sexta-feira, 23 de agosto de 2019

QUAL A POPULAÇÃO INDÍGENA DO BRASIL NO SÉCULO XVI?





Neste aspecto as disparidades são gritantes: os números variam de 1 a 12 milhões de habitantes. A corrente estruturalista, a fim de exacerbar as aberrantes acusações que fazem aos colonizadores de terem praticado genocídio, aumentam este número para muito mais.
A tese mais aceitável é a do historiador Varnhagen:
“Se nos lembrarmos de que, em certas paragens, os primeiros exploradores atravessavam extensões de caminhos de quarenta a cinqüenta léguas, sem encontrar gente, e se estudarmos o que ainda hoje se passa nesses lugares onde o gentio, perseguido de várias partes, se acardumou; e ponderarmos quanto têm crescido, à vista d’olhos, tantas povoações e cidades, à medida que há três séculos progride a cultura da terra, com os milhões de braços vindos da África, cremos que não andam errados os que, como nós, ajuízam que toda a extensão do Brasil está hoje oito ou dez tanto mais povoada do que no tempo em que se começou a colonização; e que, por conseguinte nem chegaria a um milhão os índios que percorriam nessa época este vasto território, hostilizando-se uns aos outros...” [1]
Mais adiante o mesmo historiador afirma que, em qualquer país, a povoação  só toma o devido desenvolvimento quando os habitantes abandonam a vida errante e nômade para se dedicarem à cultura e ao aproveitamento da terra em habitações fixas. Mesmo sem entender de estatísticas censitárias, é fácil acompanhar tal raciocínio baseando-se no Brasil moderno. Mais de cento e noventa milhões vivem hoje no Brasil e há quase cinco séculos as populações crescem em cidades as mais diversas em inúmeros povoados e grandes cidades, contando com melhores condições de saúde e de progresso sanitário, que os índios jamais possuíram naquele tempo.  Em suma, para que os índios atingissem os milhões de habitantes de que falam as correntes estruturalistas era necessário que convivessem em cidades, sanitariamente saudáveis, durante muitos séculos ou milênios, sem as constantes guerras que faziam com que mais diminuísse suas populações. A Europa só atingiu a população atual, com tantos milhões de habitantes, quando alcançou aquele grau de progresso nas cidades e nas condições de vida sanitárias, e mesmo assim, após dois milênios de progresso. Quanto aos nossos índios, o que houve foi o contrário: nomadismo, precárias condições de suas tabas, todas insalubres, e, sobretudo, suas constantes guerras entre si, fatores que só tendia a depauperar e minguar o crescimento populacional. 
As afirmações de que aqui viviam vários milhões de índios são exageradas e não convencem a uma mente sensata. Se fazem tal afirmação é apenas com um único propósito: comprovar a absurda tese do genocídio praticado pelos colonizadores.


[1] [1] vide “História Geral do Brasil”, Edições Melhoramentos - Varnhagen, vol.1, págs. 24/26


SANTA ROSA DE LIMA FREOU EM GRANDE PARTE A CORRUPÇÃO DOS COSTUMES, CRIANDO CONDIÇÕES MENOS FAVORÁVEIS À REVOLUÇÃO





A respeito de Santa Rosa de Lima temos uma ficha biográfica tirada da obra “L’Année Liturgique”, de Dom Guéranger:

“Infelizmente, algum tempo após a gloriosa conquista da América pelos espanhóis, em Lima, fundada aos pés das cordilheiras andinas como a metrópole de uma província, a corrupção era tal que São Francisco Solano precisou imitar ao profeta Jonas e ameaçá-la como Nínive dos castigos divinos. Mas a misericórdia divina já se manifestara na alma de uma criança capaz de todas as expiações.

“Tinha ela somente 31 anos quando em meio à noite que iniciava a festa de São Bartolomeu, no ano de 1617, ouviu o brado: ‘Eis o esposo’ (MT. 25, 6). Em Lima, em todo Peru, na América inteira, prodígios de conversão e graça assinalaram a passagem da humilde virgem desconhecida até então. Atestou-se juridicamente, afirma o Sumo Pontífice (em sua bula de canonização), que desde a descoberta do Peru nenhum missionário foi encontrado que tivesse produzido semelhante espírito universal de penitência. E cinco anos mais tarde era dedicado o mosteiro de Santa Catarina de Siena que devia continuar em Lima a obra de santificação, de cura, de defesa social, e que se chamaria o Mosteiro de Rosa, que ela de fato diante de Deus era fundadora e a mãe.

“E esta criança que só fizera rezar e sofrer, que no meio da corrupção do mundo oferecera a Deus sua virgindade, que só buscava o silêncio e a obscuridade, tornou-se a padroeira do Peru e mesmo o Papa Clemente X estendeu a sua proteção às Índias, às Filipinas e à América inteira”.

A seguir, uma ficha de Daras:

“O zelo da casa de Deus a devorava. Quando voltava os olhos para as nações infiéis da América meridional, sofria em sua alma torturas indizíveis e chorava. Concitava os sacerdotes, religiosos, de voarem em socorro dessas almas. Ela pensou em adotar e educar um menino para consagrá-lo depois às missões. A morte impediu-a de realizar este projeto.

