quinta-feira, 11 de abril de 2024

O VERBO NOSSO DE CADA DIA

 



 

(Comentários sobre termos e expressões muito usadas no português)

 “Brasil para Principiantes” é um livro escrito por um estrangeiro, o americano Peter Kellemen, informando aos que aqui chegam do exterior várias particularidades de nosso povo muito curiosas. Realmente, há muitos costumes e modos de ser ou de falar de nosso povo que causam estranheza aos estrangeiros.

Relacionamos a seguir algumas particularidades de nossa linguagem, de nosso idioma, que merecem destaque, as quais devemos sempre ter cuidado em nossa maneira de falar, especialmente se estivermos perante algum estrangeiro que não entende bem nossa língua e nossos costumes.

 

ATRAVÉS

 

Termo que só pode ser usado quando se quer atravessar, transpor alguma coisa. Por exemplo: viajar através de vários países; a luz está passando através da janela; eu vejo através da fresta, etc. Em vez de através deve-se usar a expressão “por meio de” quando se quer dizer por intermédio de . Conversavam por meio de telefones, conseguiu a vaga por meio de concurso, etc. Afirmar que alguém conheceu outro “através” de um amigo comum, por exemplo, não está correto; o certo seria dizer “por meio de”. 

 

“coisa” de português 

A palavra “coisa” tem se prestado para mil e uma utilidades, há até aqueles que inventam o verbo “coisar” para definir uma ação imprecisa e nebulosa. “A coisa tá feia”, “não é qualquer coisa que me assusta”, “uma coisa é dizer, outra coisa é fazer”, “essa coisa”, etc. são expressões muito comuns para o uso dessa palavra. É muito comum também esta: “isso é coisa de fulano” ou “isso não é coisa que se faça”. Para se usar corretamente nossas palavras, nada melhor do que um dicionário. Vejam quantos significados há lá para a palavra “coisa”: objeto, assunto, negócio, ato, estado, condição, causa, mistério, motivo, propriedade, fato, realidade, o que existe ou pode existir, aquilo que queremos mencionar mas cujo nome ignoramos, “coisa-feita” é feitiçaria. Não dizer coisa com coisa é falar sem razão, sem nexo; “coisas-do-arco-da-velha” são coisas incríveis de se acreditar, e assim por diante. E quando o sujeito quer menosprezar alguma mulher diz que ela é uma “coisinha” ou mesmo “coisinha à toa”, mas quando quer elogiar diz que é uma “coisinha fofa”. 

 

Entrar sem penetrar 

Nem sempre quem conjuga o verbo “entrar” é com a intenção de penetrar em alguma coisa ou ambiente, por exemplo. Assim você pode entrar em acordo, alguém pode “entrar” em sua vida, um doente pode entrar em coma, ou então, o mais comum, alguém pode entrar na casa, num cômodo dela, por exemplo. A entrada também pode ter significações diferentes, pois, embora o mais usado seja o lugar onde se entra, uma porta ou um portão, pode ser também o prato de antepasto que se serve antes da refeição principal. Usa-se também a expressão: “de entrada” fulano disse tal coisa. A entrada, também, é o pagamento inicial que se faz de um débito. E quando um avião “entra” em parafuso? É claro que não quer dizer que aquele bicho enorme penetrou num instrumento tão pequeno como um parafuso, mas quer dizer que está caindo em círculos, haja vista que o parafuso é formado por roscas circulares e helicoidais.

  

Favas contadas 

Nos povos antigos, especialmente entre gregos e troianos, havia um costume de se utilizar favas na contagem dos votos de suas eleições. Tais eleições eram comuns para escolher jurados ou mesmo regentes, como os arcontes. O processo era assim: num pote eram colocadas favas brancas misturadas com favas pretas. O escrutinador chamava cada candidato pelo nome, este punha a mão no pote e tirava uma fava, se esta fosse branca estava eleito, e sendo preta estava reprovado. Quando o número de favas brancas, de candidatos eleitos, chegasse ao total exigido, era concluída a eleição. Foi daí que surgiu o termo “favas contadas” para assinalar uma situação em que tudo estava previsto ou predeterminado, pois o povo sempre desconfiava que aquelas eleições sempre era arrumadas, eram “favas contadas

 

ORIGEM DA EXPRESSÃO "HIP-HIP-HURRA!" 

Ninguém sabe ao certo, mas existem hipóteses (todas bem esquisitas!). Uma delas remonta a manifestações contra os judeus na Europa do final do século XIX. Durante os protestos, a multidão gritava “Hep! Hep!” O grito seria adotado, mais tarde, pelas tropas de Hitler. Alguns pesquisadores afirmam que “Hep” deriva da expressão latina Hierosolyma Est Perdita, ou “Jerusalém está perdida”. De acordo com essa versão, encontrada no livro The War Against Jews (A guerra contra os judeus, inédito no Brasil), do historiador Dagobert Runes, a interjeição “Hep” teria sido um grito de guerra dos cruzados medievais. A palavra “Hurra”, por sua vez, seria derivada do eslavo “hu-raj”, que queria dizer “ao paraíso”. Assim, a expressão completa significaria “Jerusalém está perdida e estamos a caminho do paraíso”. Outros autores afirmam que as três letras HEP eram entoadas pelos romanos seguidas do grito “Hurra!” (este sem significado aparente) para celebrar o fim de um levante na mesma Jerusalém, no ano 70.

Mas poucos estudiosos acreditam nisso. “Nenhuma dessas versões possui evidências suficientes. ‘Hep’ pode ter sido apenas um grito dos pastores medievais para conduzir seus rebanhos”, diz o historiador Robert Michael, da Universidade de Massachusetts, em Darthmouth, Estados Unidos. (Fonte: Wikipedia)

 

Matar sem ser crime e fazer sem executar 

O verbo matar não é usado somente pelo assassino, mas para várias outras finalidades: matar a sede, matar saudades, matar a curiosidade, matar o tempo, etc. Também se usa muito no Nordeste o termo “matar o bicho” para designar o ato de beber uma cachaça. É o mesmo que ocorre com o verbo “fazer”, o qual nem sempre é utilizado para se executar alguma tarefa. Diz-se que está fazendo frio ou calor, diz-se que vai fazer xixi, fazer cocô, mas nunca se ouviu dizer que alguém os fizesse, pois tanto o frio quanto o calor, como o xixi e o cocô, já vêm prontos para nós, foram feitos pela Natureza. E quando alguém diz, por exemplo, que está “fazendo cera”, na realidade ele não está fazendo nada. E quem chega a “fazer falta”, ou pode ser que é uma pessoa imprescindível ou algum jogador de futebol que derruba a adversário.

