Sentado na poltrona, o Sr. Manoel lia o jornal quando suas filhas se acercaram dele para um raro entretenimento, somente possível naquelas noites especiais em que algo de especial está para acontecer. Dona Marieta, esposa do Sr. Manoel, reclamava:
- Mas, logo hoje, que a novela estava tão
atraente e cheia de suspenses, a TV foi se quebrar?
O Sr. Manoel, porém, estava gostando daquilo:
- Ah, Marieta, você não imagina como está bom
assim. Pelo menos hoje a gente vai deixar de ouvir este suspense novelesco que
não acaba nunca; é sempre um atrás do outro para deixar vocês nesta torcida. Só
assim a gente vai ter oportunidade de conversar mais familiarmente, sem
interferência desta famigerada caixinha eletrônica.
No entanto, Sr. Manoel não conseguia ler o seu
jornal, pois Fabíola e Laura não o deixavam. A certa altura, Dona Marieta o
interrompe:
- Pois bem: que entretenimento ou conversa
familiar é essa? Você aí, sentado no sofá tendo ler o jornal?
O Sr. Manoel sobressaltou-se, jogou o jornal
pro lado, beijou suas duas filhas, de 8 e 10 anos, dizendo:
- Desculpem-me, vamos conversar um pouco...
Não era de estranhar que procedesse dessa
forma, pois tinha passado um dia estafante em seu trabalho. Era policial, e
naquele dia de véspera de Natal sua presença no trabalho tinha sido
indispensável. Ao chegar à sua casa é que se propunha a ler alguma coisa para
saber as notícias do dia.
Repentinamente, lembrando-se de algo, colocou
as duas filhas no colo e lhes perguntou:
- Que presentes vocês esperam receber de São
Nicolau?
- São Nicolau? Quem é São Nicolau? –
perguntaram as duas numa só voz.
- Ah, então vocês não sabem? São Nicolau foi um
bondoso bispo, homem muito abastado e muito santo, que tornou-se o símbolo do
espírito festivo natalino para os cristãos. Hoje existe a figura do Papai Noel,
uma invenção comercial, mas está muito longe de representar o verdadeiro
espírito natalino que tinha São Nicolau. Todo ano no Natal ele presenteava as
crianças que haviam sido boas durante o ano, era um prêmio por terem praticado
virtudes cristãs. No entanto, aquelas que haviam sido más ou cometido muitas
indisciplinas ou pecados eram severamente advertidas. E uma ou outra que
reincidia em erro e maldade recebiam, de seu secretário, uns bolos nas mãos. De
costume andava ele carregado de presentes, doces, chocolates e outras iguarias,
com o que alegrava as crianças e procurava sempre premiar as boas e castigar as
más. Pois, vejam bem: as pessoas hoje nem falam mais em São Nicolau, só se
lembram do Papai Noel inventado pelos comerciantes para vender seus produtos.
Dona Marieta intervém, então, na conversa.
- São Nicolau ou Papai Noel, o que vocês
desejam ganhar neste Natal?
- Uma boneca! – Responderam as duas meninas em
uníssono.
Dona Marieta saltou de lá, censurando:
- Ah, não! Outra boneca? Vocês não sabem pedir
outra coisa? Já viram quantas delas possuem no quarto de vocês?
- Deixa as meninas, Marieta – intervém o Sr.
Manoel – pois elas têm o direito de pedir o que mais gostam, não é verdade?
- Isso mesmo, papai, – pontificou Fabiana – o
senhor tem toda razão!
- É verdade; mas, mesmo assim, seria muito bom
que começassem a pensar em outras coisas. A gente tem de variar os gostos, não
é mesmo? Agora mesmo lembrei-me de lhes contar um fato muito a propósito que
presenciei hoje. Lembram-se da velha Chica, a catadora de lixo?
- Sim, mas que teve ela? – indagou Laura.
- É que hoje eu tive a oportunidade de saber
toda a história da vida dela e fiquei muito comovido, pois é muito triste.
- Então não conta, que hoje é véspera de Natal,
dia de alegria e não de tristeza – falou dona Marieta.
- Conta, papai! – pediu Fabiana.