“Um dia ela pensou que ia colher a palma do martírio e grande foi o seu entusiasmo. Avistou-se ao largo uma frota holandesa que parecia querer tentar um desembarque em Lima. Para os marinheiros heréticos isto era o sinal para a pilhagem das igrejas. O alarme foi dado à cidade. Rosa dirigiu-se à igreja de São Domingos e demonstrou sua intenção de se fazer massacrar cobrindo o tabernáculo com seus braços. Viu-se esta virgem tímida rasgar a barra de seu vestido para ter mais agilidade e, desarmada, colocar-se ao pé do altar em postura de guerreira. Mas Deus contentou-se somente com essa demonstração de zelo. A frota inimiga afastou-se sem fazer dano.

“Esta santa colocara em Deus toda sua esperança. Cantava com frequência esse versículo familiar aos Padres do deserto: Ó Deus vinde em meu auxílio, dignai-vos socorrer-me. Aconteceu que sua alma fosse abalada considerando o mistério da predestinação. O Senhor a acalmou assegurando Ele mesmo: Minha filha, eu só condeno aquele que se quer condenar. Guarda em paz a tua alma”.

Estes fatos da vida de Santa Rosa de Lima nos põem um pouco diante das condições da América Latina naquele tempo. Aconteceu que no Brasil, tanto quanto na América Espanhola, a vinda dos ibéricos para cá produzia um trauma moral dos mais perigosos. Eles eram os homens que vinham da Europa, que tinham sede de aventura, de natureza rústica e selvagem, e que chegando aqui se entregavam às aventuras. Encontrando aqui uma natureza tropical exuberante, com condições climáticas que favoreciam a luxúria e a nudez, eles de todos os modos se deixavam dissolver num ambiente onde a vulgaridade e a corrupção moral ombreavam, o que determinava uma baixa de nível tremenda.

Santa Rosa de Lima viu que se não houvesse uma grande graça e uma grande reação, seria impossível evitar que essas povoações frustrassem os desígnios santos da Providência, quando encaminhou exatamente os povos ibéricos para cá. Povos que haveriam de ser tão fiéis à fé católica, o que determinaria exatamente a formação desse imenso bloco católico que ia antigamente desde os Estados Unidos até o litoral extremo sul da Argentina e do Chile.

Nessas condições, era preciso fazer uma grande obra. O curioso é que Deus não suscitou para a América inteira um grande pregador. Ele pôs aqui, lá, acolá grandes pregadores, mas de âmbito restrito. Uma pessoa que tivesse uma missão de caráter universal foi Santa Rosa de Lima! E o foi porque era uma alma penitente, uma alma suplicante e Deus queria que se fizesse, no plano da Comunhão dos Santos, aquilo que era necessário para salvar a América.

Veio daí exatamente que sua fama de santidade percorreu toda América e determinou incontáveis milagres e conversões. E - fato particularmente precioso - o espírito que ela suscitava em torno de si era o de penitência, o espírito de mortificação, que é tão duro e tão difícil de despertar.

Com isso naturalmente ela freou em grande parte a corrupção dos costumes e por sua ação, que foi correspondida pelas pessoas de um modo apenas incompleto, criaram-se condições menos favoráveis à Revolução, o que determinou por sua vez uma marcha mais lenta da Revolução em nosso continente.

Vemos assim o que pode uma alma só, desde que se entregue a Nossa Senhora de fato, desde que resolva renunciar a todas as vantagens e todas as molezas da terra, entregando-se realmente à misericórdia de Deus e à penitência.

Aqui está uma grande lição!

Uma pessoa que corresponda inteiramente à graça pode fazer um bem indizível, se se santificar. E é a coragem de se deixar fazer santo de altar que se deve pedir a Nossa Senhora.

Que Ela nos dê essa coragem pela via que entender e, especialmente, pela pequena via de Santa Teresinha do Menino Jesus, em que não é o homem que vai à frente da coragem, mas é a coragem que vai de encontro ao homem e nele habita quando menos se espera, a fim de realizar grandes obras.

Vamos pedir, portanto, a Santa Rosa de Lima que tanto bem faz a este continente, para que ela faça bem a nós também para preservação e continuação de sua obra, para que realmente a América Latina possa ser o campo de escol para o Reino de Maria.

 

(Plínio Corrêa de Oliveira – Santo do Dia, 29 de agosto de 1967)

 

 




quarta-feira, 21 de agosto de 2019

FILOSOFIA PLINIANA SOBRE A ARTE DA CONVERSA





Reproduzimos a seguir um dos comentários de Plínio Corrêa de Oliveira sobre a arte da conversa, que o mesmo desenvolveu em tão alto grau:

"Como vimos em anterior ocasião, a conversa deve ser considerada como uma verdadeira arte, e sobre ela se levantam algumas questões que merecem aprofundamento.