  

Partir ou seguir viagem?

Um outro verbo que pode prestar-se a diversas interpretações é o “partir”. Quando se diz que “o trem partiu” está se querendo dizer que ele foi partido ao meio ou que seguiu viagem? E a expressão “coração partido”, literalmente, quer dizer que o órgão a que se refere foi rompido ao meio? Não, neste último caso quer dizer apenas que a pessoa está sofrendo muito e por isso se diz que está com o coração partido. E quando se diz “parto sozinho” quer dizer vai viajar sem companhia ou que vai parir o filho sem assistência do médico? Mas, o verbo partir também é usado para significar a origem de alguma coisa: “de onde partiu os boatos”, “a partir de hoje”. Já o termo “partido”, acima referido em relação ao coração, tanto pode significar algo quebrado, rompido, como algo de excelente como o “bom partido” (que se refere a um bom casamento) e ao partido político, que não tem nada de quebrado e sempre anda muito coeso e unido. E quando nos referimos à partida de futebol, de voleibol ou de outro esporte qualquer? Realmente, a palavra “partida” surgiu do termo “partir”, no sentido de iniciar um jogo. E tudo começou na Idade Média, quando os aficcionados do xadrez popularizaram o termo, o qual se tornou sinônimo de jogo.

 

pegar nEM SEMPRE quer dizer agarrar

Quando pegamos um taxi ou um ônibus não quer dizer que o agarramos, mas quando pegamos uma caneta ou qualquer objeto é porque realmente o temos em nossas mãos. Da mesma forma, quando pegamos uma doença (e aí o termo é usado no sentido de transmitir a outrem), como uma gripe, não quer dizer que agarramos a mesma, mas que ela fica conosco, fica sim. Às vezes a pessoa pega a chorar, às vezes diz-se que a chuva pegou ou que a televisão está pegando tal programa. O verbo é quase sempre usado para designar algo que deve deitar raízes, como uma planta que deve pegar para crescer e desenvolver-se. Daí também se originou o termo “pegadinha” para designar um trote que se passa em alguém, e “pegada”, que é o rasto deixado no caminho. E se você “pegou no ar” a lição do professor quer dizer que entendeu tudo de uma só vez.

  

Pentear macaco

“Vai pentear macaco” é uma expressão popular da língua portuguesa, usada no Brasil, e que significa "vai cuidar da tua vida", "não amola", "cai fora", "para de encher o saco", "vai ver se eu estou na esquina". É usada para afastar alguém que está sendo chato ou inconveniente: "O que é que você ainda está fazendo aqui? Vai pentear macaco!".

A origem da expressão tem várias versões diferentes. A mais plausível aponta que derivou do provérbio português "mal grado haja a quem asno penteia", que surgiu pela primeira vez em Portugal, no ano 1651. Nessa altura, escovar ou pentear animais de carga (burros e jumentos, por exemplo), era um trabalho mal visto, tendo em conta que estes animais não precisavam de estar com boa apresentação para cumprirem a sua função. Como os portugueses até metade do século 17 não conheciam a palavra "macaco", usavam o termo "bugio" para identificar esse animal, e daí surgiu a expressão "vai bugiar", que é uma expressão equivalente a "vai pentear macaco", e é usada até os dias de hoje em Portugal e algumas partes do Brasil.

Outra versão diz que a expressão "pentear macaco" surgiu no tempo da escravatura e significava um castigo para os escravos, que tinham que dar banho e pentear uns aos outros.

 

Perder o rebolado 

Expressão muito usada no Brasil. O “rebolo”, no Nordeste, é algo que se atira em alguém ou em outro objeto; sendo assim, pode-se dizer que tal objeto ao ser “rebolado”, lançado ou arremessado, se erra o alvo “perde o rebolado”. Neste caso, o verbo correto seria “rebolear”, mas não é usado no Nordeste. Há outro sentido, este sim, mais corrente e mais correto: quando a pessoa “perde a graça”, isto é, fica sem jeito perante alguma situação vexatória. Quando o dançarino está “se rebolando”, que quer dizer “se requebrando”, se ele perder o ritmo, fica sem graça e sai da dança. Assim também a pessoa quando fica sem jeito com alguma situação de vexame: “perde o rebolado”.

 

Reagir ou estagnar 

Reagir é desenvolver uma ação contra outra, isto é, fazer uma reação. Até aqui o sentido tem sido mais ou menos um só. No entanto, quando esta reação passa a se constituir num sistema ou num pensamento estruturado, chamando-o de “reacionário”, o termo passa a ter significado diferente, dizem que “reacionário” é tudo aquilo ou aquele que é contra o progresso e a liberdade. E se o sujeito passa a ser conivente com tudo, ficar indiferente a certa ação que vem contra seus princípios, poderia muito bem ser chamado de “progressista”, que, no caso, seria o oposto de “reacionário”. Embora tenha meras conotações ideológicas, o termo foi pacificamente aceito nos dicionários que dão ao termo o sentido acima. Quer dizer: até os lingüistas são influenciados por princípios ideológicos.

 

Quem deseja sofrer? 

Sofrer (do latim “Sufferre”). É interessante o texto publicado na revista “Língua”, edição n. 89, de 2013. Nele, a palavra é comentada por um uso muito prosaico: aumento de preços e outros valores. Dizia-se ali que um jornalista comentou certo aumento dizendo que tal produto “sofreu aumento de preço”, e acrescenta: “Por que tanto sofrimento? Que razões levam um redator a estabelecer relação entre aumentos de preços ou salários e sofrimento? Talvez porque aumentos em geral resultem em sofrimento...”

A palavra “sofrer”, no caso, ganha outros significados: ganhar, receber, etc. Em vez de se dizer, por exemplo, que tal produto “sofreu” aumento de preços deveria se dizer que “ganhou”aumento de preços, ou “perdeu” se o preço foi diminuído. Mas, se um time de futebol “sofre” uma derrota o outro poderia ter “sofrido” a vitória?

