Santa Maria Egipcíaca nasceu pelo ano 343 e faleceu no deserto da Jordânia em 421 ou 422, aos 78 ou 79 anos de idade, após viver cerca de 50 anos na solidão. Sua vida foi narrada por São Zózimo, a quem ela mesma contou:
"Minha terra
natal, santo Pai, é o Egito. Ainda quando meus pais eram vivos e eu tinha doze
anos, renunciei ao amor deles e fui para Alexandria. Estou envergonhada de
relembrar como então, eu primeiro perdi minha virgindade e em seguida,
incontida e insaciavelmente, entreguei-me à sensualidade. Falarei disso
brevemente, de modo que apenas saibas da minha paixão e lascívia. Por cerca de
dezessete anos, perdoe-me, vivi desse modo. Eu era como um fogo de depravação
pública. E não era por amor ao ganho - aqui eu falo a pura verdade.
Frequentemente, quando eles desejavam pagar-me, eu recusava o dinheiro. Agia
dessa maneira para fazer com que, tantos homens quantos fosse possível
desejassem possuir-me, fazendo de graça o que me dava prazer. Não pense que eu
fosse rica e essa fosse a razão pela qual eu não pegasse o dinheiro. Eu vivia
de pedir e de tecer, mas tinha um desejo insaciável e uma paixão irreprimível
por deitar-me na lama. Isto era vida para mim. Todo tipo de abuso da natureza
eu considerava ser vida.
Assim eu vivia.
Então, num verão eu vi uma grande multidão de líbios e egípcios correrem em
direção ao mar. Perguntei a um deles, 'para onde estão indo todos esses
homens?' Ele respondeu, 'eles estão indo a Jerusalém, para a Exaltação da Cruz
Preciosa e Vivificante, que ocorrerá dentro de alguns dias.' Eu disse a ele,
'tu me levas junto se eu desejar ir?' 'Ninguém te impedirá de ir se tens
dinheiro para pagar a viagem e a comida.' E eu lhe disse: 'para dizer a verdade,
não tenho dinheiro, nem alimento. Mas irei com eles e estarei à bordo. E eles
me alimentarão, queiram ou não. Eu tenho um corpo - eles o tomarão ao invés de
pagar pela viagem.' De repente enchi-me de desejo de ir, Pai, para ter mais
amantes que pudessem satisfazer minha paixão. Eu disse a ti, Pai Zózimo, que
não me forçasses a contar-te sobre minha desgraça. Deus é minha testemunha,
estou receosa de corromper-te e até ao ar, com minhas palavras."
"Aquele jovem,
ouvindo minhas palavras desavergonhadas, riu e foi-se embora. Enquanto que eu,
jogando fora o tear, corri em direção ao mar na direção que todos pareciam
seguir e vendo alguns rapazes de pé na praia, cerca de dez ou mais, cheios de
vigor e prontidão em seus movimentos, decidi que eles serviam aos meus
propósitos; (parecia que alguns esperavam por mais passageiros enquanto outros
tinham ido à terra). Desavergonhadamente, como sempre, misturei-me à multidão,
dizendo, 'levem-me consigo para onde estão indo; vocês não vão me achar
supérflua.' Também acrescentei mais algumas palavras provocando o riso geral.
Vendo minha prontidão para a falta de vergonha, eles prontamente colocaram-me a
bordo na embarcação. Aqueles que eram esperados também vieram e finalmente
partimos.
Como posso relatar o
que aconteceu depois disso? Que língua pode contar, que ouvidos podem receber
tudo o que aconteceu naquela embarcação durante aquela viagem! Dizer que eu
frequentemente forçava aqueles pobres moços, até contra sua própria vontade!?
Não há depravação alguma, mencionável ou não, que eu não lhes tenha ensinado.