- É, vamos lá! Conta, assim mesmo – completou
Laura.
- Pois bem, eu vou contar, pois vai servir de
exemplo para vocês. Eu estava fazendo a ronda quando vi dona Chica se meter em
sérios apuros. Haviam nos chamado para prender uma suspeita ladra escondida num
prédio velho abandonado. Pegamos o carro-patrulha, eu e um cabo, e quando lá
chegamos vimos a mulher por entre uns escombros sentada no chão, de costas,
como se estivesse arrumando algo. Aproximamo-nos, lentamente, e, ao chegar
perto, vi que era dona Chica. Estava ali, fazendo sabem o quê?
- Ela é uma ladra, papai, estava escondendo o
roubo? – perguntou Laura.
- Não, nada disso. Ela estava simplesmente
brincando com uma boneca.
- Brincando com uma boneca!? – espantaram-se as
meninas.
- Sim. E estava tão entretida que não notou
nossa presença. Perguntei-lhe, então: “Onde conseguiu essa boneca, dona Chica?
Não me diga que foi no lixo...” De um ímpeto, assustada, ela levantou-se e
correu com a boneca na mão. Nós a pegamos rápido. Voltei, então, a perguntar:
- Vamos lá, diga-me dona Chica: de quem roubou
esta boneca?
Verifiquei que a velha estava muito assustada e
quase chorando. Disse-me logo em seguida:
- Sargento, eu nunca roubei e nunca roubarei
jamais. O senhor sabe que sou uma pobre miserável, mas muito honrada neste
aspecto. Esta boneca caiu de um caminhão de cargas que passava na estrada. Era
uma caixa cheia delas: eu peguei esta e outras pessoas as demais. Isso é roubo?
Quem lhe disse que eu roubei?
- Olhe, dona Chica; pode ser que a senhora
esteja falando a verdade, mas tem que ir conosco até o distrito policial, pois
alguém nos telefonou a acusando de roubo. Vamos investigar isso direito. Se for
inocente, nada vai lhe acontecer.
- Quem telefonou?
- Não sabemos. Vamos lá que talvez a pessoa
apareça reclamando o que é dela.
- Ah, deve ser alguma pessoa invejosa que me
viu assim maltrapilha apanhar a boneca, e ela não conseguiu nada porque outras
pessoas também as cataram na rua. Certamente vai dizer que a boneca é dela.
Olhe, eu não tenho medo de ir ao distrito policial, pois tenho minha
consciência tranqüila. Quando eu era criança aprendi desde cedo a respeitar os
bens alheios, e quando ia às vezes me confessar contava ao padre até mesmo os
pequenos furtos de comida que fazia escondida na cozinha de minha mãe. E hoje,
já adulta, tenho como grande honra nunca haver roubado nada de ninguém, apesar
de ser pobre e passar muitas privações.
- Eu sei, dona Chica, mas, mesmo assim, a
senhora vai nos acompanhar para que possamos apurar este fato e esclarecer toda
a questão. Vamos lá!
- Só quero que o senhor tenha um pouquinho de
paciência e ouça-me. Quero lhe contar uma história que, ao ouvi-la, o senhor
vai entender o que representa para mim esta boneca.
- Está bem; no caminho a senhora vai nos
contando sua história.
Embarcamos na viatura, mas dona Chica não quis
largar a boneca, dizendo ser muito importante para ela. A caminho, contou a
seguinte história:
-“Sargento, na verdade em minha infância eu não
era uma menina pobre e tinha um pai e uma mãe muito bondosos. Eles davam-me
tudo o que necessitava e mais o que lhes pedia, como joias, pulseiras,
relógios, roupas e, sobretudo, muitos brinquedos, como bonecas. Eles também
tinham muito carinho por mim. Um dia, porém, minha mãe bateu-me muito porque
lhe dei um grande desgosto. E ela, muito irritada, disse-me uma coisa que nunca
deveria ter dito.
- Que disse-lhe ela assim de tão importante?
- Disse-me que não era minha mãe verdadeira.
