quinta-feira, 17 de julho de 2025

Bem-aventurado Inácio de Azevedo e seus companheiros 40 mártires

 


Com as aventuras além-mar empreendidas pelos portugueses e espanhóis, a Fé Católica expandia-se dia a dia. Entusiasmado pela conquista de novas almas, Inácio de Azevedo empenhou-se na conversão dos indígenas brasileiros. Porém, mais do que seu labor de evangelização, Deus queria dele um sacrifício total: o derramamento de seu sangue em favor da nação que viria a ter a maior população católica da Terra.

Baseando-me no livro “Inácio de Azevedo, o homem e sua época”, de Gonçalves Costa(1), farei comentários sobre alguns aspectos puramente sociológicos, e outros hagiográficos, que dizem respeito ao Bem-aventurado Inácio de Azevedo.

 

Nome tão belo quanto a prataria portuguesa

Ele era membro de uma família muito distinta. E, em todos os lugares onde há certa estratificação social, os nomes das famílias mais tradicionais acabam tomando uma certa sonoridade, em que se tem a impressão de ver a pessoa portadora de um desses nomes, com o estilo da nação a que pertence.

Este é o caso do Bem-aventurado Inácio. Ele se chamava Inácio de Azevedo de Atayde de Abreu e Malafaia. É um nome tradicional, bonito e muito português; sua sonoridade é linda, e dá a impressão da prataria portuguesa, cujos objetos são tendentes ao nobremente bojudo e seguro de si. De fato, esse nome é um pouco de prataria.

 

Sociedade impregnada pela Igreja

Ingressou na Companhia de Jesus em 1548, sendo anotado a seu respeito no livro da Ordem os seguintes dizeres: “Tem pais vivos. O pai possui benefícios eclesiásticos e suficiência de bens. A mãe é freira num convento do Porto”.

Estamos no século XVI; a Renascença já arrebentou, a Revolução está em curso. Mas como a Igreja ainda estava entranhada na sociedade! É uma família nobre, não de grande nobreza: o pai vivia de rendas eclesiásticas e tinha dado licença à sua esposa para ser freira, e o filho fez-se membro da Companhia de Jesus, a qual, naquele tempo, era a ponta de lança da Contra-Revolução; e tornou-se Bem-aventurado, hoje um dos padroeiros do Brasil.

Como é bonito ver a impregnação da vida eclesiástica na sociedade dessa época.

 

Desejo de ser herói

O Bem-aventurado Inácio de Azevedo havia sido pajem do Rei D. João III; e, pelo lado materno, descendia de Santa Isabel, Rainha de Portugal.

É bonito haver nele a descendência de Santa Isabel, Rainha de Portugal. Sendo pajem do Rei, ele frequentou o que a corte tinha de melhor.

Em carta ao Padre Geral, Inácio pediu para ser enviado a pontos remotos, pois não queria ficar no mesmo ambiente onde viviam seus pais.

Esse homem foi mandado da corte do Rei de Portugal – naquele tempo marcadamente um potentado, pelo tamanho do império colonial português – para o Brasil, onde havia índios com argolas atravessadas no nariz, canibais, com hálito cheirando a álcool mascado de cana fermentada, uma coisa horrorosa. Podemos imaginar a diferença! Era o que ele queria. Vemos o heroísmo que está presente em seu pedido.

 

Zelo da Companhia de Jesus pelos novos missionários

Do Brasil chegavam cartas dos Padres Nóbrega e Anchieta, relatando as esperanças e as dificuldades das missões. Dois noviços jesuítas haviam sido repatriados para Portugal, por não se adaptarem às novas terras.

Vê-se como era duro aguentar…

São Francisco de Borja, recém-eleito Geral da Companhia, conhecia as especiais virtudes do Padre Inácio e o indicou para visitador apostólico nas terras do Brasil.

Quão cuidadosa era a Companhia de Jesus. Mesmo sendo poucos os jesuítas no Brasil, mandava-se um visitador apostólico incumbido de visitar a nascente Igreja daquelas terras. Percebemos o rigor da ortodoxia, da disciplina e do método.

Por outro lado, vemos como os santos se encontram nessa história: São Francisco de Borja – Geral da Companhia de Jesus, portanto, o homem que tem nas mãos o leme da Contra-Revolução – escolhe um futuro mártir para vir ao Brasil, o qual, por sua vez, descende da Rainha Santa Isabel. Que beleza!

Ao percorrer o litoral do País, acompanhou a expulsão dos calvinistas do Rio de Janeiro.

Em julho de 1566, o colégio jesuíta de Salvador na Bahia, tendo à frente o Padre José de Anchieta e o Padre Manoel da Nóbrega, recebeu festivamente o emissário de São Francisco de Borja, numa visita que se estenderia por dois anos, e ao longo da qual o Bem-aventurado Inácio de Azevedo percorreria as principais vilas nascentes do litoral brasileiro.

Dois anos visitando o Brasil! É preciso dizer que as distâncias enormes se percorriam devagar.

Em 1567, acompanhou no Rio de Janeiro a expulsão dos calvinistas.

Que bonita nota deveria ser acrescentada nas narrações dessas nossas Histórias do Brasil, nesses manuaizinhos, quando tratam da expulsão dos franceses: Nesta verdadeira vitória de Cruzada, esteve presente, com seu ardor, um futuro mártir, o Bem-aventurado Inácio de Azevedo. Daria outro conteúdo à narração.

 

Pelas mãos dos jesuítas o Brasil vai sendo modelado

Em carta que dirigiu de Salvador ao Geral da Companhia, ele pondera: “Também servirão, além dos padres solicitados, os irmãos oficiais, como pedreiros e todos os demais, porque há na terra muita falta deles, e custa muito fazer as coisas. Por esse motivo, em todas as partes onde residem os homens, ouço dizer que há falta de edifícios e abundância de materiais com que se pode construí-los”.

