terça-feira, 29 de março de 2022

REQUINTE E AMOR À CRUZ

 



(Reflexões teológicas de Dr. Plínio Corrêa de Oliveira)

Temos aqui um texto tirado da “Carta Circular aos Amigos da Cruz”, no qual São Luís Grignion, com uma linguagem inflamada, inculca mais especialmente a ideia das tribulações, por ver quanto o homem é tendente a fugir delas.

 

Deus nos visita por meio dos sofrimentos

[24] Não vos ufanais, caros amigos da Cruz, de serdes amigos de Deus ou de tal poderdes vos tornar? Resolvei, pois, beber o cálice que é preciso necessariamente beber para se tornar amigo de Deus. “Calicem Domini biberunt et amici Dei facti sunt”[1] O bem-amado Benjamin teve o cálice e seus outros irmãos tiveram apenas o frumento (cf Gn 44, 1-12). O grande favorito de Jesus Cristo [São João Evangelista], teve seu coração, subiu o Calvário e bebeu o cálice. “Potestis bibere calicem?”[2]  É bom desejar a glória de Deus, mas deseja-la e pedi-la sem se resolver a tudo sofrer é fazer um pedido louco e extravagante; “Nescitis quid petatis”[3]

“Per multas tribulationes oportet nos intrare in Regnum Dei (At 14, 21): é preciso, oportet, é necessário, é coisa indispensável, é preciso que entremos no Reino dos Céus por meio de muitas cruzes e tribulações.

[25] Gloriai-vos com razão de ser filhos de Deus.  Gloriai-vos, pois, das chicotadas que este bom Pai vos deu e há de dar-vos no futuro, porque Ele chicoteia os seus filhos.

Como a idéia de um Deus que chicoteia seus filhos é destoante e pouco afeita à falsa piedade sentimental!   Mas Ele chicoteia por meio das provações e das tribulações. Evidentemente temos que nos resignar a essa idéia de que são presentes dos melhores quando nos faz sofrer. Devemos permitir que Deus nos castigue, flagele, exatamente por ser o que convém aos homens.

Havia na linguagem portuguesa antiga uma expressão muito bonita que me lembro de ainda ter ouvido as beatas da Igreja do Coração de Jesus usarem. Então, uma velha conversando com outra diz: “Deus tem me visitado...” Eu era ainda menino e pensava: “Será que ela teve uma visão?” Mas a expressão ficou-me na memória e indica uma coisa muito bonita: cada dor que nos vem é uma visita de Deus. Ou então, Ele nos visitou por meio de alguém que nos fez sofrer. Esta é a visita de Deus; devemos recebe-la de boa vontade, abrir a porta para ela, amá-la, manter a nossa alma em alegria enquanto durar essa visita.

Essa idéia de que Deus visita alguém nós a encontramos no Antigo Testamento, quando das visitas que o Todo-Poderoso faz ao povo de Israel por meio dos profetas. Mas há outra coisa que é essa visita de Deus pelo sofrimento. Então, a expressão me parece muito bonita.

 

Quem não sofre é o ímpio a quem Deus afastou de Si

Se não sois do número de seus filhos bem-amado, sois – oh! que desgraça,,  que golpe fulminante! -, como o diz Santo Agostinho, dos números dos réprobos. Aquele que não geme neste mundo, como peregrino e estrangeiro, não se regozijará no outro como cidadão do Céu, diz o mesmo Santo Agostinho. Se Deus Pai não vos enviar, de tempos em tempos, algumas boas cruzes, é que já não Se preocupa convosco, está irado contra vós, olha-vos tão somente como a um estrangeiro fora de sua casa e de sua proteção, ou como a um filho bastardo que, não merecendo sua proteção na herança de seus pai, não merece da parte d’Ele nem cuidados nem correção.

No Antigo Testamento acreditava-se que quando uma pessoa sofria era por ter cometido algum pecado. Portanto, sobre o sofredor recaía a suspeita de ser uma pessoa má. Pelo contrário, quem era feliz nesta Terra considerava-se como sendo bom, porque Deus estava premiando as boas ações que a pessoa tinha praticado.

Porém, aos poucos foi-se tornando mais explícita no Antigo Testamento a revelação de que havia uma vida eterna. Com isso, essa impostação foi-se modificando.

Já no Novo Testamento e encontramos a idéia contrária: o homem sofredor é o amado por Deus, enquanto aquele que não sofre é o ímpio a quem Deus afastou de Si.

Esse pensamento é muito importante, porque a maior parte das pessoas têm admiração por quem não sofre e um certo desprezo por quem padece. Essa é uma visão errada, pois quem é sofredor merece admiração, mas aquele que não sofre nada merece desconfiança, ou em breve Deus irá visita-lo com o sofrimento.

 

Sem o amor ao sofrimento não se adquire a verdadeira sabedoria

[26] Amigos da Cruz, que estudais um Deus crucificado, o mistério da Cruz é desconhecido dos gentios, repelido pelos judeus e desprezado pelos hereges e pelos maus católicos. É, porém, o grande mistério que deveis aprender na escola de Jesus Cristo, e que somente em sua escola podeis aprender. Procurareis em vão, em todas as academias da Antiguidade, um filósofo que o haja ensinado; consultareis em vão a luz dos sentidos e da razão; não há senão Jesus Cristo que, por sua graça vitoriosa, vos possa ensinar e fazer saborear este mistério.

Isto é bem verdade. Nós encontramos alguma coisa histórica a respeito do sofrimento, mas é uma impostação diversa, uma espécie de faquirismo. Não é tomar a Cruz como Nosso Senhor Jesus Cristo a recebeu e, sobretudo, a graça para desejar a Cruz, pois sem a graça não se compreende isso. É uma coisa  toda sobrenatural.

Tornai-vos hábeis, pois, nesta ciência supereminente, sob a direção de tão grande Mestre, e tereis todas as outras ciências, pois ela as contém a todas soberanamente.