Contou-me que desejava muito ter um filho, mas, impossibilitada por problemas
de saúde, resolveu adotar-me num orfanato. Estava bastante revoltada comigo e
não sabia o que fazer de minha pessoa, afirmando que eu não merecia aquele
carinho que ela e meu pai me davam. Insensatamente, pedi-lhe que me levasse à
casa de minha verdadeira mãe, pois pretendia conhecê-la. E ela fez o que eu
menos esperava: levou-me realmente à casa de minha mãe verdadeira, mas,
chegando lá deixou-me com ela e afirmou categoricamente (juntamente com meu pai
adotivo) que nunca mais queria ver-me, jamais deveria voltar à casa deles.
- Que mulher do gênio ruim! E você ainda diz
que ela era bondosa...
- Foi aí, sargento, que eu comecei a entender o
que é a verdadeira bondade. Eu pensava que meus pais eram bons porque me davam
tudo o que eu queria. Enganei-me. Chegando à casa de minha mãe verdadeira, não
vi que lá se gozava uma vida boa, como na casa de meus pais adotivos: havia
muita carência, como das coisas essenciais à sobrevivência, tratava-se de uma
família muito pobre, paupérrima mesmo. Mesmo assim, todos se contentavam com o
pouco que tinham, quase não havia reclamações, e minha mãe verdadeira tinha
muita paciência com os filhos, que eram muitos, em torno de sete inclusive eu.
Corrigia os filhos com severidade, mas com amor.
- E neste novo lar, você era feliz?
- Não. Eu já estava muito mal acostumada com a
vida fácil. Minha nova vida na casa de minha mãe verdadeira foi, na verdade, um
inferno pra mim. Pois eu não suportava ver meus irmãos mal vestidos, aquela
humildade que os fazia aceitar quase tudo sem reclamar, que me foi útil apenas
para querer dominá-los. Havia aprendido a ser orgulhosa, e aquela vida pra mim
era insuportável. Como foi duro, sargento: antes morava num palacete, e depois
passei a morar num casebre, dentro de uma favela malcheirosa e, para piorar,
não haviam me deixado levar meus pertences pessoais, como as roupas, joias,
brinquedos, os vestidos elegantes e, sobretudo, minhas bonecas. Passava o tempo
quase todo a chorar e a me maldizer.
- Então a senhora foi sempre malcriada, não
foi?
- Nem tanto. Acontece que a vida levada na casa
de minha mãe adotiva era muito artificial. E quando descobri o meu verdadeiro
mundo, revoltei-me.
- Por que não voltou para a casa da mãe
adotiva?
- Realmente, eu tentei voltar, mas eles
repeliram-me. Lá havia outro filho adotivo mais novo. Era mais uma tentativa
deles encontrar um filho que lhes fosse do agrado.
- A senhora deve ter aprontado uma boa com sua
mãe adotiva, não foi?
- Apenas, inocentemente, contei um segredo a
uma vizinha. Era criança, tinha lá meus 8 ou 9 anos, nem me lembro direito...
- Que fez na casa de sua mãe verdadeira, já que
também lá não se deu bem?
- Não aguentei muito tempo, e fugi antes de
completar meus 14 anos de idade. Apesar de minha pouca idade já tinha um corpo
formoso e foi fácil se aproveitar disto para conquistar alguns homens e
conseguir dinheiro. Tinha visto algumas meninas da mesma idade fazer o mesmo, e
rapidamente aprendi como levar uma vida na prostituição. Algum tempo depois,
arranjei um namorado que quis me ajudar e tentou conseguir emprego pra mim. Por
sinal, não muito recomendável, num ambiente de gente de má fama. Fiquei junto
com este rapaz por alguns anos, viajamos e fomos morar no Rio de Janeiro,
vivendo lá a vida que Deus nos desse.
- E aí, se realizou com o rapaz?
- Que nada, era um embusteiro. Mesmo assim
ainda convivi com ele uns 5 ou 6 anos. Não tivemos filhos, pois nos ensinaram a
sempre “dar um jeito”. Sozinha no mundo passei a frequentar diversos ambientes
para sobreviver, tendo ido uma vez aos estudos de uma TV para aprender a ser
artista. Mas, nada consegui: eles exigiam curso de artes dramáticas, e eu nada
disso tinha. Naquele ambiente onde morava, a única coisa que aprendi foi o uso
de drogas e prostituição. Era comum ser seviciada e estuprada, pois convivia
com gente da pior classe. Às vezes tinha saudades das famílias onde morei
quando criança, mas não tinha coragem de voltar. Estive doente, fui internada
num hospital para tratamento de drogados, mas nunca fui presa por motivo algum.