É dessas frases do Português antigo que tem um especial sabor: “há falta de edifícios, mas abundância de material”. Quase dá para ver as pequeninas cidades implorando que as florestas e as pedras sejam utilizadas para serem transformadas em edifícios. É uma coisa épica.

“Muito me consolo nestas partes, e consolar-me-ia nelas toda a minha vida, ainda que importasse ir a Portugal para ajudá-la mais, trazendo gente e oficiais”.

Ir a Portugal buscar gente e oficiais, eis o plano do Padre Inácio de Azevedo.

Quer dizer, ele esteve no Brasil e viu que era preciso trazer para cá padres, irmãos coadjutores, pedreiros, carpinteiros, etc.

É muito bonito ver a Igreja Católica, por mãos dos jesuítas, tomando a primeira argamassa da sociedade temporal e modelando-a. Quase como Deus que fez primeiro o boneco de barro, para depois criar o homem.

Assim, para poder fundar aqui uma realidade eclesiástica grande, a Igreja ia modelando a realidade civil na qual ela deveria ser insuflada. Ou seja, cuidando das construções e do progresso temporal, a Igreja empreenderia também o progresso espiritual.

O Bem-aventurado Inácio de Azevedo não sabia disso, mas trabalhava com ânimo.

 

A fim de recrutar novos missionários, o Bem-aventurado Inácio de Azevedo volta a Portugal

Ele então viajou para Portugal a fim de pedir, pessoalmente, que fossem mandados jesuítas para o Brasil.

Compreende-se bem sua atitude. Certamente todos tinham medo de vir ao Brasil, tão distante, remoto, vago e ameaçador. Afinal, deixar o aconchegado, bonito e saboroso Portugal, a duras penas conquistado aos árabes, e vir para o Brasil misterioso… Que diferença!

Ademais, sabe-se como o temperamento português é cauto. Ele é capaz de dar passos arriscados, mas depois de saber bem como são as coisas. Por isso eles queriam conversar com a pessoa que vinha do lugar, para depois resolver se viajariam ou não.

Então se entende o passo do Padre Inácio de Azevedo, chegando a Portugal e procurando pessoas a fim de convidá-las para vir ao Brasil.

 

O encontro com o Rei

De volta a Portugal, em 1568, Padre Inácio dirigiu-se para Almeirim, a fim de encontrar-se com o Rei D. Sebastião. Este ouviu com interesse as notícias que o missionário trazia do Brasil, dando todo o apoio à campanha de recrutamento proposta.

Vemos que ele ia direto ao ponto fundamental. Foi falar com o Rei porque de um impulso do monarca dependia o andamento das coisas.

Por sua vez, os reis eram muito desejosos de receberem notícias diretas das pessoas que tinham estado nas terras recém-descobertas, porque não havia os meios de comunicação que existem hoje.

O Padre Inácio deu logo início à empresa, através de sermões e visitas, exímio como era na arte de conversar.

Aqui fica consignado um traço curioso. Eu o imagino procurando as pessoas e dizendo:

– Homem, fui eu que estive lá, é assim…

– Mas deveras, estivestes lá? Contai-me…

Padre Inácio fazia a narração e pegava a ganchos os que deveriam vir. Parece-me que tudo isso faz sentir a respiração da antiga História do Brasil, de um modo pitoresco e muito honroso para a Igreja.

 

Dois personagens tecem a grandeza de Portugal

Seu contemporâneo, Padre Maurício Cerpe, contou a esse respeito: “Tanto que chegou a este reino, foi coisa para dar graças a Deus ver quanta gente se mover para ir ao Brasil. Não falo já de nós da Companhia, porque esses todos queriam ir com ele, mas os de fora. Onde quer que chegasse, logo se moviam de maneira que se alvoroçava a terra e uns se moviam a ir com ele, outros falavam isso como grande novidade muito para ser desejada”.

Quer dizer, ele produzia um alvoroço geral. Vejamos o que custa a grandeza de um povo. Dom Sebastião e o Bem-aventurado Inácio de Azevedo conversam; o futuro de um era morrer no mistério e na tragédia da África, e do outro, morrer na tragédia e no martírio em pleno mar. Conversando, os dois estão tecendo a grandeza de Portugal.

Mas com que homens essa grandeza se tece! Eles tinham conhecimento dos riscos que a vida quotidiana traz. Eram membros de uma nação que estava no seu apogeu.

 

São Pio V abençoa o apostolado no Brasil

De Portugal seguiu para Roma, a fim de pedir ao Papa São Pio V sua bênção para a empresa do Brasil. O Pontífice quis ouvir uma descrição minuciosa desse novo mundo, onde a Fé cristã começava a iluminar a noite indefinida do paganismo. E, além dos privilégios pontifícios para o Brasil, e mão livre para arregimentar pessoal seleto, o santo Pontífice concedeu indulgência plenária a todos os que acompanhassem, e muitas relíquias, terços, Agnus Dei, e outros objetos devotos.

Não consta que ele tenha ido visitar banqueiros; visitou o Pontífice e o Rei. Não consta que tenha trazido dinheiro; trouxe Agnus Dei, bênçãos, relíquias, e com isso esperava fazer o seu caminho.

 

Trajetória de preparativos para a viagem

São Francisco de Borja, entrementes, desejava agradecer a Dona Catarina, Rainha de Portugal, a valiosa ajuda que ela concedera ao Colégio Romano, e quis enviar-lhe uma reprodução da célebre imagem de Nossa Senhora, conhecida como pintada por São Lucas, venerada na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, e incumbiu o Padre Inácio de ser o portador do quadro.

