Nossa Senhora do Bom Conselho, aliás,
mais precisamente Mãe do Bom Conselho – a invocação bem exata é essa – é Mãe
considerada enquanto dando um conselho, enquanto dando uma orientação a um
filho espiritual d’Ela, a um filho gerado por Ela na ordem espiritual.
O que é um bom conselho?
Todos nós já sabemos isso: o espírito
humano é susceptível de erro, de perplexidades muito grandes, e muitas vezes
não é capaz, por si mesmo, de atinar com a solução de um problema que tenha
diante de si. Ele precisa de um conselho de uma mentalidade mais alta, que veja
mais do que ele, e lhe explique uma coisa, lhe diga algo como é, e lhe trace
uma diretriz para seguir.
Nesse sentido, nós podemos imaginar o
conselho habitualmente como uma norma para a ação. Esse é o sentido corrente da
palavra conselho.
E nesse sentido ainda nós podemos dizer
que para toda espécie de ações – mesmo as ações puramente interiores,
espirituais – Nossa Senhora pode dar um conselho, pode dar uma norma. Está, por
exemplo, uma pessoa solitária, com uma perplexidade espiritual muito grande.
Por exemplo, continuará ou não continuará a usar tal tipo de devoção, deixará
ou não deixará de se abster de tal outra coisa, como fará?... É um problema
puramente interior relativo a um fazer que é um mero fazer do espírito, que não
se traduz, a não ser por via de consequências, numa operação externa. Mas o
homem pode ter perplexidade a esse respeito e tendo perplexidade precisa de um
conselho.
O conselho espiritual, o conselho para
as dificuldades de apostolado, o conselho para os estudos, o conselho para o
trato com os outros, o conselho para tudo. Em todas as circunstâncias o homem
precisa do conselho.
Necessidade do conselho como norma de
vida
Nós podemos mesmo dizer que um dos frutos
da Idade Média, da Civilização Cristã, é ter tornado bem clara essa necessidade
do conselho como uma norma de vida e até das instituições ocidentais.
Os senhores analisam a primitiva
história das monarquias pagãs do Oriente, mesmo das grandes monarquias – Egito,
Pérsia, China, Japão –, e os senhores notam que em geral o monarca é um monarca
absoluto, que tem o poder de pôr e de dispor dos seus súbditos como entenda, e
que não ouve quase conselhos. De vez em quando aparece na história um indivíduo
que dá a respeito de uma situação, a um monarca, um determinado conselho. Mas
os monarcas terem conselhos, habitualmente, como uma instituição, que eles
consultam habitualmente como rotina a respeito das coisas, os senhores não veem.
O monarca está no seu isolamento e resolve as coisas por si mesmo, e se lança.
Ele de vez em quando pedirá um conselho a alguém, mas não tem aquilo que
chamamos Conselho de Estado.
Nós vemos aparecer na Idade Média, pelo
contrário, a instituição do Conselho. Quer dizer, o reconhecimento da
falibilidade, da imperfeição do espírito dos mais poderosos monarcas, que por
causa disso organizam, todos ou quase todos, habitualmente, Conselhos nomeados
por eles, mas que são órgãos coletivos, aos quais costumam levar os seus
problemas mais importantes, debatem com eles esses problemas em reunião e de
onde sai, a solução que o rei aceita ou não aceita. Mas o rei habitualmente
resolve em seu Conselho. Quer dizer, reconhecendo a precariedade, a
falibilidade do espírito humano, os monarcas então instituem Conselhos para
lhes ajudarem a resolver os seus problemas.
Essa ideia, essa pendência, passou da
monarquia para outras formas de governo que havia na Idade Média. As repúblicas
aristocráticas governavam-se por Conselhos. Por exemplo, o famoso Conselho dos
Dez de Veneza, que assessorava o Doge e que tinha um poder enorme. As
repúblicas burguesas, as cidades livres da Alemanha, por exemplo, eram
governadas por Conselhos, nesse sentido de que o burgomestre era assessorado, e
era a expressão de um Conselho eleito pela cidade.