Finalmente, na minha velhice, com a saúde tão abalada, sozinha no mundo, sem
conseguir amparo de ninguém, sem família, sem marido ou filhos, consigo
manter-me apenas como catadora de lixos. Recolho o que é útil daquilo que as
pessoas jogam fora e tento vendê-lo. Sempre acho compradores.
- Tudo isto porque contou um segredo. Que
segredo era este, posso saber?
- Era sobre um boneca...
Dona Chica começou a chorar e, soluçando, quase
não falava.
- Uma boneca?
- Sim, uma boneca muito bonita que era de minha
mãe adotiva. Ela a havia roubado de uma amiga, vizinha nossa, e nada disso eu o
sabia. Havia possuído uma outra igual que se desmanchara num incêndio e, para
manter a lembrança de algo que ela achava de tanto valor, roubou a da vizinha e
a mantinha bem escondida. Dizia que a boneca, por ter sido tão importante, não
se encontrava semelhante à venda em nenhuma loja.
- E a senhora teve a coragem de contar isso à
vizinha?
-Foi sem querer. Eu vi uma foto, e disse: a
mamãe tem uma boneca igual a essa da foto. Foi o bastante para a vizinha
desconfiar, investigar e descobrir a verdade. Daí surgiu brigas o desfazimento
da amizade das duas. E quem pagou mais caro foi eu...
- Ah, quer dizer que, por causa de uma simples
boneca a senhora caiu no desamparo...
- Esta era a razão pela qual eu estava
brincando com aquela boneca quando o senhor me encontrou. Não iria vendê-la,
mas ficar com ela para matar saudades de meu tempo de infância. Relembrava todo
o meu passado, embora cheio de amarguras, mas também de doçuras.
- Que havia de doçura na sua vida?
- Acho que nunca fui tão feliz senão quando
morei com minha mãe adotiva. Naquele tempo eu ainda tinha inocência, e só é
feliz quem se conserva inocente. Quando perdi a inocência, e depois a pureza,
nasceu dentro de mim um verdadeiro inferno.
O sargento manda parar o carro, e virando-se
para o cabo, pergunta:
- Que acha disso, Jorge?
- Não sei; eu também sou muito humano, mas não
entendo como uma pessoa desta idade ainda queira brincar com bonecas. Mesmo se
tratando de dona Chica.
- Olhem, meus caros, – responde a velha – eu
não quero mais esta boneca. As recordações que ela me trouxe já me fez um pouco
feliz durante o dia, mas também deixou-me bastante triste. O sargento não quer
levá-la e dá-la a alguém?
- E se sua história for um embuste e aparecer
alguém, verdadeiro dono da boneca, lá na delegacia?
- Dê-lhe, então.
- Não. A boneca é sua. Se for verdade o que
disse, a terá merecido, pois noto que ainda resta um pouco de bondade na
senhora. Se for mentira, eu saberei como encontrá-la e puni-la por querer nos
enganar. Aliás, tenho convicção interior de que a senhora foi sincera
conosco. Admiro que em pessoas como a
senhora ainda haja algum resquício de bondade e, sobretudo, de honestidade,
virtudes muito raras nos dias atuais. Continue, dona Chica, seja sempre
honesta, cate seus lixos para viver se não encontra outra atividade mais
humana, mais nobre, mas nunca se desvie deste caminho. Desejo que o seu Natal,
neste ano, seja o mais feliz de sua vida”.
Laura já dormia no colo do pai, mas Fabiana
ainda estava atenta e perguntou contrafeita:
- Mas, papai, porque não trouxe a boneca pra
mim?