Como Geral da Companhia, São Francisco de Borja morava em Roma. Sabendo que o Bem-aventurado Inácio ia para Portugal, quis que este fosse portador do quadro.

A partir de então, a devoção ao quadro de Nossa Senhora, de São Lucas, ficaria intimamente associada ao missionário.

Em julho de 1569, o Padre Inácio partiu para Portugal, passando por Madri. Em Madri, João de Mayorca foi um dos primeiros espanhóis a aderir. E, como era pintor, esse novo missionário aproveitou para fazer várias reproduções do quadro da Virgem, destinando um deles ao Colégio da Bahia.

Quer dizer, esse pintor tirou várias cópias do quadro que era para a Rainha. E uma dessas cópias vai ter importante papel na vida do Bem-aventurado Inácio de Azevedo.

Afonso Fernandes Cançado associou-se à empresa em Portugal, e fez questão de substituir o sobrenome, pois, segundo explicava, para tal tarefa o nome Cançado não lhe caía bem.

Francisco Perez de Godói, canonista formado em Salamanca, também se juntou ao Padre Inácio. Perez de Godói era primo de Santa Teresa de Jesus que, ao tomar conhecimento de sua adesão, ficou muito alegre.

Santa Teresa, a Grande, soube, portanto, que havia um Brasil! E que um primo dela vinha para esse país, tendo ficado muito alegre com isso. Veremos daqui a pouco o papel de Santa Teresa nessa história.

Ferreiros, marceneiros, pedreiros e tecelões também acertavam detalhes para sua viagem ao Brasil. No total, entre religiosos e artesãos, haviam sido reunidos noventa elementos, que foram conduzidos para uma chácara da Companhia no Vale do Rosal a fim de aguardar a partida dos navios para a América. Porém, foram cinco meses de espera.

É preciso recordar que não havia ainda companhia de navegação regular para o Brasil. Isso apareceu apenas no século XIX. De vez em quando havia um navio que vinha para o Brasil: o Rei, a Companhia das Índias mandavam levar alguma coisa; mas era raro. Por isso transcorreram cinco meses de espera.

Durante esse período, é claro que foi feito um vasto simpósio, à la Companhia de Jesus, preparando a ida para o Brasil: direção espiritual, trabalhos, enfim, uma adaptação completa, muito bem feita!

Tendo sido o navio assaltado por calvinistas, o Bem-aventurado Inácio cai no mar agarrado ao quadro de Nossa Senhora

Em maio de 1570, partiram os religiosos na esquadra do Governador Geral, D. Luiz de Vasconcelos. O Bem-aventurado Inácio de Azevedo, com mais 39 companheiros, viajava na nau Santiago. Fizeram escala na Ilha da Madeira, onde o Governador, muito vagaroso, quis prolongar a estadia, enquanto o Comandante da nau Santiago trazia a bordo mercadorias, cuja entrega nas ilhas de Las Palmas era urgente.

Esse homem tem responsabilidade no martírio que se seguiu, porque foi por causa desse atraso que eles cruzaram no caminho com a nau calvinista francesa, que agrediu o navio português e causou as mortes.

Sujeitando-se ao risco de ficar à mercê dos ataques dos piratas, esta nau poderia partir sozinha até Las Palmas, aguardando ali o restante da esquadra. A proposta foi levada a D. Luiz, tendo a ela dado seu assentimento o Padre Inácio de Azevedo.

A nau Santiago seguia avante. Em 15 de julho, já próxima da ilha de Las Palmas, defrontou-se com navio dos terríveis calvinistas franceses.

Efetivamente, esses abalroaram a nau Santiago com forte impacto. Os atacantes atingem a corveia, há tinir de espadas, brados de fidelidade a Cristo e à Igreja, mesclados aos berros e blasfêmias dos hereges; as primeiras gotas de sangue começam a tingir o chão.

O Bem-aventurado Inácio de Azevedo, que se encontrava junto ao mastro central, segurando nas mãos o quadro da Virgem de São Lucas, recebeu na cabeça o primeiro golpe, sendo jogado no mar, agonizante e segurando o quadro que ninguém lhe conseguira tirar das mãos.

Por isso ele é representado, habitualmente, flutuando já meio agonizante nas águas, mas segurando o quadro. É muito digno de nota que, estando agonizante e com a gesticulação de quem naufraga e procura mover os braços para não afundar, já não tendo provavelmente consciência de si, apesar disso ele segurasse o quadro.

É claro que a quem de tal maneira segura uma imagem de Maria Santíssima, Nossa Senhora, do Céu, está segurando a alma dele.

 

O sangue dos mártires foi derramado para que o Brasil viesse a ser católico

O olhar marcado dos tripulantes portugueses continuava a fixar-se nos vultos, e eles foram em seguida jogados também ao mar, entre os quais, sobressaía a figura imóvel de Azevedo.

Na Espanha, Santa Teresa de Jesus teve revelação do fato, e afirmou que vira os quarenta mártires, de coroas na cabeça, subindo triunfantes ao Céu.

Vemos que lindo fato da História do Brasil. É evidente que esse sangue foi derramado para que o Brasil fosse católico; era a razão pela qual eles estavam dando as suas vidas.

Somente o irmão João Sanchez não foi morto pelos piratas. Era cozinheiro, e esses resolveram tirar proveito de seus serviços. Foi ele que, retornando depois à Espanha, contou com pormenores todo o ocorrido. Infelizmente, abandonou a Companhia de Jesus.

Essa é a criatura humana! Esse homem tinha obrigação de ser bem-aventurado também. Depois se desligou da Companhia de Jesus e voltou ao estado original.

