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sexta-feira, 28 de setembro de 2018

O EXERCÍCIO DO JUÍZO EM NOSSO COTIDIANO







Segundo estudo do famoso Jean Piaget, o homem consegue atingir completamente seu juízo moral com idade em torno dos 12 anos. O “juízo moral” é o conhecimento e prática das regras sociais. É claro que o Autor não inclui como primordial nestas “regras sociais”, o Decálogo. Ele analisa o problema moral sob enfoque natural. [1]
No entanto, após os 12 anos o ser humano vai procurar outras regras morais com que possa viver mais comodamente de acordo consigo mesmo. Enquanto o juízo moral lhe indica que as regras são aquelas que aprendeu na infância, que lhes foram ensinadas em sua casa, na escola e na comunidade em que viveu, a partir de certa idade ele vai ser tentado a criar suas próprias regras, suas normas, baseando-se num conceito de liberdade que lhe dá o direito de escolher a vida que quiser levar doravante. Tem sido esta a tentação mais comum no homem moderno. Fugindo do cumprimento da Lei Primordial, que é o Decálogo, e as regras de conduta ditadas pelo Cristianismo, o homem começa a elaborar seu próprio conceito de juízo moral.

É lícito julgar o próximo?
Fazer juízo é um ato comum dos homens, e todos nós o fazemos cotidianamente sem mesmo o perceber. Muitas vezes expomos aos demais os nossos juízos sob a forma de opinião, de parecer ou de sentença. Nem sempre tal procedimento é mal, devendo apenas termos cuidado para não cometermos juízos temerários e não fazermos falsos julgamentos. Antes de tudo, vejamos o que diz São Tomás de Aquino sobre a licitude do ato de julgar o próximo:
“O juízo é justo na medida em que é um ato de justiça. Ora, como do sobredito resulta, três condições se exigem para que um juízo seja um ato de justiça: primeiro, que proceda de uma inclinação justa; segundo, que proceda da autoridade do chefe; terceiro, que seja proferida pela razão reta da prudência. A falta de qualquer delas torna o juízo vicioso e ilícito. – De um modo quando vai contra a retidão da justiça. E, então, o juízo se chama “pervertido” ou “ injusto”. – De outro modo, quando julgamos daquilo para o que não temos autoridade. E, então, o juízo se chama “usurpado”. – De terceiro modo, quando falta a certeza da razão; assim, quando julgamos do que é duvidoso ou oculto, levados por leves conjecturas. E, então, chama-se o juízo “suspeitoso” ou “temerário”.

No final de seu pensamento, conclui São Tomás:
“Nem contudo, por isso, ao julgar os outros, nós nos condenamos, por atrairmos sobre nós um novo motivo de condenação; mas, ao condenar a outrem, mostremo-nos merecedores da mesma condenação, por um pecado igual ou semelhante”..[2]
Não é difícil entender o raciocínio. Os abortistas, por exemplo, fazendo um juízo parcial e errado sobre os que condenam o aborto dizem que estes últimos são hipócritas, pois, segundo eles, querem encobrir a situação em que se encontra uma mulher que aguarda um “filho indesejado”. No entanto, feito um juízo conforme as regras morais cristãs, os abortistas é que se tornam hipócritas querendo encobrir sua vontade de eliminar a vida humana, de uma forma covarde e insana, com o pretexto de proteger a saúde ou a suposta “moral” da gestante. Eles julgam e acusam sem querer se submeter ao mesmo juízo. Um critério para se saber se a gente está fazendo um bom ou mau juízo é verificar se tal juízo é fruto do “juízo moral” da sociedade, as regras sociais cristãs, ou, pelo contrário, de nosso próprio juízo.
E assim são as pessoas hoje em dia. Possuem a capacidade de exercer seu juízo sobre si, sobre as demais pessoas e sobre toda a sociedade, mas o exercício desse juízo será feito de conformidade com suas normas e não com as regras que a sociedade lhes ensinou desde a infância.  Julgar é um ato perfeitamente normal na pessoa humana, mas o ato de julgar deve ser feito conforme as regras que Nosso Senhor Jesus Cristo deixou prescrito no Evangelho: “Não julgueis para não ser serdes julgados...”. Isto é, ninguém deve julgar os demais esperando não ser julgado da mesma forma e pelos mesmos motivos. É uma regra geral. E quem o faz? Para fazê-lo seria necessário praticar a santidade.
Vejamos o exemplo dos santos. Santa Teresinha do Menino Jesus (como todos os outros santos), quando era repreendida por uma falta que não havia cometido nunca procurava “se desculpar”, imaginando sempre que era mesmo capaz de haver cometido tal falta, mesmo estando inocente. São Domingos Sávio também era exímio nesse pormenor: nunca se desculpava das acusações que lhe eram feitas pelos colegas de escola, mesmo as injustas. E quem faz isso hoje? Pelo contrário, todos hoje procuram antes de tudo se desculpar e se dizer inocente perante um juízo ou acusação do próximo, muitas vezes até mesmo por faltas cometidas. Este tipo de comportamento é próprio daquele que elegeu para si mesmo um juízo moral baseado em regras próprias, que é o egoísmo e o amor-próprio. Trata-se de um comportamento corriqueiro no mundo de hoje.
Há uma falta cometida. Uma pessoa que tem autoridade sobre o grupo pergunta: quem fez isso? Vários, ao mesmo tempo, levantam logo a mão, dizendo: não fui eu! Não, eu não cometo tal falta porque sou perfeito! Não me acuse, não faça julgamento sobre mim! E muitas vezes o erro foi cometido exatamente por aquele que mais se desculpou. Mas, aí nesse caso já é uma ação de quem é renitente no erro e tem medo da censura pública: “medo da censura pública” é um comportamento que leva a maioria das pessoas a mentir e negar que cometeu suas faltas. Por que existe tal medo? É porque, ao atingir certa liberdade na prática do juízo moral, a pessoa não quer expor-se ao juízo moral que há na sociedade em que vive, o único juízo que ele admite é o de si mesmo. Submeter-se ao juízo dos outros é humilhar-se, é reconhecer que tem defeitos que os outros provavelmente não têm. Este tipo de humilhação é o pior de todos. Os moralistas católicos chamam isso de “respeito humano”, um tipo de receio da censura pública que leva o homem a esconder até seus pecados perante o Confessor.
Por causa deste medo da censura pública, de se submeter ao juízo moral dos outros, um homem é capaz de ir para a guerra, pois teme ser tido como covarde. No entanto, esse mesmo medo o faz esconder atos que mancham sua alma e o tornam desonesto, mesmo secretamente, imaginando que aquilo bem pode se tornar de domínio público.

