Santo Agostinho diz: "Do olhar nasce o
pensamento, e do pensamento a concupiscência". Se Eva não tivesse olhado
para o fruto proibido, não teria pecado; ela, porém, achou gosto em
contemplá-lo, parecendo-lhe bom e belo; apanhou-o então, e fez-se culpada da
desobediência.
Aqui vemos como o demônio nos tenta primeiramente
a olhar, depois a desejar e, finalmente, a consentir. Por isso nos assegura São
Jerônimo que o demônio só necessita de nosso começo: dá-se por satisfeito se
lhe abrimos a metade da porta, pois ele saberá conquistar a outra metade. Um
olhar voluntário, lançado a uma pessoa do outro sexo, acende uma faísca
infernal que precipita a alma na perdição. "As primeiras setas que ferem
as almas castas, diz São Bernardo (De mod. ben. viv., serm. 23), e não raro as
matam, entram pelos olhos". Por causa dos olhos caiu Davi, esse homem
segundo o coração de Deus. Por causa dos olhos caiu Salomão, esse instrumento
do Espírito Santo. Por causa dos olhos, quantas almas não se perderam
eternamente?
Vigie, pois, cada um sobre seus olhos, se não
quiser chorar uma vez com Jeremias: "Meus olhos me roubaram a vida"
(Jer 3, 51); as afeições criminosas que penetraram em meu coração por causa dos
meus olhares, lhe deram a morte. São Gregório diz (Mor. 1, 21, c. 2): "Se
não reprimires os olhos, tornar-se-ão ganchos do inferno, que a força nos
arrastarão e nos obrigarão, por assim dizer, a pecar contra a nossa
vontade". "Quem contempla objeto perigoso, acrescenta o Santo, começa
a querer o que antes não queria". É também o que diz a Sagrada Escritura
(Jdt 16, 11), quando diz que a bela Judite escravizou a alma de Holofernes,
apenas este a contemplou.
Sêneca diz que a cegueira é mui útil para a
conservação da inocência. Seguindo esta máxima, um filósofo pagão arrancou-se
os olhos para guardar a castidade, como nos refere Tertuliano. Isso, porém, não
é lícito a nós, cristãos; se queremos conservar a castidade, devemos, contudo,
fazer-nos cegos por virtude, abstendo-nos de olhar o que possa despertar em nós
os maus pensamentos. "Não contemples a beleza alheia; disso origina-se a concupiscência,
que queima como o fogo" (Ecli 9, 8). À vista seguem-se as imaginações
pecaminosas, que acendem o fogo impuro.
São Francisco de Sales dizia: "Quem não
quiser que o inimigo penetre na fortaleza, deve conservar as portas
fechadas". Por essa razão foram os Santos tão cautelosos em seus olhares.
Por temor de enxergarem inesperadamente qualquer objeto perigoso, conservavam
os olhos quase sempre baixos, e se abstinham de olhar coisas inteiramente
inocentes. São Bernardo, depois de um ano inteiro no noviciado, não sabia ainda
se o teto de sua cela era plano ou abobadado. Na igreja do convento havia três
janelas e ele não o sabia, porque conservara os olhos baixos. Evitavam os
Santos, com cautela maior ainda, pôr os olhos em pessoa de outro sexo. São
Hugo, bispo, nunca olhava para o rosto das mulheres com quem tinha de
conversar. Santa Clara nunca olhava para a face de um homem. Aconteceu uma vez
que, levantando os olhos para a Hóstia Sagrada, durante a Elevação, viu o rosto
do sacerdote, com o que ficou profundamente aflita.
Julgue-se agora quão grande é a imprudência e
temeridade dos que, não possuindo a virtude dum desses Santos, ousam passear
suas vistas em todas as pessoas, não excetuando as de outro sexo, e querendo
ainda ficar livre de tentações e do perigo de pecar. São Gregório diz (Dial.
1.2, c. 2) que as tentações que levaram São Bento a revolver-se sobre espinhos,
provieram de um olhar imprudente sobre uma senhora. São Jerônimo, achando-se na
gruta de Belém, onde continuamente orava e macerava seu corpo com as mais
atrozes penitências, foi por longo tempo atormentado pela lembrança das damas
que vira tempos antes em Roma. Como, pois, poderemos ficar preservados de
tentações, quando nos expomos ao perigo, olhando e até fitando complacentemente
pessoas de outro sexo?
O que nos prejudica não é tanto o olhar
casual como o premeditado, o mirar. Razão porque Santo Agostinho diz (Reg. ad
Serv. Dei, n. 6): "Se vossos olhos casualmente caírem sobre uma pessoa,
cuja vista vos pode ser prejudicial, guardai-vos, ao menos, de fitá-la". E
São Gregório diz: "Não é lícito contemplar ou extasiar-se com a vista
daquilo que não é lícito desejar, pois, ainda que expulsemos os maus
pensamentos que costumam seguir o olhar voluntário, deixam sempre uma mancha na
alma". Tendo-se perguntado ao irmão Rogério, franciscano, dotado de uma
pureza angélica, por que se mostrava tão reservado em seus olhares, quando
tratava com mulheres, respondeu: "Se o homem foge à ocasião, Deus o
protege; se se expõe a ela, Nosso Senhor o abandona e facilmente cairá no
pecado".
