceitos.  Foram os preceitos que lhes tiraram a liberdade...  Neste imaginado período, o homem seguia apenas os ditames da Natureza e não a leis “impostas” por Deus. O pretenso “filósofo” nem põe em questão que a Natureza existente no Paraíso terrestre era diferente da que nos circunda atualmente.
A “Bondade Natural” consistiria, segundo ele, em viver segundo a natureza que nos cerca, copiando-a, domando-a ou assemelhando-se a ela, fazendo tudo o que ela nos ensina de uma maneira “natural”. Assim, o homem pode ser bravo como um tigre, mas também manso como um cordeiro, conforme imite “naturalmente” a um ou a outro animal. 
Desta forma, o homem vivia no paraíso num “estado natural”, com a plena perfeição de seu ser, o qual foi desvirtuado a partir do momento em que Deus disse: “não podereis comer do fruto proibido”. As normas, as regras, a lei, veio para tirar o homem de seu estado de “perfeição” natural. Tirando-lhe a liberdade e também o “direito” de ser igual, Deus teria implantado a desigualdade no ser humano. A conclusão desta teoria foi que descambou na famosa trilogia da Revolução Francesa (liberdade, igualdade, fraternidade), pois livre e igual o homem deveria viver numa copiosa e intensa fraternidade.

Exemplo da prática de “bondade” natural


São Luís Grignion de Montfort define o possuidor de tal “bondade” como aquele que é “sábio segundo o mundo”:
“Sábio segundo o mundo é quem sabe desenvolver-se em seus negócios e consegue tirar vantagem de tudo, sem dar a  impressão de buscá-la; quem domina a arte de fingir e enganar astutamente, sem que ninguém se dê conta; quem conhece perfeitamente os gostos e delicadezas do mundo; quem sabe amoldar-se a todos para conseguir seus propósitos, sem preocupar-se nem pouco nem muito com a honra e a glória de Deus; quem harmoniza secreta porém funestamente a verdade com a mentira, o Evangelho com o mundo, a virtude com o pecado e Jesus Cristo com Belial; quem deseja passar por honesto, porém não por devoto; quem despreza, interpreta torcidamente ou condena com facilidade as práticas piedosas que não se acomodem às suas.  Finalmente, sábio segundo o mundo é quem, guiando-se somente pela luz dos sentidos e da razão humana, trata unicamente de salvar as aparências de cristão e homem de bem, sem preocupar-se o mínimo possível de agradar a Deus e expiar, pela penitência, os pecados cometidos contra a divina Majestade”[3]