O culto dos quarenta mártires foi autorizado em 1854, pelo Papa Pio IX.

Na atual Catedral de Salvador, na Bahia, conserva-se um quadro pintado, que se diz ter sido do Beato Inácio.

Não há nenhuma prova de que o quadro tenha escapado das mãos do Bem-aventurado Inácio de Azevedo e chegado à Bahia. Se houvesse, eu piamente creria, e teria um gosto enorme de que isto tivesse ocorrido.

Mas o não ter sido assim, não tolda em nada o verdadeiramente essencial. Na previsão do muito batalhar a favor da ortodoxia, que haveria numa nação a qual, em certo momento da História da Igreja, seria a de maior população católica do mundo, logo no início, para irrigar isso, a Providência dispôs que houvesse quarenta mártires que nem conseguiram chegar até o Brasil – Inácio de Azevedo esteve durante dois anos aqui. O sangue deles não foi vertido no Brasil, o mar dispersou; mas foi derramado com a intenção de servir à causa católica no Brasil.

Esse sangue subiu ao Céu como suave odor, e eles rezam continuamente por nós. No Brasil ficava o Bem-aventurado Anchieta, esperando, rezando e realizando seus feitos para que algum dia o Brasil fosse uma grande nação católica.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 3/4/1981)

 

1) Costa, Manuel Gonçalvez da. Inácio de Azevedo, o homem e sua época. Braga: Livraria Cruz, 1957.

 


NECESSIDADE DA EDUCAÇÃO MORAL NAS ESCOLAS

 




                                        Uma grande professora baiana do passado, Amélia Rodrigues, discorre sobre a necessidade da educação moral nas escolas:

 


Que bela coisa uma boa escola, minhas caras leitorazinhas! Uma sala grande, arejada, clara, cheia de carteiras, de mapas, de quadros, de tudo o que se torna preciso para facilitar o ensino, e cheia também de crianças alegres, robustas, que querem aprender e que aprendem... que bela coisa é!...

A mestra fala, as crianças escutam, pendentes dos lábios dela, para recordar e repetir depois em casa, às mamães, tudo ou quase tudo o que ela disse, o que ela ensinou... que lindo espetáculo!

Felizes crianças, estas que vão à escola e que aproveitam nela. As outras, as que ficam em casa sem estudar, são infelizes, porque grande desgraça é não receber instruções nem educação, viver no cativeiro medonho da ignorância. Merecem lástima essas crianças.

- A instrução é a luz; a ignorância é a treva, é a cegueira do espírito.

Entretanto, para que essa luz seja um verdadeiro bem é preciso que a acompanhe, que a preceda mesmo, uma sólida educação moral.

Homens e mulheres há, infelizmente, que sabem muito, têm talentos, cultivam ciências e artes e impõem-se até à admiração de todos, mas que praticam péssimas ações, abrigam sentimentos vis e são a vergonha dos homens de bem. Por que?... Porque lhes faltou uma boa educação moral.

Acima, muito acima desses monstros com asas de águia, estão aqueles que, não brilhando embora pelos preciosos dotes do saber ou da inteligência, possuem, contudo, o cabedal de honradez, do caráter, da virtude. Os primeiros excitam somente a admiração; os segundos inspiram estima e confiança.

Onde haurir, porém, a verdadeira, a sólida, a pura educação moral?... Eu vo-lo responderei. Prestai-me atenção.

Assim como o fruto vem da flor, assim a verdadeira moral vem, necessariamente, logicamente, da vida religiosa. Não pode haver moral sem religião; e vice-versa.

Nem demanda grandes arrazoados a prova disso. Bastará um pequeno raciocínio.

O cumprimento do dever é quase sempre um sacrifício; ora, a não haver uma força mais elevada que obrigue o homem a vencer a sua natureza para cumprir o dever, ele nunca, nunca o poderá fazer perfeitamente, sobretudo com desinteresse e com satisfação, se alguma vez o fizer. A religião é essa forma imensa, miraculosa, sobrenatural.

Tem incentivos para os fracos, doçura para os fortes, consolações para todos. É o laço vigoroso que nos prende ao Bem. Quebrado esse laço, a alma facilmente foge ao sacrifício, parecendo-lhe insuportável a cadeia do dever.

As provas disso abundam e têm abundado sempre. Grandes criminosos têm confessado no cadafalso ou no cárcere, que uma educação sem Deus é a que os levara à malvadez e à desgraça. Em tese é isso o que se dá.

A ideia de Deus eleva os pensamentos para o alto, para as santas ambições de uma vida melhor, de uma vida eterna, arrancando-o à lama da terra. As mesmas desgraças, as misérias da vida, perdem a sua foca destruidora quando batem no rochedo da fé. A fé traz a esperança e traz a caridade, o amor!

Uma chamada “moral utilitária”  ou “independente” – moral sem Deus, sem vistas largas para a eternidade – é falsa, absolutamente falsa, porque não se baseia em fundamentos duráveis, e, estando sempre sujeita ao vendaval  das paixões, fica por isso arriscada e exposta a interpretações errôneas, de acordo com o interesse individual, para satisfação dos gozos, que a natureza animal está sempre a exigir.

A base mais segura da moral é, pois, o catecismo cristão, porque pregar os bons costumes sem apontar para Deus é escrever na areia, falar de sacrifícios sem levantar os olhos para Jesus Cristo, o divino Crucificado, é pretender gravar letras em pedra com a ponta do dedo. Todo o piloto quer um rumo, todo o problema uma solução, e para esta luta titânica do bem contra o mal não são armas seguras as ideias vagas, indecisas, a flutuarem nas ondas da dúvida, a se abismarem no vazio da negação, que nada resolvem e nada deixam em troca das esperanças e das consolações que arrebatam.

