quarta-feira, 26 de julho de 2023

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E O FEMINISMO

 


Enquanto a Revolução na política e nos costumes se propagava por golpes e revoltas sangrentas na França por cerca de 100 anos (1789 a 1870), nascia na Inglaterra o que se denominou de “Revolução Industrial”, a qual teve maior desenvolvimento no decorrer do século XIX. A única revolução dita política (depois da revolta anglicana do século XVI) havida naquele país no período foi a ampliação e reforma do Parlamento com a criação da Câmara dos Comuns  (que seria eleita pelo povo) em confronto com a Câmara dos Lordes (nomeada pelo rei). Tendo boas reservas minerais, muito dinheiro e com a mecanização bem sucedida, a Inglaterra tomou a dianteira na disputa pela industrialização. Na primeira fase da chamada “Revolução Industrial” (mais ou menos de 1760 a 1870), o Império Britânico quase não encontrou rival e pôde se consolidar como o principal centro da economia capitalista mundial. 

A Revolução Industrial e a mulher européia

A burguesia mercantilista escolheu a Inglaterra, o “paraíso” dos negócios de então, para aplicar seus altos capitais na “Revolução Industrial”.  Assim, a soldo de tanto dinheiro, surgiram logo novas técnicas e novas fontes de energia para que a idéia daquela Revolução fosse adiante. Em busca de riqueza e fama, tivemos no século XIX uma verdadeira “febre”  de invenções, como a do motor a vapor, dos trens, dos bondes, dos teares mecânicos, etc. Inicialmente, o “front” revolucionário do enriquecimento da burguesia mercantilista do mundo todo era a indústria de tecelagem e algodoeira. Aperfeiçoaram-se as máquinas de cardar, bater, fiar, tecer, todas movidas ainda a vapor. As novas máquinas permitiam produzir mais com menos gente. Desta forma, poder-se-ia contratar mulheres e crianças (mão-de-obra mais barata) em vez dos homens. Temia-se que o desemprego entre os homens causasse algum transtorno social no país, mas nem por isso deixaram de pôr em prática seus planos. A única coisa em que se pensava era que com a redução dos custos haveria mais produção e se poderia criar mais fábricas e gerar novos empregos. Foi isso que deu a famosa “arrancada”  industrial à Inglaterra de então.

Foi seguindo o curso da “Revolução Industrial” que também surgiram as revoltas sindicais, as lutas por direitos de voto, pela “democratização” da política, por menos carga horária dos trabalhadores, e pela liberdade da mulher... Isso porque aquela burguesia, no afã de um rápido enriquecimento, não dava aos seus operários o valor humano que eles mereciam. Utilizava em suas fábricas uma mão-de-obra barata e sem qualquer qualificação, geralmente composta em sua maioria de mulheres e crianças. Lá, os pioneiros dos movimentos que a esquerda chama de “sociais” foram os sindicalistas denominados de “cartistas”: defendiam na Inglaterra a aprovação dos princípios da “Carta do Povo”, através do sufrágio universal (somente masculino ainda), do voto secreto, da renovação anual do Parlamento e de outros princípios democráticos.

 Palácios fascinantes

Como chamar a atenção de investidores de outros países?  Como propagar a toda a sociedade que a “Revolução Industrial” traria prosperidade e felicidade para todos? Pelo fascínio. Em meados do século XIX, idealizou-se uma grande exposição industrial em Londres, destinada a todos os povos da terra, realizada num luxuoso palácio cheio de maravilhosos espelhos de cristais. Dizia-se que o homem encontrava-se perante o “espelho do futuro” ante aqueles fulgurantes espelhos.  Diante de um “chafariz”  de puro cristal, com dez metros de altura, situado no centro do pavilhão principal, a rainha Vitória inaugurou solenemente a feira industrial das nações: lá estavam expostos milhares de artigos e artefatos industriais, teares, guindastes, máquinas agrícolas (especialmente destinadas ao plantio de algodão), em curioso contraste com o luxo dos cristais. Entre os expositores havia estrangeiros, mas os ingleses, é claro, eram maioria.