Discorrendo sobre outros conceitos de Bondade

Vez por outra o Dr. Plínio Corrêa de Oliveira dissertava sobre o tema da Bondade, como o fez ao escrever artigo para o "Legionário":
"Ocupa lugar de destaque nessa triste galeria de verdades diminuídas, de virtudes amesquinhadas, de sofismas interiores mais ou menos conscientes e mais ou menos covardes, a noção que habitualmente se tem de "bondade".
Segundo a opinião corrente, o que é uma pessoa boa? Esse conceito é eminentemente variável. O que se exige de uma boa senhora não se exige de um bom ancião; o que se exige de uma boa criança não se exige de um bom moço. A moral, para a grande maioria de nossos contemporâneos, varia quase completamente segundo a situação de cada qual, e, não raras vezes, o que em uma pessoa, em uma senhora, por exemplo, seria tido como imperativo preceito de moral, em um moço parecerá ridículo e desprezível defeito. A bondade, pois, segundo esses censuráveis conceitos, varia conforme o sexo e a idade. Vejamos rapidamente alguns perfis de pessoas habitualmente tidas por "muito e muito boas”.
Antes de tudo, o conceito de "bom rapaz".  Não há, talvez, expressão de que tão freqüentemente se abuse. Verificando-se a que série incontável de indivíduos ela é dada, fazendo-se o levantamento dos defeitos que um rapaz pode ter, sem por isto deixar de ser "bom" segundo a opinião corrente, vê-se de imediato que, desde que ele não tenha matado, ferido ou espancado gravemente alguém, desde que não tenha roubado pelo processo do arrombamento, desde que não tome tóxicos, é qualificado de bom. Pode esse rapaz esbanjar criminosamente  sua mocidade arrastando-a pelos mais miseráveis antros da cidade, são... rapaziadas. Pode ele ter os vícios os mais lamentáveis, como por exemplo do jogo: se ele ainda não perdeu a fortuna na roleta, ou a embriaguez ainda não lhe arruinou a saúde, tudo isto não passará de aprazíveis "rapaziadas". Pode ele, ainda, praticar as mais censuráveis leviandades no terreno sentimental, como seja de alimentar esperanças e provocar decepções, movido apenas pela vaidade e pelo capricho; tudo isto será muito engraçado, terá seu "inegável pitoresco", será típico de um jovem que não queira passar por inteiramente desinteressante.
Evidentemente, segundo essas abomináveis regras de moral, há restrições a estabelecer. Um moço que contraia imprudentemente um noivado com o intuito de jamais cumprir sua promessa de casamento fará uma coisa muito engraçada. Mas se a vítima da aventura, em vez de ser uma pessoa estranha aos adeptos dessa singular moral, for pelo contrário uma filha, uma irmã, uma parente, tudo isso passará a ser qualificado infalivelmente de genuína crapulice. Um moço que, a título de "rapaziada", arme um "rolo", fará algo de muito divertido.  Mas se, durante o "rolo" ferir alguém gravemente, o que em qualquer "rolo" pode suceder, e com isto andar às voltas com a polícia, deixará de ser tido como um "bom rapaz" para ser um "indivíduo que até tem ficha na polícia".  Em última análise, tudo isto reverte em uma adoração do êxito. Tudo aquilo que não teve mau êxito será desculpável, por pior que seja. Tudo aquilo que tem mau êxito será censurável. Tudo o que não fere os interesses pessoais é jocoso e interessante. Tudo o que os fira será censurável e digno de condenação.
Essa moral tem, evidentemente, também sob outros pontos de vista, suas contradições. Um comerciante, ferido às vezes por circunstâncias imprevistas e invencíveis, pede falência: foi um homem que não pôde cumprir a palavra dada aos credores, e, por isto, em torno dele se estabelece um ambiente de reprovação.
Um homem vai ao altar, jura manter uma fidelidade plena a sua esposa, sabe perfeitamente que não obteria o consentimento desta para o casamento se ela soubesse que tal juramente não é sincero, e, tudo isto ponderado, casa-se. Depois, rompe o compromisso assumido, e isto por um ato libérrimo de sua vontade. Mas contra esse só existe a reprovação dos parentes de sua esposa, os quais acham muito natural que outros façam o mesmo com pessoas que lhes são perfeitamente estranhas.
Na moral comercial, presenciam-se aberrações do mesmo jaez. Um indivíduo pode impunemente ocultar os defeitos da mercadoria por ele fornecida, elevar desmesuradamente ou abaixar injustamente os preços, armas "trusts" e lançar ao desemprego centenas ou milhares de empregados: tudo isto é lícito. Mas ai dele se roubasse um cigarro ou um charuto em casa de algum amigo!
E assim por diante, vê-se como a moral mundana é inteiramente vã, representando apenas a sobrevivência de alguns vagos princípios de moral católica.
Em ocasião passada, vimos o que se deve pensar do "carola". Por mais que esse tipo seja risível, como não o achar admirável em comparação dos sacripantas que tão freqüentemente o mundo canoniza como "bons"? [4]

Em outra oportunidade, escreveu o seguinte artigo para o mensário “Catolicismo” (edição n.34, de outubro de 1953):

