Vou dar duas meditações e depois perguntarei aos senhores qual dos modos de considerar o Santo Natal lhes fala mais. Porque eu quereria fazer um pouquinho um teste como sopram os espíritos na geração que sucedeu a geração que sucedeu à minha.
Farei uma primeira
meditação que tem uma altíssima autoridade, porque tirada diretamente de Santo
Inácio de Loyola. Vou adaptá-la um pouco aos senhores. porque ele a faz sem
adorno.
Diz ele que, no
acontecimento do Natal, Nosso Senhor Jesus Cristo quis dar aos homens uma lição
e o mundo, ou seja, o conjunto
dos que vivem não para Deus mas para si mesmos, o conjunto dos egoístas, que são a imensa maioria dos homens,
sobretudo nas épocas de decadência, como era quando Nosso Senhor nasceu e como
é a época em que vivemos, o egoísmo
deles propende para um dos três
objetivos seguintes: em primeiro lugar, as riquezas; segundo lugar, as delícias; terceiro lugar, as honras.
Como delícias ele entende os prazeres que os sentidos podem dar,
antes de tudo sensuais; depois, os prazeres da degustação, da vista, do olfato,
do ouvido; enfim, tudo quanto a vida de luxo pode dar de agradável, de gostoso.
Por riquezas entende algo diferente: é a simples posse do dinheiro. É a avareza
daqueles que procuram o dinheiro não por causa dos prazeres que este pode
trazer, porque neste caso o que move as pessoas não é a sede do dinheiro, mas a
sede dos prazeres - o dinheiro é um meio, não é um fim. Mas os que tem a mania
do dinheiro, quer dizer, querem ser ricos
por serem ricos. Não tiram proveito nenhum de sua fortuna, vivem às
vezes de modo muito obscuro, muito apagado, muito banal, às vezes vivem até de
modo miserável, para terem a alegria de sentirem-se continuamente de posse de
uma grande quantia de dinheiro.
Depois há o prazer
das honras. São as pessoas que
não procuram tanto o dinheiro nem a vida agradável, quanto procuram a consideração dos outros, querem ser
objeto de grandes homenagens, de grandes atenções, de grandes reverências; eles
procuram o prestígio.
Essa classificação
é perfeitamente bem feita! Em última análise, o egoísmo dos homens tem um
desses três objetos. Os Senhores. notarão mesmo em torno de si - talvez notem
em si mesmos, fazendo exame de consciência... Cada um dos Senhores, no fundo,
se se deixasse atrair, iria atrás de um desses três polos.
Os Senhores. dirão:
“Mas Dr. Plinio, está meio esquemática essa classificação, porque a pessoa pode
ir trás das três coisas ao mesmo tempo: gostar muito do dinheiro, muito das
delícias e muito do prestígio”.
Eu digo: é verdade.
Mas está no espírito humano necessariamente o seguinte: a pessoa gosta de uma
dessas coisas muito mais do que das outras. De maneira que, depois de ter
experimentado todas elas, acaba fixando-se em uma, e fazendo desta a finalidade
de sua vida.
Há no homem uma certa unidade pela qual ele tem também uma unidade de objetivos, conforme ensina São Tomás de Aquino. E quando não se procura a Deus como seu fim
último, busca-se um desses três gêneros de prazeres como seu fim último.
Por Sua vida, Nosso Senhor provou o nada desses prazeres
Então, Nosso Senhor
Jesus Cristo veio ao mundo para provar aos homens como esses prazeres não valem
nada.
Essa prova
evidentemente só vale para os católicos. A prova tem como ponto de partida a
convicção de que Nosso Senhor Jesus Cristo é Homem-Deus e que, portanto, toda a
lição que Ele dá é infinitamente sábia, infinitamente verdadeira. Um ateu
evidentemente não pode aceitar essa prova.
Mas como é que
haveremos de fazer uma meditação de Natal para um ateu? É impossível, uma vez
que ele nega os pressupostos do Natal. Estas
considerações são, portanto, para
um católico.