Qual a razão disso? Por que se usa essa palavra com tal finalidade? Então o verbo sofrer pode “sofrer” modificações em sua significação? Não, não há modificações em seu significado, tantos são eles. Num dicionário encontramos a seguinte definição: suportar, tolerar, padecer, admitir, etc; e lá consta o seguinte exemplo: “é um argumento que não sofre dúvida”, cujo verbo (sofrer) poderia ser substituído por “admitir”. Há também outras significações, como ter prejuízos, decair, permitir, admitir, mais ou menos indiferentes ao padecimento humano.

Já a palavra “sofrível”, “sofre” também empregos diversos, podendo significar aquilo que se poder sofrer ou então algo que é suportável, razoável ou mesmo medíocre. Nada mais humilhante do que o professor dizer ao aluno que seu trabalho foi “sofrível”... faria o referido estudante sofrer muito com isso.

 

Tirar e deixar no lugar

O verbo “tirar” também tem algumas particularidades. Sacar, fazer sair de algum lugar, despir (tirar a roupa), descalçar (tirar o sapato), extrair (sacar algo de dentro de outra coisa, como tirar o leite da vaca), auferir (tirar proveito de algo), tirar uma reza (fazer uma oração), copiar (tirar cópia), extinguir o uso de algo (tirar de circulação, por exemplo), imprimir (tirar uma edição do livro, daí o termo “tiragem”), libertar (tirar da cadeia), deduzir (tirar uma conclusão), subtrair (tirar o dinheiro do caixa), dormir (tirar uma soneca), tirar a vida (matar), são as forma mais comumente usadas. Mas, há outras que não são comuns, mas, apesar de algumas dúvidas, soam corretas, pois subentendem que se tira algo que permanece no mesmo lugar: tirar a palavra do orador (o sujeito não fica mudo por causa disso), tirar a prova de uma conta (por exemplo, a “prova dos nove”), tirar a sorte (na loteria) e, a pior de todas, “tirar a pressão” (a arterial, “tirada” pelo médico), tirar uma foto. Oriunda do mesmo verbo há a expressão “tirada” para significar, na gíria, alguma afirmação estapafúrdia ou um dito gracioso. Fulano deu uma “tirada” é muito usado especialmente no Nordeste brasileiro. Também pode-se batizar uma criança de um nome “tirado” de algum almanaque.


Vir ou vim?

É comum ouvir essa expressão: “Você vai vim?”. Quem conjuga o verbo, nesse caso, usando o termo “vim” em vez de “vir”, certamente nunca freqüentou uma escola ou foi mal aluno de português. Mesmo que se o usasse corretamente, “você vai vir”, estaria correto? Talvez o mais certo seria dizer: “Você virá?”; aparentemente os termos são oriundos do mesmo verbo, mas não: o termo “vir” não se refere ao verbo ir, mas “chegar”, “comparecer”, etc.

Pior é quando se diz assim: “Você vai poder vir pra reunião?”. Nesse último caso teremos, então, três conjugações verbais numa mesma frase, quando o certo seria: “você poderá vir para a reunião?”

No entanto, dizer “vai vir” não está errado. Se a expressão “você vai vir” estivesse errada, então seria errado dizer “Você vai fazer”, “você vai ficar” ou “o mundo vai mudar”.

O barão de Itararé criticava a complexidade de nosso idioma com essa frase: “botar a calça e calçar a bota”, mas, seria correto dizer “botar a calça” ou “vestir a calça?”. Nesse caso, o verbo botar teria dois sentidos: colocar e vestir. Até mesmo para as galinhas, das quais se diz que “botam ovos”, não muito diferente de “põem ovos”. “Botar”, “colocar” e “pôr”, são, pois, verbos com mesmo significado. No caso do comentário de Itararé, houve apenas a coincidência das palavras bota e calça pertencerem também à conjugação verbal dos verbos botar e calçar. No entanto, nem sempre o termo “botar” pode significar “vestir”, pois a pessoa pode “botar” a calça em qualquer lugar, seja num cabide, numa gaveta, ou, em cima de si mesmo, o que seria vesti-la.

 

VOU TE CONTAR...

Pior do que isso são expressões vulgares, hoje em uso, como essas: “eu nem te conto” e “vou te contar”. Quando se diz “eu nem te conto” é porque a pessoa vai realmente contar alguma coisa, e quando se diz “vou te contar” é porque nada vai dizer em seguida. E quando se diz “pois sim” se quer dizer “não”, e ao se dizer “pois não” quer dizer “sim”. Quem entende? Mas, nesse caso, a falha de linguagem é ocasionada pela confusão mental das pessoas e não pelo próprio idioma.

 

 

 

 

quinta-feira, 4 de abril de 2024

O CORAÇÃO MÍSTICO DE CRISTO

 



 

O mês de junho a Igreja o dedica ao Sagrado Coração de Jesus e comemoramos neste mês do ano de 2023 os 80 anos da publicação da Encíclica “Mystici Corporis”, do Papa Pio XII, datada de 29.06.1943. Nela a igreja define com precisão que Ela mesma é a continuidade de Cristo, a Cabeça deste Corpo, denominada assim de Corpo Místico de Cristo. Podemos destacar neste Corpo Místico seu Sagrado Coração, podendo ser chamado de Coração Místico de Cristo. Se todo o Corpo está representado por todos fiéis e pela Igreja, o Coração Místico se identificaria como o conjunto daqueles que mais representam o Coração de Cristo, aqueles que cumprem mais fielmente sua Vontade.

 

Origem da definição de corpo místico

A definição a respeito de corpo místico surgiu após a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, quando se manifestou o Sagrado Corpo Místico d’Ele entre nós, que é a Santa Igreja Católica através de seus membros como continuadores da Sua Cabeça, que é o próprio Cristo. No Antigo Testamento não há nenhuma referência a respeito do assunto, como é óbvio, a não ser quando se fala sobre os reinos messiânicos nas antigas profecias. Quem primeiro falou sobre o Corpo Místico de Cristo foi o Apóstolo São Paulo. Quando Cristo lhe apareceu interrogando “Saulo, Saulo, por que me persegues”? (At 9. 4-5) ele deve ter tido esta dúvida: “como é que O persigo se estás morto”? De um modo sobrenatural, posteriormente passou a entender que estava perseguindo o Corpo Místico de Cristo. Notar que Quem o converteu foi o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, mas quem o encaminhou para a Igreja, batizando-o e catequizando-o, foram os membros deste Corpo Místico, ao qual ele perseguia e tornou-se um de seus membros. Foi assim que a definição de Corpo Místico de Cristo ficou mais patente, sendo por ele defendida em seus escritos.