Acordo e desacordo numa conversa
Por exemplo, qual a atitude mais apropriada a se tomar em face de um interlocutor que não concorda conosco e está disposto a discutir?
A importância de coincidirem as opiniões depende do tema contemplado. Certos assuntos são banais, inócuos, não estabelecem vínculo algum de alma, nem qualquer ligação pessoal. Digamos, a escolha do trajeto mais curto para se ir a determinado local. Trata-se de uma trivialidade.
Há temas que podem conduzir a ponderações mais elevadas. Imaginemos dois colegas, alunos de um mesmo professor de Química. Esta matéria, de si, não implica em nenhum laço particular entre os rapazes. Ambos estão concordes quando o mestre ensina que a água é composta de hidrogênio e oxigênio, expressa pela fórmula H2O. Um conceito elementar.
Porém, quanto ao modo de lecionar e de tratar os estudantes, a apreciação a respeito da pessoa do professor toma outro vulto, pois o assunto é mais profundo. Com efeito, a maneira de ensinar indica maior ou menor clareza de inteligência. Se o instrutor é sábio, e os dois colegas o prezam por isso, estabelece-se uma ponta de vínculo entre estes. Mas, se um deles afirmar: "Prefiro tal outro professor que conta anedotas; esse de Química é muito sério", pode haver uma divergência nesse relacionamento, porque surgiu o desacordo acerca da maneira ideal de ser do professor.
Todo aluno – pelo menos no Brasil – procura discernir o tipo humano do seu mestre. Seja qual for a matéria, na primeira aula o rapaz não presta muita atenção no que ouve, pois a sua capacidade de análise está voltada para apreender a personalidade daquela figura junto ao quadro negro. Ele fica observando atentamente os mínimos detalhes que deixem entrever a psicologia, a mentalidade, o caráter do novo professor. Assim sendo, as considerações sobre este envolvem algo mais complexo, às vezes uma verdadeira concepção da vida.
Ora, quando os colegas concordam no tocante à concepção da vida – como deve ser ela, o homem, a autoridade, o ensino, etc. – surge uma maior afinidade de alma, pois o tema é mais profundo. E quanto mais significativo é o tema, maiores afinidades se vão estabelecendo entre ambos.

Religião, o ponto máximo de consonância
Ampliando os horizontes dessas reflexões, é preciso ressaltar que as consonâncias se verificam, sobretudo, a propósito da religião. Esta constitui o assunto mais importante e mais próprio a atingir o íntimo da alma humana. Quando um indivíduo é seriamente católico, ele possui maneiras de pensar, sentir e agir decorrentes de sua posição religiosa, e se torna verdadeiro irmão do próximo, se percebe nele as mesmas disposições. Forma-se, então, a plena e real amizade entre os dois.
Nesse sentido, evoco meu exemplo pessoal. Não tive irmão de sangue, mas muitos primos com os quais mantinha assíduo relacionamento. Porém, como não praticavam a religião, achava-me isolado no meio deles, pois não havia essa união de almas característica do convívio entre católicos. Diferente de quando ingressei na Congregação Mariana de Santa Cecília e passei a conhecer rapazes deveras piedosos, em cujo relacionamento encontrei os irmãos que procurava.
Essa situação, aliás, verifica-se na vida de qualquer jovem. Nas ocasiões em que conversa com outro e percebe a sintonia de pensamentos e de Fé católica, abrem-se as vias de uma grande amizade, pois a mesma crença é o que realmente os une.
"Teu coração é igual ao nosso!"
Um fato histórico ilustra, de modo muito bonito, essa ponderação.
No século XVI os católicos chegaram ao Japão, com alguns padres da companhia de Jesus e uns tantos leigos. Durante anos evangelizaram aquele país asiático, convertendo bom número de pessoas. Erigiram uma igreja católica, a qual funcionou até o momento em que houve intrigas fomentadas por protestantes holandeses. Estes eram comerciantes, freqüentadores das costas nipônicas e concorrentes dos espanhóis, conterrâneos daqueles jesuítas. Os batavos urdiram desavenças entre os padres católicos e o imperador, que, convencido pelas insídias, determinou a proibição e abolição do culto católico, além de condenar à morte todos os seus súditos que não abjurassem a Fé cristã.
Travou-se uma guerra na qual os católicos se defenderam heroicamente, tendo toda a razão de seu lado. Mas, por fim, sucumbiram ao poderio numérico e militar das tropas imperiais. Na fortaleza de Shimabara, último reduto deles, a resistência encarniçada terminou com um massacre de católicos, martirizados por sua fidelidade a Nosso Senhor Jesus Cristo.
Tudo indicava a extinção do catolicismo naquelas paragens. Passaram-se duzentos anos sem que ele despontasse novamente. Até que outro imperador, liberando os portos japoneses para navios estrangeiros, permitiu também o proselitismo das religiões, entre elas a Católica. Em vista disso, missionários para lá se dirigiram e reencetaram o trabalho com o povo. De início, a pequena igreja que abriram era visitada apenas por europeus negociantes ou turistas. Católicos japoneses quase não os havia, e poucas eram as conversões.
Tempos depois, deu-se este lindo fato, consignado por um padre em carta escrita a um amigo. Na igreja vazia entram alguns nipônicos cautelosos, observando tudo no interior do templo. Após a detida análise, procuraram o único sacerdote ali presente e lhe fizeram uma série de perguntas sobre a Sagrada Eucaristia, Nossa Senhora e o Papa. Como as respostas conferiam com o que haviam aprendido sobre a doutrina católica, suas faces se iluminaram, e disseram essa frase de extrema beleza: "Então teu coração é igual ao nosso!"
Diante da surpresa do sacerdote, eles explicaram: "Somos descendentes de católicos japoneses que se esconderam das autoridades e praticavam a religião na surdina. Do último padre que aqui esteve esses nossos antecessores receberam a promessa da vinda de novos ministros da Igreja. Porém, advertiu-os quanto aos protestantes. Para distinguir uns dos outros, deveriam perguntar sobre esses três pontos. Se respondessem como ele havia ensinado, seriam católicos."
Como se pode imaginar, foram recebidos com imenso agrado, e dali a pouco os familiares de todos ingressavam no grêmio da Santa Igreja, sendo batizados, crismados, etc. Recomeçou assim a comunidade católica no Japão.