Eis aqui, a respeito, alguns trechos de um discurso que Vitor Hugo, o grande poeta francês, pronunciou no Senado, defendendo a educação religiosa:

“Há uma desgraça em nossos tempos, e quase direi que é a única desgraça: é a tendência a reduzir tudo a esta vida. Dando-se ao homem por único e melhor destino a vida terrena e material, se agravam todas as suas misérias com a negação do que é superior; à opressão dos desgraçados agrega-se o peso insuportável do – nada; e nisto está a origem das profundas convulsões sociais... Oh! Como a nossa miséria se diminui, quando nos consola uma esperança sem fim – Deus!

Deus se mostra no fim de tudo.

Não o neguemos e ensinemo-lo a todos; não haveria dignidade alguma em viver, toda a vida nada valeria, se nos devêssemos aniquilar para sempre, se nos esperasse uma morte eterna.

O que alivia as nossas tristezas, o que santifica o trabalho, o que torna o homem forte, sábio, paciente, benévolo, justo, a um tempo humilde e grande, digno da inteligência, digno da liberdade, é conservar em si, profunda e arraigada, a perpétua visão do mundo melhor, que brilha através das trevas desta vida – o Céu!”

Que belíssimas palavras!...  Que grandes verdades exprimem elas!... Sim, queridas leitoras, sem Deus não há, não pode haver virtude nem verdadeira moralidade. Haverá cálculo, quando muito.

Ficai, pois, certas disso: educação a que faltar a base sólida, incorruptível e poderosa da religião, será uma educação manca, toda de aparências somente, mais ou menos como um bonito palacete de papelão dourado, rendilhado, que um louco mandasse fabricar para abrigar-se dentro. À primeira rajada de temporal, zás, palacete no chão.

Portanto, minhas boas cidadãs, nada de aparências somente, nada de roupagens de ouro a encobrir corações de lodo. Educação modelada pelas normas sublimes do Evangelho – normas que nenhum sistema filosófico pôde jamais nem poderá igualar nem substituir -, sentimentos morais a nutrir-se com a seiva vigorosa da fé – eis as raízes inabaláveis do dever, eis aí a verdadeira educação mora, sem a qual a instrução será mais prejudicial do que útil, sem a qual o homem não pode ser senão desgraçado por mais que procure a felicidade neste mundo, quase sempre injusto e cruel.

- E correu-me a pena para esta disgressãozinha, ao falar de uma boa escola pelo seu lado material. Haveis de perdoar-me. É que para mim o lado material das coisas é o menos importante, e a melhor escola será, não a que mais provida for de apetrechos pedagógicos, porém a que melhor cidadãos formar; não a que maior soma de conhecimentos der, porém a que mais virtudes incutir.

 

(Extraído de “Mestra e Mãe”, de Amélia Rodrigues, págs. 39/43)

 

 

 

 


segunda-feira, 7 de julho de 2025

GRAVES ERROS DE ALGUNS PAPAS QUE NÃO ENVOLVERAM A INFALIBILIDADE PONTIFÍCIA

 



 


O Papa sofre influência direta do Espírito Santo, que guia a Igreja através de inspirações a seu Corpo Místico e ao Vigário de Cristo na terra. No entanto, há influência externas de outras naturezas, como as do mundo, dos próprios fieis, dos bispos e cardeais, etc., as quais podem induzir o Pontífice a corrigir falhas ou até a cometer erros. Mosenhor Henri Delassus, em sua obra “La Conjuration Antichrétienne”, publicada em 1910, relata episódios em que a vidente Catharina de Emmerich visitava misticamente o Papa de seu tempo trazendo-lhe orientações sobre como proceder em casos duvidosos. Houve outros casos em que simples fieis davam orientação aos Papas através de visões místicas, como, por exemplo, o fez Santa Catarina de Siena no caso do cisma do Ocidente.

Há casos, porém, em que surgem outras influências más, oriundas de pessoas do mundo, mas que são próximas ao Papa. Nunca, porém, nenhum Papa cometeu erro de doutrina, de moral, de fé, fazendo prevalecer sempre o dogma da infalibilidade pontifícia nessas matérias.

E o Papa pode errar?

Transcrevemos parte do texto divulgado pela Gaudium Press, de autoria de Luís Toniolo, onde conclui desta forma:

“Posto o ensinamento sobre a Infalibilidade na Pastor Aeternus, cabe levantar algumas perguntas frequentes sobre esta autoridade papal.

O Papa erra?

Sim. A Pastor Aeternus deixa bem claro que este carisma de indefectibilidade se estende somente em matéria de Fé e moral. Isso quer dizer que o Papa pode errar em outras matérias que não tenham ligação diretamente com a Fé. Por exemplo, o Romano Pontífice pode errar em matéria de ciência, política e arte. Seus gostos estéticos podem ser lamentáveis, entretanto, em nada sua infalibilidade estará maculada.

O Papa pode pecar?

Sim. Infelizmente – dói dizer – nem todos os Papas foram santos. Entretanto, seus ensinamentos, ao menos aqueles que proferiram, com os lábios ou por escrito, não contêm erros contra a Fé. Se suas obras, como a dos fariseus no tempo de Jesus, não condizem com sua doutrina, ainda neste caso permanece intacta a infalibilidade.

É preciso rezar pelo Papa?

Em tempos de crise, a busca da verdade se torna mais intensa, pois quando as nuvens toldam os céus do mundo, o homem procura uma estrela, um farol, algo que possa guiar-lhe nas incertezas e nas dúvidas, na escuridão do erro e do pecado.