Este é um ponto fundamental para se entender essa sabedoria. Quem tem horror ao sofrimento, o espírito desmortificado, não é capaz de ter sabedoria. Pode participar de um curso sobre a sabedoria, fazer o que quiser, não adianta. Sem o amor ao sofrimento não se adquire a verdadeira sabedoria. Vou dizer mais: toda forma de aquisição intelectual ou de vitória moral, sem sofrimento, não tem valor nenhum. A única coisa que dá a isso algum valor é exatamente a Cruz.

 

Senhoras que transmitiam ao lar um perfume moral

É a Cruz a nossa filosofia natural e sobrenatural, nossa teologia divina e misteriosa, e nossa pedra filosofal que muda pela paciência os metais mais grosseiros em metais preciosos, as dores mais agudas em delícias, as pobrezas em riquezas, as humilhações mais profundas em glórias. Aquele dentre vós que melhor sabe levar a sua cruz, mesmo que não conheça o A nem o B é o mais sábio de todos.

Antigamente se encontrava um estilo de velha senhora sofredora. Às vezes, casada com um marido péssimo, colérico, que perdia a fortuna e o filho fazia coisas más. Muitas delas eram beatas de igreja, mas com estilo diferente  das beatas sentimentais. Eram mulheres piedosas, que iam muito à igreja em dias de semana. Olhava-se para algumas delas e via-se que possuíam verdadeiramente uma resignação, uma dignidade de alma de chamar a atenção. Esse tipo de mulheres tinha sua respeitabilidade pelo fato de serem sofredoras. Assim, procurava-se bordar a mulher com a idéia de que ela deve sofrer, que habitualmente o casamento é um martírio, pois com frequência os maridos são ruins. Isso não é uma coisa normal, embora seja habitual. É justo que a mulher sofra com isso e ela deve aceitar esse sofrimento. A condição dela é, dentro de casa, levar todas as cruzes para dar ao lar a dignidade que a má conduta do marido não proporciona. Essa era a impostação de espírito existente em um bom número de senhoras, antigamente.

Então essas senhoras tinham uma dignidade de alma e uma elevação de vistas que excedia imensamente aos maridos. Eram elas que davam ao lar um perfume moral, um recolhimento, um recato, uma atração de que não se tem idéia mais hoje em dia. Mas é porque o espírito de sofrimento desapareceu. O pressuposto da idéia errada é justamente de que a mulher não deve mais sofrer, jogando de lado a Cruz de Jesus Cristo. Entretanto, o tipo feminino anterior a isso era, às vezes, de comover de tanta dignidade.

Alguém me contou o caso de uma senhora de minha geração que tinha um irmão sem-vergonha. Ambos eram solteiros. E ela aguentou o irmão a vida inteira, sendo ele, ao que parece, desse tipo de homem que chega bêbado em casa, derrubando objetos. De tanto beber, ele arruinou a família completamente e acabou morrendo. Pouco antes de falecer, o irmão chamou um criado muito fiel a ele e lhe disse: “Eu vou morrer. Logo após a minha morte, a primeira coisa que você deve fazer é ir à casa de minha irmã, ajoelhar-se diante dela e dizer-lhe que mandei agradecer tudo o que ela fez por mim. E que eu até nem tenho palavras para agradecer tantos benefícios, e por isso mandei você ajoelhar para prestar esse ato de gratidão”.

A atitude desse homem, esta sim, dá uma certa esperança de que ele tenha se arrependido nos seus últimos instantes, e ainda tenha tido um último perdão antes de morrer. Terá tido, então, a graça do perdão obtida por uma das tais mulheres a quem os maridos sem-vergonha, antes de morrer, pediam perdão, e os filhos, ao vê-la falecer, imploravam perdão também e levavam, chorando, o caixão dela para o cemitério.

 

O verdadeiro apóstolo é uma alma crucificada

Não há nada num ambiente que valha o tesouro da  presença de uma alma resignada a sofrer. Esse gênero de pessoas dá bons conselhos. Pode até ser gente simples, sem experiência e, sendo a última da família, os outros a ela se dirigem na hora de uma crise moral para pedir um conselho. Almas assim são sempre, no fundo, as mais alegres do lar, e são elas que consolam as outras pessoas da família.

Já vi gente nadando em felicidade e dinheiro chorar junto desse tipo de pessoa, e pedir consolação. Esse é o fascínio, essa é a influência sem nome, a ação prestigiosa da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. É o tesouro das famílias. E porque acabou até isso, a família praticamente morreu.

Queira ou não queira, quando a alma aceita bem o sofrimento ela toma uma tal autoridade que se diria ser a pessoa crucificada um outro Crucificado. Quer dizer, diante da pessoa que aceita o sofrimento seriamente até o fim, os outros se alteram. Pode durar mais tempo ou menos, mas eleva a alma a uma grandeza que lhe dá ima força divina, e exerce uma influência sobre as almas que arrasta tudo.

Tome-se, por exemplo, um padre que seja verdadeiramente um penitente, um homem que carrega a cruz do sacerdócio de um modo sério. Pode ser o último padrezinho do interior, de batina já rota, esmolambada. Ele entra num ambiente, sente-se ser um sacerdote que aceita contente o papel de vítima. Podem rir dele e até mata-lo, ele dominou a situação. Na alma que tenha aceito a sua própria cruz há qualquer coisa de divino que nos leva a pensar o seguinte: o apostolado verdadeiramente vem do fato de que uma alma resolve aceitar sofrer. Aí se prepara o campo para os melhores discursos, as mais bonitas tiradas, as melhores coisas que sejam feitas. Mas é preciso que se trate de uma alma crucificada.

Isso nós precisamos sempre lembrar. No Reino de Maria, se não houver numerosas almas crucificadas, ele morre. Porque o prestígio da Igreja e a força da Civilização Cristã vêm das almas que sofrem.

 

O pobre que sofre alegremente e o doutor da Sorbonne

Tornai-vos hábeis, pois, nesta ciência supereminente, sob a direção de tão grande Mestre...

Escutai o grande São Paulo que, ao voltar do terceiro céu onde conheceu mistérios ocultos aos próprios Anjos, exclamava não saber e não querer pregar senão Jesus Cristo crucificado.

