I - Uma alma que consagra a Deus a sua virgindade torna-se uma esposa de Jesus Cristo, e por isso o Apóstolo não hesita em escrever (II Cor 11, 2): "Eu vos desposei com um Esposo, com Cristo, para vos apresentar a Ele como virgem pura". Jesus Cristo mesmo se dá como Esposo das virgens, na parábola das dez virgens: "Saíram ao encontro do Esposo... e entraram com Ele para as núpcias" (Mat 25, 10). O Divino Salvador deixa-se chamar pelos outros fiéis de Mestre, Pastor e Pai; quer, porém, ser chamado de Esposo pelas almas virgens. Esses desponsais com o Senhor, se realizam por meio da fé: "Eu me desposarei contigo pela fé" (Os 2, 20). A virtude da virgindade é um fruto especialíssimo dos merecimentos de Jesus Cristo, e por isso se diz, no Apocalipse (14, 4), que as virgens formam o cortejo do Cordeiro. A Santíssima Virgem revelou a uma alma devota que uma esposa de Jesus Cristo deve, acima de todas as virtudes, amar a pureza, porque ela a torna de modo especial semelhante a seu Divino Esposo. São Bernardo diz que todas as almas justas são esposas do Senhor, "mas de um modo particular vale isso das almas virgens", como nota Santo Antônio de Pádua. Por isso São Fulgêncio chama a Jesus Cristo o Esposo de todas as virgens consagradas a Deus.
Uma moça que quer permanecer no mundo e
casar-se, se é prudente, se informa com todo o cuidado a respeito dos que
solicitam a sua mão, para conhecer o mais digno e o mais capaz de torná-la feliz
aqui na terra. A pessoa religiosa, por sua vez, desposa-se, pelos votos, com
Nosso Senhor Jesus Cristo. Procuremos a esposa dos Cânticos, que sabe
perfeitamente avaliar as qualidades desse Esposo Divino, e perguntemos-lhe:
'Quem é o vosso amado, ó santa esposa? Quem é aquele que possui todo o vosso
coração e vos tornou a mais feliz das mulheres?' Ela responde: 'Meu Amado é
branco e vermelho: é branco por Sua pureza, e vermelho pela chama do amor em
que se abrasa por Sua esposa; em uma palavra, Ele é tão belo, tão perfeito em
todas as virtudes, que não há nem pode haver um outro esposo mais nobre ou mais
amoroso que Ele'. "Nem quem O iguale em Sua grandeza, nem em Sua beleza,
nem em Sua generosidade", diz Santo Euquério. Por isso escreve Santo
Inácio de Antioquia: "Aquelas bem-aventuradas virgens, que se consagraram
a Jesus Cristo, podem estar certas de que não encontrarão, nem no céu nem na
terra, um esposo tão belo, tão nobre, tão rico, tão amável como Aquele que lhes
foi dado, Jesus Cristo".
Santa Clara de Montefalco dizia que prezava
tanto sua virgindade, que antes quereria sofrer durante toda a sua vida as
penas do inferno, do que perder esse valioso tesouro. Com toda a razão, pois,
muitas virgens virtuosas renunciaram a casamentos principescos para permanecerem
esposas de Jesus Cristo. Santa Joana, infanta de Portugal, renunciou à mão de
Luís XI, rei da França; a Beata Inês de Praga, à do imperador Frederico II;
Isabel, filha do rei da Hungria e herdeira do reino, à de Henrique, arquiduque
da Áustria, e muitas outras procederam do mesmo modo.
Uma virgem que se consagra ao Senhor, diz
Teodoreto, está livre de todo o cuidado inútil. Não tem outra coisa a fazer
senão entreter-se contínua e familiarmente com Deus. Isso indica o Apóstolo
quando diz que a virgem "é santa no corpo e na alma" (I Cor 7, 34);
santa no corpo pela castidade, santa no espírito por seu comércio íntimo com
Deus. "Se ela não tivesse outra recompensa a esperar, diz Santo Anselmo,
só por estar livre dos cuidados seculares e não ter outra obrigação, já deveria
ser tida por sumamente feliz". Do que se vê que as virgens não só
receberão uma imensa glória no Céu, mas já serão recompensadas antecipadamente
aqui na terra, com uma paz inalterável.
As virgens que se consagram ao amor de Jesus
Cristo, ofertando-Lhe o lírio da pureza do coração, tornam-se tão agradáveis a
Deus como os Santos Anjos, - certamente um efeito sublime da castidade
virginal. Todas as virgens que buscam a perfeição são esposas queridas de Jesus
Cristo, porque Lhe consagraram seu corpo e sua alma, e nada mais buscam nesta
vida que agradar-Lhe. São João foi o discípulo amado de Jesus, porque guardou a
virgindade. Justamente por esse motivo amava-o Jesus mais que aos outros
discípulos, como a Igreja o insinua quando diz: "Foi escolhido como virgem
pelo Senhor, e mais amado que todos os outros".