Atrair as almas pelas afinidades
Esse tocante episódio nos mostra quão vigoroso é o liame determinado pelas consonâncias de Fé. Leva-nos, igualmente, a compreender o aspecto mais alto envolvendo a arte da conversa. Pois para um apóstolo que dela se serve como instrumento de sua ação junto às almas, constitui motivo de alegria notar as afinidades e as sintonias que vão se firmando entre ele e seus interlocutores. Mesmo que estes não pratiquem ainda a religião católica como era de se desejar.
Por exemplo, tal jovem cuja vida de piedade não é um modelo de perfeição, mas demonstra um raro pudor nas suas atitudes. É exigente e idealista no que diz respeito à pureza, e se agrada no contato com pessoas castas. O apóstolo pensa: "Embora este apresente tantas lacunas, nesse ponto vejo brotar nele o elemento fundamental de um bom católico". Se é assim, cumpre dedicar-se no trato com ele, para que aquela semente se dilate, germine e dê todo o fruto esperado por Deus e Maria Santíssima.
Como já vimos, daí nasce um traço de ligação entre essas almas, o qual deve ser cultivado da seguinte maneira: conversar amiúde sobre o que as une, exaltar e elogiar a virtude da pureza nas suas diversas manifestações, criticar imoralidades, etc. Aos poucos, estender essas conversas a outros gêneros de assuntos, relacionando a pureza com as demais virtudes e qualidades que lhes são conexas. Digamos, explicar ao jovem a relação entre castidade e ordem, impureza e desordem, e procurar desenvolver no espírito dele o senso da ordenação, do bom gosto, das maneiras gentis, amáveis, do heroísmo, da coragem. Ao incrementar tudo isso, faremos com que desse tronco inicial – o amor à pureza – brotem galhos frondosos, isto é, as muitas virtudes ligadas à castidade.
Para o apóstolo, essa situação se assemelha à visão de um nascer do sol. É o espírito católico que, como o astro-rei, levanta-se num determinado ponto do horizonte espiritual da pessoa evangelizada, vai se alargando, alargando, alargando, até tomar a sua mentalidade inteira. Com um encanto especial: ele, apóstolo, é quem contribui para o nascimento desse sol naquela alma.
Imaginemos quanto júbilo teria um homem que, por qualquer artifício, pudesse apressar o erguer do sol nas regiões ásperas e difíceis da Antártica! Que alegria o tomaria ao ver brilharem sobre ele os fulgores da grande estrela, acalentando-o e o animando para o novo dia!
Ora, podemos nós levantar sóis naqueles em que percebemos algo de bom, colaborando para ampliar e desenvolver nele essa bondade, até que ela o tome por inteiro. E uma das maiores felicidades reservadas para nós nessa vida é vermos esse sol resplandecendo no coração do próximo. Então nos lembramos daquelas arrebatadoras palavras: "O irmão que salva seu irmão, salva sua própria alma e brilhará no Céu, como um sol, por toda a eternidade..."
Devemos, pois, analisar naquele com quem conversamos, o que lhe agrada ou não, os acordos e desacordos, as consonâncias de assuntos, etc., para, nos encontros subseqüentes, abordar os temas de interesse mútuo. E agir assim de modo progressivo, permitindo aos fios que ligam a alma dele à nossa se tornarem mais fortes e consistentes.
Dessa forma, o apostolando sentirá desejo de se encontrar conosco, porque nota a afinidade estabelecida entre nós. Ele, provavelmente incompreendido e isolado no seu meio, passa a se ver benquisto, apoiado e revigorado. Donde a sua presença em nosso ambiente adquirir para ele imenso significado. Mais uma alma terá sido atraída para se afervorar na devoção ao Sagrado Coração de Jesus e a Nossa Senhora.
E tudo começa pela boa consonância, o bom acordo estabelecido na conversa conduzida com tato e discernimento pelo apóstolo"


(Extraído de http://www.tfp.org.br/dr-plinio/cultura-e-civilizacao-cristas/a-conversa-e-o-apostolado-de-afinidades/pagina-3)