O juízo e a Fé
Qual o critério para se saber, de antemão, que estamos fazendo um juízo correto? Há vários critérios, mas o principal é que tal juízo seja proveniente da Fé. A opinião pessoal é volúvel, instável, trata-se de um juízo parcial e sem o condão da certeza. Já a Fé, não; quem tem Fé é porque está de posse da Verdade e da certeza, não temendo errar em emitir seu juízo. Julgar com Fé, pois, é julgar corretamente. Tal julgamento não é feito como decorrência de uma moral particular, de uma preferência pessoal, mas de uma graça divina, pois quem tem Fé está de posse do próprio Deus e emite se juízo em co-regência com Ele.
A Fé é uma certeza inabalável, trata-se, portanto, da posse plena da Verdade. É um dom divino. Mas, há outros tipos de fé, como aquela que nos faz crer nas pessoas. Assim, uma autoridade, como um pai ou um professor, ao ministrar a educação a seus pupilos lhes transmite uma confiança semelhante a uma certa fé, o que faz com que acreditem nele sem medo de errar. Para vivermos em sociedade é necessário exercitarmos costumeiramente este tipo de confiança nas pessoas, crendo em seus juízos. De algum modo, tais autoridades ao emitir seus ensinamentos o fazem como se fosse o pronunciamento de vários juízos sobre a matéria do ensino. Aí, nesse caso, tais juízos são perfeitos porque provêm de uma autoridade que ensina as regras morais vigentes na sociedade, especialmente se forem cristãs. E quando os filhos ou alunos transmitem tais ensinamentos, não na forma de opinião, mas de juízo, aos demais, emitem um juízo correto.
Assim, há dois graus na emissão do juízo humano: o primeiro passo pode ser sua opinião, depois vem o juízo acompanhado da Fé.  Ou a Fé propriamente dita, baseada na crença em Deus e na sua Religião, ou a fé simples comparada com a confiança nas pessoas ou no meio social em que vivemos.

Na opinião há mais dúvida do que certeza
As pessoas cotidianamente emitem opiniões, espécies de sentenças, aceitando ou repudiando aquilo que está sob seu julgamento. Mas, emitir opinião simplesmente não basta para fazer juízo e ter certeza, pois nossa opinião é falha e cheia de amor-próprio. São Tomás de Aquino diz que o homem não deve ter somente opiniões, mas fé, pois esta é firme e inabalável enquanto nossas opiniões são vulneráveis e cheias de erros. Daí o erro de Descartes e seus seguidores em eleger a dúvida como ponto de partida da certeza. O ponto final de um perfeito juízo deve, pois, ser conseqüência de nossa Fé, e esta é uma certeza inabalável.[3]


[1] Ver “O Juízo Moral na Criança”, de Jean Piaget, Summus Editorial, 4ª Edição.
[2] Summa, Questão LX, Art. II (tradução de Alexandre Correia), edição da Escola Superior de Teologia de São Lourenço de Brindes – Universidade Caxias do Sul – Livraria Sulina Editora),
[3] São Tomás escreveu alguma vez que na opinião não havia assentimento: “dubitans non habet assensum... similiter nec opinans”. De Verit, q. XIV, a I. Cfr. III Sent. dist. 23, q. 2, a 2, sol. 1. Ambas estas obras são trabalho de juventude. Nas posteriores, o santo afirma explicitamente a existência de uma adesão, posto que destituída de firmeza, no espírito de quem opina. Cfr. S. Theol. 2, 2ae q. 1 a 4; q. 2, a.
“A opinião é uma adesão mesclada de dúvida e, por isso, mais ou menos vacilante e inconstante”. E. Boirac, ‘Cours élémentaire de philosophie”, Logique. c. V, Paris, 1900, p. 287. « De ratione opinionis est quod id quod est opinatum, existimetur possibile aliter se habere ». S. Tomás, Summa II, Iiae, q. 1, a. 5, ad 4m.