- Não, minha filha, dona Chica precisava mais
dela. Aquela velhinha necessitava ter um pouco de alegria, o que ela supõe ser
a verdadeira felicidade. Notei que ela não estava mentindo, e depois
constatamos que o telefonema realmente foi de alguém que queria se apossar da
boneca caída do caminhão, que era de certo valor. Constatamos que houve
realmente a queda do pacote de bonecas de um caminhão de cargas, o motorista
nada viu, e várias pessoas apanharam a carga na estrada, dentre elas dona
Chica.
- O senhor disse que dona Chica é bondosa: é
verdade?
- Não completamente, mas algo de bondade ela
ainda tem. Por ela se vê quantas histórias semelhantes e brutalmente desumanas
ocorrem no mundo de hoje, tão materialista, tão egoísta. Não há mais candura,
inocência, castidade, honestidade, e as pessoas levam uma vida materialista que
parecem estar no supra-sumo da felicidade e do gozo, mas, no fim, é tudo falso.
Um dia, como aconteceu com os pais adotivos de dona Chica, se descobre que em
vez de bondade estas pessoas praticam uma autêntica maldade escondida.
- O que uma criança deve fazer para ser
bondosa?
- Veja o exemplo do Menino Jesus, que adoramos
no Natal. Inocência, pureza, candura. É a bondade inicial de todo ser humano,
mas no Menino Jesus estas virtudes estavam como uma fonte para toda a
humanidade. Se a pessoa conseguir manter-se em toda a vida, não tanto inocente
no sentido de ignorante, mas no sentido de pureza, sem maldade, casta, com
integridade de caráter, poderá ser uma pessoa boa até o fim da vida. Dona Chica
vivia numa casa, com dos pais adotivos, em que a alegria era falsa. Tinha
conforto material, mas não haviam virtudes sendo praticadas, nem caráter sendo
aperfeiçoado, nem se praticavam bons costumes. Sua própria mãe adotiva era uma
ladra sem escrúpulos. Talvez se dona Chica tivesse sido criada toda a sua vida
pelos seus pais verdadeiros, embora numa situação de extrema pobreza, não
tivesse se transformado e aprendido tanta maldade.
- Então ela se tornou uma pessoa má?
- Não, completamente; apenas aprendeu algumas
coisas erradas convivendo com gente ruim, mas sempre guardando algo de bom dos
tempos de criança.
- O senhor acha que neste Natal dona Chica
aprendeu o que é bondade?
- Algo da bondade ela deve ter aprendido, como,
por exemplo, viver resignadamente, na solidão, sem amparo de criatura alguma, procurando
corrigir-se de seus defeitos ou seus erros do passado. Vamos rezar por ela,
para que o Menino Jesus neste Natal lhe dê paz de espírito e a ajude na
desesperança desta vida que leva.
Os sinos das igrejas tocavam pausadamente e
ritmicamente; Dona Marieta trazia algumas bandejas com salgados, doces e outros
quitutes. A mesa regiamente enfeitada fazia contraste com um singelo presépio
colocado num canto da sala. A pequena família preparava-se para rezar suas
orações, quando Laura acordou-se meio atordoada, perguntando:
- Mamãe, a senhora é minha mãe verdadeira?
Ao lado dos risos gerais veio a resposta sonora
de dona Marieta:
- Mas, claro! Por que faz esta pergunta?
- Porque a senhora disse, há poucos instantes,
que eu não pedisse uma boneca a São Nicolau...
- Ora, minha filha, não seja tolinha. São
Nicolau já trouxe muitas bonecas para você, e mesmo que eu não fosse sua mãe de
verdade eu lhe pediria que lhe desse mais bonecas, pois eu amo você como uma
mãe deve amar sua filha, isto é, desinteressadamente. Lembre-se: o mais importante no Natal não são os presentes que ganhamos, mas o que podemos oferecer de bom ao Menino Jesus. Basta que você prometa ser tão pura e inocente como Ele foi, a fim de que um dia vá Lhe fazer companhia no Céu. E agora, vamos rezar para
que possamos tomar a santa ceia de nosso Natal...
(Extraído de “CHOQUE DE MENTALIDADES, trabalho
ainda inédito de minha autora, onde consta vários pequenos contos em que se
mostra a prática de virtudes em choque com os maus costumes e vícios sociais
atuais)