terça-feira, 20 de agosto de 2019

SÃO BERNARDO DE CLARAVAL, PREGADOR DE CRUZADA







Plínio Corrêa de Oliveira

Dia 20 é festa de São Bernardo (* 1090 + 20-08-1153), Abade, Confessor e Doutor da Igreja. Rohrbacher, em sua “História da Igreja”, traz trechos da carta em que o Santo conclama a Alemanha e a França Oriental para a II Cruzada:
“Eu Vos escrevo por uma questão que se refere a Jesus Cristo e à vossa salvação. Eis, meus irmãos, um tempo favorável, um tempo de propiciação e de salvação. O mundo cristão foi atingido; o Deus dos cristãos começou a perder um país onde Ele se tornou visível, onde o Homem conversou com os demais homens durante 30 anos. Um país que Ele ilustrou com Seus milagres, consagrou com Seu Sangue, ornou das primícias de nossa ressurreição. País que nossos pecados tornaram a presa e a conquista de uma nação sacrílega e inimiga da Cruz. Logo aí! Se não nos opusermos ao seu furor, esse povo bárbaro tornar-se-á dono da Santa Cidade, destruirá os monumentos sagrados de nossa Redenção, manchará os lugares santificados pelo Sangue do Cordeiro sem mancha.
“Já a sua avareza sacrílega busca o mais precioso tesouro da religião, aspira apoderar-se deste berço misterioso onde o Autor da vida morreu para nos fazer viver. Que fazeis bravos soldados? Que fazeis servidores de Cristo? Abandonareis o Santo dos santos? (...) Quantos pecadores penitentes lavaram nesses lugares, com lágrimas, e obtiveram perdão para si, desde que a espada de vossos pais delas afastou os pagãos que as desonravam! O inimigo da salvação vê (...) este espetáculo que é para ele um tormento, range os dentes de raiva. Porém, ao mesmo tempo, ele subleva os que são seus vasos de iniquidade e se prepara em destruir até os últimos vestígios de tão santos mistérios (da Religião Cristã), se – Deus não o permita – ele conseguisse se apoderar destes lugares santos entre todos, o que seria uma desgraça irreparável e uma fonte de agudíssimas dores para todos os séculos vindouros, além de ser para nós causa de vergonha e de opróbrio.
“O Senhor quer provar vosso zelo e saber se há entre vós quem deplore Sua desgraça e defenda Sua causa. Apressai-vos então a assinalar vossa coragem, de tomar as armas pela defesa do nome cristão, vós, cujas províncias são tão fecundas em jovens e valentes guerreiros, se é verdade o que a vossa fama diz. Mudai em santo zelo este valor odioso e brutal que vossa arma tão frequentemente um contra o outro maneja, e vos faz perecer com as vossas próprias mãos. Eu vos ofereço, nação belicosa, uma ilustre ocasião de lutar sem perigo, de vencer com glória, de morrer com vantagens. Sois ávidos de glória e sois hábeis e sábios negociantes. Eis o expediente para vos dar fama a vos enriquecer: Tomai a Cruz!
“Ela vos faz ganhar o perdão de todos os pecados que confessareis com arrependimento. A matéria é de vil preço, mas se a carregais com devoção ela vos fará obter o Céu. Feliz o que se torna cruzado, feliz aquele que se apressa a tomar este sinal salutar!”
Os senhores vêm, por este exemplo, como mudaram os tempos! Esta é a grande oratória do grande São Bernardo de Claraval, Doutor da Igreja, reputado um dos maiores doutores do seu tempo. Por quê razão esta oratória se tornou meio ininteligível para nós? É porque prevalece entre nós o sistema literário moderno, o qual entra em choque com a oratória de São Bernardo em dois pontos.
1 - O sistema literário moderno pede uma falsa serenidade. Os próprios oradores devem falar com frieza, devem fingir uma espécie de neutralidade em relação ao tema de que tratam e devem fingir que tomam um juízo imparcial a respeito do mesmo. Do contrário, não agradam e se tem a impressão de que eles são suspeitos. Isto é quanto ao fundo de seu estilo.
2 - Quanto à forma, São Bernardo faz períodos longos e a oratória moderna recomenda que se faça períodos breves. A preguiça moderna faz com que a gente só goste de seguir os períodos breves e não os longos. Ora, os períodos longos têm um mérito especial porque se cada pensamento do homem é como uma pedra preciosa, uma longa concatenação de pensamentos é evidentemente mais bela do que pensamentos avulsos.
Uma frase em que uma série de pensamentos se dispõe artisticamente uns em torno dos outros, é muito mais rica em valor literário do que uma espécie de picadinho de frases. E cada frase com a sequência de sujeito, verbo, objeto e - quando muito! - um adjetivo de vez em quando ou um advérbio. Por causa disso, nós ficamos hoje em dia meio despreparados quando nos encontramos em face dos grandes lances de oratória do passado.