Regozijai-vos, pobre ignorante ou pobre mulher sem espírito e sem ciência: se souberdes sofrer alegremente, sabereis mais que um doutor da Sorbonne, que não soube sofrer tão bem quanto vós.

Podem imaginar o que era, naquela época, um professor da Sorbonne e qual o desafio que uma coisa dessas representava! Era a época em que os formados, já não digo os empossados no cargo, na maior parte das cidades onde havia universidade, eram montados num animal, acompanhados pelos parentes e toda a cidade em desfile. Vestidos de um traje de formatura, de alguém que está por cima, o doutor passeando no meio de todo mundo. E um membro da classe profissional era ainda muito mais. Chega a dizer que o pobre ignorante é mais do que um doutor da Sorbonne...Se os doutores da Sorbonne fosse levar a sério o que São Luís dizia, que injúria! É um desafio atirado ao espírito mundano.

[27] – Sois membros de Jesus Cristo. Que honra! Mas quanta necessidade de sofrer por causa disso! A cabeça está coroada de espinhos e os membros estariam coroados de rosas? A cabeça está escarnecida e coberta de lama, no caminho do Calvário, e os membros estariam no trono, cobertos de perfume? A cabeça não um travesseiro para repousar, e os membros estariam delicadamente deitados entre plumas e arminhos? Seria uma monstruosidade inaudita.

Não, não, meus caros companheiros da cruz, não vos enganeis, estes cristãos que vedes de todos os lados, enfeitados na moda, maravilhosamente delicados, excessivamente educados e circunspectos, não são verdadeiros discípulos, nem verdadeiros membros de Jesus crucificado; faríamos injúria a essa cabeça coroada de espinhos e à verdade do Evangelho se acreditássemos o contrário.

Ah, meu Deus! Quantos fantasmas de cristãos se consideram membros do Salvador e são seus mais traiçoeiros perseguidores porque, enquanto fazem com a mão o sinal da cruz, são de coração seus inimigos. Se sois conduzidos pelo mesmo espírito, se viveis da mesma vida que Jesus Cristo, vosso Chefe coberto de espinhos, não espereis senão espinhos, chicotadas, pregos – numa palavra, Cruz – porque é necessário que o discípulo seja tratado como o Mestre e o membro como a cabeça. E se o Chefe vos apresentar, como a Santa Catarina de Sena, uma coroa de espinhos e outra de rosas, escolhei com ela a de espinhos sem hesitar,  e ponde-a na cabeça para vos assemelhar a Jesus Cristo.

Isso deve ser visto como dito àquela gente de um século que levou o “raffinement”[4] o mais longe possível. E como merecido por eles por causa exatamente do sentido de gozo desse “raffinement”. Era um requinte que não vinha acompanhado de espírito de Cruz e, como resultado, causava horror à Cruz verdadeira. E que, por isso mesmo, dava em decadência. Cada vez mais, as modas iam sendo feitas apenas para o gozo da vida e perdendo a pompa e a majestade, passando do majestoso para o raffiné, do raffiné ao gracioso, do gracioso ao vulgar. Realmente, a decadência da civilização se deu, no fundo, devido a esse excesso de moleza dentro da arte, da literatura, da moda, da vida social.

Vemos, assim, em São Luís Maria Grignion de Montfort uma homem que possivelmente não era um sociólogo, mas que percebia de longe coisas que homens de seu tempo não sabiam ver. Por quê? Não por ser ele muito inteligente, mas porque era um amigo da Cruz. A Cruz dá a possibilidade de ver as coisas que os outros não sabem ver. (Extraído de conferência de 23/09/1967)

 

 

(Transcrito da revista “Dr. Plínio”, edição n. 234, setembro de 2017)

 

 

 

 

 

 

 



[1] Do latim: Beberam o cálice do Senhor e se tornaram amigos de Deus (da antífona de entrada na Solenidade de São Pedro e São Paulo).

[2] Do latim: podeis beber o cálice? (Mt 20, 22)

[3] Do latim: não sabeis o que estais pedindo (Mt 20, 22)

[4] Do francês: requinte.


sexta-feira, 25 de março de 2022

COMENTÁRIOS DE DOUTOR PLÍNIO SOBRE A ANUNCIAÇÃO DO ANJO A NOSSA SENHORA

 



O Evangelho referente a este acontecimento é o seguinte: São Lucas:

“E, (estando Isabel ) no sexto mês, foi enviado por Deus o Anjo Gabriel a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão que se chamava José, da tribo, ou melhor, da casa de David. E o nome da virgem era Maria. E, entrando o Anjo onde ela estava disse-lhe: Deus te Salve, cheia de graça, o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres.

E Ela, tendo ouvido estas coisas, turbou-se com as suas palavras e discorria pensativa que saudação seria essa. E o Anjo lhe disse: Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus; eis que conceberás no teu ventre, e darás à luz um filho, e por-lhe-ás o nome de Jesus. Este será grande e será chamado o Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai David; e reinará eternamente na casa de Jacó; e o seu reino não terá fim.

E Maria disse ao Anjo: Como se fará isso, pois eu não conheço varão? E, respondendo o Anjo, disse-lhe: O Espírito Santo descerá sobre ti, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. E, por isso mesmo, o Santo que há de nascer de ti, será chamado Filho de Deus. Eis que também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice; e este é o sexto mês da que se diz estéril; porque a Deus nada é impossível. Então disse Maria: Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra. E o Anjo afastou-se dela."   (Lc., I, 26-38).

Este Evangelho é cheio de matizes que me parecem interessantes. Em primeiro lugar, como fica demonstrado, o anonimato em que vivia a Sagrada Família, o anonimato da cidade e de tudo. O plano é assim: Deus, do alto do Céu, chegada a plenitude dos tempos, manda o Arcanjo Gabriel à terra. Mas manda-o a um lugar de tal maneira desconhecido de todos que nos impressiona: manda a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré. Fica aí entendido que era um lugarejo. A uma Virgem desposada com um varão chamado José, da casa de Davi. Uma cidade desconhecida, uma Virgem desconhecida, casada com um homem desconhecido. A única coisa de ilustre que se tem para dizer é que é da Casa de Davi. O nome da Virgem era Maria. E, entrando o Anjo onde Ela estava, disse: “Deus te Salve, cheia de graça, o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres”.