Nestas horas, falsas luzes podem levar ao naufrágio a barca de Pedro.

É papel do Papa, faz parte de seu ministério, é sua missão, dizer ao mundo onde está a Verdade.

Rezemos pelo Papa. Por Luis Toniolo”.[1]



[1] Texto publicado por ocasião do 150º aniversário da promulgação do dogma da infalibilidade pontifícia em julho de 2020-   Pastor Aeternus: o Papa não erra (I) | Gaudium Press   -  Pastor Aeternus: o Papa não erra (II) | Gaudium Press

 

Um pontificado cheio de erros foi o do cardeal Roderic Llançol i de Borja, o famoso Alexandre VI (1492-1503). Mas, erros mais na linha moral, dos costumes e administrativos. Seu pontificado foi tido como um paradigma de corrupção moral, inclusive causando escândalos contra a castidade, tendo filhos através de relacionamentos pecaminosos com algumas damas. Provocou uma verdadeira invasão secular dentro da Igreja e muito nepotismo: nomeou dezenas de parentes para altos cargos na Igreja. Foi acusado até de cometer o pecado de simonia. No entanto,  Alexandre VI protegeu as ordens religiosas, aprovando Congregações recém-fundadas e a evangelização do Novo Mundo e da Groenlândia.  Não exarou nenhum documento público com erros de fé e de moral.

Com relação a assuntos de outras naturezas, como, por exemplo, de problemas políticos, de administração interna ou de ordem disciplinar, houve diversos casos de erros cometidos pelos Papas. A começar pelo próprio São Pedro, o qual foi advertido por São Paulo por acatar os erros dos que exigiam que os novos cristãos não hebreus fossem circundados juntamente com o batismo, conforme narra os Atos dos Apóstolos.

Tendo o primeiro Papa, São Pedro, tomado medidas disciplinares referentes à permanência no culto católico de práticas remanescentes da antiga sinagoga, São Paulo viu nisto um grave fator de confusão doutrinária e de prejuízo para os fiéis. Levantou-se então e "resistiu em face" a São Pedro (Gal. II, 11). Este não viu, no lance fogoso e inesperado do Apóstolo das Gentes, um ato de rebeldia, mas de união e amor fraterno. E, sabendo bem no que era infalível e no que não era, cedeu ante os argumentos de São Paulo.

São Paulo dizia que apenas se exigisse que fossem batizados na religião cristã. São Pedro era de opinião contrária, seguido por outros apóstolos que desejavam ser fiéis à tradição mosaica. A questão causou controvérsias, havendo intervenção divina do Espírito Santo, como o caso do centurião Cornélio (At 10, 34-48), e outros citados nos Atos (At  11, 1-9 e 10, 11-16). Quer dizer, o divino Espírito Santo assiste a Igreja como um todo, inspirando não somente os pastores mas também os fieis e apóstolos que formam o Corpo Místico de Cristo.

Mesmo após os sonhos ou visões de São Pedro a questão ainda não ficou completamente resolvida, conforme relata o próprio São Paulo em sua Epístola aos Gálatas (2, 11-14), pois São Pedro e outros apóstolos tinham receio de aparecer publicamente com os gentios convertidos e não circundados. Na oportunidade, São Paulo chamou de hipócritas àqueles que procediam diferente a respeito do tema da convivência com os gentios convertidos, batizados, mas não circundados.

Vejamos dois casos de erros graves, mas que assim mesmo não tiveram nenhum efeito sobre a  infalibilidade pontifícia. O que poderia fazer com que um Papa, por exemplo, ordene o fechamento de ordens religiosas tão benéficas e úteis à Igreja como foi o caso dos Templários e da Companhia de Jesus? Isso pode ter sido causado pela forte influência do mundo, representado pela sociedade em que vivia, e seus assessores, os bispos e cardeais da cúria romana, os quais também sofrem influência do mundo. É como se um guerreiro envolvido numa luta primordial quisesse amputar dois órgãos de seu corpo para enfrentar assim o inimigo no combate.

 

SUPRESSÃO DA ORDEM DOS TEMPLÁRIOS, FIM DA IDADE MÉDIA

De um modo natural o mundo influencia primordialmente os monarcas. O direito romano convenceu alguns reis a usar o poder estatal como se fosse uma forma suprema de soberania, impondo inclusive o seu poder absoluto sobre o resto da sociedade (chamaram-nos então de “reis absolutistas”), sem excluir um suposto direito de ser superior à própria Igreja. São os antecessores dos socialistas e comunistas modernos. Assim, Filipe IV, chamado “Filipe o Belo”, rei de França (de 1285 a 1314), neto do grande São Luís IX, tomou algumas atitudes ditatoriais para impor o poder estatal. Numa delas mandou esbofetear o Papa Bonifácio VIII em praça pública a fim de deixar patente a todos sua soberania até sobre o Papado. Em seu reinado houve o famoso cisma do Ocidente (em Avignon) e o início da “guerra dos cem anos” entre Inglaterra e França. Pode ter tido origem também ao apelido de “déspotas esclarecidos” dado a alguns monarcas, em virtude de pautar seus procedimentos com base nas ideias dos filósofos que então surgiam na época.