Estou surpresa, Pai, como o mar suportou nossa licenciosidade, como a terra não
abriu suas mandíbulas, e como o inferno não me engoliu viva, enquanto eu
prendia em minha teia tantas pessoas. Mas, acredito que Deus estava buscando
meu arrependimento. Pois ele não deseja a morte do pecador, mas magnanimamente
espera seu retorno a Ele. Finalmente chegamos a Jerusalém. Passei os dias antes
do festival na cidade, vivendo o mesmo tipo de vida, talvez até pior. Eu não
estava contente com os jovens que tinha seduzido em alto mar e que me ajudaram
a chegar a Jerusalem; também seduzi a muitos outros, tanto da cidade quanto
estrangeiros que lá estavam.
O dia sagrado da
Exaltação da Cruz despontou, enquanto eu ainda estava à caça de jovens. Ao
amanhecer, vi que todos corriam para a igreja então, corri com o resto deles.
Quando a hora da sagrada elevação se aproximou eu estava tentando abrir caminho
entre a multidão, que lutava para chegar às escadarias. Finalmente, com grande
dificuldade, consegui ir me espremendo quase até às portas da igreja, de onde a
Vivificante Árvore da Cruz estava sendo mostrada ao povo. Mas quando eu pisei
no limiar da porta, por onde todos entraram, fui impedida por uma força que não
me deixou entrar. Entretanto, completamente ignorada pela multidão me encontrei
sozinha no pórtico da igreja. Pensando que isto tivesse acontecido devido à
minha fraqueza de mulher, comecei novamente a abrir caminho com os cotovelos no
meio da multidão. Mas era em vão meu esforço. Novamente meus pés pisaram no
limiar onde outros iam entrando na igreja, sem encontrar nenhum obstáculo. Eu
somente parecia não ser aceita na igreja. Era como se um destacamento de
soldados estivesse lá de pé, se opondo à minha entrada. Mais uma vez fui
excluída pela mesma força poderosa e novamente fiquei no limiar.
Havendo tentado por
três ou quatro vezes, finalmente me senti esgotada e não tendo mais forças para
empurrar e ser empurrada, fui para o lado e permaneci num canto do pórtico. E
então, com grande dificuldade, começou a despontar algo em mim e comecei a
perceber a razão pela qual eu estava sendo impedida de ver a Cruz Vivificante.
A palavra da salvação gentilmente tocou os olhos do meu coração e revelou-me
que era minha vida impura que fechava a entrada para mim. Comecei a chorar e
lamentar e bater no meu peito e a suspirar das profundezas do meu coração. E
assim permaneci chorando, quando vi acima, um ícone da Santíssima Mãe de Deus.
E voltando para ela meus olhos do corpo e da alma eu disse:
'Ó
Senhora, Mãe de Deus, que deste à luz na carne a Deus, a Palavra; eu sei, ó
quão bem eu sei, que não há nenhuma honra ou louvor para vós quando alguém tão
impura e depravada como eu, olha para teu ícone, ó sempre Virgem, que
mantiveste vosso corpo e alma na pureza. Certamente inspiro desprezo e desgosto
ante vossa pureza virginal. Mas já ouvi que Deus, que nasceu de vós, se tornou
homem para chamar pecadores à conversão. Então, ajude-me, pois não tenho outro
auxílio. Ordene que os portais da igreja se abram para mim. Permita-me ver a
venerável Árvore na qual Ele que nasceu de vós, sofreu na carne e na qual Ele
derramou seu preciosíssimo Sangue pela redenção dos pecadores e para mim,
indigna como sou. Seja minha testemunha fiel diante de Teu Filho que eu nunca
mais corromperei meu corpo na impureza da fornicação, mas tão logo eu veja a
Árvore da Cruz, renunciarei ao mundo e às suas tentações e irei onde quer que
me conduzas.'