Suposto mesmo que a liberdade que se concede
aos olhos não produzisse outros males, impediria sempre o recolhimento da alma
durante a oração; pois tudo o que vimos e nos impressionou, apresenta-se aos
olhos de nossa alma e nos causa uma imensidade de distrações. Quem já tem
recolhimento de espírito durante a oração, tome muito cuidado para não se ver
privado dessa graça dando liberdade a seus olhos.
Está fora de dúvida que um cristão que vive
sem recolhimento de espírito não pode praticar as virtudes cristãs da
humildade, da paciência, da mortificação, como deveria. Guardemo-nos, por isso,
de olhares curiosos, e só olhemos para objetos que elevam para Deus o nosso
espírito. "Olhos baixos elevam o coração para o Céu", dizia São
Bernardo. São Gregório Nazianzeno (Ep. ad Diocl.) escreve: "Onde habita
Cristo com Seu amor, reina aí a modéstia". Com isso não quero, porém,
dizer que nunca se deva levantar os olhos ou considerar coisa alguma; pelo
contrário, é até bom, às vezes, olhar coisas que elevam nosso coração para
Deus, como santas imagens, prados floridos, etc, já que a beleza dessa criatura
nos atrai à contemplação do Criador.
Deve-se notar também que a modéstia dos olhos
é necessária não só para nosso próprio bem, como para a edificação do próximo.
Só Deus vê o nosso coração; os homens vêem apenas nossas obras externas e, ou
se edificam, ou se escandalizam com elas. "Pelo rosto se conhece o
homem", diz a Escritura (Ecli 19, 26), isto é, pelo exterior se depreende
o que é o homem interiormente. Todo cristão, por isso, deve ser o que era São
João Batista, conforme as palavras do Salvador (Jo 5, 35): "Uma lâmpada
que arde e ilumina". Interiormente deve arder em amor divino;
exteriormente, alumiar, pela modéstia, a todos os que o vêem. Também a nós se
podem aplicar as palavras que São Paulo dirigiu a seus discípulos (I Cor 4, 9):
"Somos o espetáculo dos anjos e dos homens". "A vossa modéstia
seja conhecida de todos os homens" (Filip 4, 5).
Pessoas devotas são observadas pelos anjos e
pelos homens, e, por isso, sua modéstia deve ser notória a todos, do contrário,
deverão dar rigorosas contas a Deus no dia do Juízo. Observando a modéstia,
edificamos sumamente os outros e os estimulamos à prática da virtude.
É celebre o que se conta de São Francisco de
Assis: Uma vez deixou ele o convento junto a uma companheiro, dizendo que ia
pregar; tendo dado uma volta pela cidade com os olhos baixos, entrou novamente
no convento. 'Mas quando farás o sermão?', perguntou-lhe o companheiro. 'Já o
fiz, respondeu-lhe o Santo, consistiu todo no resguardo dos olhos, do que demos
exemplo ao povo'.
Santo Ambrósio diz que a modéstia das pessoas
virtuosas é uma exortação mui poderosa ao coração dos mundanos. "Quão belo
não seria se bastasse te apresentares em público para fazeres bem aos
outros!" (In ps. 118, s. 10). De São Bernardino de Sena se conta que,
mesmo antes de entrar para o convento, bastava só a sua presença para pôr fim
às conversas livres de seus companheiros; mal o avistavam, diziam uns para os
outros: Silêncio, Bernardino vem vindo; e então calavam-se ou começavam a falar
de outras coisas. Santo Efrém, segundo o testemunho de São Gregório de Nissa,
era tão modesto, que já a sua vista estimulava à devoção, e não se podia vê-lo
sem se sentir levado a se tornar melhor. Mais admirável ainda é o que nos
refere Suvio, do santo sacerdote e mártir Luciano: só por sua modéstia moveu
muitos pagãos a abraçarem a santa Fé. O imperador Maximiano, que fôra disso
informado, temendo sentir a sua influência e ser obrigado a converter-se,
citou-o à sua presença, mas não quis vê-lo, e sujeitou-o ao interrogatório
ocultando-o a suas vistas por uma cortina estendida entre os dois.
Nosso ideal mais perfeito de modéstia foi,
porém, o nosso Divino Salvador mesmo, pois, como nota um célebre autor, os
Evangelistas dizem, várias vezes, que o Redentor levantou os olhos em certas
ocasiões, dando a entender, com isso, que tinha ordinariamente os olhos baixos.
Por isso exalta o Apóstolo a modéstia de seu Divino Mestre, escrevendo a seus
discípulos: "Rogo-vos pela mansidão e modéstia de Cristo" (II Cor 10,
1).
Concluo com as palavras de São Basílio a seus
monges: "Se quisermos que nossa alma tenha suas vistas sempre postas no
Céu, filhos queridos, conservemos nossos
olhos sempre voltados para a terra". De manhã, ao despertar, devemos já
pedir, com o Profeta: "Afastai meus olhos, Senhor, para que não vejam a
vaidade" (Sl 118, 37). (Capítulo III do “Tratado da Castidade”, de Santo
Afonso Maria de Ligório, onde consta uma doutrina mais perfeita sobre o
assunto. Pureza, Castidade, Virgindade, são virtudes afins que o Santo trata
sob o mesmo enfoque).
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