E foi-se assim afirmando o princípio de
que ter um Conselho é o complemento natural de todo governo, e que não se
compreende que de um modo ou de outro um governo não seja assessorado e não
tenha seus conselheiros.
Mesmo quando a forma de governo é como
no Brasil, Estados Unidos, por exemplo, – regimes presidenciais em que não há
um ministério que exerça o governo independentemente ou mais ou menos
independentemente do chefe como é na Inglaterra, - os ministros são pessoas de
confiança do Presidente da República, e é o presidente que governa.
Se os homens têm dificuldade de
encontrar a sua própria via em circunstâncias espinhosas, então deve-se pedir a
Deus o conselho
Mesmo assim, os senhores têm visto na
história desses governos que as decisões importantes são tomadas pelo
Presidente da República numa reunião de ministros. Habitualmente, ouve-se todos
os ministros sobre coisas de ocasião e importância excepcional, pelo hábito que
passou para uma segunda natureza no Ocidente, de que é em Conselho, por meio
dos Conselhos que os assuntos verdadeiramente se resolvem.
Mas se isso é assim, e se os homens
devem pedir conselhos uns aos outros, se os homens devem reconhecer que eles
por si próprios têm dificuldade de encontrar a sua própria via em
circunstâncias espinhosas, difíceis, etc., então é sobretudo verdade que o
homem podendo-se comunicar com Deus por meio da oração, a Deus peça o conselho.
E deve ser um dos hábitos de nossa vida espiritual, uns dos hábitos de nossa
piedade pedirmos conselho a Deus. Pedirmos que Deus Nosso Senhor nos ilumine e
nos faça compreender aquilo que nós devemos fazer.
Os senhores conhecem o fato, mais de uma
vez mencionado por mim, de São Tomás de Aquino, que quando tinha problemas
filosóficos muito delicados, muito difíceis e que não conseguia resolver,
introduzia a cabeça dentro do sacrário e ficava ali rezando para o Santíssimo
Sacramento, até que viesse a solução por ele desejada. Os senhores estão vendo
que ele pedia portanto um conselho a respeito dos estudos a Nosso Senhor
Sacramentado.
O mais alto, o mais belo conselho é
evidentemente de Deus Nosso Senhor, autor de toda verdade, de todo bem, de toda
luz, e a quem nós devemos pedir.
Então esta postura de alma de não só
pedir conselho aos outros no campo terreno e natural, mas, sobretudo, de nesse
campo natural e no campo sobrenatural pedir conselho a Deus Nosso Senhor, essa
postura de alma é a postura católica por excelência.
Pedir conselhos deveria ser comum em
todas perplexidades
Vemos tantas pessoas que se curam de tal
doença, de tal outra, vão a Aparecida, deixam objetos de cera para lembrar a
cura, pedem graças de toda ordem e recebem essas graças, e às vezes são graças
materiais.
Deus Nosso Senhor, a fortiori,
que Se encarnou para salvar as nossas almas, e não para salvar os nossos corpos
que a morte vai devorar, Deus Nosso Senhor deseja a fortiori nos
dirigir, nos fazer conhecer a verdade e o bem nas matérias espirituais, nas
matérias que sejam a direção da vida do homem.
E portanto, essa atitude habitual de,
por meio de jaculatórias, pedir conselhos, deveria ser comum, deveria ser
corrente em todas perplexidades.
Nossa Senhora do Bom Conselho leva a
Deus Nosso Senhor nossos pedidos de bons conselhos e é Ela que nos obtém tais
graças
Ora, como acontece que Nossa Senhora é a
intermediária de todas as graças, nós temos todo fundamento, diante de uma
imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho, de fazer uma oração considerando que
Ela é que leva a Deus Nosso Senhor os nossos pedidos de bons conselhos. E que Ela
traz para nós a graça do bom conselho. Quer dizer, aquilo que o Espírito Santo
comunica à Ela e que nós devemos saber para nossa orientação.
