quinta-feira, 20 de outubro de 2022

VÁRIOS EXEMPLOS DOS SANTOS E PESSOAS VIRTUOSAS (I)

 




Como São Basílio livrou da possessão um rapaz feito escravo do demônio por causa da concupiscência carnal

 

Heradio, homem venerável, tinha o propósito de consagrar a Deus a sua única filha: porém o demônio, conhecedor desse projeto, tratou de impedir que o levasse a cabo, fazendo com que um dos criados do piedoso varão se enamorasse apaixonadamente pela donzela. Logo que o ardoroso enamorado caiu na conta de que seu matrimônio com a filha do seu amo era impossível, ele era servo e ela de condição nobre, mas disposto a sair adiante em seu desejo, foi ver um mago e lhe prometeu dar muitíssimo dinheiro se com suas artes mágicas conseguisse que o casamento se celebrasse. O feiticeiro disse-lhe:

- Meu poder não chegará a tanto, mas sim o de meu senhor, o diabo. Se queres ir até ele eu te darei uma carta de recomendação e ele te atenderá; e se seguires suas recomendações tem por certo que conseguirás o que pretendes.

- Dá-me esta carta - respondeu o jovem. Farei o que tu e ele queirais.

O feiticeiro escreveu um bilhete em que dizia ao diabo: "Meu senhor: movido pelo maior desejo de cumprir diligente e solicitamente o compromisso que contigo tenho adquirido de apartar de sua religião o maior número possível de cristãos e de submetê-los a teu domínio para que teu partido cresça e se multiplique de dia a dia, te envio a este jovem que arde de amor por uma donzela. Rogo-te que lhe ajude, porque a solução favorável deste caso aumentará meu prestígio e contribuirá  a que venham muitos outros a solicitar meus serviços; com isto aumentarei também teu partido, pois já sabes que a quantos me procuram trato de pô-los sob tua bandeira". O mago fechou a carta, entregou-a ao jovem e lhe disse:

- Esta noite, a tal hora, colocar-te-á sobre a tumba de um pagão qualquer, chamarás ao demônio lançando ao mesmo tempo este bilhete para o alto, e em seguida acudirá meu senhor e te atenderá.

O jovem fez ponto por ponto quanto o feiticeiro lhe indicou, e tão logo lançou a carta para o ar, compareceu perante ele Satanás rodeado de infinidade de espíritos, leu o que o escrito dizia e perguntou ao jovem:

- Crês em mim? Porque se não crês não posso ajudara-te a conseguir o que desejas.

- Creio, senhor; respondeu ele.

- Renegas a Jesus Cristo?

- Renego.

- Sois pérfidos, cristãos; acudis a mim quando me necessitais, mas logo que conseguis o que buscais me abandonais e tornais a vosso Cristo, que como é clemente os recebe e perdoa. Se queres, pois, que te ajude a ir adiante no que pretendes, é preciso que antes redijas e assines com tua própria mão um documento em que expressamente faças constar que renegas tua fé em Jesus Cristo, teu batismo e tua condição de cristão, e que te entregas a mim para sempre, por toda vida, e que aceitas a condenação eterna no dia do Juízo.

O jovem imediatamente redigiu um escrito em que jurava que renunciava a Jesus Cristo e se passava às filas do diabo.  Cumprido isto, Satanás chamou os espíritos malignos encarregados de promover a fornicação e lhes mandou que trabalhassem o ânimo da donzela filha de Heradio e não cessassem até haver conseguido acender em seu coração um amor apaixonado por aquele jovem. Recebida esta ordem, os espíritos se foram a cumprir imediatamente a missão que lhes havia sido confiada por seu chefe. Seu êxito foi fulgurante e rápido. A donzela começou a sentir-se inflamada de amor pelo servo de seu pai, com tal violência que dali a pouco se apresentou ante Heradio e, prostrando-se a seus pés, lhe disse:

- Pai meu, tem compaixão de mim, te suplico. Faz algum tempo que vivo atormentada por um amor irresistível por teu criado; demonstra-me que és um pai compreensivo e que me queres de verdade, permitindo-me que case com ele. O amo tão apaixonadamente, que sem ele minha vida é uma insuportável tortura e carece de sentido, até o ponto que, se não atendes ao que te peço, morrerei de imediato e tu terás que dar contas a Deus desta morte no dia do Juízo.

Heradio, entre clamores e gemidos, respondeu:

- Desgraçado de mim! Mas, que aconteceu com minha filha? Quem me tem roubado o tesouro de meu coração? Quem tem apagado a doce luz de meus olhos? Eu queria entregar-te ao esposo celestial para que esta entrega contribuísse para minha eterna salvação e tu me sais com a loucura de fomentar em tua alma apetites lascivos!  Minha filha! Deixa que as coisas se façam como as tinha previsto. Aceita meu plano de consagrar-te ao Senhor. Não me cause em minha velhice uma dor desta natureza, que acabará comigo e me levará rapidamente à tumba.

Sem atender a estas reflexões, a filha interrompeu o pai dizendo:

- Ou me permites satisfazer quanto antes meus desejos, ou dentro de pouco tempo me verás morta.

Chorando amargamente, aos gritos, como louca, passava a jovem seus dias e suas noites. Desolado andava o pai pela casa, o qual, cedendo aos gemidos dolorosos de sua filha e aos conselhos de seus amigos, com quem consultou o sério problema que lhe preocupava, permitiu que a donzela se casasse com o servo e até lhe entregou todos os bens, dizendo-lhe:

- Filha minha desgraçada! Posto que te empenhas nisto, anda e casa-te com ele!