Mais ainda. Não é uma meditação para um católico qualquer,
mas para um católico que tem algum fervor, ser capaz de algum modo, em alguma medida
pelo menos, impressionar-se com as
coisas da religião. Não é desses católicos tíbios, que os Senhores.
encontram em tal quantidade por aí, que diga-se a eles o que se disser em
matéria de religião, não se incomodam.
Os Exercícios
Espirituais de Santo Inácio supõem um católico com alguma possibilidade de
se impressionar e de se sensibilizar pelos temas da religião, algum desejo de
ser coerente com sua Fé, que deduz dos princípios religiosos algumas
consequências para o seu procedimento e considera insuportável estar em
incoerência.
Então, Santo Inácio
propõe uma meditação sobre o Natal e atrai a atenção das pessoas que são
levadas, por um desses três objetivos idolátricos, a esquecer a Deus por causa
do dinheiro, dos prazeres, ou das honras.
Ele visa - antes de
tudo - as riquezas e pergunta: de que
valem as riquezas deste mundo? Nosso Senhor Jesus Cristo é o criador do
céu e da terra, é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, é Deus, e criou o
Céu e a terra porque as operações de Deus são conjuntas das Três Pessoas da
Santíssima Trindade. Foram as três Pessoas da Santíssima Trindade que criaram
conjuntamente o universo. Portanto criaram todas as riquezas que há na Terra.
Quer dizer, tudo quanto existe na terra de maravilhoso, de belo, de útil, de
capaz de fundamentar a prosperidade de um homem, foi Deus que criou. De maneira
que ninguém pode ter uma riqueza comparável com a de Deus.
Deus que criou
todas as riquezas que existem e - mais ainda - tem um poder inesgotável de
criar quantas riquezas queira, sem o menor esforço, sem a menor aplicação
especial, porque Ele é Onipotente e exerce sua onipotência com perfeitíssima
facilidade. De maneira que basta olharmos para as estrelas do céu e
compreendermos cada uma delas que riqueza representa, para entendermos com que
facilidade Deus cria tudo. De modo que tudo quanto há na criação, Ele poderia
criar um número insondável de vezes, outro tanto e mais tanto, inesgotavelmente
e com a mesma facilidade com que cria um grão de areia, de tal maneira Deus é infinitamente
rico. Rico na Sua essência, muito mais do que simplesmente por aquilo que Ele
criou.
Ora, esse Deus tão infinitamente rico quis vir à
Terra como pobre, quis nascer de um pai carpinteiro, de uma Mãe que
executava serviços domésticos em casa; quis nascer numa manjedoura, ou seja,
num lugar mais pobre que se possa imaginar; tendo como aquecimento apenas o
bafo de alguns animais e as roupinhas que Nossa Senhora fez para Ele; tendo
como asilo não uma residência de homens, mas um local para animais, era onde os
bichos iam para comer. Foi ali que nasceu o Verbo de Deus!
Ele quis mostrar assim, o quanto o homem deve ser indiferente às riquezas
quando se trata de compará-las com o serviço de Deus. E que, portanto, o homem deve viver - antes de tudo - não para
ser rico, não para ter grandes cabedais, mas para amar a Deus, louvá-Lo,
servi-Lo nesta terra, para depois ir adorá-Lo no Céu por toda a eternidade.
Então, esses homens
que vemos em torno de nós que correm debandadamente atrás do dinheiro, que
fazem da posse do dinheiro a única preocupação de sua vida, que fazem das
conversas sobre o dinheiro o tema mais agradável, que mais os atrai, que mais
os interessa; que colocam toda felicidade na idéia de que eles possuem dinheiro
e que nunca ficarão pobres e, pelo contrário, vão ficar cada vez mais ricos...
esses homens são uns verdadeiros insensatos. Porque os bens que possuem, por
mais que valham, são uma parcela minúscula do que existe no Universo. E para
Deus não são senão um pouquinho de poeira e de lama.
Admitamos que o
homem mais rico do mundo seja um X. E que a relação de seus bens ocupasse um
catálogo do tamanho de uma lista telefônica: imóveis, dinheiro, títulos,
créditos, objetos de valor, etc., etc. O que seria tudo isto em comparação com
Deus Nosso Senhor? Absolutamente nada.
