O fato deu-se com os padres Anchieta e
Manuel da Nóbrega, especialmente mais cruel para Anchieta com lances solitários
desta luta, pois Manoel da Nóbrega teve que se ausentar para negociar as pazes
com os índios. A este respeito, o sofrimento de Anchieta chega até o cume do
heroísmo.
Estavam em Iperoig, aldeia dos terríveis
tamoios, como reféns exigidos para a concretização do tratado de paz. O Padre
Manoel da Nóbrega teve que sair com um grupo e ir confabular com outros índios,
enquanto São José de Anchieta ficou retido na aldeia como garantia.
A permanência de São José de Anchieta naquele
lugar revestiu-se do caráter de uma grandiosa luta, a luta entre o bem e o mal,
onde uma das virtudes mais visadas pelas tentações diabólicas era exatamente a
pureza. Além de ter que suportar os festins antropofágicos, os rituais de
curandeirismos indígenas, os assassinatos cruéis de índios recém-nascidos,
Anchieta tinha que lutar constantemente contra a tentação de impureza.
Segundo alguns observadores superficiais,
teria sido mais fácil conseguir resolver logo as negociações de paz se os
embaixadores tivessem cedido em matéria de castidade. No entanto, mandava os
preceitos religiosos que em nada se poderia ceder, sob pena de pecado mortal por
uma grave ofensa a Deus. O padre Anchieta conta que, logo de início, vieram os
chefes da aldeia lhes oferecer suas filhas índias para com elas dormir, e por
cima de tudo ficavam insistindo constantemente que as aceitassem, considerando
uma ofensa a recusa.
Naquela situação o Santo poderia ter tido
pensamentos de condescendências: “Essa recusa, considerada grosseira pelos
chefes da tribo, não poderia atrapalhar as pazes? E Deus não levaria em conta
nossa fraqueza, cedendo a tanta tentação, e nos perdoaria?” Quntos pensamentos desta natureza não devem
ter turbado a mente do santo padre.
No entanto, com a atenção posta na
fidelidade a Deus, no progresso da santidade e, sobretudo, confiando que sendo
fiel Deus o auxiliava muito mais do que se pecasse, Anchieta permaneceu
incólume, não permitiu que lhe toldasse a mente o menor assentimento ao pecado.
E no entanto, as índias passavam
constantemente em sua frente, inteiramente despidas, talvez fazendo gestos despudorados
e tentadores, talvez a mando das matronas feiticeiras ou de seus chefes. Na
maioria das vezes esta tentação era feita pelas índias mais jovens e formosas.
E isto durante vários dias, todos os dias,
desde o amanhecer ao entardecer. Até mesmo quando São José de Anchieta celebrava
missa, numa pequena palhoça separada dos índios, era repentinamente visitado
por aquelas figuras sensuais e tentadoras. Voltando seu olhar para os céus, o
santo homem rogava insistentemente a proteção da Virgem Maria. E fez uma
promessa a Ela: caso saísse dali
intacto, sem cometer ou mesmo permitir no menor pecado contra a pureza, faria
um poema em homenagem à Virgem Maria.
A respeito do episódio, o seu biógrafo
Charles Sainte-Foy teceu o seguine comentário: “Compreendendo o perigo em que estava e desconfiando de suas próprias
forças, aumentou as orações, os jejuns, as disciplinas, e conservou
continuamente sobre si um duro cilício que, atormentando-lhe a carne, enfraquecia-a
e reprimia seu ardor. Convencido de que, para conservar o precioso tesouro da
pureza era preciso redobrar a vigilância, observava com exatidão os menores
movimentos da natureza e sufocava em germe todos os que nele pudessem fazer
enfraquecer a graça”.
E para mais facilmente fugir das tentações, Anchieta se refugiava na praia, e lá mesmo riscava com uma vara os
versos do poema que mais tarde passou para o papel.
A propósito de sua fidelidade à Castidade, disse seu primeiro biógrafo, o padre Quirício Caxa: “Imerso num fogo babilônico não foi sequer chamuscado por aquelas chamas...”. Estava ele sob uma proteção especial da Santíssima Virgem. Por isso não pecou.
