(Do “Tratado da Castidade”, de Santo Afonso Maria de Ligório)
1) A respeito dos maus pensamentos
encontra-se, muitas vezes, um duplo engano:
a) Almas que temem a Deus e não possuem o dom
do discernimento e são inclinadas aos escrúpulos, pensam que todo mau
pensamento que lhes sobrevêm é já um pecado. Elas estão enganadas, porque os maus
pensamentos em si não são pecados, mas só e unicamente o consentimento neles. A
malícia do pecado mortal consiste toda e só na má vontade, que se entrega ao
pecado com claro conhecimento de sua maldade e plena deliberação de sua parte.
E, por isto, Santo Agostinho ensina que não pode haver pecado onde falta o
consentimento da vontade.
Por mais que sejamos atormentados pelas
tentações, pela rebelião de nossos sentidos, pelas comoções ou sensações
desregradas de nossa natureza corpórea, não existe pecado algum enquanto faltar
o consentimento, como ensina também São Bernardo, dizendo: "O sentimento
não causa dano algum, contanto que não sobrevenha o consentimento".
Para consolar tais almas timoratas e
escrupulosas, quero oferecer-lhes aqui uma regra prática, aceita por quase
todos os teólogos: Quando uma alma que teme a Deus e detesta o pecado, duvida
se consentiu ou não em um mau pensamento, não está obrigada a confessar-se
disso, porque, em tal caso, se tivesse realmente cometido um pecado mortal, não
estaria em dúvida a esse respeito, porque o pecado mortal, para uma alma que
teme a Deus, é um monstro tão horrendo, que não poderá ter entrada em seu
coração sem o perceber.
b) Outros, que possuem uma consciência mais
relaxada e são mal instruídos, julgam, pelo contrário, que os maus pensamentos
nunca são pecados, mesmo havendo consentimento neles, contanto que não se
chegue a praticar. Este erro é muito mais pernicioso que o primeiro. O que se
não pode fazer, não se pode também desejar; por isso, o mau pensamento em si
contêm toda a malícia do ato. Assim como as más obras nos separam de Deus,
também os maus pensamentos nos afastam d'Ele e nos privam de Sua graça.
"Pensamentos perversos nos separam de Deus" (Sab 1, 3). Como as más
obras estão patentes aos olhos de Deus, também Sua vista alcança todos os
nossos maus pensamentos para condená-los e puni-los, pois "um Deus de
ciência é o Senhor, e diante d'Ele estão patentes todos os pensamentos" (I
Rs 2, 3).
2) Logo, nem todos os maus pensamentos são
pecados, e nem todos os que são pecados trazem em si o mesmo cunho de malícia.
Devemos considerar três coisas quando se trata de um pecado de pensamento, a
saber: a sugestão, a deliberação e o consentimento. Alguns esclarecimentos a
esse respeito:
a) Sob a palavra sugestão entende-se o
primeiro pensamento que nos incita a praticar o mal que nos vem à mente. Esta
instigação ou incitamento ainda não é pecado; se a vontade a repele
imediatamente, é mesmo uma fonte de merecimentos. "Para cada tentação a
que opuseres resistência, se te deverá uma coroa", diz Santo Antão. Até os
Santos foram perseguidos por tais pensamentos. São Bento revolveu-se sobre os
espinhos para vencer uma tentação impura, e São Pedro de Alcântara lançou-se em
poço de água gelada. São Paulo nos informa que também ele foi tentado contra a
pureza: "E para que a grandeza das revelações não me ensoberbesse, foi-me
dado um espinho em minha carne, um anjo de satanás para me esbofetear" (2
Cor 12, 7). O Apóstolo suplicou várias vezes ao Senhor que o livrasse desse
inimigo: "Por essa causa roguei ao Senhor três vezes que o afastasse de
mim". O Senhor não quis, porém, dispensá-lo do combate, e respondeu-lhe:
"Basta-te a minha graça". E por que não queria o Senhor livrá-lo?
Para que adquirisse maiores méritos por sua resistência à tentação:
"Porque a virtude se aperfeiçoa na fraqueza". São Francisco de Sales
diz que quando um ladrão procura arrombar uma porta, é porque não está ainda
dentro da casa; assim também, quando o demônio tenta uma alma, é porque se acha
ela ainda na graça de Deus.
Santa Catarina de Sena foi uma vez
horrivelmente atormentada pelo demônio, durante três dias, com fortes tentações
impuras. Apareceu-lhe então o Senhor para consolá-la, e ela perguntou-lhe: -
Mas onde estivestes, Senhor meu, durante estes três dias? Jesus respondeu-lhe:
Dentro do teu coração, dando-te força para resistires à tentação. E o Senhor
deu-lhe a conhecer que o seu coração estava, depois da tentação, mais puro que
antes.
b) À sugestão segue-se a deleitação. Quando
nos damos ao trabalho de repelir imediatamente a tentação, sentimos nela uma
certa complacência ou prazer, que nos vai arrastando ao consentimento. Mesmo
então, se a vontade não dá seu assentimento, não há pecado mortal; quando
muito, poderá haver pecado venial. Se, porém, não recorrermos então a Deus e
não nos esforçarmos por resistir à tentação, facilmente nos sentiremos
arrastados ao consentimento e perdidos, segundo as palavras de Santo Anselmo
(De similit., c. 40): "Se não procuramos impedir a deleitação, ela se
transformará em consentimento e matará a alma".