Então, X e esses que vivem exclusivamente para o
dinheiro, ou principalmente para o
dinheiro e fazem de sua posse o único objetivo da vida, estes procedem como verdadeiros insensatos,
porque calcam aos pés a lição que Nosso Senhor Jesus Cristo lhes deu no
Presépio. Não compreendem que aí Nosso Senhor deu a entender o seguinte: o homem pode desejar riquezas, adquiri-las e conservá-las desde que não faça
disto o objetivo supremo de sua vida. Este deve ser a glória de Deus, portanto, a glória da Igreja Católica,
portanto, a vitória da Contra-Revolução sobre a Revolução. A preocupação
financeira tem que ser uma preocupação colateral, sob pena de o católico - como
um verdadeiro demente - inverter a ordem dos valores e amar mais o que devia
amar menos, e amar menos o que devia amar mais. Isso é quanto ao dinheiro.
Quanto às delícias:
Nosso Senhor Jesus Cristo - se tivesse
querido - teria mandado reunir no Presépio todas as sedas, as mais deliciosas do universo; teria podido mandar os
Anjos introduzirem no local onde nasceu todos
os perfumes, os mais agradáveis; Ele poderia ter, para ouvir a música mais agradável que todas que
existem na Terra. Porque se os Anjos cantaram para os pastores ouvirem, quanto
mais eles cantariam para o Menino Jesus! E não há música terrena que de longe
possa se comparar à música angélica. O Menino Jesus poderia ter tido agasalhos super-eficazes; poderia ter
sido nutrido desde o começo com as melhores
comidas que há no mundo; em uma
palavra, Ele poderia se ter enchido de delícias logo no primeiro momento de Sua
vida terrena.
O que Ele fez? Foi o contrário: quis nascer deitado sobre palha, um
material cujo contato não dá nenhum regalo para o corpo; quis estar numa
manjedoura, onde o cheiro normalmente não é bom, por mais que Nossa Senhora e
São José tenham limpado o local antes; quis estar tiritando de frio, nascendo à
meia-noite de um mês que nesse lugar onde nasceu é um mês de inverno e,
portanto, de muito frio; quis ter como música apenas o mugido dos animais que
estavam junto a Ele. Ou seja, o contrário de todas as delícias que se possam
imaginar. Ele quis tudo isso para mostrar aos homens que é uma loucura fazer
das delícias a principal finalidade da vida.
A lição que Ele nos dá é o contrário: desde que seja para o bem das almas, desde que seja para a glória de Deus, a gente deve desfazer-se imediatamente de todas as
delícias e deve procurar apenas aquilo que seja para o bem da Causa de Nossa
Senhora, embora com muito sacrifício e com muita renúncia, é o que se
deve fazer.
Terceiro: as
honras. As “honras” equivale a dizer um desejo desregrado do próprio prestígio,
ou seja, a “megalice”. O que vem a ser as honras? É a pessoa ser objeto de
reverências por ser mais do que outro. Por ser mais inteligente, ou ser mais
jeitoso, ou por ser mais engraçado, ou por ser mais diplomático, ou por ser
mais interessante, ou por ser mais simpático, ou por qualquer outra coisa que a
pessoa possa encontrar no caminho, que tenha ou que imagine ter e então acha
que tem direito a uma atenção especial.
Às vezes é tal a
miséria humana que o homem se envaidece até das coisas que não seriam motivo
para isso. O famoso São Paulo Eremita, depois que ficou muito velho, vivendo sozinho
no deserto, num momento considerou que ele seria provavelmente o homem mais
velho da Terra. Ora, o homem mais velho da terra é o que está mais perto da
sepultura!... Não dava para ficar vaidoso disso. Pois ele teve que lutar contra
essa tentação. Se ele dissesse: "Sou o homem mais maduro da Terra",
que atingiu, embora efemeramente, o ponto de mais perfeita maturidade, de maior
conciliação entre o que a idade pode dar e a juventude pode conservar, seria
errado, mas ao menos haveria um fragmento de lógica dentro disso. Mas se o
homem se envaidece por ser o mais velho da Terra, simplesmente é um disparate!
Mas até com isso um homem pode envaidecer...