Índia brasileira, mártir da Castidade
O mesmo biógrafo citado acima, Charles
Sainte-Foy, juntamente com os cronistas jesuítas contemporâneos de Anchieta
contam vários casos em que índias convertidas e já praticantes do Cristianismo
se tornaram mártires da pureza. Certa feita, duas índias estavam fazendo os
círios para serem acesos nas missas da aldeia, quando uma delas guardou uma das
velas para si. Perguntada pela outra com que finalidade, respondeu que era para
o Padre Anchieta celebrar uma missa em sua honra e louvor quando se tornasse mártir
e santa. Em seguida, a índia ofereceu aquela vela ao Padre Anchieta, que a
guardou consigo. Alguns dias depois a aldeia foi atacada por índios contrários,
os quais levaram aquela índia como cativa. O cacique tentou violentar a todo
custo a pureza daquela índia, mas a mesma lutou bravamente com todas suas
forças, dizendo corajosamente que era cristã e casada, não podendo portanto
pertencer a outro homem. Cheio de ódio à Fé cristã e à virtude da Castidade, o
índio terminou por matar a índia.
No mesmo dia, encontrando-se o Padre Anchieta ausente, resolveu celebrar missa e foi buscar aquela vela que a índia lhe tinha presenteado dias atrás. Inspirado pelo Espírito Santo, pois não sabia do ocorrido ainda, disse que tinha intenção de celebrar aquela missa em honra de uma mártir cristã. Quando outro padre perguntou o nome da mártir, respondeu o Padre Anchieta que era aquela índia que lhe tinha presentado aquele círio.
Outro exemplo de castidade heróica entre os indígenas
O tema pode causar pasmo a certos espíritos superficiais: mas como? Então gente que se dedicava a uma luxúria desbragada, de repente passa a praticar a castidade? Sim, é verdade; e isto já de si constitui um estupendo milagre na ordem da graça. O Padre Anchieta comenta: “Observam-se em muitos, máxime nas mulheres, assim livres como escravas, mui manifestos sinais de virtudes, principalmente em fugir e detestar a luxúria, que sendo comum pernície no gênero humano, desta parte parece que teve sempre, não somente imperioso senhorio, mas até tirania muito cruel. E sendo isto verdade, é muito para espantar e digno de grande louvor quantas vitórias e triunfos alcancem dela. Sofrem as escravas que seus senhores as maltratem com bofetadas, murros e açoites por não consentir no pecado. Outras desprezam as dádivas que lhe oferecem os mancebos desonestos. Outras, a quem pela violência lhe querem roubar sua castidade, defendem-se, não somente repugnando com a vontade, mas até com clamores, mãos e dentes fazem fugir os que as querem forçar. Uma, acometida por um e perguntada de quem era escrava, respondeu: “de Deus sou, Deus é meu Senhor, a Ele lhe convém falar, se queres alguma coisa de mim”. Com estas palavras se foi vencido e confuso e contava isso a outros com grande admiração” [1]
Castidade, virtude detestada
pela Revolução
Por ser uma virtude muito detestada pela
Revolução e tenazmente muito combatida em todas as épocas, não poderíamos
deixar de relatar um caso impressionante da prática de castidade heróica entre
os índios. Quem o relata é o Padre Antonio Blásquez, em carta escrita da Bahia
em 1558. Transcrevemos abaixo todo o relato, com todo o seu sabor quinhentista:
“E para concluir direi por último o que aconteceu nesta cidade digno de edificação e, por ser no Brasil, de muita admiração. Foi trazida de casa de seus pais uma índia brasílica mui pequena e, criando-se em bons costumes em casa de uma dona honrada, afeiçoou-se tanto à virtude e cousas do Senhor que propôs em sua alma (ensinada não por homens, senão pelo Espírito Santo) de não conhecer varão e isto quanto lhe fosse possível. Perseverando ela nestes desejos, cousa muito desacostumada entre as índias desta terra, o Demônio, inimigo da salvação dos homens, não podendo sofrer fazer tão grande desonra em terra onde ele é tão honrado, trabalhou que ela tivesse amos que a tirassem de tal propósito, e creio que assim fora se o Semhor não a prevenira antes com sua Graça, ornando-a de uma grande fortaleza para que pudesse resistir e vencer ao Demônio de uns não bons homens, por meio dos quais lhe queria roubar a jóia da castidade. Estes amos, pois, a acometeram muitas vezes querendo deflorá-la, aos quais ela resistiu com um ânimo mais que de mulher, rogando-lhes com as lágrimas nos olhos que tal cousa não quisessem fazer, pondo-lhes diante o mal que faziam a ela e a si mesmos; finalmente quão grande desonra e desacato cometiam ao Senhor, verdadeiro amador dos limpos e castos”.
[1] “Cartas – Correspondência
Ativa e Passiva” - |Pe. Joseph de Anchieta SJ – Ed. Loyola – pág. 160/161
Nenhum comentário:
Postar um comentário