Os visitantes ficavam fascinados com tanto luxo e deslumbramento, destinados no entanto para acomodar simples “stands” de exposições de máquinas e engenhos mecânicos dos mais variados tipos. O público exclamava admirado que ali havia um palácio de sonhos! Era o futuro fulgurante e maravilhoso que se descortinava por detrás do brilho dos cristais.  Milhares de pessoas, inclusive vindas de outros países, pagaram ingressos para ver aquela maravilha. Lá estavam também banqueiros, comerciantes e industriais (de onde viriam as fortunas para o novo investimento), além de artesãos (simples mão-de-obra ou os que queriam crescer na nova atividade), ricos ou pobres, pois a todos era destinada aquela fascinação. Principalmente mulheres, muitas mulheres, que levavam com elas seus esposos, filhos,etc. Muitos daqueles que foram lá admirar o palácio de cristal, apesar de passar por certa crise financeira pelo desemprego, sentiram-se momentaneamente esquecidos de seus problemas e passaram a sonhar no futuro.  De repente, sentiram-se estar penetrando numa nova era de paz, prosperidade e felicidade... Era o poder do fascínio pela teconologia e pelo progresso industrial.

Alguns anos depois a cena se repete, desta vez em Paris: no ano 1900 (passagem do milênio, quando os homens são tentados pela miragem do futuro risonho e feliz) era inaugurado o “Palácio da Eletricidade”, um suntuoso prédio, feericamente iluminado, que abrigava uma esplendorosa exposição de produtos elétricos, onde se mostrava as novidades de lâmpadas, dínamos, fusíveis, soquetes, interruptores, disjuntores e todos os recentes inventos que faziam da eletricidade o novo “glamour” da humanidade. Um jornal da época comentou: “Sem eletricidade a exposição não passa de uma massa inerte, sem o menor sinal de vida...  um simples toque de dedo no interruptor e o fluido mágico brota. Por toda parte, a alma do Palácio da Eletricidade dá luz e vida a tudo”.   Era a modernidade do progresso tecnológico que encantava a milhões, fato repetido pela TV e pelo computador dos dias de hoje. Naquele tempo, porém, era necessário que os “Palácios”, seja de cristal ou de luz, dessem “glamour” a tais engenhos a fim de levar o fascínio às multidões. No advento da TV, dos jatos de luxo e do computador e do celular, a Revolução não precisa mais de “palácios” , seja de cristal ou de luzes elétricas, pois o fascínio pelo progresso tecnológico já havia sido enclausurado no coração do homem.

O ambiente pós-Revolução Industrial

Lançadas as bases da concepção da Revolução Industrial e vitoriosa esta, principalmente na Europa, ficava no subconsciente das multidões a idéia de que o homem finalmente estava caminhando para resolver vários problemas sociais através do progresso tecnológico e industrial. Era a felicidade baseada no gozo da vida e dos prazeres terrenos. Esta concepção cresceu nas pessoas como um verdadeiro fascínio, mas deixando em aberto muitas das questões sociais, como o problema do trabalho feminino e infantil nas fábricas, a carga máxima de trabalho por dia, os dias de descanso remunerado, o auxílio previdenciário e de saúde, etc. Estas questões sempre foram levantadas pela esquerda, mas só para desviar de seu rumo as verdadeiras soluções, as quais só viriam a ser conhecidas quando a Igreja começou a lançar as chamadas Encíclicas sociais, principalmente a partir do Papa Leão XIII. A esquerda sempre apontava como solução o Estado totalitário, a comunidade de bens e a ditadura do proletariado (havia também as soluções “democráticas”, partidas de grupos ditos capitalistas ou “direitistas”), enquanto a Igreja apontava a sociedade orgânica, sacral e estruturada com base nos princípios cristãos como a verdadeira solução para todos os problemas sociais.

Assim, mesmo sem ainda haver solucionado tais questões na sua vida real, encontramos o início da século XX com toda a Europa nadando na mais estonteante riqueza, onde cidades como Londres, Viena, Berlim e Paris apresentavam um aspecto verdadeiramente paradisíaco em seu traçado urbanístico, em seus palácios exuberantes e em diversas instituições estuantes de vitalidade e progresso tecnológico. O Palácio da Eletricidade fez com que se irradiasse por toda a Europa o encanto pela luz elétrica. Os teatros e as óperas de luxo (agora um luxo cheio de brilho elétrico)  não eram mais exclusividade de Paris. Nem tampouco as belíssimas iluminações elétricas das ruas.