Este “entrando o Anjo onde Ela estava” dá a impressão de que era um lugar recolhido, isolado; a ação de entrar insinua muito a idéia de recolhimento, de clausura, de uma coisa que se viola.

Quer dizer, Nossa Senhora estava num lugar inteiramente sozinha. É o cúmulo do que o mundo detesta: a pessoa sozinha, isolada, desconhecida, decadente e - o que é pior ainda - no seu isolamento rezando. É para essa pessoa que vem essa mensagem. Os senhores podem imaginar o Anjo que paira dos mais altos páramos celestes, encarregado de uma enorme missão, e que vai ao ponto que menos se poderia imaginar: um lugarejo, um casalzinho, uma Mulher que está recolhida no seu quarto, e ali ele leva a mais importante mensagem da História. Tudo isto fica insinuado na linguagem do texto, e é muito bonito ver como a linguagem introduz tudo isto.

Depois da saudação do Anjo, a reação. Espera-se reação conforme o mundo: “compreenderam o valor que tenho e, afinal, me fazem justiça...”. Ou imagina-se o Anjo de um modo tal, que ele desce inteiramente tranqüilizador, inteiramente afável, pacífico.

É uma coisa curiosa: em todas as visões de Nossa Senhora que tenho lido, repete-se essa cena. Há qualquer coisa de terrível no aparecimento da visão, que incute medo. A idéia da afabilidade, da bondade, etc. vem, mas a idéia que fica é a de medo. As crianças de Fátima sentiam medo, as crianças de La Salette também; também Santa Bernadette Soubirous. É a desproporção de duas naturezas diferentes e de algo tão fabulosamente majestoso, que Ela sentiu medo.

E o Evangelho diz: "E Ela, tendo ouvido estas coisas, turbou-se com as suas palavras e discorria pensativa que saudação seria essa". Os senhores percebem que é uma manifestação de distância psíquica maravilhosa. "Perturbou-se com essas palavras" quer dizer: Ela teve atenção suficiente para entender o conteúdo do que era dito, e isto A perturbou. “...e discorria pensativa”: que bonita expressão para indicar a análise ponto por ponto! Ela analisou pensativa a mensagem, perguntando para Si mesma que saudação seria essa.

No total, o que é isso? Vejam bem o que é o espírito de Nossa Senhora: diante de uma coisa, mesmo tão elevada e com todas as características de vir de Deus, uma análise, e uma análise racional do conteúdo, palavra por palavra, daquilo que Lhe era dito.

Devemos ser assim também. Não perder a cabeça mesmo diante do mais pasmoso, mais inesperado, mais maravilhoso, mas discorrer pensativo sobre aquilo.

Em outro episódio, depois do nascimento de Nosso Senhor, o Evangelho nos diz que "Maria conservava todas essas coisas, meditando-as no Seu Coração" (Lc., 2, 19 ). Eminentemente analítica, pensativa, o que não está de acordo com as expressões das imagens sentimentais, que nos apresentam exatamente uma pessoa não pensativa, abobada e com uma carinha de boneca.

E aqui está o exemplo para nós. Ser uma pessoa de discernimento. Até o que vem de Deus analisar, não desconfiada, mas refletidamente. Sei que aqui se pode fazer outro comentário sobre a humildade; mas esse comentário já é tão conhecido, que os senhores me permitam fazer um comentário não habitualmente feito do Evangelho.

O Anjo, que conhecia por permissão de Deus o que n’Ela se passava - note-se que Ela não fez nenhuma pergunta ao Anjo, como se estivesse estudando que pergunta fazer, e que não tinha formulado ainda sua pergunta - quando o Anjo interveio: “Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus”. Quer dizer, nada tens a temer, porque Deus tem sobre Ti uma complacência plena. Certamente essas palavras do Anjo foram acompanhadas de uma graça de paz; a paz surgiu dentro d’Ela, e uma paz enorme.

Observem um aspecto curioso: o respeito de Deus pela criatura que tem discernimento e que pensa, que analisa. Nossa Senhora tinha uma perturbação justa e o Anjo esclareceu, como que aprovando que Ela quisesse saber que saudação era aquela. E a razão que o Anjo dá explica Sua dúvida. O Anjo Lhe diz, com a autoridade de quem pode falar, que Ela de fato encontrou graça diante de Deus. É tão santa, tão virtuosa, Deus Lhe deu tantas graças, que aquela saudação era merecida. E então Ela se tranqüilizou.

Preparado n’Ela o terreno psicológico, e preparada a humildade d’Ela para receber isto, entra a explicação: “eis que conceberás no teu ventre, e darás à luz um Filho, e por-lhe-ás o nome de Jesus. Este será grande e será chamado o Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus Lhe dará o trono de Seu pai David; e reinará eternamente na casa de Jacó; e o Seu reino não terá fim”.

O povo judaico estava cheio de esperanças de um rei que subisse ao trono, e que governasse toda a terra. A promessa que Lhe foi feita era de molde a justificar a esperança terrena dessa natureza: era o Messias, que se sabia que devia nascer de David e que iria nascer d’Ela, e seria o Rei, o esperado das nações. Mas isto do trono de David, é o que todo mundo estava esperando, uma realeza terrena, material. Sabemos depois como as coisas se passaram.

Muitas vezes Deus fala no interior das almas e acende misteriosamente uma esperança. A alma entende de um modo o que Deus a fez esperar e lhe concede de um modo completamente diferente do que a alma estava esperando. Por exemplo, diz: "tu serás grande". Será mesmo: depois de morto será canonizado e será colocado no alto da Basílica de São Pedro... mas em vida será lixeiro. Deus diz: “Meu filho, Eu te escolhi para exaltar o teu nome entre todas as nações; serás até o fim dos séculos lembrado como exemplo memorável etc., e os povos vindos do Oriente e do Ocidente, do meridiano e do setentrião, hão de se curvar diante de ti”... É verdade. Na Basílica, no dia da canonização, tem X,Y,Z e a promessa se cumpre de um modo diferente do que a pessoa entendeu no dia em que foi feita.