“Uma deformação romântica da caridade: “o bom coração”.
Odiar é pecado? Sim, não? Por que? Se alguém se encarregasse de fazer entre os nossos católicos um inquérito a este respeito, recolheria respostas muito curiosas, revelando em geral uma pavorosa confusão de idéias, um ilogismo fundamental.
Para muita gente, ainda intoxicada por restos do romantismo herdado do século XIX, o ódio não é apenas um pecado, mas o pecado por excelência. A definição romântica do homem mau é o que tem ódio no coração. A contrário sensu, a virtude por excelência é a bondade, e por isto todos os pecados têm sua atenuante se cometidos por uma pessoa de "bom coração". É freqüente ouvirem-se frases como esta: "pobre X, teve a fraqueza de se ‘casar’ no Uruguai, mas no fundo é muito boa pessoa, tem ótimo coração". Ou então: "pobre Y, deixou roubar em sua repartição, mas foi por excesso de bondade: ele não sabe dizer não, a ninguém".
O que vem a ser "um bom coração"? Evidentemente, começa por não ser um coração propriamente dito, mas um estado de espírito. Tem "bom coração" quem experimenta em si, muito vivamente, o que sofrem os outros. E que, por isto mesmo, nunca faz sofrer a ninguém. É por "bom coração" que uma pessoa pode deixar sistematicamente impunes as más ações de seus filhos, permitir que a anarquia invada a aula em que leciona, ou os operários que dirige. Uma reprimenda faria sofrer, e a isto não se resolve o homem de "bom coração", que sofre ele mesmo demais, em fazer os outros sofrer. O "bom coração" sacrifica tudo a este objetivo essencial, de poupar sofrimento. Se vê alguém queixar-se do rigor do Decálogo, pensa imediatamente em reformas, abrandamentos, interpretações acomodatícias. Se vê alguém sofrer de inveja por não ser nobre, ou milionário, pensa logo em democratização. Juiz, sua "bondade" o levará a sofismar com a lei para deixar impunes certos crimes. Delegado, fechará os olhos a fatos que seu dever funcional lhe imporia que reprimisse. Diretor de prisão, quererá tratar o sentenciado como uma vítima inocente dos defeitos da época e do ambiente; e, em conseqüência, instaurará um regime penal que transformará a casa de correção em ponto de encontro de todos os vícios, em que a livre comunicação entre sentenciados exporá cada um ao contágio de todos os vírus que ainda não tem. Professor, aprovará sonolenta e bonacheironamente alunos que no máximo mereceriam 2 ou 3. Legislador, será sistematicamente propenso a todas as reduções de horas de trabalho, e a todos os aumentos de salário. Na política internacional, será a favor de todos os "Munique" de todas as capitulações imprevidentes, preguiçosas, imediatistas desde que sem dispêndio de energia salvem a paz por mais alguns dias.
Subjacente a todas estas atitudes, está a idéia de que no mundo só há um mal, que é a dor física ou moral: em conseqüência, bem é tudo quanto tende a evitar ou a suprimir sofrimento, e mal é o que tende produzi-lo ou agrava-lo. O "bom coração" tem uma forma especial de sensibilidade, pela qual se emociona à vista de qualquer sofrimento, e defende todo e qualquer indivíduo que sofre, como se ele fosse vítima de uma injusta agressão. Dentro desta concepção, "amar ao próximo" é não querer que ele sofra. Fazer sofrer o próximo é sempre e necessariamente ter-lhe ódio.
Daí advém para o homem de "bom coração" uma psicologia muito especial. Todos os que têm zelo pela ordem, pela hierarquia, pela integridade dos princípios, pela defesa dos bons contra as investidas do mal, são desalmados, pois "fazem sofrer" com sua energia os "pobres coitados" que "tiveram a fraqueza" de cair em algum deslize.
E se em relação a todos os pecadores da terra o homem de "bom coração" tem tolerância, é muito explicável que odeie o homem de "mau coração" que "faz sofrer os outros".
Estas são as linhas gerais em que se pode sintetizar um estado de espírito muito freqüente. Claro está que apontamos um caso em tese. Graças a Deus, só um número relativamente pequeno de pessoas é que em todos os campos chega a estes extremos. Mas é freqüente encontrar gente que em diversos pontos age inteiramente assim.
E constituem multidão aqueles em que se encontram pelo menos laivos deste estado de espírito.
Ainda aqui, alguns exemplos são esclarecedores. Para mostrar quanto este mal está entranhado no brasileiro, escolhamos esses exemplos em maneiras de falar e de sentir comuns entre católicos.
Para que se entenda bem o que há de errado nos exemplos que vamos dar, comecemos por lembrar rapidamente qual é neste assunto a autêntica doutrina católica.
