Da vida de Santo André e
sua poderosa intercessão
Um
ancião escravo da luxúria há mais de setenta anos
Um ancião chamado Nicolau apresentou-se perante
Santo André e lhe disse:
- Senhor, fazem setenta anos que estou entregue à
luxúria. Tenho crido no Evangelho, tenho orado a Deus pedindo-lhe a graça da
continência, mas até agora nada tenho conseguido; meus hábitos inveterados e o
aguilhão da concupiscência têm feito pouco caso com meus bons propósitos
quantas vezes os tenho formulado. Certo dia, impulsionado por meu apetite e sem
dar-me conta de que levava comigo uns "evangelhos", fui até um
lupanar; quando acabei de entrar a meretriz me expulsou de sua casa dizendo-me:
"Sai daqui imediatamente, velho! Tu és um anjo de Deus; não me toques; não
te atrevas a aproximar-te de mim! Vejo em teu redor coisas
maravilhosas!" Ao ouvir falar assim
a rameira fiquei estupefato; mas logo lembrei que levava comigo os
"evangelhos". Te rogo, pois,
santo de Deus, que rezes piedosamente por mim e peça ao Senhor que me livre
deste vício e salve minha alma.
Ouvindo isto, o bem-aventurado André começou a
chorar e a rezar; desde a hora terça até à nona permaneceu prostrado
Seis meses seguidos jejuou a pão e água o ancião;
ao término do sexto mês, cheio de boas obras, faleceu. Tão logo morreu o velho,
novamente ouviu André a voz que seis meses antes ouvira; porém desta vez lhe
dizia: "Havia perdido a Nicolau, graças a tuas orações o recuperei
definitivamente”.
Um
bispo é tentado e salvo por Santo André
Conta-se que houve um bispo de vida muito virtuosa
e tão devoto de Santo André que antes de iniciar qualquer obra de alguma
entidade encomendava-se a ele rezando esta jaculatória: "Pela honra de
Deus e de Santo André, etc;" Mas o
antigo inimigo, invejoso da piedade do referido prelado, adotou a aparência de
uma belíssima dama e se apresentou em seu palácio com o pretexto de que
desejava confessar-se com ele. O bispo lhe argumentou que procurasse o
confessor em quem tinha delegadas suas faculdades em relação com o sacramento
da penitência. A mulher insistiu em suas pretensões e fez saber ao bispo que a
ninguém mais que ele manifestaria os segredos de sua consciência. Em vista
disto o referido prelado acedeu em ouvir em confissão à suposta penitente.
- Te rogo, senhor - disse a dama, ao iniciar a
manifestação de seus pecados ao bispo - que tenhas misericórdia de mim e me
escutes com paciência. Como vês, sou jovem; pertenço a uma família de reis;
desde minha infância tenho vivido num ambiente
de delícias. Vim até aqui, só e
disfarçada sob este hábito de peregrina, pela seguinte razão: o poderosíssimo
rei, meu pai, pretende casar-me com um grande príncipe; tenho procurado
fazer-lhe ver que sinto horror pelo matrimônio, que tenho consagrado
perpetuamente minha virgindade a Cristo, que nunca faltarei a meu compromisso e
que jamais concordarei em manter relações carnais com homem algum. A tudo isto
meu pai me tem respondido que se não me caso com o príncipe a quem me tem
prometida me trancará por toda vida num cárcere e me submeterá a horríveis
suplícios e torturas. Como sei que ele é capaz de cumprir o que diz e de levar
a cabo suas terríveis ameaças me esforcei como pude para fugir da corte sem que
ninguém me visse, porque prefiro viver desterrada a faltar à palavra empenhada
a meu esposo Jesus Cristo. Havia eu
ouvido falar muito de tuas virtudes; por isso, uma vez fora de minha casa e de
minha terra, decidi vir a ver-te para
expor-te meu problema, solicitar tua proteção e pedir-te ajuda sob as asas de
tua piedade. Espero, pois, senhor, que me acolhas benignamente e me proporcione
algum rincão de teu palácio que me sirva de asilo e em que possa entregar-me ao
silencioso ofício da contemplação, manter-me afastada dos ruídos e agitações do mundo, e salvar minha alma dos
perigos da vida deste século.