Em nossa vocação, quantas vezes há algo de semelhante com isso. Deus faz a promessa de um jeito, o indivíduo entende de outro. E é assim que Deus trata os seus mais amados; é assim que Ele encaminha os Seus planos mais maravilhosos. Por causa disso preparemo-nos, porque a própria Anunciação continha uma formulação que o povo judeu entendia de um modo diferente. São os caminhos de Deus que nos importa conhecer.

Observem que, depois de uma coisa estupenda dessas, vem uma objeção, e uma objeção de caráter moral. Porque Ela podia intuir: afinal de contas, Deus tudo resolve, não preciso perguntar. Mas vem uma objeção. Notem a firmeza de personalidade, que lembra os Exercícios de Santo Inácio de Loyola bem pregados e não adocicados. Maria disse ao Anjo: “Como se fará isso, pois eu não conheço varão?”. E respondendo o Anjo lhe disse: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. E, por isso mesmo, o Santo que há de nascer de ti, será chamado Filho de Deus".

Aí vem então, como prêmio por Sua pergunta, aprovando que Ela tenha sido tão exigente, a realidade da mensagem que vai se desdobrando. É como se Deus quisesse que Ela perguntasse, para a mensagem ser desenvolvida. Aí a maravilha da mensagem se completa: primeiro é a maternidade divina, depois, a maternidade virginal e por isso mesmo é que Ele será Filho de Deus. Está aí toda a explicação da maravilha que vai se realizar.

E vem uma espécie de ratificação apologética. Como para Deus tudo é possível e para explicar também o plano, o Anjo diz: "Eis que também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice; e este é o sexto mês da que se diz estéril; porque a Deus nada é impossível". É como que uma indicação dizendo que, afinal de contas, ali Ela veria com fatos externos a inteira confirmação do fato interno que n’Ela se estava operando.

Tudo isto explicado - não que houvesse dúvida, mas porque o homem age racionalmente - entra a aceitação de Nossa Senhora. Então disse Maria: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”. Aqui há uma atitude inteiramente conseqüente. O comentário d’Ela foi de quem entendeu a lição em sua essência: se Deus comunicou-me isto, é porque quer minha adesão. Então, dou o que Deus mandou pedir.

Vê-se uma profundidade, uma lógica, uma força de alma que eu nunca vi pregador nenhum acentuar.

Deixo os comentários comuns e volto-me a essas considerações que nos fazem ver a alma insondavelmente santa de Nossa Senhora. E então compreender esse espírito lógico, cheio de fé, de obediência, mas coerente e que quer ver claro dentro das coisas, não por dúvida, nem por desconfiança, mas porque a lógica é verdade.

O Anjo afastou-se d’Ela. Segundo os melhores teólogos, imediatamente deu-se a concepção. Uma insondável operação do Divino Espírito Santo operada em Nossa Senhora; o Anjo afastou-se, mas a profecia cumpriu-se imediatamente. É um mistério que só saberemos na eternidade. Esse aspecto vago que fica depois e onde se pode conjeturar tudo, só nos deixa uma idéia: o fato é tão grande que, haja o que tenha havido, ultrapassa toda intelecção humana. Há uma pausa cheia de vazio. O resto não se fala. É o silêncio absoluto que o Evangelho deixa passar sobre as coisas, e que é o ambiente próprio ao recolhimento, para a meditação, própria às coisas sagradas e litúrgicas.

Por causa disso, em alguns ritos do Oriente, na hora da Consagração durante a Santa Missa, corria-se um véu em torno do sacerdote, tão sagrada e misteriosa era a ação.

Vê-se então, por esse fato, que o senso religioso pede um certo senso do mistério e que as coisas de Deus ao mesmo tempo dizem e calam muito. E não se sabe pelo que dizem mais: se pelo que falam ou pelo que calam. Compreende-se então que fazer tudo simplezinho, explicadinho, acompanhadinho, certinho é diferente das alturas dessas missões sublimes.

Façamos disso uma reserva para nossa alma para podermos amar assim essas grandezas imensas dentro de uma lógica inflexível. Aí está o verdadeiro sentido da dignidade das coisas de Deus.

Peçamos a Nossa Senhora que nos cubra com o manto de Seu espírito nessa linha e nesses termos: espírito virginal, clareza e coerência de espírito. A castidade é uma grande coerência e a coerência uma grande castidade. Peçamos esse dom na noite de hoje.


(Plínio Corrêa de Oliveira – “Santo do Dia”, 25 de março de 1965)

 


segunda-feira, 21 de março de 2022

SÃO NICOLAU DE FLUE, PERFEITO GUERREIRO CATÓLICO: NUMA MÃO A ARMA DE COMBATE, NA OUTRA O SANTO ROSÁRIO

 



Nós temos aqui uma ficha a respeito de santos militares, sobre São Nicolau de Flue, confessor. A ficha é tirada do livro do abbé Profillet “Les Saints Militaires”.

“Nicolau de Flue nasceu no dia 25 de março de 1417, falecendo no mesmo dia no ano de 1487”.

No final da Idade Média, portanto.

“Era natural do cantão de Untervalden, na Suíça. Filho de modestos agricultores, demonstrou desde criança, aptidões invulgares de inteligência e piedade. Por isso seus pais procuraram dar-lhe uma educação um pouco melhor do que a que seria ministrada a um futuro lavrador. Nicolau sentia enorme inclinação para a vida contemplativa. Tinha visões que o convidavam a isso. Mortificava-se tão violentamente que sua mãe temeu por sua saúde e procurou orientá-lo nesse sentido.

“É interessante que, mesmo com tal vocação, Nicolau casou-se, tendo numerosa prole e atingindo seus descendentes as mais altas dignidades do país. Casado, continuou com seu gênero de vida; levantava-se cada noite para rezar e todos os dias recitava o Saltério em honra de Nossa Senhora.

“Aos 23 anos foi ele chamado a lutar contra o cantão de Zurique, que se rebelara contra a confederação Helvética”.