Para a Igreja, o grande mal neste mundo não é o sofrimento, mas o pecado. E o grande bem não consiste em ter boa saúde, mesa farta, sono tranqüilo, em gozar honras, em trabalhar pouco, mas em fazer a vontade de Deus. O sofrimento é certamente um mal. Mas este mal pode em muitos casos transformar-se em bem, em meio de expiação, de formação, de progresso espiritual. A Igreja é Mãe, a mais terna, a mais solícita, a mais carinhosa das mães. Dela se pode dizer, como de Nossa Senhora, que é Mater Amabilis, Mater Admirabilis, Mater Misericordiae. Assim, ela procurou sempre, procura hoje, até o fim dos séculos procurará quanto possa afastar de seus filhos, e de todos os homens, qualquer dor inútil. Mas nunca deixará de lhes impor a dor, na medida em que a glória de Deus e a salvação das almas o peçam. Ela exigiu dos mártires de todos os séculos que aceitassem os tormentos mais atrozes, ela pediu aos cruzados que abandonassem o conforto do lar para arrostar mil fadigas, combates sem conta, a própria morte em terra estranha. E ainda em nossos dias ela pede aos missionários que se exponham a todos os riscos, a todas as fadigas, nos rincões mais inóspitos e longínquos. A todos os fiéis, pede ela uma luta incessante contra as paixões, um esforço interior contínuo para reprimir tudo quanto é mau. Ora, tudo isto supõe sofrimentos de tal monta, que a Igreja os considera insuportáveis para a fraqueza humana, a ponto de ensinar que, sem a graça de Deus, ninguém pode praticar na sua totalidade, e duravelmente, os Mandamentos.
Todos estes sofrimentos, a Igreja os impõe com prudência e bondade, é certo, mas sem vacilação, nem remorso, nem fraqueza. E isto, não apesar de ser boa mãe, mas precisamente porque o é. A mãe que sentisse remorso, vacilasse, fraquejasse ao obrigar seu filho a estudar, a se submeter a tratamentos médicos penosos mas necessários, a aceitar punições merecidas, não seria boa mãe.
 Este procedimento, a Igreja o espera também de seus filhos, não só em relação a si mesmos, mas ao próximo. É justo que nos dispensemos de dores inúteis e evitáveis. Devemos ter para com o próximo entranhas de misericórdia, condoendo-nos com seus padecimentos, e não poupando esforços para os aliviar. Entretanto, devemos amar a mortificação, devemos castigar corajosamente nosso corpo e, principalmente, combater com afinco, clarividência, meticulosidade os defeitos de nossa alma. E como o amor do próximo nos leva a desejar para ele o mesmo que para nós, não devemos hesitar em fazê-lo sofrer, desde que necessário para sua santificação.
* * *
Ora, na aplicação destes princípios é fácil apontar muitos desvios ocasionados pela concepção romântica do "bom coração".
É "bom coração" ter certa condescendência para com formas veladas de divórcio, por pena dos cônjuges, ser pela abolição dos votos religiosos e do celibato sacerdotal, por pena das pessoas consagradas a Deus, considerar com laxismo os problemas ligados à limitação da prole por pena da mãe, etc. Em outros campos, o "bom coração" consiste em ser contra as polêmicas ainda que justas e temperantes, contra o Index, contra o Santo Ofício, contra a Inquisição ( ainda que sem os abusos a que deu ocasião em alguns lugares ), contra as Cruzadas, porque tudo isto faz sofrer. Em outros campos ainda, o "bom coração" consiste em não falar de demônio, nem de inferno ou de purgatório, em não avisar aos doentes que a morte está próxima, em não dizer aos pecadores a gravidade de seu estado moral, em não lhes falar de mortificação, nem de penitência, nem de emenda, porque também isto faz sofrer. Já vimos um educador católico se manifestar contra os prêmios escolares porque fazem sofrer os alunos vadios! Como já vimos também associações religiosas tolerando em seu grêmio elementos perigosos para os associados e desedificantes para o público, porque a expulsão desses elementos os faria sofrer. Falar contra as modas e danças imorais, preconizar uma censura cinematográfica sem laxismo tudo isto em última análise parece descaridoso, porque "faz sofrer". Soubemos a este respeito de alguém que desaconselhava uma campanha contra os jornais imorais porque isto "faz sofrer" os editores cujas almas cumpre salvar!
* * *
Fizemos esta longa digressão para focalizar melhor o problema que de início formulávamos. Para o "bom coração", todo ódio é necessariamente um pecado. Dir-se-á o mesmo à luz da doutrina católica?
Pensando no perigoso furor da avalanche de "bons corações" de que o Brasil está cheio, quase não ousamos formular a pergunta. E certamente não responderemos por nós. Mas falaremos pela grande e autorizada voz de S. Tomás.
É o que faremos em próximo artigo”.