Pois aqui está São Bernardo de Claraval pregando a Cruzada aos franceses da França Oriental e aos alemães. Na primeira parte da exposição de seu pensamento, ele mostra que os maometanos são adversários do nome cristão e que por causa disto a Terra Santa está correndo perigo.
Ele dá uma tal quantidade de argumentos que eu teria necessidade de reler a ficha para poder enumerar todos. Mas considerados um pouco sumariamente, ele começa por dizer que há uma ofensa a Deus; que aquela é a terra onde o Verbo de Deus se fez Carne e é uma terra que se tornou, por causa disto, sagrada e que portanto constitui uma ofensa a Deus que esta terra caia na mão dos adversários. Depois ele recorda se deu a Encarnação do Verbo e toda a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Assim, cada episódio de Sua Vida, Paixão, Morte e Ressurreição por si só bastaria para tornar maldito quem fosse inimigo de Nosso Senhor e pretendesse conquistar a Terra Santa.
Depois mostra que os maometanos são selvagens e que destroem os lugares aonde entram. De maneira que as Relíquias do tempo de Nosso Senhor Jesus Cristo estão ameaçadas de destruição.
Os senhores veem como o pensamento se estabelece com lógica. A terra é sagrada, essa Terra Sagrada está ameaçada não apenas de uma ocupação sacrílega, mas de uma destruição sacrílega dos monumentos. Logo, a ofensa contra Deus é suprema.
A seguir, trata a respeito dos soldados que não vão seguir para a Terra Santa. Vê-se que São Bernardo é um orador desconfiado.
Hoje é moderno o orador se apresentar otimista em relação ao seu auditório, ser "amável" para com ele, sorrir: “Vós todos que são todos bons!...” O auditório, um pouco imbecilmente, diz: “Nós somos bons, mas o sr. também é bom”. Então – a consequência é – somos todos bons, somos todos concebidos sem pecado original e por acharmos isto vamos todos para o inferno...
Mas São Bernardo, ele não. Conhecendo a miséria humana, está desconfiado que os guerreiros não querem ir para o combate e então os interpela: “Que fazeis, bravos soldados, diante disto?” Quer dizer eu vos conto que isto está na iminência de acontecer ou está acontecendo e vós não fazeis nada?! E passa para a descompostura: Vós tendes muitos pecados; é preciso expiar esses pecados. Esta ocasião é muito boa: ide à Terra Santa para expiar os vossos pecados.
Os senhores imaginem isto sendo pregado na televisão de hoje... Chegar para o público e lhe dizer que ele tem muitos pecados... Não poucos ficarão ressentidos. Mas eles não se incomodam em pecar, pecam à vontade, fazem o que entendem e quando se lhes diz que pecaram, eles não gostam...! Isto é próprio do pecador empedernido. Onde é que está o poder da Cátedra católica, que outrora enfrentava as multidões como enfrentava os reis? E fazia recuar a demagogia, assim como fazia recuar os tiranos? Como tudo isso está longe, infelizmente!
Então, primeira razão que apresenta: vós tendes uma penitência muito grande a fazer; pois então fazei essa penitência, ide às Cruzadas! Segunda razão: vós viveis vos matando uns aos outros. Vós sois criminosos nas vossas lutas odiosas. Pois eu vos apresento - já que vós gostais de lutar - um combate, mas desta vez justo e contra um inimigo que merece ser combatido. Por todas essas razões, ide vós e tomai a Cruz!
Esse é o sermão de São Bernardo...
Podemos fazer uma transposição para nossos dias desse sermão de São Bernardo? Com quanta propriedade! Porque hoje não se trata “apenas” de libertar a Terra Santa. Nosso Senhor não teria vindo ao mundo para salvar a Terra Santa. A alma de qualquer homem vale mais do que a Terra Santa inteira. Pode-se dizer que hoje, de algum modo, é a salvação do gênero humana inteiro que está em jogo e durante séculos. Porque o que se decidir em nossos dias o será por séculos! Disto é do que se trata.
Então, podemos nos perguntar: nós também não somos desses guerreiros que não gostam de “combater o bom combate” (como diz São Paulo)? Não é o caso de nós nos perguntarmos se não é bem verdade que devemos estar dispostos aos maiores sacrifícios para esta causa que vale mais do que a própria causa da Terra Santa? É evidente que a resposta deve ser afirmativa. E é nesse espírito de Cruzada que eu vos convido a considerar nossas campanhas e nossas atividades em geral, sempre dentro das leis de Deus e dos homens.