E então nós entendemos bem o que é a
Virgem do Bom Conselho. A Virgem do Bom Conselho é a Virgem por meio da qual
nós podemos obter o bom conselho nas nossas aflições, nas nossas perplexidades,
nas nossas dificuldades. E este é o sentido da devoção à Nossa Senhora do Bom
Conselho.
Aí viria uma resolução prática para
nossa vida espiritual: invocarmos muito a Nossa Senhora do Bom Conselho, e não
fazermos habitualmente nada de importante sem pedir a Ela o conselho. Mesmo nas
coisas pequenas, pedir, porque Nossa Senhora gosta de ser invocada também nas
coisas pequenas, nas oportunidades aparentemente secundárias. Nós devemos pedir
a Nossa Senhora tudo. Portanto, com frequência. Nós não sabemos resolver uma
coisa: "Minha Mãe, aconselhai-me". Ainda que seja uma coisa pequena.
Nós somos envolvidos a todo instante
pelas influências da Revolução. Se assim é, haverá conselho melhor do que pedir
a Nossa Senhora que Ela nos advirta sempre, no interior da alma, contra as
coisas revolucionárias? Nos aconselhe sempre: "Meu filho, aquilo é
revolucionário, não aceite; aquilo é heterodoxo, não aceite; aquilo conduz ao
mal, é imoral, não aceite".
É preciso tanta sagacidade para a gente
se defender contra todas essas influências! Quem melhor pode nos conseguir as
luzes, os conselhos, portanto, para isso, do que Nossa Senhora do Bom Conselho?
Pedir a Nossa Senhora que nos conceda
também os conselhos que não formulamos
Nesse sentido, a invocação de Nossa
Senhora do Bom Conselho é idêntica à de Nossa Senhora da fidelidade
contra-revolucionária. É por meio d’Ela, por meio das orações d’Ela que nós
podemos obter essa fidelidade.
E então eu aqui recomendo muito aos
senhores que peçam a Nossa Senhora esse conselho, que sejam habitualmente
devotos de Nossa Senhora do Bom Conselho, e que peçam a Ela o conselho interno
para suas almas, que é dado pela graça do Espírito Santo, da qual São Paulo diz
que é tão profunda que entra até a juntura da alma e do espírito.
E eu quereria que isso não ficasse no
ar. Eu quereria que os senhores tomassem uma deliberação, que tomassem o hábito
de várias vezes por dia pedir conselho à Nossa Senhora.
Os senhores vejam uma coisa curiosa:
quantos dos senhores praticam – e sempre com muito resultado – essa devoção às
almas do Purgatório, pela qual lhes pedem que os acordem de manhã cedo, a
tantas horas. Se as almas do Purgatório por causa de uma pequena oração nos
acordam, nos indicam a hora certa, quanto mais Nossa Senhora que é
incomparavelmente superior a todos os santos e, portanto, também às almas do
Purgatório? Ela que tem uma ciência de Deus como ninguém tem – ninguém vê a
Deus como Ela – que é além do mais Mãe de Deus e Onipotência suplicante!
Quantas vezes pode acontecer que Nossa
Senhora nos dê um conselho até sem nós pedirmos?
Quer dizer, podemos pedir à Nossa
Senhora que Ela nos dê os conselhos que não pedimos, os conselhos que não nos
lembramos de pedir, ou que não se tem vontade de receber. Dizer: "Minha
Mãe, fazei-me ter o desejo do bom conselho que Vós julgais conveniente me dar,
mesmo numa hora em que eu não perceba que aquele assunto é tão importante que
vale a pena pedir".
Quer dizer, pedir para ser aconselhado
continuamente por Nossa Senhora.
Bem entendido, bem entendido – eu nem
preciso dizer isso – esse conselho no mais das vezes não se dá de modo
extraordinário, Nossa Senhora não aparece para dar o conselho. Mas Ela desperta
na alma certo pensamento, certa ideia, Ela desvia o espírito para um outro
lado, faz notar, de repente, alguma coisa, assim como as almas do purgatório
acordam as pessoas de manhã. Elas não aparecem; se aparecessem, eu creio que
teriam poucos devotos, porque todo o mundo tem medo de ver – eu sou d’Eles – as
almas do outro mundo. Mas elas atuam tão discretamente que a coisa passa. Nossa
Senhora, a fortiori, saberá fazê-lo bem.