Assim falei e como se
recobrasse nova esperança, com fé firme e sentindo alguma confiança na
misericórdia da Mãe de Deus, deixei o lugar onde tinha ficado rezando. E fui
novamente, misturada à multidão que fazia seu caminho dentro do templo. E
ninguém parecia impedir-me, ninguém estorvou minha entrada na igreja. Fiquei
possuída de tremor e estava quase à beira do delírio. Tendo chegado tão próximo
das portas, o que eu não conseguira antes, como se a mesma força que me
impedira agora abrisse caminho para mim, eu agora entrava sem dificuldade e me
encontrei no lugar santo. E então vi a Cruz Vivificante. Vi também os Mistérios
de Deus e como o Senhor aceita o arrependimento. Jogando-me ao chão, adorei
aquela terra santa e tremendo, beijei-a. Então saí da igreja e fui àquela que
prometeu ser minha segurança, ao lugar onde eu selei meu voto. E dobrando meus
joelhos diante da Virgem Mãe de Deus dirigi a ela estas palavras:
'Ó Amável Senhora,
vós mostrastes-me vosso grande amor por todos os homens. Glória a Deus, que
aceita o arrependimento de pecadores através de vós. O que mais posso lembrar
ou dizer, eu que sou tão pecadora? É hora para mim, ó Senhora, de cumprir meu
voto, de acordo com o vosso testemunho. Agora, conduza-me pela mão pelo caminho
do arrependimento!' E ao dizer estas palavras ouvi uma voz do alto:
'Se tu atravessares o
Jordão irás encontrar glorioso repouso.'
Ouvindo esta voz e crendo que eram para mim, gritei para a Mãe de Deus:
“Ó Senhora, Senhora,
não me abandones”'
Com estas palavras deixei o pórtico da igreja e parti para minha jornada.
Quando eu ia deixando a igreja um estranho olhou-me e deu-me três moedas,
dizendo:
'Irmã, tome isto.'
Pegando o dinheiro,
comprei três pães e levei-os comigo como um presente abençoado. Perguntei à
pessoa que vendeu os pães: 'Qual é o caminho para o Jordão?' Fui direcionada
para o portão da cidade que conduzia àquele caminho. Correndo atravessei os
portões e ainda chorando iniciei minha jornada. Perguntei o caminho àqueles que
encontrei e depois de caminhar pelo resto daquele dia, (penso que eram nove
horas quando eu vi a Cruz), finalmente, ao por do sol, alcancei a igreja de São
João Batista, que ficava na margem do Jordão. Depois de rezar no templo, desci
o Jordão e lavei o rosto e as mãos nas águas santas. Participei dos santos e
vivificantes Mistérios na Igreja do Precursor e comi a metade de um dos pães.
Em seguida, após beber um pouco de água do Jordão, deitei-me e passei a noite
no chão. Pela manhã encontrei um pequeno bote e cruzei para o lado oposto.
Novamente, rezei à Nossa Senhora para conduzir-me onde desejasse. Então,
encontrei-me nesse deserto e desde então até o dia de hoje sou estranha a
todos, mantendo-me longe das pessoas e delas fugindo. E vivo aqui, agarrando-me
ao meu Deus Que salva a todos que se voltam para Ele, os de coração fraco e nas
tempestades."
São Zózimo perguntou-lhe:
"Quantos anos se passaram desde que começaste a viver neste
deserto?"
Ela replicou:
"Quarenta e sete anos se passaram, creio, desde que deixei a cidade
santa."
São Zózimo inquiriu:
"Mas qual alimento encontraste?"
A mulher disse:
"Eu tinha dois
pães mais a metade quando cruzei o Jordão. Logo eles ficaram duros como pedra.
Comendo aos pouquinhos eles acabaram em alguns poucos anos."
São Zózimo continuou:
"Como se explica que tenhas vivido por tão longos anos, assim, sem
ficares doente, sem sofrer de algum modo uma mudança tão completa?"
Ela respondeu:
"Tu me lembras,
Zózimo, do que eu não ouso falar. Pois quando me lembro dos perigos que
superei, todos os pensamentos violentos que me confundiram, novamente tenho
receio de que eles venham a me dominar."
