Terça-feira da segunda semana
COMENTÁRIOS DE SÃO TOMÁS DE AQUINO
Uma vez que a obra da Encarnação é principalmente ordenada para a
reparação da natureza humana pela abolição do pecado, é evidente que não
convinha que Deus se tivesse encarnado desde o início do gênero humano, antes
do pecado; porque o medicamento não se dá senão ao que está enfermo, e é por
isso que o próprio Senhor diz: Os saudáveis não têm necessidade de médico,
mas os doentes, porque eu não vim chamar os justos, mas para os pecadores (Mt
9,12).
Tampouco foi conveniente que Deus se encarnasse imediatamente após
o pecado.
1ª) Devido à condição de pecado humano, que veio da orgulho; pelo
qual o homem deveria ser libertado para que, humilhado, reconhecesse que
precisava de um libertador. É por isso que a Glosa diz: Deus com grande prudência
determinou que seu Filho não fosse enviado imediatamente após a queda do homem.
Primeiro ele o deixou com a liberdade do livre arbítrio, para que ele pudesse
conhecer as forças de sua natureza; e, tendo sido assim desleal, recebeu a lei;
mas dada essa cresceu a enfermidade, por vício, não da lei, mas da natureza, de
modo que conhecido daí sua doença, chame o médico e busque a ajuda da Graça.
2ª) Por causa da ordem da promoção ao bem, segundo a qual procede
do imperfeito ao perfeito; portanto, o Apóstolo diz: Não antes o que é
espiritual, mas o que é animal; depois o que é espiritual. O primeiro homem da
terra, terreno; o segundo homem do céu, celestial (1 Coríntios 15, 46-47).
3º) Pela dignidade do Verbo Encarnado, como diz a Glosa: Mas
quando chegou a plenitude dos tempos (Gal 4, 4): Quanto maior fosse o juiz que
vinha, tanto mais longa série de proclamações teve que precedê-lo.
4º) Para que o fervor da fé não esfrie com demora, visto que até o
fim do mundo, a caridade de muitos esfriará. Por esta razão Ele diz: Mas quando
o Filho do homem vier, você acha que ele encontrará fé na terra? (Lc 18,8). A
Caridade leva tempo para socorrer o amigo, mas ressalvadas a oportunidade dos
negócios e a condição das pessoas; porque se um médico der ao enfermo o remédio tão logo se inicie a doença,
levaria menos vantagem e isso o prejudicaria mais do que o favoreceria. E por
isso o Senhor não ofereceu no princípio da raça humana o remédio da Encarnação,
para que não o desprezasse por soberba, se antes não conhecia sua enfermidade. (3º, q. I, a. V)
Maria sempre foi imune a todo pecado:
1°) No momento da concepção. Pois se crê
razoavelmente que gerou o Unigênito do Pai, cheio de graça e verdade, receberia
maiores privilégios de graça do que todos os outros. Portanto, conforme se lê
em Lucas (1.28): O anjo disse-lhe: Deus te salve, cheia de graça. Sabemos, no entanto, que alguns outros
receberam o privilégio de serem santificados no ventre, como Jeremias, a quem
foi dito: Antes de você partir o ventre, eu te santifiquei (Jr 1, 5); e também
a João Batista, de quem se disse: E ele será cheio do Espírito Santo, desde o
ventre de sua mãe (Lc 1, 15).
Logo, para que recebesse mais, Maria não só
foi santificada em seu seio materno, mas também preservada da culpa original.
Esta infusão da graça santificadora não aconteceu antes da fecundação, mas no
primeiro instante da fecundação. Os fatos que tiveram lugar no Antigo Testamento
são uma figura do Novo, de acordo com isso: “Todas essas coisas aconteceram com
eles em sentido figurado” (1 Cor 10:11). Mais para a santificação do
tabernáculo, da qual é dito: Santificou seu tabernáculo o Altíssimo (Sl 45,5),
parece significar a santificação da Mãe de Deus, chamada tabernáculo de Deus de
acordo com o Salmo (18, 6): No sol ele pôs seu tabernáculo. Do tabernáculo é
dito em Êxodo: Depois que todas essas coisas foram realizadas, uma nuvem cobriu
o tabernáculo do testemunho, e a glória do Senhor o encheu (Ex. 40, 31-32).
Logo, da mesma forma a Santíssima Virgem não recebeu a graça até que fossem
cumpridas todas as suas coisas, a saber: corpo e alma (ou seja, no mesmo
instante).
2°) Durante sua vida. Deus prepara e dispõe
aqueles que elege para algo, para que sejam adequados para o que são
escolhidos: Ele nos fez ministros adequados do Novo Testamento (II Cor 3, 6).
Se, então, a Santíssima Virgem foi escolhida por Deus para ser a Mãe de Deus,
não se deve duvidar que Deus a habilitou para isso por sua graça, como que o
anjo lhe diz: Achastes graça diante de Deus; eis que conceberás ... (Lc 1,30).
