sexta-feira, 21 de outubro de 2022

O DESTINO TRÁGICO DE DUAS GRANDES DINASTIAS

 


Passou desapercebido para a maior parte dos leitores um fato que constitui o desenrolar de um pungente drama individual e dinástico, ao lado da grande tragédia da Revolução Espanhola.

A notícia foi lacônica. Informou apenas que a ex-Imperatriz Zita se dirigiu a San Sebastian, na Espanha, acompanhada do Príncipe Xavier de Bourbon.

Para os iniciados, porém, ela tem um sentido profundo.

A Imperatriz Zita é tia do Príncipe Xavier de Bourbon. E o Príncipe Xavier é atualmente um dos trunfos mais influentes da política espanhola.

Em meados do século passado, por razões dinásticas que seria supérfluo mencionar, a casa real da Espanha bifurcou-se em dois ramos. De um deles, que se manteve no poder até há pouco, descende Afonso XIII. Do outro ramo, descende o Príncipe Xavier de Bourbon. Ambos os ramos reivindicam para si o direito de ocupar o trono da Espanha. O ramo de Afonso XIII era liberal. O ramo do Príncipe Xavier, que chefiava o famoso partido carlista, era anti-liberal e profundamente católico. A este último ramo, diversas províncias da Espanha conservaram uma fidelidade comovedora. Especialmente, destacou-se nisto a heróica Navarra. E quando foi preciso revolucionar a Espanha, Franco pediu o auxílio dos partidários do Príncipe Xavier, que se levantaram em massas, constituindo o famoso exército de “requetés”, que marcha ao combate contra os comunistas, entoando hinos à Virgem Santíssima e à monarquia. É um imenso exército de cem mil homens, cada um dos quais é um herói disposto a morrer pela Espanha e pela Igreja.

O que caracteriza os “requetés” é uma inquebrantável disciplina ao Chefe da dinastia a que juraram fidelidade. Uma simples palavra de sua parte é suficiente para determinar os “requetés” a tomarem qualquer medida, por mais extremada que seja, no terreno político ou militar.

Acontece, porém, que o Príncipe Xavier é novo no difícil “mister” de Pretendente. Há pouco tempo que é herdeiro do Trono de Espanha, pois que herdou quase inesperadamente este direito do antigo Pretendente, o octogenário Príncipe Dom Afonso Carlos de Áustria e Este, que morreu sem descendência direta.

A imensa força política constituída pelos “requetés” parecia, pois, ameaçada de ficar sem direção, prejudicando assim as possibilidades de restauração da monarquia na Espanha.


PALADINO DE TRÊS TRONOS


É aí que surge a figura heróica e quase novelesca da Imperatriz Zita da Áustria-Hungria.

Vendo perigar os direitos de seu sobrinho, essa ex-soberana não hesita em atirar-se na fogueira do turbilhão revolucionário, dirigindo-se à Espanha para influir diretamente no rumo dos acontecimentos, parlamentando com diplomatas e generais, banqueiros e políticos, como se fosse ela própria pretendente ao Trono tradicional e glorioso de Isabel, a Católica.

A ex-Imperatriz Zita é uma figura que se tem imposto à admiração de todos os políticos europeus pelo vigor infatigável com que prossegue nas incessantes tentativas para a restauração do Trono de seu filho, o Arquiduque Otto de Habsburg.

Casada com o Imperador Carlos I da Áustria, a Imperatriz Zita foi destronada em 1918. Exilada na Suíça com seu esposo, ela organizou duas expedições armadas à Hungria, que fracassaram pela força das circunstâncias e pela pusilanimidade de Carlos I, com grande mágoa da belicosa soberana.

Depois da 2ª tentativa de restauração monárquica na Hungria, a família imperial austríaca foi expulsa para a Ilha da Madeira, onde o Imperador Carlos morreu tuberculoso na mais absoluta miséria.

Paupérrima, a ex-soberana se viu, de um momento para outro, colocada como viúva sem amparo, à testa da educação de seus pequenos filhos, reduzidos à mais absoluta indigência.

Foi então que se lhe estendeu a mão amistosa de Afonso XIII, que a acolheu na Espanha, dando-lhe por residência um castelo condigno de sua alta situação.

Durante alguns anos, Zita não deu a falar de si. Mal o Arquiduque Otto saiu da infância para a mocidade, a irrequieta soberana começa novamente a se movimentar. Mudou-se para a Bélgica, onde Alberto I lhe deu um castelo. O Governo austríaco restitui-lhe grande parte da fortuna antiga, confiscada pela República. E o partido monarquista da Áustria começa novamente a medrar, sob a alta orientação da Imperatriz, a ponto de fazer dela um dos mais importantes trunfos da política da Europa Central.

Tudo, pois, recomeçava a sorrir na vida da desditosa soberana. Voltara-lhe a fortuna. Voltara-lhe a influência. Seu filho, já agora um adolescente de grande formosura e alto preparo intelectual, auxiliava eficientemente seus planos. E a restauração monárquica na Áustria a na Hungria começava a parecer cada vez mais próxima.

Nesta situação risonha, abre-se a fogueira espanhola. E a Imperatriz Zita não hesitou em brincar mais uma vez com o fogo da política...

Paladina da restauração das tradicionais coroas da Áustria e da Hungria para o seu filho, ela começa agora a trabalhar pela restauração de seu sobrinho.