A Suíça era dividida, já naquele tempo, como hoje em cantões. Esses cantões – ou seja, províncias, mas tão pequenas que quase poderiam ser comparadas a municípios –, nesse tempo de São Nicolau de Flue, esses cantões eram quase completamente independentes uns dos outros. Tinham uma vaga confederação e viviam numa certa luta entre si, porque a influência política dentro da Suíça era disputada pelos países vizinhos. E cada grupo de cantões – de língua francesa, alemã, italiana e romanche - era trabalhado pela potência que lhe era afim. Então, isso dava um jogo político muito intenso.

É preciso os senhores considerarem que esse foi o século militar da Suíça. Foi nesse período que os suíços começaram a se revelar grandes militares, fornecendo tropas mercenárias para a Europa inteira, quer dizer, tropas que serviam mediante aluguel. A Guarda Suíça, que ainda serve os papas, é uma reminiscência dessa tradição. Assim a Suíça vai entrando, num período relativamente rápido, de glória militar que teve. Então esse biógrafo está explicando que São Nicolau de Flue aos 23 anos foi chamado a lutar contra o cantão de Zurique, que se rebelara contra a Confederação Helvética.

“Quatorze anos mais tarde, ainda nessa luta, comandou como capitão, uma companhia de cem homens.

“Nicolau, na guerra, lutava sempre tendo numa das mãos a espada e, na outra, seu rosário. Soldado de bravura invulgar, foi agraciado com a mais alta condecoração de sua terra”.

Os senhores podem imaginar que linda cena entrar esse homem valoroso no campo de batalha tendo em uma das mãos a espada, e com a outra segurando naturalmente o escudo e o rosário. É uma cena de guerra linda! Os senhores vejam como o ambiente que cerca os objetos de piedade, foi mudando, ao longo dos séculos, por causa da “heresia branca”. Quem, vendo hoje um rosário, dirá: “Esse objeto me lembra um guerreiro”? Pelo contrário, a maioria das pessoas dirá: “Esse objeto me lembra um homem incapaz de guerrear...” Isso de tal maneira a “heresia branca” foi mudando a fisionomia moral do católico, e a idéia do católico guerreiro foi se apagando, que o rosário parece mais o símbolo do homem incapaz de guerrear. O que é uma grave injustiça para com o rosário.

“Ao voltar para casa, quiseram fazê-lo prefeito, mas ele não aceitou por causa da humildade de sua origem”.

Os senhores considerem o espírito de hierarquia... que beleza! Oferecem-lhe um cargo público, mas ele declara: Não, eu sou de uma origem muito humilde, por isso não quero exercer esse cargo em respeito às pessoas de condição mais alta que há no meu cantão. Os senhores ouviram falar de um fato assim no século XX? Se algum dos senhores ouviu falar, me diga...

Os senhores podem ver o contrário: rejeitar um indivíduo porque ele é de condição alta e preferir um de condição baixa. Quer dizer, a escala de valores se inverteu completamente.

“Entretanto, exerceu com rara habilidade o cargo de juiz. Deixou-o após nove anos, para se dedicar exclusivamente ao cuidado de sua alma. Suas visões não o deixavam”.

Os senhores vejam a simplicidade do fato: é um homem que foi guerreiro, candidataram-no a prefeito, depois juiz. Ele se recolhe à vida privada, vai guiar rebanhos...

Mas isso precisa ser visto na atmosfera suíça. Os senhores têm que imaginar uma montanha lá, com aquele gado em suas encostas, aquela paisagem suíça muito bonita, ele tocando para reunir o gado aquele chifre que serve de corneta, e chamando, ao pôr do sol, todo o gado... depois rezando o Ângelus sozinho e indo com todo o gado para guardá-lo no estábulo.

Um homem que lutou, que foi isso, aquilo, dentro das pequenas proporções de seu cantão, é claro.

E depois que beleza isso: durante todo o tempo ele teve visões. Aqui diz: “suas visões não o deixavam”. Quer dizer, guerreiro, tinha visões; juiz, tinha visões; pastor, tinha visões também. Os senhores sabem de algum juiz contemporâneo que tenha visões? Se souberem me digam logo, para eu mandar julgar causas por ele...

Os senhores podem imaginar que coisa linda, num tribunalzinho do lugar, está sentado o juiz Nicolau de Flue. E as pessoas estão discutindo para ele decidir uma causa. De repente, o olhar dele se torna extático, ele se ilumina, vê uma cena celeste qualquer, todo mundo para, os ódios se desarmam; quando cessa a visão, as partes estão reconciliadas. O pleito está resolvido. Se os senhores sabem de alguém assim, me avisem que eu vou correndo falar com ele! Eu nem termino o “Santo do Dia”...

Como tudo mudou…!

Os senhores querem uma coisa mais bonita do que um pastor ter visões nas encostas dos Alpes? Coisa maravilhosa! O gado, aquela natureza poética etc., etc., ele toca, de repente ouve um Anjo que continua seu toque... vai para os céus e o gado vai tranquilamente se recolhendo, guiado por outro Anjo. E aí está feita uma visão, numa tarde dessas feéricas, num crepúsculo, ou numa dessas auroras feéricas da Suíça, em que a neve fica rosada, azul claro, em que no céu passam todas as cores, e no meio disso um Anjo numa inocência daquela natureza…. Isso é uma coisa absolutamente superior, absolutamente!

 

“Guardando o rebanho viu, certa ocasião, um lírio maravilhoso que saía de sua própria boca e elevava-se até às nuvens, mas caía sobre a terra e era devorado por um cavalo. Compreendeu, então, que a contemplação das coisas celestes em sua vida, era frequentemente absorvida pelos cuidados materiais”.