É característica desta época a busca do arrojo tecnológico que fascinasse as multidões, surgindo várias indústrias de peso como a automobilística, a de bondes, de trens e a de navios, culminando com a construção do transatlântico “Titanic”, um modelo de perfeição da técnica, do luxo e de gozo, um desafio que o homem lançava ao seu próprio futuro, afundado por um iceberg na década de 1910.  Era para lá que caminhava a humanidade, isto é, o afundamento, e não a plenitude do gozo desta vida como queriam alguns.

Essa falsa “paz”[1] e uma prosperidade superficial logo levaram os europeus a uma vida cheia de deleites e até de extravagâncias: a última moda se apresentava agora tanto em Paris quanto no Hyde Park de Londres, ou até mesmo nas Américas; o exibicionismo social se mostrava presente também nas calçadas de cidades conservadoras como Viena; foliões de vários países podiam agora ir ao baile de máscaras da Ópera de Paris; o resto da aristocracia havia sido destroçada por Napoleão, mas havia ainda alguns (burgueses “aristocratas”) que participavam de uma vida social mais requintada e isolada, embora com algumas excentricidades, com fins de semana no campo, cavalgadas, caçadas e esportes mais elitizados.  Logo, logo, a época que se eclipsava sob o luxo e a riqueza tomou um nome atraente: “La Belle Époque”.

 Quando a Primeira Grande Guerra explodiu em 1914, ninguém entendeu qual a sua causa, um conflito inexplicável diante de uma Europa rica e “feliz”... Para muitos ainda é inexplicável que tenham se engalfinhado num conflito mundial dezenas de nações “felizes” e ricas, supostamente por causa apenas de um atentado cometido contra um estadista austríaco. Três das grandes dinastias centenárias, que sobreviveram à Revolução Francesa e seus desdobramentos, foram destroçadas após a Guerra: a dos Romanov, na Rússia, a do Kaiser, na Alemanha, e a dos Habsburgo, na Áustria. A Revolução implantaria a ferro e fogo,  neste início de século, a sua terceira fase, a Comunista (cuja ideologia  nascera no século anterior, também em país de maioria protestante, a Alemanha), enquanto de outro lado propagava o sonho adormecedor da felicidade pelo progresso industrial e tecnológico, o qual, aliás, só era acessível naquele tempo aos mais ricos...

Surge a “questão”  feminina

No decorrer da Revolução Industrial a chamada “questão feminina”  havia sido levantada por alguns “pioneiros”, mas ao lado de diversos outros problemas sociais próprios da esquerda, como o trabalho infantil, o direito do voto, etc. Foi nas primeiras décadas do século XX que essa questão foi tomando um aspecto mais peculiar e diferenciado dos demais problemas sociais.

A mulher havia sido incorporada ao contingente de trabalhadores fabris, mas nada se contestou contra a sua presença naquele setor. Isso talvez porque as operárias eram constituídas de pessoas da classe pobre e sem representatividade. Para os ideólogos das chamadas “causas sociais” o mais importante, na época, era propagar a Revolução Industrial, mesmo em prejuízo da formação da mulher. Esta tinha sido virtualmente arrancada de seu lar para exercer um trabalho que, além de ser mais apropriado ao homem quanto ao modo de executá-lo, não o era para a mulher pelo fato de afastá-la do lar e dos filhos. Com o desemprego crescente entre os homens houve vários casos de mulheres que iam trabalhar enquanto os maridos ficavam em casa (como já é comum no mundo moderno).  Não era esta a questão levantada pelas feministas do tempo, mas sim o direito que as mulheres deveriam ter para participar de passeatas, obter melhores salários, votar em seus candidatos e serem mais ativas na política. O feminismo sempre foi um movimento de elite e dirigido a pessoas da alta sociedade.  Aliás, quanto à participação feminina nos parques fabris, ou em qualquer outro trabalho semelhante, mesmo que fosse indigno, era ferreamente defendido como um direito da mulher e não um abuso de sua condição. “Direito”, aliás, só acessível às pobres e utilizado em prol da Revolução Industrial e da emergente burguesia industrial.



[1] A Paz, segundo Santo Agostinho, é a tranqüilidade da ordem.


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