(Santo do Dia, 19 de agosto de 1968)




quinta-feira, 8 de agosto de 2019

SÃO DOMINGOS DE GUSMÃO, EXTIRPADOR DE HERESIAS







Hoje é festa de São Domingos (Caleruega, Burgos, 24-6-1170 - Bolonha, 6-8-1221), confessor, é apostolo da devoção ao Santo Rosário, Fundador da Ordem dos pregadores (dominicanos). Lutou contra os albigenses.
A respeito de São Domingos temos um trecho da obra “Diálogo da Divina Providência”, em que Deus trata com Santa Catarina de Sena, que foi terceira dominicana, a respeito de seu Fundador:
“Foi precisamente sobre a luz, disse Deus e Santa Catarina de Sena, que o pai dos pregadores estabeleceu o seu princípio. E fez dele o objeto próprio de sua arma de combate. Ele tornou para si o ofício do Verbo, meu Filho, disseminando minha palavra, dissipando as trevas, e esclarecendo a Terra. Maria, pela Qual Eu o apresentava ao mundo, fez dele o extirpador das heresias (op. cit., 158).
É interessante esse trecho porque mostra todo o valor que Deus dá à missão de extirpador das heresias.
Agora, um trecho do famoso Dom Guéranger em sua obra “L'Année Liturgique”, em seu comentário relativo à festa de São Domingos.
“Assim, a Ordem, chamada a ser o principal apoio do Pontífice na perseguição das falsas doutrinas, deveria – em um certo sentido – justificar melhor ainda esta expressão (“extirpador das heresias”) do que o seu patriarca: os primeiros tribunais da Santa Igreja, a Inquisição romana, o Santo Ofício, investido da missão do Verbo com o gládio com duas lâminas (Apoc. 19, 11-16) para converter ou castigar, não teve instrumento mais fiel e mais seguro do que a Ordem dominicana”.
Os senhores podem aquilatar bem como penetrou a "heresia branca" também na hagiografia.
Considerem a vida de qualquer santo escrita na concepção da "heresia branca", de modo geral figura sempre isto: “Ele foi muito bom... perdoou muito, curou muitos doentes, agradava muito as criancinhas...” Ou seja, a santidade quer dizer ser dulçuroso no trato. A bem dizer, nunca os senhores verão elogiar o seguinte: “Velou pela doutrina, odiou e extirpou a heresia”. Porque isto parece à “heresia branca” uma cogitação de caráter intelectual e não moral. Portanto não se trata de manifestação de virtude. Seria até antipático, porque a pessoa que combateu a heresia, fez sofrer outros. E, pois, assim se tornou antipática.
Havia um alto personagem da Igreja aqui no Brasil, que deu ao seu secretário este conselho (era um tempo um pouco antiquado em que ainda a santidade era apresentada como norma...): “Padre Fulano, o senhor tome como norma de santidade: qualquer ato que lhe pareça bom, mas que possa fazer sofrer alguém, não o faça porque não é bom. Pois o bem nunca faz sofrer a ninguém”.
Esta é a mentalidade estritamente “heresia branca”! Ela não compreende nem de longe a necessidade de se defender a doutrina. Menos ainda compreende a necessidade de corrigir os que erram: “Isso não é virtude, é uma preocupação de caráter intelectual. É uma elucubração de caráter estudioso. Isso não é virtude...” dizem os adeptos dessa mentalidade.
Ora, é o contrário que é verdade. O amor de Deus tem como expressão necessária o amor daquele que a boa doutrina diz a respeito de Deus. Porque eu não posso amar Deus como Ele não é. Eu tenho que amar a Deus como é. E sei como Deus é de acordo com a boa doutrina. E o amor meu a Deus é o amor que a boa doutrina me diz a respeito de Deus. Portanto é o que a boa doutrina me diz a respeito de Nosso Senhor Jesus Cristo, Verbo de Deus encarnado, daquilo que Ele ensinou e fez. A ortodoxia não é senão o amor de Deus.
De maneira que uma pessoa pretender ter virtude sem ter ortodoxia, é uma verdadeiro absurdo; é a mesma coisa que pretender ter virtude sem ter amor de Deus. E ser ortodoxo sem odiar o mal é outro absurdo.
Portanto, virtude primeira: ortodoxia. Porque é um dos aspectos do amor de Deus. E quem diz ortodoxia, diz combatividade. Quanto mais combativa, mais ortodoxa, tanto mais ama a Deus .
Continuamos agora com a leitura de outro trecho de Dom Guéranger a respeito da Ordem de São Domingos e o liberalismo:
“Tanto quanto Santa Catarina de Sena, o ilustre autor da Divina Comédia (Dante) não teria nunca imaginado que devesse haver um tempo onde o primeiro atributo da família dominicana, que lhe dava direito ao reconhecido amor dos povos, seria discutido em certa escola apologética, e lá afastada como um insulto, ou dissimulada com mal estar. Nosso tempo põe sua glória em um liberalismo que mostrou o que era multiplicando as ruínas e filosoficamente não repousa senão sobre a estranha confusão entre licenciosidade e liberdade. Seria necessário um tal desabamento intelectual para que não se compreendesse mais que uma sociedade onde a fé é a base das instituições como ela é o princípio da salvação eterna, nem um crime é igual àquele de abalar o fundamento sobre o qual repousa assim o interesse social, o mais precioso dos particulares. Nem o ideal da justiça nem o da liberdade não consistem em deixar à mercê do mal e do maligno os fracos que não podem defender-se a si mesmos.
“A cavalaria fez desta verdade seu axioma e foi esta a sua glória. Os irmãos de Pedro Mártir (os dominicanos) dedicaram sua vida a proteger contra as insídias do ‘forte armado’ (Lc. 11, 21) o contágio que ‘se esgueira pela noite’ (Sal. 90, 6), a segurança dos filhos de Deus. Esta foi a honra da ‘tropa santa que Domingos conduz por um caminho que é todo cheio de proveitos e no qual não se extravia’ (Dante, Paraíso, X, 94-96)”.
É uma bonita afirmação da legitimidade da Inquisição, da legitimidade das guerras santas, da legitimidade da polemica, que o irenismo hoje tanto quer negar.
Eu gostaria de acentuar este pensamento: sempre que se dá ao erro a possibilidade de se disseminar, ali se dá ao mesmo tempo apoio a uma perseguição à verdade. E sempre que se dá ao mau ou ao mal a liberdade, apoia-se uma perseguição ao bom e ao bem. Porque está na índole do erro de ser contagioso. Depois do pecado original, o homem tem uma apetência de erro. Donoso Cortés, numa página magnífica que já foi estudada aqui em reunião, dizia que o milagre da Igreja não consistiu em ser aceita pelos homens por ser boa, santa, mas apesar de ser boa e santa. Os homens têm uma enorme atração pelo erro e pelo mal. Se se deixa o erro e o mal livres, permite-se que eles sublevem os homens. Portanto não há pior tirania e não há pior crueldade do que advogar a liberdade para o erro e para o mal.
Dom Guéranger comenta muito bem: o que fazia o cavaleiro andante? Andava de um lado para o outro para defender as viúvas, os órfãos e os fracos. Pergunta-se: as almas ignorantes não são mais desamparadas do que as viúvas, os órfãos e os fracos? As almas que têm maus pendores em conseqüência do pecado original não estão mais expostos ao erro do que as viúvas, os órfãos e os fracos do tempo da cavalaria andante? E o que é mais importante: defender almas ou defender corpos? Evidentemente defender almas.
De maneira que toda a nobreza da cavalaria andante incide e se concentra nos que, em nossos dias, combatem o erro e o mal denodadamente.
Há uma melancólica observação histórica, que não posso deixar de fazer: os senhores considerem o que foi a Ordem dominicana. Reflitam um pouco no que ela é no Brasil de hoje, e os senhores compreenderão a enorme decadência das melhores instituições de nosso século.
Assim os senhores. compreenderão igualmente que o pior mal de nosso século não consiste em que os comunistas sejam o que são e que tenham o poder que têm. Mas que aqueles que deveriam combater o comunismo sejam o que são e adotem as posições erradas que adotam hoje. Essa é a questão.
Na festa de São Domingos, é inteiramente a propósito darmos à nossa oração da noite de hoje o caráter de uma reparação àquele santo Fundador por toda a ofensa que essa torção de seu admirável instituto sofre – em tantas partes, pelo menos –, e pedirmos que ele nos defenda de seus filhos que tenham se transviado.