Casaram-se, pois, a nobre e o escravo. Como este nem entrava na igreja, nem fazia o sinal da cruz, nem se recomendava a Deus, alguns, que o notaram, perguntaram à esposa:

- Sabes que teu marido, com quem te empenhaste em casar, nem vai ao templo nem sequer é cristão?

Ela, ao comprovar que isto era certo, assustada e prostrada em terra começou a arranhar-se o rosto em sinal de dor, a golpear-se o peito e a dizer:

- Ai, infeliz de mim! Por que nasci? E já que nasci por que não morri ao sair do ventre de minha mãe?

Depois referiu ao seu esposo o que dele haviam dito. Este lhe assegurou que tudo aquilo era completamente falso. Mas ela lhe replicou:

- Se queres que te acredite, terás que me acompanhar amanhã à igreja.

Ante esta intimação, o marido, compreendendo que não podia continuar ocultando sua situação, contou à esposa tudo o que lhe havia ocorrido. Cheia de dor e profundamente afligida, a recém casada foi ver a São Basílio e lhe referiu tudo que seu marido lhe havia contado e lhe suplicou que os ajudasse, a ela e a seu esposo, a sair da enrascada em que se achavam metidos. São Basílio chamou ao esposo, ouviu de seus lábios o relato do sucedido e logo lhe perguntou:

- Filho, queres voltar a Deus?

- Sim, senhor, quero, porém não posso, porque tenho renegado de Cristo e entregue ao demônio um documento assinado por mim em que faço constar que me tenho consagrado definitivamente a seu serviço.

O santo tranqüiliza dizendo:

- Não te preocupes; Deus é misericordioso; se te arrependes e regressas a Ele, te perdoará.

Ato seguido São Basílio traçou o sinal da cruz sobre a fronte do jovem; logo o recolheu numa cela. Três dias depois foi visitá-lo e lhe perguntou:

- Como te encontras?

O recluso lhe respondeu:

- Muito acovardado. Não posso suportar os gritos que os demônios dão constantemente em meu redor nem o terror que me causam com suas ameaças; a cada passo e a cada momento me apresentam o escrito que assinei dizendo-me: nós não fomos à tua procura; foste tu que vieste a nós.

- Meu filho - replicou o santo. Não temas; tem confiança, e, sobretudo, crê.

São Basílio, após confortá-lo e entregar-lhe algo de comida que havia levado, traçou-lhe de novo o sinal da cruz sobre a fronte e se foi, deixando-o novamente na solidão de sua reclusão. Porém alguns dias depois voltou a visitá-lo e lhe perguntou:

- Filho meu! Como estás?

O recluso respondeu:

- Pai! Já não os vejo ao meu redor, porém à distância continuam gritando e dando-me a entender que se volto para eles me receberão com alegria.

Deixou-lhe o santo outra porção de comida, fez-lhe na fronte o sinal da cruz, saiu da cela, fechou sua porta por fora, se retirou e continuou rezando por ele durante quarenta dias, ao fim dos quais fez-lhe a terceira visita.

- Filho meu! Que tal te encontras? - lhe perguntou.

- Bem! Santo de Deus. Hoje tenho visto a luta que em meu favor sustentas contra o demônio e como lhe vencias.

O bispo tirou o recluso de sua cela e o levou consigo. Depois reuniu na catedral o clero, os religiosos e o povo, e quando todos estavam reunidos tomou com suas mãos uma das do penitente, e assim se encaminharam até o templo. Ao chegar à porta principal, ambos foram assaltados por Satanás e uma legião de diabos.  Lúcifer, invisivelmente se apoderou do jovem e começou a puxá-lo fortemente para separá-lo de São Basílio.

- Pai meu! Ajuda-me! - disse aos gritos o penitente.

Satanás puxava-o com tanta força, que num daqueles puxões arrastou também o bispo, a quem o jovem continuava agarrado. Então São Basílio se encarou com o demônio e lhe disse:

- Infame! Não te basta com tua própria perdição? Por que pretendes perder também a este a quem acaba de reconquistar meu Deus?

Vociferando, de modo que muitos de quantos estavam na catedral o ouviram, contestou o diabo:

- Te equivocas, Basílio.

Ao ouvir isto, o público que enchia o templo, exclamou em coro:

- Kyrie, eleison! (Senhor tende piedade de nós!)

Basílio disse ao demônio:

- Que Deus te confunda!

O demônio replicou:

- Basílio! Repito que te equivocas; tens de saber que eu não fui à procura deste, senão que foi ele quem voluntariamente me buscou, renegou de Cristo e se submeteu. Tenho a prova do que digo neste documento.

Basílio lhe contestou:

- Não cessaremos de rezar até que nos entregue esse escrito.

Imediatamente São Basílio elevou suas mãos até o céu e começou a rezar. De repente o papel se escapou das mãos do diabo, descreveu uma parábola no ar, e, à vista de todos, veio a cair nas mãos do santo bispo, que o aparou, o mostrou ao jovem e lhe perguntou:

- Conheces esta folha de papel?

- Sim, eu mesmo a escrevi - respondeu o interpelado.

Em seguida São Basílio rasgou o papel, introduziu o jovem na igreja, o reconciliou com Deus, fez-lhe digno novamente de participar nos mistérios sagrados, o instruiu convenientemente e o devolveu à sua esposa. [1]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Extraído de “A FELICIDADE ATRAVÉS DA CASTIDADE”, págs. 168/170. Desejando o texto integral dessa obra enviar mensagem por e.mail para juracuca@gmail.com )



[1] La Leyenda Dorada" - vol. I - págs. 125/126


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