Passou desapercebido para a maior parte dos leitores um fato que constitui o desenrolar de um pungente drama individual e dinástico, ao lado da grande tragédia da Revolução Espanhola.
A notícia foi lacônica. Informou
apenas que a ex-Imperatriz Zita se dirigiu a San Sebastian, na Espanha,
acompanhada do Príncipe Xavier de Bourbon.
Para os iniciados, porém, ela tem um
sentido profundo.
A Imperatriz Zita é tia do Príncipe
Xavier de Bourbon. E o Príncipe Xavier é atualmente um dos trunfos mais
influentes da política espanhola.
Em meados do século passado, por
razões dinásticas que seria supérfluo mencionar, a casa real da Espanha
bifurcou-se em dois ramos. De um deles, que se manteve no poder até há pouco,
descende Afonso XIII. Do outro ramo, descende o Príncipe Xavier de Bourbon.
Ambos os ramos reivindicam para si o direito de ocupar o trono da Espanha. O
ramo de Afonso XIII era liberal. O ramo do Príncipe Xavier, que chefiava o
famoso partido carlista, era anti-liberal e profundamente católico. A este
último ramo, diversas províncias da Espanha conservaram uma fidelidade
comovedora. Especialmente, destacou-se nisto a heróica Navarra. E quando foi
preciso revolucionar a Espanha, Franco pediu o auxílio dos partidários do
Príncipe Xavier, que se levantaram em massas, constituindo o famoso exército de
“requetés”, que marcha ao combate contra os comunistas, entoando hinos à Virgem
Santíssima e à monarquia. É um imenso exército de cem mil homens, cada um dos
quais é um herói disposto a morrer pela Espanha e pela Igreja.
O que caracteriza os “requetés” é uma
inquebrantável disciplina ao Chefe da dinastia a que juraram fidelidade. Uma
simples palavra de sua parte é suficiente para determinar os “requetés” a
tomarem qualquer medida, por mais extremada que seja, no terreno político ou
militar.
Acontece, porém, que o Príncipe Xavier
é novo no difícil “mister” de Pretendente. Há pouco tempo que é herdeiro do
Trono de Espanha, pois que herdou quase inesperadamente este direito do antigo
Pretendente, o octogenário Príncipe Dom Afonso Carlos de Áustria e Este, que
morreu sem descendência direta.
A imensa força política constituída pelos “requetés” parecia, pois, ameaçada de ficar sem direção, prejudicando assim as possibilidades de restauração da monarquia na Espanha.
PALADINO DE TRÊS TRONOS
É aí que surge a figura heróica e
quase novelesca da Imperatriz Zita da Áustria-Hungria.
Vendo perigar os direitos de seu
sobrinho, essa ex-soberana não hesita em atirar-se na fogueira do turbilhão
revolucionário, dirigindo-se à Espanha para influir diretamente no rumo dos
acontecimentos, parlamentando com diplomatas e generais, banqueiros e
políticos, como se fosse ela própria pretendente ao Trono tradicional e glorioso
de Isabel, a Católica.
A ex-Imperatriz Zita é uma figura que
se tem imposto à admiração de todos os políticos europeus pelo vigor
infatigável com que prossegue nas incessantes tentativas para a restauração do
Trono de seu filho, o Arquiduque Otto de Habsburg.
Casada com o Imperador Carlos I da
Áustria, a Imperatriz Zita foi destronada em 1918. Exilada na Suíça com seu
esposo, ela organizou duas expedições armadas à Hungria, que fracassaram pela
força das circunstâncias e pela pusilanimidade de Carlos I, com grande mágoa da
belicosa soberana.
Depois da 2ª tentativa de restauração
monárquica na Hungria, a família imperial austríaca foi expulsa para a Ilha da
Madeira, onde o Imperador Carlos morreu tuberculoso na mais absoluta miséria.
Paupérrima, a ex-soberana se viu, de
um momento para outro, colocada como viúva sem amparo, à testa da educação de
seus pequenos filhos, reduzidos à mais absoluta indigência.
Foi então que se lhe estendeu a mão
amistosa de Afonso XIII, que a acolheu na Espanha, dando-lhe por residência um
castelo condigno de sua alta situação.
Durante alguns anos, Zita não deu a
falar de si. Mal o Arquiduque Otto saiu da infância para a mocidade, a
irrequieta soberana começa novamente a se movimentar. Mudou-se para a Bélgica,
onde Alberto I lhe deu um castelo. O Governo austríaco restitui-lhe grande
parte da fortuna antiga, confiscada pela República. E o partido monarquista da
Áustria começa novamente a medrar, sob a alta orientação da Imperatriz, a ponto
de fazer dela um dos mais importantes trunfos da política da Europa Central.
Tudo, pois, recomeçava a sorrir na
vida da desditosa soberana. Voltara-lhe a fortuna. Voltara-lhe a influência.
Seu filho, já agora um adolescente de grande formosura e alto preparo
intelectual, auxiliava eficientemente seus planos. E a restauração monárquica
na Áustria a na Hungria começava a parecer cada vez mais próxima.
Nesta situação risonha, abre-se a
fogueira espanhola. E a Imperatriz Zita não hesitou em brincar mais uma vez com
o fogo da política...
Paladina da restauração das
tradicionais coroas da Áustria e da Hungria para o seu filho, ela começa agora
a trabalhar pela restauração de seu sobrinho.
Não é difícil que um insucesso amargo
venha coroar de espinhos os esforços da Imperatriz.