 

A conversão de São Paulo contada por ele mesmo

Estando em Jerusalém, já famoso por suas pregações, São Paulo foi acusado de profanar o templo ao trazer até ali gregos, ou seja, não judeus.  Ao ser preso, fez um discurso onde narra como ocorreu sua conversão, conforme consta nos Atos (At 21, 37-40 e 22,1-16). O fato é bastante conhecido por todos; assim narra ele: “Ora, aconteceu que, na viagem, estando já perto de Damasco, pelo meio-dia, de repente uma grande luz que vinha do céu brilhou ao redor de mim. Caí por terra e ouvi uma voz que me dizia: ‘Saulo, Saulo, por que me persegues?’ Eu perguntei: ‘Quem és tu, Senhor?’ Ele me respondeu: ‘Eu sou Jesus, o Nazareno, a quem tu estás perseguindo’. Meus companheiros viram a luz, mas não ouviram a voz que me falava. Então perguntei: ‘Que devo fazer, Senhor?’ O Senhor me respondeu: ‘Levanta-te e vai para Damasco. Ali te explicarão tudo o que deves fazer’. Como eu não podia enxergar, por causa do brilho daquela luz, cheguei a Damasco guiado pela mão dos meus companheiros.

Um certo Ananias, homem piedoso e fiel à Lei, com boa reputação junto de todos os judeus que aí moravam, veio encontrar-me e disse: ‘Saulo, meu irmão, recupera a vista!’ No mesmo instante, recuperei a vista e pude vê-lo. Ele, então, me disse: ‘O Deus de nossos antepassados escolheu-te para conheceres a sua vontade, veres o Justo e ouvires a sua própria voz. Porque tu serás a sua testemunha diante de todos os homens daquilo que viste e ouviste. E agora, o que estás esperando? Levanta-te, recebe o batismo e purifica-te dos teus pecados, invocando o nome dele!'”

Notemos que São Paulo é chamado de Apóstolo, mas não era um dos doze; no entanto, adquiriu e divulgou uma doutrina tão sólida que é tida como um quinto Evangelho, sendo leitura obrigatória nas santas Missas. Pode-se dizer que foi o primeiro Apóstolo do Corpo Místico de Cristo.

 

A doutrina de São Paulo sobre o Corpo Místico de Cristo

Quando Nosso Senhor Jesus Cristo apareceu a São Paulo e lhe disse: “Saulo, por que me persegues?” – deixou implícito que era Seu Corpo Místico que estava sendo perseguido. É claro que Saulo não entendeu, no momento, o que queriam dizer estas palavras, mas só algum tempo depois com as inspirações interiores recebidas do Espírito Santo. E compreendeu tão bem seus significados que procurou explicitá-los, deixando esparsa em algumas epístolas a sua doutrina sobre o Corpo Místico de Cristo, como os exemplos a seguir:

“Porventura não sabeis que os vossos membros são templo do Espírito Santo, que habita em vós, que vos foi dado por Deus e que não pertenceis a vós mesmos?” (I Cor 6, 19). “[Cristo] É a cabeça da Igreja, que é seu Corpo”  (Col 1, 18). “O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja” (Cl 1, 24); “O constituiu chefe supremo da Igreja, que é o seu corpo” (Ef 1, 22-23); “A uns ele constituiu apóstolos; a outros, profetas; a outros, evangelistas, pastores, doutores, para o aperfeiçoamento dos cristãos, para o desempenho da tarefa que visa à construção do corpo de Cristo” (Ef 4, 11-12); “Cristo é o chefe da Igreja, seu corpo, da qual ele é o Salvador (Ef 5, 23); “como Cristo faz à sua Igreja, porque somos membros de seu corpo” (Ef 5, 29). "Pois, assim como num só corpo, temos muitos membros e os membros não têm a mesma função, de modo análogo, nós somos muitos e formamos um só corpo em Cristo, e todos e cada um membros uns dos outros" (Rm 12, 4-5). “Ora, vós sois o Corpo de Cristo e sois os seus membros, cada um por sua parte. E aqueles que Deus estabeleceu na Igreja são, em primeiro lugar, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, doutores... Vêm a seguir os dons dos milagres, das curas, da assistência, do governo e o de falar diversas línguas " (l Cor 12, 12-28).

Em outro oportunidade, o Apóstolo chega a afirmar que um membro pode também contribuir para a formação de outros membros do Corpo Místico de Cristo, como ele próprio o fazia: “Quos iterum parturio, donec formetur Christus in vobis” (Gal 4, 19): Dou à luz todos os dias os filhos de Deus, até que Jesus Cristo seja nele formado em toda a plenitude de sua idade. Portanto como na verdadeira sociedade dos fiéis há um só corpo, um só Espírito, um só Senhor, um só batismo, assim não pode haver senão uma só fé: “Há um só Corpo e um só Espírito, assim como é uma só a esperança da vocação a que fostes chamados; há um só Senhor, uma só Fé, um só batismo; há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, por meio de todos e em todos” (Ef 4, 5-6),

Todo cristão é um “outro Cristo”

Essa afirmação foi feita pelos antigos Padres da Igreja, “Christianus alter Christus”, isto é, o cristão é um outro Cristo. Isso corrobora a afirmação de São Paulo: “Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gál. 2, 20). Quer dizer, enquanto fiéis cristãos nós nada mais somos do que o próprio Cristo através de seu Corpo Místico, que é a Igreja.

Santo Agostinho se referia a Ele como o “Christus totus”, o “Cristo total”, a Igreja una com Cristo. E dizia: “Alegremo-nos, portanto, e demos graças por nos termos tornado não somente cristãos, mas o próprio Cristo. Compreendeis, irmãos, a graça que Deus nos concedeu ao dar-nos Cristo como Cabeça? Admirai e rejubilai, nós nos tornamos Cristo. Com efeito, uma vez que Ele é a Cabeça e nós somos os membros, o homem inteiro é constituído por Ele e por nós. A plenitude de Cristo é, portanto, a Cabeça e os membros; que significa isto: a Cabeça e os membros? Cristo e a Igreja”.[1] 

O Sagrado Coração de Jesus, parte importante de Seu Corpo Místico

Dr. Plínio Corrêa de Oliveira, líder católico brasileiro de grande destaque no século passado que fundou uma grande família de almas católicas[2], escreveu o seguinte sobre a devoção ao Sagrado Coração de Jesus:

“...O que é, propriamente, a devoção ao Sagrado Coração? É a devoção ao órgão de Nosso Senhor, que é o Coração. Mas na Escritura, o coração não tem o significado sentimental que tomou no fim do século XVIII, mais ou menos, e certamente no século XIX. Não exprime o sentimento. Quando diz a Escritura: “A ti disse o meu coração: eu te procurei”, o coração aí é a vontade humana, é o propósito humano, é propriamente, a santidade humana. Aí quando Nosso Senhor diz isso, diz: "na minha vontade santíssima, Eu quero". O Evangelho diz: “Nossa Senhora guardou todas as coisas em seu coração e as meditava”. Os senhores percebem que não é o coração sentimental, mas a vontade d’Ela, a alma d’Ela que guardava aquelas coisas e pensava sobre elas. O coração é a vontade da pessoa, o seu elemento dinâmico que considera e pondera as coisas. O Sagrado Coração de Jesus é a consideração disso em Nosso Senhor, simbolizado pelo coração, porque todos os movimentos da vontade do homem podem ter no coração uma repercussão. Nesse sentido, então, é o órgão adequado para exprimir isso. E é nesse sentido, então, que se adora o Santíssimo Coração de Jesus.

Por correlação, por conexão, existe a devoção imensamente significativa, do Imaculado Coração de Maria. O Imaculado Coração de Maria é um escrínio dentro do qual encontramos o Sacratíssimo Coração de Jesus”. [3]

 

Sagrado Coração de Jesus, troca de afetos entre Deus e os homens

No decorrer de várias aparições à Santa Margarida Maria de Alacoque (século XVII), Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu a devoção ao Seu Sagrado Coração. Uma devoção eminentemente reparadora, buscando no coração humano uma profunda empatia com Deus para que juntos (Jesus Cristo e o homem) possam reparar os pecados cometidos contra a Santíssima Trindade. Uma devoção que se espalhou rapidamente a partir do século XVII, mas que teve seu início quando o Apóstolo São João recostou sua cabeça ao Coração de Jesus durante a Santa Ceia, véspera da Paixão.

A intenção de Nosso Senhor ao instituir esta devoção foi de fomentar uma afetividade maior entre Ele e os homens, pois é através de Seu Sagrado Coração que podemos manifestar todos os nossos afetos para com Cristo, Senhor Nosso e Salvador de nossas almas.

  

O que se deve entender por “coração”

É Dr. Plínio quem o explica de uma forma claríssima:

Tomo os elementos que me parecem fundamentais nesse grande e misterioso assunto que é a devoção ao Sagrado Coração de Jesus.

Por “coração” os antigos entendiam não precisamente o que se entende hoje, mas algo que é ao mesmo tempo vasto e, em certo sentido, diferente.

Em nossos dias, o coração é quase o símbolo do sentimento desacompanhado da razão. Diz-se que o coração de uma pessoa vibra quando ela sente um certo enternecimento, quando é alvo de um ato de bondade, ou quando tem uma condescendência com algo.

Mas coração é só isso?

Para os antigos, não era assim. Eles tomavam o coração como o órgão que nós conhecemos, que pulsa, que tem aurículas, ventrículas, faz sístoles e diástoles, e em razão de cujo funcionamento – uns mais solidamente na sua jovem idade, outros mais precariamente nas idades avançadas – todos estamos vivos. Mas coração significa para eles algo mais. Era o conjunto das coisas que o homem vê, ama e guarda na sua mente, por assim dizer, como se fossem “slides”, porque lhe falaram mais.

A palavra coração representa esse conjunto de coisas enquanto amadas pelo homem com um amor que não é apenas uma conaturalidade ou uma simpatia, mas é um ato racional. As coisas que foram julgadas segundo certa doutrina verdadeira – que é o ponto de referência de tudo – e foram encontradas conformes a essa doutrina, e, por isso mesmo, amadas.

 

O coração do católico. O Coração de Jesus

Continua Dr. Plínio:

O coração do católico representa nesse sentido, a mentalidade dele, que inclui a sua sensibilidade, mas indica sobretudo aquilo que – estando de acordo com a doutrina católica, apostólica, romana – ele conhece pela Fé como verdadeiro. Aquilo que ele ama acima de tudo e toma como uma linha “rectrix” de todas as outras coisas, porque é conforme à verdade verdadeiríssima, à verdade soberana, à verdade padrão, segundo a qual todas as outras verdades são de fato verdades, e contra a qual todas as aparências de verdade não são senão erros enganosos.[4]

 

Definição mística do Sagrado Coração de Jesus, segundo Santa Margarida Maria Alacoque

Santa Margarida Maria Alacoque depois de procurar fazer conhecer o Sagrado Coração de Jesus por meio de numerosos símbolos, compreende que essas comparações são insuficientes, e dá-nos, então, do Coração de Jesus o que se pode chamar uma definição mística: “Nosso Senhor, diz ela, fez-me conhecer que o seu Sagrado Coração é o Santo dos Santos, o Santo do amor”.

“Qual é o duplo elemento constitutivo da perfeição do Sagrado Coração e da perfeição das almas?

“A Bem-aventurada tem em todos os seus escritos principalmente dois fins em vista: 1º. mostrar como o Sagrado Coração é santidade e amor; 2º. exortar com instância os servos deste divino Coração a reproduzirem em si mesmos esta santidade e este amor. Com efeito, este é o duplo elemento essencial da perfeição de todo o coração humano, especialmente do Coração de Jesus: a santidade que repele o mal e procura destruí-lo: o amor que atrai para o bem, principalmente para Deus, o soberano bem, e procura fazê-lo triunfar em toda a parte. .

Que diferença entre esta doutrina e a maneira como tantos cristãos encaram a devoção ao Sagrado Coração! Parece que esqueceram que, sendo este Sagrado Coração a própria santidade, a primeira qualidade que devem ter os seus servos é a santidade, e uma santidade perfeita, a que se não chega sem grandes esforços. A todos os que querem ser servos dedicados do seu Coração diz Nosso Senhor: “Sancti eritis” - quoniam ego sanctus sum; sede santos, porque eu sou santo. (I Ped 1, 16)”

Pelo fato do coração simbolicamente ser tido como o centro das cogitações da pessoa, onde reside a vontade humana e todas as nossas principais atenções, poderíamos imaginar que somente isso estaria representando o Sagrado Coração de Jesus. No entanto, Santa Margarida Maria Alacoque vai mais longe e nos diz que o Coração de Jesus, em seu sentido místico, representa Suas perfeições, Sua santidade.