São Zózimo falou:
"Não escondas nada de mim; fala-me sem ocultar coisa alguma."
E ela respondeu-lhe:
"Creia-me, Pai,
por dezessete anos vivi nesse deserto lutando contra feras selvagens - desejos
loucos e paixões. Quando ia me alimentar eu costumava lamentar a carne e o
peixe que eu tinha em abundância no Egito. Lamentava também não ter vinho que
eu apreciava tanto, pois eu bebia muito vinho quando vivia no mundo, enquanto
aqui eu nada tinha, nem mesmo água. Queimava-me até sucumbir de sede. Um desejo
atroz de canções libertinas também me perturbavam e me confundiam grandemente,
levando-me quase a cantar canções satânicas, que eu tinha aprendido antes. Mas
quando esses desejos me vinham, eu batia no peito e me recordava do voto que
tinha feito antes de vir para o deserto. Em meus pensamentos voltava-me para o
ícone da Mãe de Deus que me tinha recebido e a quem clamava na oração.
Implorava-lhe para dar caça a esses pensamentos, diante dos quais minha alma
estava sucumbindo. E depois de chorar por longo tempo e batendo no peito, eu
costumava ver uma luz que parecia brilhar sobre mim de algum lugar. E depois da
violenta tempestade finalmente vinha a paz.
E como posso
dizer-lhe sobre os pensamentos que me instavam à fornicação, como posso
expressá-los a ti, Pai? Um fogo inflamava meu miserável coração que parecia
queimar-me completamente e me despertava uma sede de abraços. Tão logo esse
desejo me surgia, eu jogava-me ao solo e molhava-o de lágrimas, como se visse
diante de mim minha testemunha, que tinha me aparecido em minha desobediência e
que parecia ameaçar punição para o castigo. E eu não me erguia do chão (algumas
vezes ficava lá prostrada por um dia e uma noite), até que a calma e a doce luz
descesse e me iluminasse e pusesse em fuga os pensamentos que me possuíram. Mas
sempre eu voltava os olhos de minha mente para minha protetora, pedindo-lhe
para estender seu auxílio a uma que estava afundando rápido nas dunas do
deserto. E sempre a tive como meu socorro e aquela que aceitava meu
arrependimento. E assim vivi por dezessete anos, entre constantes perigos. E
desde então a Mãe de Deus me auxilia em tudo e me conduz como se pela mão
fosse."
São Zózimo perguntou:
"Como pode ser que não tenhas necessitado de alimento e
roupas?"
Ela respondeu:
"Quando
terminaram os pães que trouxe, de que já falei, por dezessete anos me alimentei
de ervas e tudo que pudesse ser encontrado no deserto. As roupas que eu trazia
quando atravessei o Jordão se tornaram rotas e gastas. Sofri grandemente o frio
e também o calor extremo. Às vezes o sol me queimava completamente e em outras
eu estremecia enregelada e frequentemente caia ao chão onde permanecia inerte,
sem respirar. Eu lutava contra muitas aflições e com terríveis tentações. Mas
desde então e até agora, o poder de Deus numerosas vezes guardou minha alma
pecadora e meu pobre corpo. Mas quando penso nos perigos dos quais Nosso Senhor
me livrou, tenho alimento imperecível de esperança e salvação. Sou alimentada e
vestida pela toda poderosa Palavra de Deus, o Senhor de todos. Pois não é
somente de pão que se vive. E aqueles que se despojaram dos trapos do pecado
não encontram refúgio, escondendo-se nos vãos das rochas (Job 24; Heb
11:38)."
Ouvindo-a citar as Escrituras, de Moisés a Job, São Zózimo perguntou-lhe:
"E então tens lido os Salmos e outros livros?"
Ela sorriu a isto e disse ao ancião:
"Creia-me, desde
que atravessei o Jordão não vi um rosto humano, exceto o teu hoje. Não vi uma
fera ou uma criatura viva desde que vim ao deserto. Nunca aprendi nos livros.