As virgens são chamadas, na Sagrada
Escritura, as primícias de Deus: "São virgens; esses seguem o Cordeiro
aonde quer que Ele vá. Esses foram comprados dentre os homens, para serem as primícias
para Deus e para o Cordeiro" (Apoc 14, 4). Mas por que são chamados
primícias de Deus? O Cardeal Hugo responde: "Como os primeiros frutos são
mais agradáveis que os outros, assim também as virgens consagradas a Deus
agradam mais ao Coração deste e constituem o objeto de seu especial amor".
Diz-se ainda, na Sagrada Escritura, que o
Esposo Divino "se apascenta entre os lírios" (Cânt 2, 16). Esses
lírios representam as virgens que conservam sua pureza por amor de Deus. Um
expositor nota o seguinte nessa passagem dos Cânticos: "Enquanto o demônio
procura a imundície da impureza, Jesus Cristo se apascenta entre os lírios da
castidade".
O que, porém, deve aumentar consideravelmente
a nossos olhos o valor da virgindade, é o louvor extraordinário que lhe tece o
Espírito Santo, dizendo: "Tudo o que se aprecia não é comparável a uma
alma continente" (Ecli 26, 20). Isso mesmo nos deu a entender a Santíssima
Virgem, quando disse ao Arcanjo que Lhe anunciava a divina maternidade:
"Como se dará isso, se não conheço varão?" (Lc 1, 14). Maria, com
essas palavras, mostrou que preferiria renunciar à dignidade de Mãe de Deus, a
perder o tesouro de Sua virgindade. Segundo São Cipriano, a pureza virginal é a
rainha de todas as virtudes e o complemento de todos os bens. Santo Efrém
escreve que as virgens que guardam a sua pureza por amor de Jesus Cristo, serão
favorecidas por Ele em todos os pontos. São Bernardo acrescenta que a
virgindade habilita a alma, de um modo todo especial, a ver o Divino Esposo
nesta vida pela fé, e na outra pela luz da glória.
Imensa é a glória que Jesus Cristo prepara no
Céu às Suas esposas que na terra Lhe consagraram sua virgindade. Nosso Senhor
mostrou um dia à Sua grande serva Lucrécia Orsini os sublimes tronos que
ocuparão aqueles que serviram a Jesus Cristo em pureza virginal. Ao que
exclamou ela: "Oh! Quão agradáveis não são a Jesus e a Maria as
virgens!" Os teólogos afirmam que as virgens receberão no Céu uma auréola
especial, sendo ornadas com uma luzente coroa de honra e glória, pois se diz na
Sagrada Escritura, a respeito das virgens: "Ninguém podia cantar esse
cântico, senão aqueles cento e quarenta e quatro mil que foram comprados na
terra". Explicando essa passagem, diz Santo Agostinho que a glória que
Jesus Cristo concede às Virgens não
confere aos outros Santos.
II. Grande é a satisfação de Jesus Cristo
quando alguém se associa ao número de Suas esposas. Isso declaram aquelas
palavras dos Cânticos: "Vinde, ó filhas de Sião, e vede o rei Salomão com
o diadema com o qual o coroou sua mãe no dia de suas núpcias, no dia da alegria
de seu coração" (Cânt 3, 11). Isso, porém, vale só daquelas almas que se
consagraram sem restrição ao amor do Esposo Divino. Desposando Jesus uma tal
alma, quer que todo o Céu se alegre com Ele e entoe hinos de regozijo:
"Alegremo-nos e exultemos e demos-Lhe glória, porque são chegadas as bodas
do Cordeiro e Sua esposa está ornada" (Apoc 19, 7). Os ornatos com que
Jesus quer ver ataviadas Suas esposas são as virtudes, particularmente o amor e
a pureza, que são apresentadas nos Cânticos como coroas de prata e de ouro:
"Nós te faremos umas cadeias de ouro listradas de prata" (Cant 1,
10). São estas as vestes pomposas e as joias com que o Senhor atavia Suas
esposas, e das quais fala Santa Inês: "Ele circundou minha direita e meu
pescoço com um colar de pedras preciosas, revestiu-me com um hábito bordado a
ouro e ornado com artísticos relevos e deslumbrantes adornos".