O bispo, admirado ante a nobreza daquela senhora de
tão elevada estirpe, tão jovem, tão bela, tão fervorosa e tão espiritual e tão
eloqüente em suas palavras , com voz doce e bondosa atenção lhe disse:
- Filha minha, não temas. Tranqüiliza-te. Aquele que por cujo amor fostes
capaz de renunciar a ti, a tua família, a teus bens e grandezas, premiará teu
sacrifício, te concederá o máximo de sua graça nesta vida e depois a plenitude
da bem-aventurança eterna. Eu, seu humilde servidor, ponho à tua disposição
minha pessoa, minha casa e quanto sou e tenho. Escolhe as habitações de meu
palácio que mais te agradem, acomoda-te nelas e permanece nesta cidade todo o
tempo que queiras. Aqui estarás segura. Hoje desejo que te sentes à minha mesa.
- Pai, - respondeu a dama - não posso aceitar este
oferecimento teu. Eu te pedia meramente
um rincão onde possa viver isolada e oculta, mas não uma hospitalidade
semelhante à que me ofereceu. Compreende meus temores a tanta generosidade. Se
aceitasse ao que me propões e me sentasse à tua mesa, e o povo se inteirasse de
que aqui, sob teu teto, reside uma mulher, poderia sofrer detrimento a boa fama
de que gozas.
- Desfaça teus temores, filha - replicou-lhe o
bispo. Nesta casa não estaremos somente tu e eu. Aqui vive muita gente; não
haverá, pois, perigo de que surjam murmurações.
Chegada a hora da comida passaram ao refeitório. O
bispo e a dama se sentaram frente a frente, ocupando cada qual uma das
cabeceiras da mesa; nos assentos das bandas de um e de outro lado acomodaram-se
os outros comensais. O prelado, desejoso de atender a sua convidada, olhava-a
com freqüência a fim de que nada lhe faltasse. Cada vez cravava os olhos com
mais insistência em seu semblante, considerando detidamente a perfeição e
beleza de suas feições, e quanto mais a contemplava, mais enlanguescia seu
espírito, porque, enquanto mantinha sua vista cravada no rosto dela, o antigo
inimigo da espécie humana mais profundamente enterrava seus venenosos dardos no
coração do prelado, mostrando-lhe a refulgente formosura da dama. O bispo, à
borda já do naufrágio, começou interiormente a traçar um plano para conseguir
estar com ela tão pronto quando se apresentasse alguma oportunidade
adequada. Nisto, um peregrino chamou à
porta do palácio com fortes batidas e dizendo com altas vozes que lhe abrissem,
e como não acudiam a abri-lhe insistiu em seus golpes cada vez mais estrondosos
e em seus gritos, também cada vez mais altos. Enfim o bispo perguntou à sua convidada:
- Te parece bem, senhora, que abramos a esse
importuno?
- Melhor seria - respondeu ela - que antes de lhe
abrir a porta perguntássemos alguma questão complicada para ver se sabe
solucioná-la. Se responde satisfatoriamente a ela demonstrará ser pessoa
discreta e digna de que se lhe abra; se não sabe responder entenderemos que se
trata de algum ignorante e não se lhe permitirá que venha a estas horas
molestar um bispo.
A todos os comensais pareceu boa a sugestão da
dama. Seguidamente o prelado convidou a seus amigos que propusessem a pergunta
que deveriam fazer ao forasteiro que continuava chamando à porta, e como todos,
um após outro, se escusassem alegando falta de idéias, o bispo, dirigindo-se à
senhora, lhe disse:
- Quem, entre os presentes, em melhores condições
do que vós, senhora, que a todos nos superais em eloqüência, discrição e
sabedoria, para propor a questão que devemos apresentar ao inesperado
visitante? Sugeri a que vos pareça.