Coisa linda! Um pastor que vê, de repente, uma haste delicadíssima e um lírio que vai até o céu. É uma coisa maravilhosa! Um lírio brilhante! Depois, cai de novo e um cavalo o come. Algo esquisito!... Eram seus pensamentos. Ele se elevava, às vezes, a considerações muito altas, mas depois as preocupações com as coisas terrenas faziam passar tais considerações. Se acontece algo assim a um dos senhores - não digo que lhes saia um lírio da boca e vá até o céu; isso nunca aconteceu a nenhum de nós - mas digo que se acontece a um de nós de às vezes ter algum pensamento muito elevado e depois se voltar para as coisas da terra, já não digo que os cavalos comam, mas os automóveis esmaguem, então seja devoto de São Nicolau de Flue, que tinha o mesmo problema; sendo que ele tinha visões... Entretanto, as coisas da terra às vezes prejudicavam a durabilidade dessas visões.

Peçamos a graça que ele obteve com certeza nessa ocasião, que era de não vulgarizar, na vida de todos os dias, os favores celestes que recebia. É um alento para nós vermos os santos como lutaram, como tiveram as mesmas dificuldades que temos, como Nossa Senhora os socorreu maravilhosamente porque eram pessoas de oração e de amor de Deus.

Peçamos, então, que ele se apiede também de nós, que se debruce sobre nossa fraqueza e dê estabilidade aos bons pensamentos que possam passar por nossa alma.

“Abandonou, então, mulher e filhos e fez-se eremita”.

Eu não sei, mas a mulher tem que ter concordado, porque senão ele não seria santo...

“Tornou-se um extraordinário extático”.

“Extático” é aquele que tem êxtases, quer dizer, que tem visões e que fica parado olhando a visão.

“Por anos, alimentou-se somente da Santa Eucaristia, recebida uma vez por mês”.

Mais nada, hein!...

“Amado e venerado por seus concidadãos, que muitas vezes o chamaram para apaziguar rixas entre os cantões, ele sempre obteve êxito nessas missões”.

Os senhores considerem o que era a vida política da Idade Média, já decadente...! Aqueles cantões - já disse aos srs. - tinham rixas entre si, que chegavam a dar em guerras. Nessas rixas, em que com certeza, no mais das vezes, uma das partes não tinha razão - quando não acontecia que as duas partes estavam de má fé – ambos lados, entretanto, para evitar o derramamento de sangue, vão procurar o santo. E este nunca foi malsucedido na sua missão.

Qual foi a missão em que a ONU foi bem-sucedida? Também, com que confiança se procura um santo, e com que mil reservas se procura a ONU? É evidente! Do que adianta um aparato jurídico, quando falta a santidade?...

“Pouco antes de morrer, Nicolau foi atingido por dores violentas. Ah, como a morte é terrível, dizia ele. Mas exalou o último suspiro com grande calma”.

Os senhores encontram isso em certos santos. Há uma concepção “heresia branca”, segundo a qual o santo nunca tem medo de morrer. Ele falece sempre dizendo: Ó morte, vinde a mim etc., etc... Não é verdade. Há muitos santos que morreram no terror da morte, mas Deus os sustentou e quase todos eles, no fim, tiveram uma morte calma.

Ele também teve dores violentíssimas e dizia: “como a morte é terrível”. Mas depois a morte foi calma, e entregou a alma a Deus na tranquilidade.

“Seus restos mortais foram depositados na igreja de Sachseln, aldeia natal do bem-aventurado. Quem a visita hoje vê, sob o altar, o esqueleto do irmão Klaus...”

Klaus é Nicolau, em alemão.

“...como o chamam, ornado de ouro e diamantes, trazendo ao pescoço condecorações de numerosas ordens militares”.

Que coisa linda! Como ele foi santo e militar, as grandes Ordens militares lhe mandam condecorações com que se cobre o cadáver. De maneira que esse homem, que em vida teve apenas uma lutazinha entre os cantões, está constelado de Ordens militares... O respeito à santidade que isso significa!

Uma coisa muito bonita aqui no Brasil: não sei se os senhores sabem, que Santo Antônio de Pádua e de Lisboa é coronel do exército brasileiro e recebe ordenado…

“...Foram conquistadas pelos seus descendentes ao servirem outros países”.

Ah! sim, senhores! Isso é que é bonito! Seus descendentes, ao conquistarem insígnias, mandam para o cadáver dele e o condecoram com elas. Vejam que respeito à tradição e que amor ao passado isso significa! Como a Europa está repleta de coisas dessas densas de ensinamentos. Os que negam qualquer valor à hereditariedade, levam com isso um verdadeiro soco. O herói que tira a condecoração de seu peito para honrar o santo, seu antepassado. Como quem dá a entender que é mais bonito ainda ser descendente de São Nicolau do que estar coberto de todas as honras da terra. Isso é um gesto denso, rico de significados. Europa sagrada!...

“Um contemporâneo descreveu o beato Nicolau como um homem de estatura elevada; sua cela tinha seis pés de altura, o que era o limite extremo para ele se manter de pé”.

Quanto será seis pés de altura? Alguém tem ideia?

(1,82m)

Ah! Então vários dos senhores competem com São Nicolau...

Isso é bem verdade! Os homens eram bem menores naquele tempo. Fisicamente…

São Nicolau de Flüe é o santo padroeiro da Suíça. “Magro, a ponto de parecer feito somente de pele e ossos, sua pele era bronzeada. À medida que foi envelhecendo, o cabelo, no alto de sua cabeça, adquiriu um tom cinza escuro. Duas mechas de barba desciam de seu queixo. Tinha os olhos negros e serenos, o olhar enérgico e penetrante. O som de sua voz era másculo, digno e imponente”.

Que beleza! Assim deve ser um homem! Como isso é diferente de certas imagens que a gente vê em igrejas, que a gente tem a impressão de que se a imagem falasse pronunciaria um som roufenho qualquer: quam-quam-quam... voz como é a de caricatura de sacristão. Se é para ser homem, está lá!

“Seus pés tocavam a terra, mas seu espírito parecia pairar nas regiões celestes”.

Está feito o comentário ao longo do texto e está feito nosso preito de admiração a São Nicolau. Que ele dê a coragem, nos dias difíceis que esperam todo homem contemporâneo, de se poder caminhar para o inimigo com uma arma na mão, um rosário na outra e tendo visões e revelações. Isso é o guerreiro perfeito.