Por vezes vejo pessoas com perplexidades
e tenho vontade de dizer: "Mas meu caro, por que você vem pedir conselho a
mim? Você já pediu a Nossa Senhora do Bom Conselho? Não é uma coisa
incomparável? Do que adianta eu lhe dar um conselho se Nossa Senhora não
reforçar o meu conselho junto à sua alma? Simplesmente pelo valor lógico do meu
conselho eu posso muito pouco. Pelo contrário, com o apoio d’Ela pode-se
tudo".
Então, eu recomendo isso: peçam
continuamente, e os senhores poderão ter uma renovação da sua vida espiritual,
da eficácia do seu apostolado, da sagacidade dos seus métodos de ação em todos
os campos. Nossa Senhora do Bom Conselho é a Conselheira por excelência, Aquela
que sabe tudo, Aquela que pode tudo, e Aquela que quer tudo.
A graça do heroísmo tem normalmente como
ponto de partida algo que poderíamos chamar de bom conselho
A graça do heroísmo tem normalmente como
ponto de partida algo que nós poderíamos chamar de bom conselho. Porque o
heroísmo se obtém quando uma alma tem com muita clareza o bem ou a verdade para
a qual está se imolando, para a qual vai correr o risco. E não só percebe que
aquela coisa é verdadeira e boa, mas percebe o pulchrum, a beleza
daquela coisa.
Quando isso brilha muito diante da
pessoa, ela é capaz de heroísmos de que não seria capaz quando isto tudo está
embaçado. De maneira que o fazer ver isso para se ter o heroísmo necessário,
isso é um conselho, porque é um avivamento de horizontes, uma abertura de
horizontes, é uma linha de ação virtualmente indicada por Nossa Senhora em
determinadas circunstâncias.
Eu vou ser mais terra-a-terra. O senhor
imagine um cruzado que vai tomar Jerusalém. Ele está a uma certa distância de
Jerusalém, está cansado, um calorão... areias, terras abandonadas, etc. Ele
passa por aquilo tudo. De repente, vê Jerusalém. Ele pode ter a seguinte reação
de alma: "Agora que eu cheguei, escalar essas muralhas e tomar essa
cidade... que aborrecimento!... Uma viagem tão enorme e no fim da viagem uma
batalha".
Mas ele pode ter também um lampejo de
alma: "A cidade sagrada onde Nosso Senhor morreu! A cidade sagrada onde
foi instituída a Sagrada Eucaristia, foi rezada a primeira Missa! A cidade
sacrossanta onde está o Sepulcro de Nosso Senhor Jesus Cristo! Onde Ele
ressuscitou! Onde Nossa Senhora morou! Onde Nossa Senhora teve, na cena da
Piedade, o seu Divino Filho sobre o colo! Eu não permitirei isso!" Aparece
numa maravilha, num lampejo. "Eu vou atacar!" Esse homem exausto vai,
escala as muralhas e sobe.
Quer dizer, ele recebeu o quê? Uma
iluminação, uma noção especialmente viva daquela magnificência, que no momento
fez d’Ele um herói.
O senhor está vendo como o bom conselho
pode conduzir ao heroísmo.
Às vezes é de outra maneira. É numa
aridez tremenda, em que não se resolve, mas a alma sente dentro dela uma força
que diz: "Você está na aridez, mas tem de lutar e lute, porque esse é o
seu dever". E a alma resolve, e na aridez dá a carga de cavalaria e
derruba o adversário. É um outro modo altamente meritório em que o conselho se
faz no fundo da alma, de um modo que a pessoa nem percebe que foi aconselhada,
mas em que recebeu uma força extraordinária para uma circunstância
extraordinária. É por esta forma que Nossa Senhora do Bom Conselho nos orienta.
(Plínio
Corrêa de Oliveira - "Conferência"
de 16 de dezembro de 1975)