  (Plínio Corrêa de Oliveira, reunião "Santo do Dia", de 4 de agosto de 1965)



domingo, 4 de agosto de 2019

SÃO JOÃO MARIA VIANEY: MODELO DOS SACERDOTES







Notem que São João Vianney não tem “apenas” o título de santo ou intercessor. O Papa Pio XI, quando o canonizou, instituiu-o como modelo de todos os párocos do mundo. Portanto, o que São João Vianney diz é modelo para os outros dizerem coisas análogas. E o que fez é modelo para outros fazerem. Vamos ler suas palavras que são modelo para as pregações sacerdotais.
Trechos do Catecismo sobre a Impureza, escrito por São João Batista Vianney:
“Há almas que são tão mortas, tão apodrecidas que marasmam na sua infecção sem o perceber, e não podem mais se desvencilhar dela; tudo as leva ao mal, tudo lhes lembra o mal; mesmo as coisas mais santas. Elas têm sempre essas abominações diante dos olhos, semelhantes ao animal imundo que se habitua à porcaria e se agrada nela, que se rola nela, que nela dorme, que ronca sujice. Essas pessoas são objeto de horror aos olhos de Deus e dos santos Anjos”.
“Ó, meus filhos! Se não houvesse algumas almas puras para indenizar Deus e desarmar sua justiça, haveríeis de ver como seríamos punidos. Só em ver uma pessoa, reconhece-se se ela é pura. Há nos olhos um ar de candura e de modéstia que leva a Deus. Vê-se em outras, ao contrário, que têm um ar todo inflamado. Satanás põe-se-lhes nos olhos para fazer cair os outros e arrastá-los ao mal”.
Os senhores estão vendo que é uma exposição soberba do que é a impureza, dos seus efeitos na alma, de como Deus a vê e acaba com essa frase magnífica a respeito do papel de Satanás. Satanás está posto nos olhos do impuro, para olhar os outros e levá-los para o mal. O olhar do impuro contamina com sua impureza.
Qual impuro? Não é qualquer impuro, mas esse impuro que está no marasmo, que afundou, que não sai mais, que não muda mais, que está completamente liquidado pela impureza. Esse impuro se torna então um habitáculo de Satanás.
Os senhores vêem nesse trecho a força dessa pregação. Imaginem que, se de todos os púlpitos da Cristandade, se ouvissem afirmações dessas... eu lhes pergunto se a impureza não recuaria enormemente. O que aconteceria com as modas imorais se se falassem coisas dessas? Porque uma pessoa do sexo feminino que tem o hábito de usar mini-saia, está inteiramente nesse caso. Pode comungar quinze vezes por dia, que não escapa.
Se todos os pregadores dissessem isso, como o mundo estaria diferente. Então, por que o mundo não é como deveria ser? Antes de tudo, porque os pregadores não pregam o que deveriam pregar. E por que não pregam o que deveriam pregar? Porque não são o que deveriam ser. Temos que nos colocar francamente nessa posição.
Por que eu estou repetindo isso, que nós sabemos tão bem? É para mostrar – sempre insisto nesse ponto e nunca será suficiente insistir – que não se trata de um conflito entre uma opinião nossa e a opinião de pregadores. Trata-se de um conflito entre vinte séculos de ensinamento da Igreja, vinte séculos de pregação da moral verdadeira e da prática da moral verdadeira pelos santos, de canonizações contínuas de modelos exímios de santidade, que protestam contra o que hoje se passa.
Então, na nossa tomada de posição, não há uma opinião individual que se levanta contra a opinião de uma instituição, mas há a fidelidade a esses vinte séculos que se prolongam pela noite dos dias de hoje. Há a fidelidade ao legado dos santos, ao legado dos mártires, dos Papas, ao legado dos pastores; ao legado, enfim, de tudo quanto é a Esposa Mística de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é Igreja Católica. E é em nome disso e por fidelidade a isso, que protestamos. A nossa luta não é de indivíduos contra indivíduos, mas é uma luta da fidelidade contra a infidelidade.
Essas palavras do Santo Cura d’Ars exprimem bem isso e é por tal motivo que estou repetindo. Eu quero que os senhores apalpem com a mão, que os senhores tomem – para usar uma palavra de hoje – a vivência de que isso não é apenas uma opinião de A, de B ou de C, ou minha, mas que é muito mais do que isso: é a fidelidade a vinte séculos de história da Igreja Católica. Isso é o que me parece fundamental para dizer aqui.

(Santo do Dia, 08 de agosto de 1966)