Escrevendo anos depois para a “Folha de São Paulo”, Dr. Plínio assim se expressou a respeito do mesmo assunto, embora trate de outros temas correlatos, mas que têm estreita ligação com a Bondade:
“- “Bondade”: segundo o sofisma moderno, quem é bom jamais faz sofrer os outros. Ora, o esforço faz sofrer. Logo, só é bom quem não pede esforço a outrem. A civilização cristã, pelo contrário, modelou os povos do Ocidente conforme o princípio de que o esforço é condição essencial para a dignidade, o decoro, a boa ordem e a produtividade da vida. Se “bondade” é, em todos os campos, abolir o esforço, não é implicitamente privar a vida de valores sem os quais ela não é digna de ser vivida? E então, esta hipertrofiada “bondade” não constitui o pior malefício?
- “Amor à criança”:  segundo essa “bondade” adocicada e desfibrada, o amor à criança consiste em dispensá-la de todo esforço. Isto se pretende conseguir por mil técnicas, cujo efeito seria instruir e formar a criança sem nenhum sacrifício para esta. O aferramento a esta idéia vai a ponto de condenar as punições escolares porque fazem sofrer os culpados, e a condenar os prêmios porque podem dar complexos aos vagabundos. Dado que, segundo a tradição cristã e o simples bom senso, um dos fins essenciais da educação é formar para a luta da vida através do hábito do esforço e do sacrifício, o que é esse “amor à criança” senão uma cruel deseducação?
- “Simplicidade”, “despretensão” : simples seria quem prefere as coisas que não exigem muito gosto, nem muito esforço. Despretensiosa seria a pessoa que sente bem-estar em ser vulgar. A “simplicidade” e a “despretensão”  vão invadindo mais e mais os costumes de jovens e adultos. As regras da polidez e do trato, o modo de organizar uma casa, de receber, de se vestir, de falar, vão ficando sempre mais “simples” e “despretensiosos”.   Decoro, brilho, qualidade, classe, prestígio, são valores do espírito dia a dia menos aceitos”. [5]