Também nunca ouvi alguém que cantasse ou lesse deles. Mas a palavra de Deus que
é viva e ativa, por si mesmo, ensina a um homem o saber. E assim chega ao fim
minha estória. Mas como te pedi no início, e também agora, imploro pelo amor da
Palavra encarnada de Deus, reze ao Senhor por mim que sou tão grande pecadora."
Assim terminando, ela se inclinou diante dele. Com lágrimas ele exclamou:
"Bendito é Deus
Que cria o grande grande e o maravilhoso, o magnífico e o glorioso sem fim.
Bendito é Deus que me mostrou como Ele recompensa aqueles que O temem.
Verdadeiramente, Ó Deus, Vós não abandonais aqueles que vos buscam!"
E a mulher, não permitindo ao ancião curvar-se diante dela, disse:
"Eu te peço,
santo Pai, pelo amor de Jesus Cristo, nosso Deus e Salvador, não contes a
ninguém o que ouviste, até que Deus me tire desse mundo. E agora vá em paz e
novamente me verás no próximo ano e eu a ti , se Deus nos preservar em Sua
grande misericórdia. Mas, pelo amor de Deus, faças como te peço. No próximo
ano, durante a Quaresma, não atravesses o Jordão, como é costume no mosteiro."
São Zózimo ficou surpreso ao ver que ela conhecia as regras do Mosteiro e
só pôde dizer:
"Glória a Deus que concede grandes dons àqueles que O amam."
Ela continuou:
"Permaneça, Pai,
no mosteiro. E mesmo que desejes partir, não o conseguirás. E ao por do sol do
dia santo da Última Ceia, coloque um pouco do vivificante Corpo e Sangue de
Cristo dentro de um cálice sagrado, digno de conter tais Mistérios e traga-os
para mim. E espere por mim na margem do Jordão, nas vizinhanças das partes
habitadas da terra, de modo que eu possa vir e participar dos Dons
vivificantes. Pois, desde a vez que comunguei no templo do Precursor, antes de
atravessar o Jordão até este dia, não mais me aproximei dos Sagrados Mistérios.
E tenho sede deles com irreprimível amor e desejo. E assim, peço e imploro a ti
que me concedas essa graça, traga-me os Mistérios vivificantes nessa mesma
hora, quando Nosso Senhor fez com que seus discípulos participassem de sua
Divina Ceia. Diga ao Abade João do mosteiro onde vives: 'Cuida de si e de teus
irmãos, pois há muito o que se corrigir'. Apenas não digas isto agora, mas
quando Deus te conduzir. Ora por mim!"
Com estas palavras ela desapareceu nas profundezas do deserto. E São
Zózimo, caindo de joelhos e curvando-se em direção ao chão onde ela havia
estado, deu glória e graças a Deus. E depois de vagar através do deserto, ele
voltou ao mosteiro no dia em que todos os irmãos retornavam.
Durante todo o ano ele manteve silêncio, não ousando contar a ninguém o
que tinha visto. Mas rezava a Deus para conceder-lhe outra chance de ver o
querido e ascético rosto. E quando finalmente chegou o primeiro domingo do
Grande Jejum, todos partiram para o deserto com as orações costumeiras e os
cantos dos salmos. Apenas São Zózimo ficou retido, doente - estava
Muitos dias se passaram e finalmente, recuperando-se de sua doença ele
permaneceu no mosteiro. E quando aconteceu que os monges retornaram e o dia da
Última Ceia despontou, ele fez como fora ordenado. E colocando um pouco do
puríssimo Corpo e Sangue dentro de um pequeno cálice e colocando alguns figos,
tâmaras e lentilhas mergulhadas em água dentro de um cestinho, partiu para o
deserto e alcançou as margens do Jordão e se sentou esperando pela santa. Ele
aguardou um bom tempo e depois começou a duvidar. Então, levantando os olhos
para o céu começou a rezar:
"Concede-me ó Senhor, ver aquela que me concedeste uma vez contemplar.