Uma senhora, que tinha fama de santa, teve,
um dia, um mau pensamento, que não repeliu imediatamente, e pecou por
pensamento. Por vergonha deixou de confessar esse pensamento criminoso e
morreu, pouco depois, em estado de pecado. Porque morreu com fama de santidade,
mandou o bispo que fosse sepultada em sua própria capela. No dia seguinte,
porém, apareceu-lhe ela, toda circundada de fogo, e confessou-lhe, infelizmente
já tarde demais, que estava condenada por ter consentido num mau pensamento.
c) Toda a malícia do mau pensamento está,
porém, no consentimento. Havendo pleno consentimento, perde-se a graça de Deus
e chama-se sobre si a condenação eterna, quer se tenha o desejo de cometer um
pecado determinado, quer se pense ou reflita com prazer no pecado como se o
estivesse cometendo. Esta última espécie de pecado chama-se uma deleitação
deliberada ou morosa, e deve-se distinguir bem da primeira, isto é, do pecado
de desejo.
3) Se fores, pois, molestada por tais
tentações, alma cristã, não deves perder a coragem, antes, animosamente
combater, empregando os meios que te vou indicar, e não sucumbirás:
a) O primeiro é humilhar-se continuamente
diante de Deus. O Senhor castiga muitas vezes os espíritos soberbos, permitindo
que caiam em qualquer pecado impuro. Sê, pois, humilde, e não confies em tuas
próprias forças. Davi confessa que caiu no pecado por não ter se humilhado e
ter confiado demais em si mesmo: "Antes de me haver humilhado, eu
pequei" (Sl 118, 67). Devemos temer sempre a nossa própria fraqueza e
colocar em Deus toda a nossa confiança, esperando firmemente que nos preserve
desse vício.
b) O segundo meio é recorrer imediatamente a
Deus, sem entrar em diálogo com a tentação. Logo que se apresentar ao nosso
espírito um pensamento impuro, devemos elevar a Deus imediatamente o nosso
pensamento ou dirigi-lo a qualquer objeto indiferente. A coisa melhor será
invocar imediatamente os Santíssimos Nomes de Jesus e Maria, e não cessar de
repeti-los até desaparecer a tentação. Se ela for muito forte, será bom repetir
muitas vezes o seguinte propósito: Ó meu Deus, prefiro morrer a Vos ofender.
Peça-se socorro, dizendo: Ó meu Jesus, socorrei-me. Maria, assisti-me. Os Nomes
de Jesus, Maria e José possuem uma força especial para afugentar as tentações
do demônio.
c) O terceiro meio é a recepção assídua dos
Santos Sacramentos da Confissão e da Comunhão. É de suma importância revelar
quanto antes ao confessor as tentações impuras. "Uma tentação revelada já
está meio vencida", diz São Filipe Néri. E se alguém teve a infelicidade
de consentir em uma tentação, não se demore nenhum instante em se confessar
disso. São Filipe Néri livrou um rapaz desse vício, induzindo-o a confessar-se
logo depois de cada queda.
A Santa Comunhão, está fora de dúvida,
confere uma grande força na resistência às tentações desonestas. O Sangue de
Jesus Cristo, que recebemos na Sagrada Comunhão, é chamado pelos Santos de
'Vinho gerador de Virgens' (Zac 9, 17). O vinho natural é um perigo para a
castidade; este Vinho Celestial é o seu conservador.
d) O quarto meio é a devoção à Imaculada Mãe
de Deus, que é chamada a Virgem das Virgens. Quantos jovens não se conservaram
puros e castos como Anjos, devido à devoção à Santíssima Virgem!
e) O quinto meio é a fuga da ociosidade. O
Espírito Santo diz (Ecli 33, 21): "A ociosidade ensina muita coisa
má", isto é, ensina a cometer muitos pecados. E o profeta Ezequiel (Ez 16,
49), assevera que foi a ociosidade a causa das abominações e ruína final dos
habitantes de Sodoma. Conforme São Bernardo, a ociosidade motivou a queda de
Salomão. Por isso São Jerônimo exorta a Rústico (Ep. ad Rust., 2) que esteja
sempre ocupado, para que o demônio não o preocupe com suas tentações.
"Quem trabalha é tentado por um demônio só; quem vive ocioso, é atacado
por uma multidão deles", diz São Boaventura.
f) O sexto meio consiste no emprego de todas
as precauções exigidas pela prudência, tais como a modéstia dos olhos, a
vigilância sobre as inclinações do coração, a fugida das ocasiões perigosas,
etc. (Capítulo II do “Tratado da Castidade”, de Santo Afonso Maria de Ligório,
onde consta uma doutrina mais perfeita sobre o assunto. Pureza, Castidade,
Virgindade, são virtudes afins que o Santo trata sob o mesmo enfoque).
(Extraído
de “A FELICIDADE ATRAVÉS DA CASTIDADE”, págs. 103/106. Desejando receber o
texto integral desta obra, favor enviar mensagem para o email
juracuca@gmail.com – Juraci Josino Cavalcante)
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