2.            BENQUERENÇA (BEM QUERER)

Viver é estar juntos, olhar-se e querer-se bem:

- Viver, quer dizer, cumprir os desígnios de Deus nesta terra e levar sua vida buscando praticar as virtudes e o amor a Deus;
- Estar juntos: para tanto é necessário conviver com seus semelhantes de uma maneira unida, daí a palavra “estar juntos” no plural, quer dizer, unido a todos os demais que estão em sua volta;
- Olhar-se:  o ato de olhar um para o outro reflete o julgamento que temos sobre nós mesmo e sobre aqueles com os quais convivemos; da mesma forma, a palavra indica que os olhares são reflexivos, isto é, olhamos esperando sermos olhados, ou julgados, ou analisados, pelos demais;
- Querer-se bem: vem a parte principal desse pensamento, que é o amor. Não adiantaria viver, estar juntos e nos olharmos recíprocamente sem a prática do amor, que é o querer bem, é a benquerença, pois tanto a felicidade quanto o sofrimento, mesmo passageiros, devem ser divididos com nossos semelhantes.
Nisso pode se resumir toda a benquerença.

3.            BENFAZEJA

Na benquerença está explicitado o que é o desejar o bem, mas de modo especial, fazer o bem não é somente querendo bem ao próximo, mas efetivamente o executando, pois a palavra “querer” exprime apenas o desejo, enquanto que “fazer” já é o desejo em ação.  Desejar amar e fazer o bem é uma coisa, e realmente fazê-lo de fato é pôr em prática aquilo que desejamos. Então estas  palavras se completam com a expressão “benquerença benfazeja”. Não que possa existir alguma benquerença malfazeja; não, de modo algum, mas apenas que o termo benfazeja completa a outra e a faz mais efetiva e prática.

Bondade e intransigência

“Minha mãe era de uma bondade que eu não saberia explicar. Inclusive na hora de perdoar, ela manifestava sempre uma indulgência, uma suavidade, nunca uma reclamação porque algo a tivesse atingido. Em suas repreensões não entrava a reivindicação de um direito próprio, mas a defesa de um princípio do qual seu espírito estava imbuído. E embora não soubesse explicitar os princípios, ela os possuía.
Por isso, suas repreensões não resultavam de uma irritação pessoal, mas de um princípio ofendido — inclusive o princípio da autoridade materna — mas sempre com tanta bondade, tanta paciência tanto perdão no que dizia respeito a si, que mesmo que se fizesse o pior contra ela, ela o suportava sem dizer palavra.
Por outro lado, que severidade em suas repreensões! Que seriedade no olhar! Que compenetração de que se tratava de fazer prevalecer um princípio! Que convicção de que se não conformasse minha vida com aqueles princípios, eu valeria muito menos para ela, porque em mim ela via mais o filho que deveria amar os princípios do que alguém que lhe deveria querer bem!
Ademais, quanta sabedoria no que dizia! Embora a voz fosse grave, a bondade nunca estava ausente. Sua intransigência para comigo estava sempre mesclada com a bondade.
Certa vez, no apogeu de minha vida escolar — eu nunca fui o primeiro de minha aula — voltei do Colégio São Luiz, após a festa da distribuição de prêmios, com quatro medalhas no peito. Naquele tempos ingênuos, os meninos vinham pela rua ostentando as suas medalhas, e assim vinha eu com minha roupa à marinheira. Quando mamãe me abriu a porta, afagou-me muito; foi uma alegria!
No ano seguinte, eu voltei com três medalhas. Abrindo a porta, ela me viu e disse: “Só três?” — E acrescentou intransigente: “Como é que você decaiu, o que aconteceu para você decair?” Mas tudo isso misturado com tanto afeto, tanta bondade e tanto carinho, que para mim foi uma preparação para compreender o que era a misericórdia de Nossa Senhora. Outro tanto poderiam os senhores dizer de suas mães”.
(Plinio Corrêa de Oliveira



[1] São Tomás de Aquino – Suma Contra os Gentios  – tradução de D. Odilão Moura, OSB  - 1990 -  liv I  cap. XL, 1.
[2] O termo “Revolução” aqui é empregado como o faz o Dr. Plínio Corrêa de Oliveira no livro “Revolução e Contra-Revolução”. Ver início do capítulo 6.
[3] San Luis Maria Grigênion de Montfort – Obras – BAC – pág. 152
[4] Legionário", 27 de julho de 1941- in revista "Dr. Plínio", de setembro de 2002
[5]  “Folha de São Paulo”,  20.03.69

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