Nosso Senhor Jesus Cristo quis nascer despojado de tudo quanto pudesse
envaidecer. É fato que Ele nasceu da Casa Real de David, era Príncipe dessa Casa
que perdera seu poder político, seu prestígio social, seu dinheiro, em que Ele
não era absolutamente nada na ordem terrena das coisas. Seu pai era
carpinteiro, Sua Mãe fazia - como já disse - serviços domésticos...
Nasceu como um
pária, fora da cidade, porque lá ninguém quis dar acolhida a Seus pais que iam
de casa em casa pedindo lugar - não havia hotéis, eram hospedarias - e não lhes
receberam. Por isso Ele quis nascer numa manjedoura, para provar até que ponto são loucos os que se fazem uma ideia fixa de
parecer mais do que os outros. Em vez de procurarem servir à Causa Católica
procuram ser mais, ser mais, ser mais e fazem, então, desta vaidade o fim de
sua vida.
Então, o modo pelo
qual um católico deve aproveitar esses raciocínios é fazendo uma aplicação aos
outros e a si mesmo.
Aos outros: quando se vê alguém que não vive segundo a Lei de Deus e para a glória
de Deus, mas exclusivamente para sua própria vantagem - tal amigo da família,
tal vizinho, tal colega de profissão que tem prestígio político por este ou
aquele motivo, ou que leva uma vida deliciosa, ou que tenha muito dinheiro - se
se tiver tendência de admirar aquela pessoa só por isso, deve-se dizer: Não! O procedimento dessa pessoa é censurado por
Nosso Senhor no Evangelho.
Nosso Senhor, que é Rei da Sabedoria Eterna, ensinou o contrário, ou seja, que
essas coisas são secundárias. E tais pessoas, pondo todo empenho de suas vidas
nessas coisas, agem de modo irracional e serão condenadas por causa disso no
último dia.
Pelo contrário, bem-aventurados serão os que
renunciarem à riqueza, aos prazeres, às honras; ou tiverem riquezas, prazeres e honras, mas sempre na disposição de renunciar a qualquer minuto, caso a Causa
católica peça. Estes do partido
da renúncia, eu vou admirar! E vou
desprezar os outros, não vou me permitir admirar uma pessoa que não vive como
deve!
Aplicação a si próprio: nas
relações com os outros, o que procuro? Busco ser considerado pela minha
riqueza? pela vida regalada que levo? por algum título de superioridade que
tenha? Então eu não valho nada! Porque o
que eu devo é não procurar que os outros me considerem, mas que amem a Deus! encaminhar os
outros para o amor de Deus, não querer
fixar a atenção sobre mim. Pois
nesse caso estarei roubando o que é devido a Deus. Eu devo apenas me preocupar com a dedicação
inteira que minha alma deve a Deus Nosso Senhor, a Nossa Senhora e à Santa
Igreja Católica.
Então, segundo a
escola de Santo Inácio - que é a escola verdadeira - nós devemos de dia e de
noite ter estas considerações diante dos olhos e eliminar de dentro de nossa alma, com energia como quem arranca erva daninha, essas
considerações mundanas que levam-nos a adorar o dinheiro, os prazeres e as
honras.
Isto supõe naturalmente muita oração,
porque o homem não cumpre esse propósito de pensar sempre nisso apenas com atos
de força de vontade. Este é um pensamento tantas vezes penoso que a pessoa tem
dificuldade de mantê-lo sempre em vista. E, mesmo tendo em vista, ter-se-á
dificuldade de renunciar a tais coisas. É preciso oração, graças, mortificação para conseguir realizar
isso. Mas se se agir por esta forma, conseguir-se-á e dessa maneira se poderá agradar a Deus.
Então, trata-se de
ter esta meditação diante dos olhos e orientar suas orações, seu rosário, sua
Comunhão, sobretudo, as Missas que assista, enfim todos atos de piedade, de
apostolado que se faça, deve-se
orientar tudo segundo esta ideia: desapego do dinheiro, dos prazeres e das
honras.
Aqui está uma meditação
feita segundo a escola de Santo Inácio de Loyola.
(Plínio Corrêa de
Oliveira – Santo do Dia – 29 de dezembro de 1973)
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