A Mãe de Deus não teria sido idônea se tivesse pecado; já porque a honra dos
pais redunda nos filhos, segundo o que está escrito: A glória dos filhos são
seus pais (Prov 17, 6), e pelo contrário, a ignomínia da mãe redundaria para o
filho; já também porque tinha afinidade singular com Cristo, que dela recebeu a
sua carne. É dito na 2ª Coríntios (6, 15): Que concórdia há entre Cristo e
Belial? Ou que parte tem o fiel com o infiel? Já também, porque o Filho de
Deus, que é a Sabedoria de Deus, habitou nela de uma forma singular, não só em
sua alma, mas também em seu seio. Mais se diz no Livro da Sabedoria (1, 4):
“Porque na alma maligna não entrará a Sabedoria, nem habitará em um corpo
sujeito a pecados”; portanto, deve-se reconhecer que a Santíssima Virgem não
cometeu qualquer pecado real, nem mortal nem venial; para que fosse cumprido
nela o que é dito: Sois toda formosa, amiga minha, e não há mancha em vós (Cânt 4, 7).
(3 °, q. XXVII, a. IV
- Virum dolorum et scientem infirmitatem. Ele foi um homem de dores e
experimentado nos sofrimentos (Is 53,3)
Meu doce Redentor, quando
começarei em fim a ser reconhecido para com a vossa bondade infinita? quando
começarei a reconhecer o amor que me mostrastes e as dores que sofrestes por
mim? No passado em vez de amor e gratidão, vos paguei com ofensas e desprezos;
serei eu sempre ingrato para
convosco, meu Deus, que nada poupastes para ganhar o meu amor?
Não, meu Jesus, não será mais assim. Quero ser-vos grato o resto de minha vida;
mas deveis socorrer-me. Se vos tenho ofendido, as vossas dores e a vossa morte
são a minha esperança. Prometestes perdoar a quem se arrepende; arrependo-me de
toda a minha alma de vos haver desprezado; realizai pois a vossa promessa, ó
meu Amor, perdoai-me. Meu caro Menino, nessa manjedoura já vos vejo pregado na
cruz, que já vos paira ante os olhos e que aceitais de antemão por mim. Ó
divino Infante, crucificado por mim, agradeço-vos e amo-vos. Sobre a palha,
sofrendo já por mim e preparando-vos
para morrer por meu amor, convidais-me a amar-vos, e mo ordenais: Amarás
o Senhor teu Deus; e eu nada mais desejo senão amar-vos. Se pois quereis
ser amado por mim, dai-me todo o amor que de mim pedis. O amor para convosco é
um dom da vossa bondade, e o mais precioso que possais fazer a uma alma. Ó meu
Jesus, recebei no número dos que vos amam um pecador que muito vos tem
ofendido. Do céu viestes procurar as ovelhas desgarradas, procurai-me pois que
eu só a vós procuro; quereis a minha alma, e minha alma não quer outra coisa
senão vós. Amais os que vos amam; eu vos amo, amai-me vós
também; e se me amais prendei-me ao vosso amor, e prendeime de tal
forma que nunca mais me possa separar de vós.
Maria, minha Mãe, socorrei-me. Seja também glória vossa ver o
vosso divino Filho amado também por um miserável pecador que outrora muito o
ofendeu. (págs. 140/141)
PREPARAI O CAMINHO
DO SENHOR
E tudo isto, de
acordo com a história e a letra, cumpriu-se precisamente quando João Batista pregou
a vinda do Salvador de Deus no deserto do Jordão; onde a salvação de Deus se
deixou ver. Pois Cristo e sua glória se puseram de manifesto para todos quando,
uma vez batizado, abriram-se os céus e o Espírito Santo desceu em forma de
pomba e pousou sobre Ele enquanto se ouvia a voz do Pai que dava testemunho de
seu Filho: Este é meu Filho, muito amado; escutai-o.
Tudo isto se dizia
porque Deus havia de apresentar-se no deserto, sempre impraticável e
inacessível. Se tratava, com efeito, de todas as gentes privadas do
conhecimento de Deus, com as quais não puderam entrar em contato os justos de
Deus e os profetas.
Por este motivo,
aquela voz manda preparar um caminho para a Palavra de Deus, assim como aplanar
seus obstáculos e asperezas, para que quando venha nosso Deus possa caminhar
sem dificuldade. Preparai um caminho ao Senhor: trata-se da pregação evangélica
e da nova consolação com o desejo de que a salvação de Deus chegue ao conhecimento
de todos os homens.
Sobe a um monte
elevado, arauto de Sião; levanta forte a voz, arauto de Jerusalém. Estas
expressões dos antigos profetas encaixam muito bem e se referem com
oportunidade aos evangelistas: elas anunciam a vinda de Deus para os homens
depois de se haver falado da voz que clama no deserto. Pois a profecía de João
Batista segue coerentemente a menção dos evangelistas.
Qual é esta Sião
senão aquela mesma que antes se chamava Jerusalém? E ela mesma era aquele monte
que a Escritura se refere quando disse: O monte Sião onde puseste tua morada; e
o Apóstolo: Haveis vos acercado ao monte Sião. Acaso desta forma se estará
aludindo ao coro apostólico, escolhido dentre o primitivo povo da circuncisão?
E esta Sião e
Jerusalém é a que recebeu a salvação de Deus, a mesma que por sua vez se ergue
sublime sobre o monte de Deus, quer dizer, sobre seu Verbo unigênito: a qual
Deus manda que, uma vez elevada ao sublime cume, anuncie a palavra da salvação.
Quem é que evangeliza senão o coro apostólico? E que é evangelizar? Pregar a
todos os homens, e em primeiro lugar às cidades de Judá, que Cristo veio à
terra.
(Dos comentários de
Eusébio de Cesaréia, bispo, sobre o livro de Isaías, cap. 40, PG. 24, 366-367)
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