A dama aceitou e propôs esta:
- Pergunte-se-lhe que é o mais maravilhoso que Deus
fez numa coisa pequena.
Um criado do bispo, de dentro e sem abrir a porta,
formulou a pergunta ao peregrino e voltou com esta resposta:
"A variedade e excelência dos rostos: entre
tantos homens como têm existido desde o princípio do mundo e existirão até o
último dia, não houve e nem haverá dois cujos rostos sejam completamente
iguais; e, sem embargo, em algo tão reduzido como a face de uma pessoa, o
Senhor colocou todos os sentidos do corpo humano".
Os comensais, unanimemente, reconheceram que a
resposta era interessante, verdadeira e satisfatória. Porém a mulher disse:
- Proponhamos-lhe uma segunda questão mais
complicada que nos permita julgar melhor sobre sua prudência e conhecimentos.
Ver se sabe dizer-nos onde está por cima do firmamento a terra?
Eis aqui o que respondeu o peregrino:
"No céu empíreo, porque nele se acha
atualmente o corpo de Cristo, que é da mesma natureza que o nosso, e, portanto
formado do barro da terra. Como o corpo do Senhor de terra foi feito, terra é;
e como se encontra no mais alto dos céus, ou seja, muito por cima do
firmamento, segue-se que aí precisamente, no céu empíreo, é onde a terra está
por cima do firmamento".
Os convidados amigos do bispo deram por muito boa a
resposta e louvaram a sabedoria do
forasteiro. A dama, sem embargo, propôs:
- Apresentemos-lhe um terceiro e último problema
mais difícil que os anteriores; se conseguir resolvê-lo aceitaremos
definitivamente que se trata de um
sujeito autenticamente discreto e sábio e que merece ser recebido.
Pergunte-se-lhe que distância mede entre a terra e o céu.
O peregrino respondeu ao portador da pergunta:
"Volta à sala e diz a quem te mandou que me
fizesse esta pergunta, que a resposta a conhece ele muito bem, posto que a sabe
por experiência; ou deveria sabê-la, já que teve ocasião de medi-la quando foi
expulso da glória e caiu precipitado no fundo do abismo. Eu, ao contrário, não
passei por isso. De passagem, diz a teu senhor o bispo que a pessoa que sugeriu
que me formulasse esta e as outras questões não é o que parece, senão que é um
demônio disfarçado de mulher".
O mensageiro, assustado, regressou ao refeitório e repetiu diante de todos quanto o peregrino acabava de dizer-lhe; mas, antes que terminasse de transmitir o recado, que os ouvintes escutaram estupefatos, a suposta dama repentinamente desapareceu. Então foi quando o bispo compreendeu a subversão que pouco antes havia sentido em sua alma e os maus pensamentos e desejos que a haviam assaltado; se arrependeu deles sinceramente, pediu insistentemente perdão a Deus e enviou novamente seu criado à porta, esta vez para que dissesse ao peregrino o que se passara; porém o peregrino já não estava ali e, por mais que o procurassem pelas ruas da cidade, não puderam achá-lo. O prelado convocou o povo, referiu publicamente quanto havia ocorrido e rogou a todos que com jejuns e orações suplicassem ao Senhor que se dignasse comunicar a alguém quem havia sido realmente o misterioso forasteiro que bateu à sua porta e lhe livrado de um gravíssimo perigo. Aquela mesma noite, o bispo conheceu por revelação que o forasteiro havia sido Santo André.[1]
(Extraído de “A FELICIDADE ATRAVÉS DA CASTIDADE”, págs.
183/187. Desejando o texto integral dessa obra enviar mensagem por e.mail para
juracuca@gmail.com )
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