 

“Em que consiste a santidade do Coração de Jesus?

“A santidade adorável deste divino Coração consiste no horror que tem ao pecado, e no zelo que emprega para o destruir”. 

A seguir, a Santa define uma dupla santidade do Coração de Jesus: uma de amor e outra de justiça. A do amor é exercida através da virtude da caridade, que é o próprio amor. Diz ela: “A santidade de amor abrasa o Coração de Jesus num zelo infinito pela gloria de seu Pai, e pela santificação das almas. Era ela que inspirava a Nosso Senhor Jesus Cristo um desejo ardentíssimo de se oferecer como vítima no Calvário, e o leva a tratar com santo rigor os seus maiores amigos, para os purificar das suas menores faltas, e torná-los assim mais perfeitos. É também esta santidade que alimenta o fogo do purgatório”.

Sobre a santidade de justiça, assim comenta:

Esta santidade inspira ao Coração de Jesus um ódio irreconciliável ao pecado, que deseja ardentemente destruir, e um afastamento absoluto do pecador impenitente, que, apesar de tudo, deseja salvar”.

“Tal santidade produz neste Coração Sagrado um combate misterioso entre o amor divino, que chama o pecador, e o ódio, que repele o impenitente endurecido. Foi esta justiça que, oprimindo dolorosamente o Coração de Jesus, o fez entrar em agonia, e derramar o seu sangue em suor copioso no jardim de Gethsemani . Há de ser diante desta terrível santidade que os réprobos hão de aparecer; à sua vista encher-se-ão de terror, exclamando: Montanhas caí sobre nós”.

Neste sentido, trata-se de uma santidade eminentemente reparadora, pois um dos principais objetivos da justiça é reparar o mal cometido.

 

Se formamos um Corpo Místico de Cristo, também poderemos nos constituir num Coração Místico d’Ele

Assim, vimos que o Coração Místico de Cristo se forma por duas santidades, a do amor e a da justiça. Mas, assim como Seu Corpo Místico, podem os cristãos também formar um Coração Místico ao participarmos desta dupla santidade? Ela responde que sim:

As almas justas são chamadas a ter parte durante a vida nesta dupla santidade do Coração de Jesus, e a sofrer os seus salutares rigores, não só para santificação própria, mas também para destruir o pecado no mundo, para salvação dos pecadores, e para livramento das almas do Purgatório. Esta participação é a origem das satisfações superabundantes da Santíssima Virgem e dos santos.

O meu divino mestre, diz a Bem-aventurada, mostrou-me que estas duas santidades se exerceriam continuamente em mim“.

Em seguida ela fala sobre os efeitos que a santidade de justiça produzirá nos pecadores:

 A santidade de justiça, diz a Bem-aventurada, é terrível e medonha: esmaga os pecadores impenitentes que desprezaram todos os meios de salvação que Deus lhes ofereceu. Esta santidade de justiça lança-os fora do Coração de Jesus para os entregar a si próprios e torná-los insensíveis à sua própria desgraça. Esta santidade não pode sofrer a mais pequena mancha numa alma que trata com Deus, e mil vezes aniquilaria o pecador, se a misericórdia se não opusesse. Um dia disse-me o meu divino Mestre: “Esta santidade de justiça mete-se de permeio entre o pecado e a minha misericórdia. E, uma vez que a minha santidade caia sobre o pecador, é impossível que se reconheça; a sua consciência fica privada do remorso, o entendimento sem luz, o coração sem contrição; por fim morre na sua cegueira”

E, depois, sobre os efeitos desta santidade de justiça sobre os justos, almas reparadoras, estes, nesse caso, aqueles que verdadeiramente refletem aqui na terra o Coração Místico de Cristo:

Nosso Senhor, diz a Bem-aventurada, deu-me a conhecer, que a santidade de justiça me faria sentir o peso dos seus justos castigos, fazendo-me sofrer pelos pecadores. Na verdade, coisa alguma me custava tanto como esta santidade de Nosso Senhor, sobretudo quando Ele queria abandonar alguma alma que lhe era consagrada. Fazia-me então sofrer tão dolorosamente, que não há suplicio nesta vida que se lhe possa comparar; para o evitar, ter-me-ia lançado sem dificuldades numa fornalha ardente”.

“Por mais que dissesse, nunca poderia dar uma idéia sequer do que sofri por causa desta santidade de justiça. Um dia o meu Salvador fez-me ouvir estas palavras: “A minha justiça está irritada e disposta a castigar os pecadores, se eles não fizerem penitência. Quero dar-te um sinal que te faça conhecer, quando a minha justiça estiver resolvida a dar os seus golpes sobre essas cabeças criminosas: sabê-lo-ás, quando te sentires esmagada pela minha santidade.

Será apenas uma pequena amostra de como as almas justas a suportam, com medo de que ela caia sobre os pecadores”.

Os justos devem ser especialmente almas reparadoras:  

A santidade de amor não é menos dolorosa que a santidade de justiça, diz a Bem-aventurada; mas os seus sofrimentos são para reparar de algum modo a ingratidão de tantos corações, que não pagam com amor o amor ardentíssimo do Coração de Jesus no Santíssimo Sacramento. Um dos sofrimentos que causa é não se poder sofrer mais; inspira desejos tão veementes de amar a Deus e de o ver amado, que para o conseguir não há tormento que a alma deixe de aceitar de boa vontade. Esta santidade de amor excitou quatro desejos no meu coração; desejo de amar, desejo de comungar, desejo de sofrer e desejo de morrer. Desta forma sentia eu sempre novas consolações no meio dos açoites e dos espinhos, com que o meu divino Salvador me tinha presa á cruz. Quanto mais eu sofria, maior era a satisfação que dava a esta santidade de amor.

Nosso Senhor deu-me também a conhecer que: para aliviar as almas santas, que estão detidas no purgatório esta santidade de amor me faria sofrer uma espécie de purgatório mui doloroso”.[5]

 

O Coração Místico de Cristo, parte importante de seu Corpo Místico

Como vimos, o Corpo Místico de Cristo é composto pelos fiéis da Santa Igreja Católica, composto pelos Cristãos verdadeiros, isto é, quem é batizado, crê e professa a doutrina de Cristo conforme diz o Catecismo. Como é um Corpo, há membros que se sobressaem neste organismo, destacando-se assim o Coração Místico de Cristo, composto por aqueles que são mais fiéis e cumprem rigorosamente a vontade de Deus. Segundo Santa Margarida Maria Alacoque, trata-se daqueles que seguem fielmente a santidade do Sagrado Coração de Jesus, que ela divide entre “santidade de amor e santidade de justiça”, conforme exposto acima.