Não me deixes partir em vão por causa do peso de meus pecados."
E então, outro pensamento lhe ocorreu:
"E se ela vier? Não há nenhum barco; como ela irá atravessar o
Jordão para vir a mim, que sou tão indigno?"
Ainda assim pensava, quando viu a santa mulher aparecer e parar do outro
lado do rio. São Zózimo se levantou, alegrando-se, dando glória e agradecendo a
Deus. E novamente veio a ele o pensamento de que ela não poderia atravessar o
Jordão. Então ele viu-a fazer o sinal da Cruz sobre as águas do rio Jordão (e a
noite era de lua, como ele relatou mais tarde) e então ela pisou nas águas e
começou a caminhar sobre a superfície, em direção a ele. E quando ele desejou
se prostrar ela gritou para ele, ainda caminhando sobre a água:
"O que estás
fazendo, Pai, tu és um sacerdote e estás levando os divinos Dons!"
Ele obedeceu-lhe e ao chegar à praia ela disse ao ancião:
"Pai,
abençoa-me, abençoa-me!"
Ele respondeu tremendo, pois um estado de confusão tomara conta dele ao
presenciar o milagre:
"Verdadeiramente
Deus não mentiu ao prometer que quando estivéssemos puros seríamos como Ele.
Glória a Vós, Cristo nosso Deus, Que me mostraste através dessa vossa serva,
quão distante eu estou da perfeição."
Aqui a mulher pediu-lhe para rezar o Credo e o Pai Nosso. Ele iniciou,
ela terminou oração e de acordo com o costume daquela época, deu-lhe o beijo da
paz nos lábios. Tendo participado dos Santos Mistérios, ela elevou suas mãos
para o céu e suspirou com lágrimas em seus olhos, exclamando:
"Agora, deixai
vossa serva ir em paz, Ó Senhor, de acordo com Vossa palavra, pois meus olhos
viram a Vossa salvação."
Depois ela disse ao ancião:
"Perdoa-me, Pai,
por pedir-lhe, mas conceda-me outro favor. Vá agora para o mosteiro e que a
graça de Deus te guarde. E no próximo ano, venha novamente ao mesmo lugar onde primeiro
encontrei-te. Venha, por amor de Deus, pois tu me verás novamente, pois tal é a
vontade de Deus."
Ele disse a ela:
"A partir desse dia eu gostaria de seguir-te e sempre ver teu rosto
santo. Mas por ora realize o único desejo desse velho homem e tome um pouco do
alimento que eu te trouxe."
E ele mostrou-lhe a cesta, sendo que ela apenas tocou com a ponta dos
dedos as lentilhas e pegando alguns grãos disse que o Espírito Santo guarda a
substância da alma impoluta. Então acrescentou:
"Reza, pelo amor de Deus, por mim e lembre-se de uma miserável pecadora."
Tocando os pés da santa e pedindo suas orações pela Igreja, pelo reino e
por si próprio, ele deixou-a partir com lágrimas, enquanto ele se ia suspirando
e muito sentido, pois ele não podia esperar vencer o invencível. Enquanto isso
ela novamente fez o sinal da Cruz sobre o Jordão, pisou nas águas e
atravessou-o como antes. E o ancião voltou, cheio de alegria e terror,
acusando-se a si mesmo de não ter perguntado à santa o seu nome. Mas decidiu
fazê-lo no próximo ano.
E quando outro ano se passou, ele foi novamente para o deserto. Alcançou
o mesmo lugar mas não pôde ver ninguém. Então, levantando os olhos ao céu como
antes, rezou:
"Mostra-me, Ó Senhor, vosso puro tesouro, que escondeste no deserto.
Mostra-me, eu vos peço, o anjo na carne, de quem o mundo não é digno."