Entretanto, quando um dia se fizer a
história de nosso século, os historiadores se inclinarão com respeito diante
dessa figura excepcional de mulher que, tendo caído do alto do trono mais
antigo da Europa, reergueu-se corajosamente para enfrentar os acontecimentos
que lhe eram adversos. Soube ela fazer pela causa da monarquia na Europa, a
qual é absolutamente dedicada por um puro idealismo e não por um interesse
vulgar, muito mais do que os inúmeros soberanos, ex-soberanos ou pretendentes
do mundo inteiro.
Ela é, neste século de materialismo
grosseiro, uma figura enérgica e idealista, que merece o maior respeito de
todos os observadores.
É possível que com o eventual
insucesso de seus esforços, a dinastia dos Habsburg desapareça inteiramente da
História. Mas se isto se der, a Imperatriz Zita terá sido um feixo de ouro na
série dos soberanos austríacos, em nada inferior às grandes tradições de Carlos
V, Felipe II e Maria Teresa.
E se, pelo contrário, ela conseguir
seus objetivos, a História a aclamará como uma das maiores realizadoras, no
século dos super-homens, dos estados fortes, das “camorras internacionais”,
etc.
Muito diversa é a história dos
Hohenzollern.
Atirado à Holanda pelos sucessos que
determinaram a queda do Império Alemão, o ex-Kaiser Guilherme II não teve de
lutar muito contra a miséria. Nunca lhe faltou, como a Zita, um teto condigno
de sua posição. Mais tarde, o Governo alemão lhe restituiu sua imensa fortuna,
e ele passou a ser um dos homens mais ricos da Europa. Em seu castelo de Doorn,
mantém uma pequena corte, e um luxo principesco. De costumes pessoais muito
austeros, o Kaiser nunca forneceu matéria para o noticiário sensacional das
agências telegráficas, que tanto se ocupam com o Duque de Windsor e o
Conde de Covadonga. Mas sua vida de exilado tem decorrido sem lances heróicos.
O antigo general que figurava à testa de imensos exércitos nas grandes paradas
alemãs, parece ter perdido inteiramente sua fibra de guerreiro.
É certo que os partidários da
monarquia, na Alemanha, não cessam de trabalhar.
Mas as monarquias foram, na Alemanha,
vítimas de um “bluf” que não
iludiu a fina diplomacia da Imperatriz Zita e dos católicos austríacos.
Este “bluf” foi o hitlerismo. Hitler, até subir
no poder, alimentou as esperanças dos monarquistas com vivos ataques à
democracia liberal, e com vagas frases de simpatia ao antigo regime.
Os príncipes da Casa dos Hohenzollern
se deixaram enlear por essa manobra. Alguns deles se inscreveram nas fileiras
nazistas e chegaram a ocupar, sob o comando do ex-pintor Adolph Hitler, altos
postos na Hierarquia do partido. Houve tempo em que o ex-Kronprinz era figura
obrigatória em todas as paradas e desfiles nazistas.
Muita gente supunha - e os
Hohenzollern mais do que ninguém - que a restauração da monarquia estava por
pouco.
Mas Hitler subiu ao poder. E em lugar
da política de Monk, adotou a de Cromwell, exceção feita da decapitação. A
restauração foi tardando. Aos poucos, o Kronprinz foi sendo posto à margem.
Medidas socialistas começaram a ameaçar os proprietários de terras, quase todos
aristocratas fiéis à monarquia. Enquanto isto, os grande industriais ligados à
finança internacional ficavam com as mãos livres.
Finalmente o hitlerismo se definiu:
era anti-liberal, mas não anti-democrático. Do tríptico da Revolução Francesa
consentia em suprimir a liberté. Nunca, porém, a égalité.
Ora, quem fala em igualdade fala em
supressão de privilégios. E, portanto, em proscrição da aristocracia e combate
à monarquia.
Com isto, o hitlerismo arrancou a
máscara que vinha usando para iludir os monarquistas. Guilherme II percebeu que
o trono estava bem distante de suas mãos.
É provável que um véu de melancolia se
tenha estendido, então, sobre a velhice desse imperial ancião. Deixando-se
iludir por Hitler, ele consentiu em que seus partidários abraçassem o nazismo.
E o nazismo empolgou de tal maneira os monarquistas, que muitos deles
abandonaram definitivamente o I Reich pelo III Reich.
Menos enérgico do que Zita, Guilherme
II nunca soube tentar um golpe de Estado, ou ao menos instigar à distância seus
partidários a que o fizessem. Apenas se assinala um movimento na Baviera, de
proporções insignificantes.
Menos hábil, Guilherme II se deixou
iludir pelos nazistas, enquanto os monarquistas austríacos moviam guerra de
morte ao fascismo que se infiltrava na Áustria, percebendo nele o lobo
socialista sob a pele do cordeiro reacionário.
E a dinastia dos Hohenzollern vê
afastar-se, na bruma das complicações políticas, as melhores possibilidades de
restauração.
Esses erros têm desgostado
profundamente os monarquistas alemães. E muitos pensam em substituir a dinastia
dos Hohenzollern pela dos Wittelsbach, que reinavam na Baviera.
Com isto, o trono iria parar nas mãos
do cavalheiresco e heróico príncipe Ruprecht da Baviera, um dos grandes heróis
de guerra, popularíssimo na Alemanha.
E os Hohenzollern cairiam em uma
penumbra definitiva.
(Plínio Corrêa de Oliveira - “Legionário”, N.° 247, 6 de junho de 1937)
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