Peçamos, pois, a Deus a graça de pertencer não somente ao Corpo Místico de Cristo, mas de Seu Coração Místico, imitando-o em Sua santidade. Escrevendo para o jornal “Legionário” Dr. Plínio Corrêa de Oliveira assim se exprimiu sucintamente sobre o significado de coração: “Quando diz a Escritura: “A ti disse o meu coração: eu te procurei”, o coração aí é a vontade humana, é o propósito humano, é propriamente, a santidade humana. Aí quando Nosso Senhor diz isso, diz: "na minha vontade santíssima, Eu quero".[6]

 



[1] Comentário aos Salmos, 85,5

[2] É preciso notar que Dr. Plínio fundou e dirigiu não somente grupos e instituições católicas, mas o que ele chamava de “família de almas”, isto é, uma instituição de família espiritual superior às instituições burocráticas.

[3] "Legionário" de 21-7-1940 e intitulado NOSSA SENHORA DO SAGRADO CORAÇÃO

[4] Revista “Dr. Plínio”, junho de 2003, págs. 16/21.

 

[5] Extraído de “O Coração de Jesus Segundo a Doutrina da Beata Margarida Maria Alacoque” – Por um Oblato de Maria Imaculada, Capelão de Montmarfe – Introdução do Pe. Joaquim dos Santos Abranches -  Editor Manuel Pedro dos Santos, 1907, Lisboa –págs. 41/51

[6] "Legionário" de 21-7-1940 e intitulado NOSSA SENHORA DO SAGRADO CORAÇÃO

terça-feira, 2 de abril de 2024

COMO ENFRENTAR A MENTALIDADE BRASILEIRA QUE PODE FAVORECER OS ERROS MODERNOS

 





                                      A VISÃO DE DR. PLÍNIO SOBRE A QUESTÃO

             Comentando a respeito da mentalidade do brasileiro, Dr. Plínio, a certa altura, ensina como enfrentar tal mentalidade no momento de ter que refutar o erro e pregar a verdade.

 

“Opção-chave para o Brasil

Quando apresentamos as verdades até suas últimas consequências, recordamos aquelas que as pessoas não gostam de lembrar, atacamos o erro que ninguém quer verberar, dizendo contra ele tudo quanto deve ser denunciado, representamos a face heroica da alma brasileira, por onde o Brasil pode ser uma grande nação católica. Enquanto o liberalismo reproduz outra fisionomia de nossa nação: a indiferença para com os princípios, certa dose de cinismo e espírito de acomodação.

Por exemplo, diante do problema sobre como nos portar perante os hereges, existe uma opção da própria nação brasileira: fechar-se ao liberalismo e tomar uma atitude radical ou se manter na postura liberal. Esta é uma opção-chave para o nosso país, por detrás da qual se encontra outra questão: como tomar a Religião Católica Apostólica Romana? Qual é nosso perfil moral em face das alternativas energia ou moleza, coerência ou incoerência, integridade ou indiferença doutrinária?

Há, pois, um problema de alma: escolher entre nossa luz primordial ou nosso pecado capital. Devemos ter um feitio definido porque o brasileiro ou é desse jeito, ou cai no relativismo. Ou salvamos o brasileiro dessa forma de liberalismo ou não temos a Religião Católica seriamente praticada.

Assim, como muitas vezes acontece no Brasil, discute-se um problema em termos expressos, mas de fato por detrás está sendo debatido outro mais profundo e importante.

 

Energia e suavidade, justiça e misericórdia

Pergunta-se até que ponto, diante de alguém que sustenta um erro, devemos evitar o conflito ou ser combativos.

A princípio, todo católico deve preferir os métodos mais cordiais e suaves. Sempre que perceba que seu contato com um herege, cismático ou ateu pode conduzir a um bom resultado por um trato suave, deve preferi-lo, em tese. Este é um princípio do qual não se pode abrir mão. Teoricamente, o trato suave é sempre preferível. E acrescento: quanto mais suave, mais preferível é.

Contudo, em geral, deve-se ter um trato pelo qual sejam ditas, com polidez e educação, todas as verdades necessárias para o interlocutor compreender que está errado. E se algumas dessas verdades doerem, afirmamo-las do mesmo modo, embora cordial e atenciosamente. Se ele se indignar, insistimos, e se travar uma discussão num diapasão furioso, com dignidade o acompanhamos nesse diapasão. E não havendo remédio, passamos para a polêmica. E não fazemos polêmicas de “Maria vai com as outras”, mas o tratamos pelo menos de igual a igual, na energia. Porque tal será que o defensor da Fé verdadeira seja menos ardoroso e mais mole do que o defensor do erro!

Nunca se dirão injúrias de caráter pessoal, a não ser em casos especialíssimos. Mas se preferirá não as proferir.

Então, diante da questão sobre se devemos tratar com energia ou compaixão, justiça ou misericórdia, a resposta, a priori, é: nem só com justiça, nem só com misericórdia.

Deus é justo e misericordioso, e o nosso trato deve conter a justiça e a misericórdia. Mas, assim como Deus em certas horas mostra a justiça e em outras a misericórdia, castiga ou contemporiza ou perdoa, assim também no nosso trato deve haver algo que represente a energia bem como a suavidade e o perdão.

A posição de não querer energia nunca seria tão errada quanto a de jamais desejar suavidade ou perdão. Cada coisa deve entrar na hora adequada. O problema consiste em saber quais são os momentos da misericórdia e quais os da justiça.

 

Hierarquia de valores

Há uma hierarquia de valores a ser tomada em consideração. Quando discuto com alguém que sustenta um erro, devo me lembrar de que, antes de tudo, está em jogo a causa de Deus. Portanto, o primeiro direito a pairar acima de todos os outros é o d’Ele, da Igreja Católica. Não devo pensar de imediato no contendor nem em mim, mas na glória de Deus.

Em segundo lugar, preciso cogitar nos direitos do defensor da verdade, porque este tem mais direitos que o defensor do erro, é evidente.

Em terceiro lugar, nos direitos do público que presencia essa discussão.