Naquele tempo a Ordem dos Templários era um dos sustentáculos da ação apostólica da Igreja, detendo não somente poder de influência religiosa mas também financeira. Com graves problemas de dívidas e tendo de recorrer a empréstimos, Filipe “o Belo” julgou que poderia se apoderar da suposta riqueza daquela Ordem para suprir suas necessidades, e assim urdiu um plano. Não conseguindo junto dos Templários recursos para financiar seus negócios reais,  usou a sua influência sobre o Papa Clemente V para acabar com a Ordem e confiscar todos os seus bens. Para isso, colocou em prática uma estratégia de descrédito, acusando os Templários de heresia, imoralidade, sodomia e diversos outros crimes. Com base nisso pediu e conseguiu criar uma inquisição contra eles. Uma  ordem de prisão foi redigida em 14 de setembro de 1307 (no dia da Exaltação da Santa Cruz), e no dia 13 de outubro de 1307 (uma sexta-feira), todos os cavaleiros que estavam em território francês foram presos. Foi a partir daí que surgiu a superstição de se dizer que a sexta feira quando cai no dia 13 dá azar.

Entre 19 de outubro e 24 de novembro de 1307, 138 prisioneiros Templários foram interrogados em Paris sob torturas, a fim de conseguir confissões que comprometessem a Ordem. Numa carta do papa Clemente V ao rei, datada de 27 de outubro de 1307, deixa a entender os protestos do Pontífice para com os meios pelos quais os cavaleiros eram interrogados e as confissões lhe eram arrancadas.

Mas, o Papa não resiste e começa a ceder. Alguns dias depois, em 22 de novembro de 1307, pela bula Pastoralis præminentiæ o próprio Papa recomenda a prisão dos Templários em outros países da Europa, dando a entender que estava cedendo completamente aos desejos do rei ou de alguma sociedade secreta à qual o mesmo pertencia.

A partir de 1310, a Igreja institui sua própria investigação sobre a Ordem, na qual chegaram a depor 573 cavaleiros. Todos em defesa da Ordem e afirmando que as confissões foram arrancadas no tribunal inquisitorial francês por meios de tortura. Em 16 de outubro de 1311, o papa Clemente V abre o Concílio de Vienne, no qual se concluiu que, com base nos inquéritos eclesiásticos, bem como também nos civis, não havia fatos palpáveis de culpabilidade.

Mesmo assim, a Ordem dos Templários é suspensa em 22 de março de 1312, pela bula 'Vox in Excelso". Em seguida, o papa Clemente V, através bula "Ad providam" de 2 de maio de 1312, transfere todos os bens dos Templários para a Ordem dos Hospitalários, exceto os de Portugal, de Castela, de Aragão e de Maiorca, os quais ficariam na posse interina dos monarcas, até o Conselho decidir qual o seu destino. Essa transferência visava proteger temporariamente os bens da Ordem que o rei tencionava desapropriar como se fossem do reino.

No adro da Igreja de Notre-Dame, em Paris, instalaram um cadafalso, para no dia 18 de março de 1314 anunciar a sentença de prisão perpétua aos cavaleiros Tiago de Molay, Hughes de Pairaud, Geoffroy de Charnay e Geoffroy de Gonneville. Em meio ao anúncio da sentença, De Molay e Geoffroy de Charnay levantaram-se bradando sua inocência e a de todos os Templários, que todos os crimes e heresias a eles atribuídos foram inventados. No mesmo dia, armou-se uma fogueira próxima ao jardim do palácio onde foram queimados Tiago de Molay e Geoffroy de Charnay. Registra-se no episódio uma das ações que mancham o bom nome das inquisições que se faziam contra hereges e cismáticos, desta vez usada contra bons religiosos e comprometendo o próprio Papado e o nome da Igreja. O mesmo tipo de “inquisição” foi usado também, um século depois, contra Santa Joana D’Arc, época também em que findou a famosa “guerra dos cem anos”.

O chamado "Pergaminho de Chinon" ao declarar que Clemente V pretendia absolver a ordem das acusações de heresia, e que poderia ter dado eventualmente a absolvição ao último grão-mestre, Jacques de Molay, e aos demais cavaleiros, suscitou a reação da monarquia francesa, de tal forma que obrigou o papa Clemente V a uma decisão covarde, sancionada em 1312, durante o Concílio de Vienne, através da bula "Vox in excelso", a qual declarava que o processo não havia comprovado a acusação de heresia, mas, mesmo assim afirma que, “pelo bem da Igreja”, a Ordem deveria ser suprimida.

Séculos depois, após a descoberta nos arquivos do Vaticano da ata de Chinon, assinada por quatro cardeais, declarando a vontade de dar a inocência dos Templários, o rumoroso processo foi recordado em uma cerimônia realizada no Vaticano, a 25 de outubro de 2007, na Sala Vecchia do Sínodo, na presença do monsenhor Raffaele Farina, arquivista bibliotecário da Santa Igreja Romana, de monsenhor Sergio Pagano, prefeito do Arquivo Secreto do Vaticano, de Marco Maiorino, oficial do arquivo, de Franco Cardini, medievalista, de Valerio Manfred, arqueólogo e escritor, e da escritora Barbara Frale, descobridora do pergaminho e autora do livro "Os Templários".

Os cavaleiros Templários, enquanto ordem simultaneamente militar e monástica, ativa e contemplativa, tinham como missão original levar a Terra Santa ao controle cristão.

 

Supressão da Companhia de Jesus

O clima criado pelo Humanismo e o Iluminismo, no século XVIII, era de completo ceticismo com relação à Religião e de apego ao racionalismo e à soberania do poder estatal. Tais correntes conseguiram juntar filosofia à politica. Era o clima que havia se iniciado já no tempo de Filipe “o Belo” e continuava a imperar entre os reinos europeus. A Revolução Francesa de 1789 foi um exemplo de explosão de uma elite burguesa contra a ordem sacral que provinha da Idade Média, deixando reflexos profundos em toda a Europa. Em Portugal não conseguiram usar o mesmo sistema utilizado na França, mas, perante uma monarquia eivada dos erros imperantes em toda a Europa, levaram a efeito a perseguição aos padres Jesuítas, prejudicando assim toda a Igreja: o principal ministro do rei, Marquês de Pombal, foi usado como o principal e ardoroso perseguidor da Ordem Religiosa que seguia mais a ortodoxia católica. Sob pretextos diversos, como um suposto regicídio e a guerra contra os povos das Missões no Brasil, acusou os Jesuítas de traição à pátria, levando muitos a serem sumariamente executados e outros para o desterro. Estava ali sendo iniciado um longo processo de perseguição à Companhia de Jesus que culminaria mais tarde com sua total supressão.