(Plínio Corrêa de Oliveira – Santo do Dia, 6 de abril de 1971)

 


terça-feira, 8 de março de 2022

AS MULHERES FORAM PIONEIRAS NA EXPANSÃO DO CRISTIANISMO

 


O Apóstolo São Paulo fala sobre as mulheres

“Porém quero que saibais que Cristo é a cabeça de todo o homem, e o homem a cabeça da mulher, e Deus a cabeça de Cristo. Todo o homem que faz oração ou que profetiza com a cabeça coberta, desonra a sua cabeça. E toda a mulher, que faz oração ou que profetiza, não tendo coberta a cabeça, desonra a sua cabeça, porque é como se estivesse rapada. Portanto, se a mulher se não cobre, corte o cabelo. E, se é vergonhoso para a mulher cortar ou rapar o cabelo, cubra a sua cabeça.  O homem, na verdade, não deve cobrir a sua cabeça, porque é a imagem e a glória de Deus, mas a mulher é a glória do homem. De fato, o homem não foi feito da mulher, mas a mulher do homem. E o homem não foi criado por causa da mulher, mas sim a mulher por causa do homem. Por isso a mulher deve trazer sobre a cabeça  (o sinal do) poder por causa dos anjos. Contudo nem o homem existe sem a mulher, nem a mulher sem o homem, no Senhor. Porque, se a mulher foi tirada do homem, também o homem é concebido pela mulher e todas as coisas vêm de Deus. Julgai vós mesmos, é decente que uma mulher faça oração a Deus, não tendo véu?  Não vos ensina a própria natureza que é desonroso para o homem deixar crescer os cabelos? Pelo contrário, é glória para a mulher deixá-los crescer, porque os cabelos foram-lhes dados como véu”.  (I Cor 11, 3-15).

"Do mesmo modo orem também as mulheres em traje honesto, ataviando-se com modéstia e sobriedade, e não com cabelos frisados, nem com ouro, nem pérolas ou vestidos custosos, mas sim como convém a mulheres que fazem profissão de piedade.

"A mulher aprenda, em silêncio, com toda a sujeição. Não permito à mulher que ensine, nem que tenha domínio sobre o homem, mas esteja em silêncio, porque Adão foi formado primeiro, e depois, Eva. Adão não foi seduzido, mas a mulher (é que, sendo) seduzida, prevaricou. Contudo, salvar-se-á pela educação dos filhos, se permanecer na fé, na caridade e na santidade, unidas á modéstia" (I Tim 2, 9-15).

Quem está sem mulher, está cuidando das coisas que são do Senhor, como há de agradar a Deus... E a mulher solteira e virgem cuida das coisas que são do Senhor, para ser santa de corpo e de espírito"  (I Cor 7, 32-34).

 

O apostolado das mulheres nas missões de São Paulo

Não era diferente das palavras como o Apóstolo considerava a presença feminina em seu apostolado. Eis um relato de um respeitado biógrafo de São Paulo:

“Quem haveria de pensar que o Evangelho faria sua entrada na Europa tão calada e ocultamente? Não solenemente como no Areópago ante os filósofos, não dramaticamente como em Chipre ante o homem de Estado, mas em forma de idílio como uma manhã de verão fresca pelo rocio ou como uma deliciosa aurora no Oriente. Estes suaves e contudo vigorosos tons de sentimento introduziu a mulher no Evangelho já no tempo de Jesus. E em Filipos continua ecoando. Quando o Evangelho veio para a Europa, chegou primeiramente para as mulheres, porque os homens não estavam presentes, como também entre os samaritanos foi uma mulher a que Jesus iniciou no mistério do reino de Deus. As mulheres foram as últimas ao pé da cruz, na sepultura, assim as primeiras junto ao sepulcro vazio. Nas tristes histórias de hipocrisias, ódios, perseguições, injúrias, deserções e covardes fugas não encontramos no Evangelho mulher alguma. Os homens, como mensageiros da fé,e missionários e defensores dos interesses religiosos estão, na verdade, mais na luz do reverbero; porém, onde estaria a Europa cristã sem a mulher cristã em casa como mãe, esposa, irmã, como auxiliadora virginal-maternal da miséria de todas as classes? São Paulo teve para este lado da feminilidade uma profunda compreensão e foi o primeiro em empregar a mulher ativamente na missão. Ele aprecia a mulher dotada de gênio, como Priscila que instrui ao douto Apolo. Em qualquer de suas cartas dispensa saudações e reconhecimento para as mulheres. Reconhece os serviços de Cloe em Corinto, de Febe em Cencreas, a quem confia sua carta aos romanos, e o ser pequena mulher a mãe de Rufo que foi também para ele uma mãe. Quando escreve ao rico comerciante Filemon não esquece de saudar sua esposa Apfia. Aprecia especialmente o trabalho da mulher de família e a educação dos filhos, pela qual a mulher adquire o céu; aprecia as filhas virgens de Filipe de Cesarea, dotadas de profecia; seu cuidado se dirige também às boas viúvas, que se destacavam no campo da caridade e por isso eram mantidas pela comunidade (I Tim 5, 3-16). Como profundo conhecedor do gênero humano tem uma olhada para todos os bons lados do caráter feminino. As nobres mulheres de Filipos como santas figuras estão às portas da Europa, como se quisessem recordar a todas suas irmãs desta parte do mundo que as mulheres da Europa têm na Igreja cristã um santo destino, de ser sacerdotisas, às quais se confiou em primeiro lugar o sagrado fogo que fez feliz e grande a nossa parte do mundo.

Mas tampouco devemos esquecer àqueles nobres varões, como Epafrodito, a quem São Paulo chama seu “companheiro de armas, co-militante e colaborador”, que visita o Apóstolo preso em Roma e lhe traz presentes. Também Clemente e Sicigo (se realmente esta última palavra é um nobre mesmo) e muitos outros.estão ao lado daquelas mulheres, e em verdade com tal constância que São Paulo sabe estar escritos seus nomes no livro da vida (Fil. 4, 3)[1]

 



[1] San Pablo – Heraldo de Cristo” – de Josef Holzner – Editorial Herder, Barcelona, 1956 – págs. 180/185