Só em quarto lugar entra o interesse do contendor. Porque, como ele é o culpado, é o último proveito a ser considerado.

Imaginem um tribunal onde o júri está reunido e alguém pergunta:

- Qual o maior direito a ser defendido nesta sala?

Levanta-se um indivíduo que responde:

- É o do réu.

Ora, o primeiro direito é o de Nosso Senhor Jesus Cristo, regra suprema e ideal de perfeição moral ali representado por um crucifixo. Em segundo lugar, é o direito da vítima; em terceiro, o do público e em quarto lugar, o do criminoso.

Há uma espécie de dodói, sobretudo no nosso ambiente brasileiro, que quando se fala de crime, o primeiro ato não é ter pena da vítima, mas do criminoso: “Coitado, vai para a cadeia...”

Tenhamos um pingo de bom senso! Coitado é aquele em que ele meteu uma bala e vai ficar estropiado a vida inteira, bem como as pessoas que precisarão carregar a vítima e as consequências desse crime. Mas há uma tendência a pensar logo no criminoso, fruto do liberalismo, que tem um complexo em favor do delinquente.

 

Aliar a inocência da pomba à astúcia da serpente e à coragem do leão

Analisemos com atenção a distinção entre os vários direitos.

Quais são os direitos de Deus? Assim como nós velamos por nossa honra e glória, e não aceitamos uma injúria com indiferença, a fortiori Deus Nosso Senhor deve ter sua honra e sua glória defendidas por aqueles que, no terreno humano, são seus aliados.

Quando Clóvis, Rei dos francos, ouviu a pregação de São Remígio, Bispo de Reims, contando a Paixão de Cristo, exclamou: “Ah, se eu estivesse lá com meus francos!” Para fazer o quê? Marchar por cima daquele deicidas e dizimá-los.

Evidentemente, porque a honra de Deus pede isso. De uma tendência sequiosa de Lhe prestar essa honra nasceu a nação dos franceses, que durante tanto tempo foi o braço direito da Igreja Católica. Portanto, há circunstâncias nas quais a glória de Deus exige que se refute com energia.

Se alguém, diante de mim, ofende a minha mãe, eu pulo em cima porque sou um homem honrado. Mas se um indivíduo fala contra Nossa Senhora e eu respondo: “Essa é uma questão de princípios...”, tomei a sério que a Santíssima Virgem é minha Mãe e sua honra deve ser defendida? Por que não tomo a defesa d’Ela como faço pela minha mãe terrena? Sou sério e consequente na minha adesão à Igreja Católica?

Há muitas ocasiões em que a resistência absolutamente se impõe. Vou dizer mais: muita gente afirma que católico não é másculo, é carola, efeminado, por constatar que os católicos, muitas vezes, não têm combatividade e varonilidade.

O Profeta Oseias dá um conselho interessante: “Não sejais pombas imbecis, sem inteligência”  (Os 7, 11). E Nosso Senhor diz que devemos aliar a astúcia da serpente à inocência da pomba. Poderíamos acrescentar: e á coragem do leão. Por isso, Ele foi chamado o Leão de Judá. É preciso ser combativo, saber vingar a glória de Deus.

 

A principal preocupação do combatente é vencer a guerra

Existem os direitos daqueles que são os defensores da verdade. Certa ocasião tive uma desavença com uma pessoa influente que – tenho inteira consciência e digo com toda tranquilidade – agira muito mal comigo. Comentei a questão com um padre para quem fui apresentando meus argumentos: “Eu tinha razão nisso, naquilo, naquilo outro...” Muito sossegado, ele ouvia a narrativa e, à medida que eu mencionava as injustiças e as injúrias por fim sofridas, ia meneando a cabeça  e dizendo: “Coitadinho dele...” Para ele, o coitadinho não era a vítima, mas o agressor!

Menciono esse fato apenas como exemplo do estado de espírito segundo o qual nunca se tem compaixão da vítima que defende a verdade, mas sim do outro que sustenta o erro. Mais ou menos como se Coliseu romano estivesse presente Nero, Calígula ou Deocleciano, entrasse uma fera pulando em cima de uma virgem e alguém dissesse: “Coitadinho do imperador! Olha o crime que ele está praticando!” Coitada é a vítima em cima de quem vai saltar a fera!

Entenda-se que quem defende a verdade tem direito à reputação, ao respeito, a ser ouvido; o seu trabalho deve ser correspondido por aquele a quem se dirige, e este, não fazendo isso, anda mal. Portanto, a principal preocupação na discussão não deve ser se o católico exagera, mas considerar o mal que seu opositor pratica.

São Pio X disse que, às vezes, no calor da peleja, pode sair um golpe forte demais. Porém, para quem combate, a preocupação não é de poupar a cabeça do adversário... E acrescento eu: é de quebrá-la.  Se ele a quebra em quatro pedaços em vez de dois... aconteceu. Mas a principal preocupação do combatente é vencer a guerra.

 

Direito do público que assiste a uma discussão doutrinária

Depois vem o direito de quem assiste à discussão, e este ponto tem muita importância, seja qual for o público: debate em televisão, conversa em casa na presença de familiares, enfim, quaisquer pessoas que presenciem a contenda.

Suponhamos que numa discussão com um protestante, um católico argumente do seguinte modo:

“Olhe, meu caro, a sua religião em muito de bom, porque crê em Deus, em Jesus Cristo... Mas há alguns pontinhos de exegese sobre os quais não estamos de acordo. Temos um tal ou qual desacordo no que diz respeito à Presença Real. Na hóstia em acredito que Nosso Senhor Jesus Cristo está presente; você acha que aquilo é uma bolhava ou um pedaço de pão. É um pormenor. Mas como nós estamos unidos no principal...”

Pergunto: as pessoas que ouvirem essa conversa saem com sua Fé confirmada ou mais propensos a aceitar o protestantismo? Evidentemente, verifica-se a segunda hipótese.

Talvez eu tenha captado a benevolência do protestante, mas perderam-se os outros que merecem muito mais do que ele. Logo, para não contraria alguém imerso no erro, perdem-se outros que estão dentro da verdade. Se todos os católicos discutissem assim, não haveria nada melhor para os inimigos da Igreja.

(Extraído de conferência de 3/3/1966)”

 

(Seção “Denuncia Profética”, revista “Dr. Plínio”, edição n. 299, fevereiro de 2023, páginas 11 a 17)