Vejamos, a seguir, como foi que o mundo conseguiu influenciar até mesmo a decisão de um Papa. O Marquês de Pombal teve tanto apoio de certo clero decadente que conseguiu que fosse nomeado seu irmão para dirigir uma inquisição formada para julgar o missionário jesuíta Padre Malagrida, o qual foi condenado e executado num processo espúrio e injusto. Tinha ocorrido um terremoto em Lisboa e o padre Malagrida fez uma homilia dizendo que tinha sido castigo por causa dos pecados cometidos, especialmente pelo famoso Marquês de Pombal. Essa homilia foi impressa e distribuída pelos católicos pela cidade, causando uma má impressão pública do governante. Este, irritado contra o que disse o padre armou esta falsa inquisição, a qual terminou por mandar executá-lo com torniquetes. O inquisidor, irmão do próprio Marquês de Pombal, havia recebido tal poder diretamente de Roma.

Havia sido alimentado também dentro da própria Igreja um clima de ciúmes e invejas contra os Jesuítas, já que a Ordem tinha grande supremacia religiosa, intelectual e moral. Eles mantinham elementos da fina flor da sociedade em suas fileiras, além de posições invejáveis nas cortes com professores, pregadores e confessores,  assim como destaque por certo predomínio científico. E, acima de tudo, suas missões perante os aborígenes obtinham sucesso enorme ainda naqueles tempos. De outro lado, os padres da Companhia vinham realizando uma bem-sucedida luta contra erros e desvios doutrinários, como o jansenismo, encontrando forte oposição em alguns setores religiosos.

Tal era esse clima dentro da Igreja que, ao serem presos os jesuítas da Ilha dos Açores, religiosos de outras ordens aplaudiram a medida publicamente, conforme relata Eckart: “Nos Açores deu-se ainda uma vergonhosa particularidade: É que houve Religiosos de diversas Ordens que, ao ver os Jesuítas levados cativos a desfilar pelas ruas a caminho do cárcere, aplaudiram radiantes com graçolas sarcásticas e dísticos satíricos. Houve mesmo quem do púlpito desse graças, e explodisse em manifestações de regozijo pela desgraça dos Jesuítas”.

Assim, neste ambiente adverso até dentro da própria Igreja o Papa Clemente XIV resolve suprimir a Ordem em 1773, colocando o Superior Geral, Lorenzo Ricci, em prisão no Castelo de Sant’Angelo e exigindo que os demais deixassem a Ordem. Não havia clima para se repetir o que fizeram com a Ordem dos Templários, inquisições falsas e mortes, mas algumas prisões e deportações, causando um dano irreparável em toda a Igreja, principalmente por prejudicar as inúmeras missões jesuíticas espalhadas pelo mundo.

Na época havia 39 Províncias, 669 colégios, 237 casas de formação, 335 residências missionárias, 273 missões e mais de 22 mil membros, entre irmãos leigos, seminaristas e sacerdotes. Por exemplo, havia no Brasil um seminário jesuíta que continha cerca de 500 internos: ficava no lugar chamado Belém de Cachoeira, na Bahia, onde hoje só há ruínas. Estudou nele um Santo brasileiro, Santo Antonio de Santana Galvão, e foi lá que o Padre Bartolomeu de Gusmão fez suas primeiras experiências com o balão, levando-o depois para Lisboa. Apesar de um ato injusto nem por isso os sacerdotes se revoltaram, mas simplesmente cumpriram todas as determinações emanadas do Papa.

O Padre Lorenzo Ricci, antes de falecer, deixou a seguinte declaração:

“Na certeza de que em breve Deus me vai chamar a Si, dada a minha avançada idade e os longos trabalhos por que passei, muito superiores à minha fraqueza, entendo que devo preventivamente cumprir um dever que me pesa, pois pode facilmente acontecer que a doença me venha a impedir de o fazer “in articulo mortis”.

“Considerando-me, portanto, prestes a comparecer perante o tribunal da Justiça e Verdade infalível, que é o tribunal de Deus, depois de longa e madura consideração, e depois de ter suplicado humildemente ao meu misericordiosíssimo Redentor e terrível Juiz não permita que eu, num dos últimos atos da minha vida, me deixe levar da paixão ou ressentimento da alma para um fim menos ordenado,  mas só pelo sentimento do dever, para fazer justiça á verdade e á inocência:

“I. Declaro e protesto que a extinta Companhia de Jesus não deu motivo algum para a sua supressão. Declaro-o e protesto com aquela certeza moral que pode ter um Superior bem informado acerca das coisas de sua Ordem.

“II. Declaro e protesto que eu não dei motivo algum, nem sequer leve, para a minha prisão. Declaro-o com aquela plena certeza que cada um tem das próprias ações. Faço este protesto somente porque ele é necessário à reputação da extinta Companhia de Jesus, da qual fui Prepósito Geral.”

 

Restauração

No entanto, ao contrário dos Templários, a Companhia de Jesus foi restaurada em 1814 através da Encíclica “Solicitudo omnium ecclesiarum” do  Papa Pio VII. Antes disso, a partir de 1782, a Igreja já permitira que a Ordem permanecesse apenas na Rússia e na Polônia.