Não é difícil que um insucesso amargo venha coroar de espinhos os esforços da Imperatriz.

Entretanto, quando um dia se fizer a história de nosso século, os historiadores se inclinarão com respeito diante dessa figura excepcional de mulher que, tendo caído do alto do trono mais antigo da Europa, reergueu-se corajosamente para enfrentar os acontecimentos que lhe eram adversos. Soube ela fazer pela causa da monarquia na Europa, a qual é absolutamente dedicada por um puro idealismo e não por um interesse vulgar, muito mais do que os inúmeros soberanos, ex-soberanos ou pretendentes do mundo inteiro.

Ela é, neste século de materialismo grosseiro, uma figura enérgica e idealista, que merece o maior respeito de todos os observadores.

É possível que com o eventual insucesso de seus esforços, a dinastia dos Habsburg desapareça inteiramente da História. Mas se isto se der, a Imperatriz Zita terá sido um feixo de ouro na série dos soberanos austríacos, em nada inferior às grandes tradições de Carlos V, Felipe II e Maria Teresa.

E se, pelo contrário, ela conseguir seus objetivos, a História a aclamará como uma das maiores realizadoras, no século dos super-homens, dos estados fortes, das “camorras internacionais”, etc.

Muito diversa é a história dos Hohenzollern.

Atirado à Holanda pelos sucessos que determinaram a queda do Império Alemão, o ex-Kaiser Guilherme II não teve de lutar muito contra a miséria. Nunca lhe faltou, como a Zita, um teto condigno de sua posição. Mais tarde, o Governo alemão lhe restituiu sua imensa fortuna, e ele passou a ser um dos homens mais ricos da Europa. Em seu castelo de Doorn, mantém uma pequena corte, e um luxo principesco. De costumes pessoais muito austeros, o Kaiser nunca forneceu matéria para o noticiário sensacional das agências telegráficas, que  tanto se ocupam com o Duque de Windsor e o Conde de Covadonga. Mas sua vida de exilado tem decorrido sem lances heróicos. O antigo general que figurava à testa de imensos exércitos nas grandes paradas alemãs, parece ter perdido inteiramente sua fibra de guerreiro.

É certo que os partidários da monarquia, na Alemanha, não cessam de trabalhar.

Mas as monarquias foram, na Alemanha, vítimas de um bluf que não iludiu a fina diplomacia da Imperatriz Zita e dos católicos austríacos.

Este bluf foi o hitlerismo. Hitler, até subir no poder, alimentou as esperanças dos monarquistas com vivos ataques à democracia liberal, e com vagas frases de simpatia ao antigo regime.

Os príncipes da Casa dos Hohenzollern se deixaram enlear por essa manobra. Alguns deles se inscreveram nas fileiras nazistas e chegaram a ocupar, sob o comando do ex-pintor Adolph Hitler, altos postos na Hierarquia do partido. Houve tempo em que o ex-Kronprinz era figura obrigatória em todas as paradas e desfiles nazistas.

Muita gente supunha - e os Hohenzollern mais do que ninguém - que a restauração da monarquia estava por pouco.

Mas Hitler subiu ao poder. E em lugar da política de Monk, adotou a de Cromwell, exceção feita da decapitação. A restauração foi tardando. Aos poucos, o Kronprinz foi sendo posto à margem. Medidas socialistas começaram a ameaçar os proprietários de terras, quase todos aristocratas fiéis à monarquia. Enquanto isto, os grande industriais ligados à finança internacional ficavam com as mãos livres.

Finalmente o hitlerismo se definiu: era anti-liberal, mas não anti-democrático. Do tríptico da Revolução Francesa consentia em suprimir a liberté. Nunca, porém, a égalité.

Ora, quem fala em igualdade fala em supressão de privilégios. E, portanto, em proscrição da aristocracia e combate à monarquia.

Com isto, o hitlerismo arrancou a máscara que vinha usando para iludir os monarquistas. Guilherme II percebeu que o trono estava bem distante de suas mãos.

É provável que um véu de melancolia se tenha estendido, então, sobre a velhice desse imperial ancião. Deixando-se iludir por Hitler, ele consentiu em que seus partidários abraçassem o nazismo. E o nazismo empolgou de tal maneira os monarquistas, que muitos deles abandonaram definitivamente o I Reich pelo III Reich.

Menos enérgico do que Zita, Guilherme II nunca soube tentar um golpe de Estado, ou ao menos instigar à distância seus partidários a que o fizessem. Apenas se assinala um movimento na Baviera, de proporções insignificantes.

Menos hábil, Guilherme II se deixou iludir pelos nazistas, enquanto os monarquistas austríacos moviam guerra de morte ao fascismo que se infiltrava na Áustria, percebendo nele o lobo socialista sob a pele do cordeiro reacionário.

E a dinastia dos Hohenzollern vê afastar-se, na bruma das complicações políticas, as melhores possibilidades de restauração.

Esses erros têm desgostado profundamente os monarquistas alemães. E muitos pensam em substituir a dinastia dos Hohenzollern pela dos Wittelsbach, que reinavam na Baviera.

Com isto, o trono iria parar nas mãos do cavalheiresco e heróico príncipe Ruprecht da Baviera, um dos grandes heróis de guerra, popularíssimo na Alemanha.

E os Hohenzollern cairiam em uma penumbra definitiva.

 

(Plínio Corrêa de Oliveira -  Legionário, N.° 247, 6 de junho de 1937)

 

 


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