Então, no lado oposto do rio, sua face voltada para o sol nascente, ele
viu a santa, morta no chão. Suas mãos estavam cruzadas de acordo com o costume
e sua face voltada para o Leste. Correndo, ele chorava sobre os pés da santa e
beijava-os, não ousando tocar mais nada.
Por um longo tempo ele chorou. Depois recitando os salmos apropriados,
disse as orações fúnebres e pensou consigo : "Devo enterrar o corpo de uma
santa? Ou isto seria contrário aos seus desejos?" E então ele viu palavras
traçadas no chão, perto da cabeça dela:
"Pai Zózimo, enterra neste local o corpo da humilde Maria. Volte ao
pó o que é pó e reza ao Senhor por mim, que parti no mês de Fermoutin do Egito,
chamado Abril pelos Romanos, no primeiro dia, na mesma noite da Paixão de Nosso
Senhor, depois de participar dos Divinos Mistérios."
Lendo isto o ancião ficou feliz de conhecer o nome da santa. Ele compreendeu
também que, tão logo ela participou dos Divinos Mistérios na margem do Jordão
foi transportada ao lugar onde faleceu. A distância que São Zózimo levou vinte
dias para cobrir, Maria evidentemente atravessou em uma hora e finalmente
entregou sua alma a Deus.
Então Zózimo pensou: "Está na hora de fazer o que ela pediu. Mas como
vou cavar uma sepultura sem nada nas mãos?"
E então ele viu nas proximidades um pequeno pedaço de madeira deixado por
algum viajante do deserto. Pegando-o começou a cavar o chão. Mas a terra era
dura e seca e não correspondia aos esforços do velho. Ele ficou cansado e
molhado de suor. Suspirava das profundezas de sua alma e levantando os olhos
viu um grande leão, próximo ao corpo da santa, a lamber-lhe os pés. À vista do
leão ele tremeu de medo, especialmente quando se lembrou das palavras de Maria
de que ela nunca havia visto feras selvagens no deserto. Mas, protegendo-se com
o sinal da Cruz, ele pensou que o poder daquela que ali jazia, o protegeria e o
guardaria incólume. Enquanto isso, o leão se aproximou dele, mostrando afeição
em cada movimento.
São Zózimo disse ao leão:
"O Grande Deus
ordenou que o corpo dela seja enterrado. Mas eu sou velho e não tenho forças
para cavar a sepultura (pois não tenho pá e demoraria muito para ir conseguir
uma), então, poderias realizar o trabalho com suas garras? Então, poderemos
entregar à terra o templo mortal da santa."
Enquanto ainda falava, o leão começou a cavar com suas patas dianteiras
um buraco suficientemente fundo para enterrar o corpo.
Novamente o ancião lavou os pés da santa com suas lágrimas e pedindo-lhe
que rezasse por todos, cobriu o corpo com terra na presença do leão. Foi como
tinha sido, nu e descoberto de tudo, com apenas o manto esfarrapado que Zózimo
lhe dera e com o qual Maria se voltara para tentar cobrir parte do seu corpo.
Então ambos partiram. O leão desapareceu nas profundezas do deserto, como um
carneirinho, enquanto Zózimo retornou ao mosteiro glorificando e bendizendo a
Cristo Nosso Senhor. E ao alcançar o mosteiro contou a todos os irmãos sobre
tudo, diante do que todos se maravilharam ao ouvir os milagres de Deus. E com
respeito e amor eles guardaram a memória da santa.[1]
(Extraído de “A FELICIDADE ATRAVÉS DA CASTIDADE”, págs. 231/240. Desejando
o texto integral dessa obra enviar mensagem por e.mail para juracuca@gmail.com )
-[1]
Traduzido do inglês por Jandira Soares
Pimental - de texto encontrado na internet - The Life o four Holy Mother Mary of Egypt
(Vida de nossa Santa Mãe Maria do Egito), tradução de Jandira Soares Pimental - http://www.ocf.org/OrthodoxPage/reading/st.mary.html
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