Os seculares buscam coisas terrenas, mas as
esposas de Jesus Cristo nada mais querem senão Deus; por isso delas se pode
afirmar ao pé da letra: "Esta é a geração dos que buscam a Deus" (Sl
23, 6). "Ó esposas do Redentor, exclama São Tomás de Villanova, não deveis
buscar qual de vós sobrepuja as outras por seu nascimento, seus talentos ou
fortuna; examinai, antes, quem é mais agradável ao Esposo Divino, quem vive
unida mais intimamente a Ele, quem é mais humilde, pobre e obediente".
Ouçamos também o que diz o Espírito Santo: "Filho, quando entrares ao
serviço de Deus... prepara tua alma para a tentação" (Ecli 2, 1), para
sofreres com humildade e paciência, pois "o ouro e a prata se provam no
fogo, e os homens que Deus quer receber, na fornalha da humilhação" (Id.
v. 5). "Ninguém pode servir a dois senhores" (Mat 6, 24), a Deus e ao
mundo. quem, portanto, quiser consagrar-se a Deus deve renunciar ao mundo, e
quem quiser tornar-se esposa de Jesus Cristo deverá exclamar incessantemente:
"Deus só é todo o meu tesouro e meu único bem".
São José de Calazans diz que, se não se der a
Jesus todo o coração, não se Lhe deu nada. Isso é inteiramente verdade, porque
nosso coração já é em si muito pequeno para amar dignamente a um Deus que
merece um amor infinito; e esse pequeno coração deveria ainda ser dividido
entre Deus e as criaturas?
Como poderás, pois, tu, alma cristã, te
incomodares com o mundo, depois de te consagrares a Deus? Esquece de tudo o
mais e procura guardar o teu coração inteiro para teu Divino Esposo, que
escolheste para Lhe dedicares todo o teu amor. Eu disse: teu coração inteiro,
porque Jesus Cristo quer que Sua esposa seja "um jardim fechado e uma
fonte selada" (Cânt 4, 12); um jardim fechado, pois não deve receber a
ninguém mais senão a seu Divino Esposo; uma fonte selada, porque esse Divino
Esposo é zeloso e não permite que encontre entrada no coração de sua esposa
outro amor que o amor por Ele. Por isso diz-Lhe: "Quero que me coloques
como um selo sobre teu coração e sobre teu braço" (Cant 8, 6), para que a
ninguém mais ames senão a Mim, e para que todos os teus atos sejam feitos com a
única intenção de Me agradares. O Amado é colocado como um selo sobre o coração
e o braço, diz São Gregório, quando a alma mostra por sua vontade (isto é, o
coração) e por suas ações (isto é, o braço), quanto ama a seu celeste Esposo.
Quando o amor divino reina numa alma, expulsa
toda a afeição que não se refere a Deus, pois "o amor é forte como a
morte" (Id. it.). Como nada há que possa resistir à veemência da morte
quando é chegada a sua hora, assim também não há nenhum impedimento e nenhuma
dificuldade que não seja superada pelo amor divino, quando ele se apodera de um
coração. "Se um homem der todas as riquezas de sua casa, ele as desprezará
como se nada tivesse dado" (Id., v. 7). Um coração que ama a Deus,despreza
tudo o que lhe oferece e pode oferecer o mundo; numa palavra, ele despreza tudo
o que não é Deus. São Bernardo diz que Deus, como nosso Senhor, exige de nós
temor; como Pai, respeito; como Esposo, porém, unicamente amor.
A Venerável Francisca Farnese não conhecia
meio mais eficaz para estimular a si e às suas companheiras a tender à
perfeição, do que a recordação de que eram esposas de Jesus Cristo. Está fora
de dúvida, dizia ela, que cada uma de vós foi escolhida por Deus para se tornar
santa, pois que vos concedeu a grande honra de vos fazer Suas esposas. E, de
fato, é essa uma graça inapreciável, que exige uma fiel cooperação. Santo Agostinho escreveu a uma
virgem consagrada a Deus: "Tens um Esposo que é mais belo que tudo o que
existe no Céu e na terra, e que te deu um penhor seguro de Seu amor escolhendo-te
para Sua esposa. Podes concluir disso quão obrigada estás a pagar o Seu
amor". Ó esposa de Jesus Cristo, não te ocupes mais contigo e com o mundo;
não pertences mais ao mundo, nem a ti mesma, mas a Deus; e cuida unicamente em
viver para esse Esposo que escolheste.
Escolheste a Deus por Esposo, mas
primeiramente te escolheu o Senhor para Sua esposa. Quantas almas não deixou
Ele no mundo, não lhes concedendo os favores que a ti fez? O Salvador
preferiu-te a todas essas almas, não por seres mais digna, mas por te amar mais
que às outras. Por isso te diz o Senhor, pela boca do Profeta (Ez 16, 8), que o
tempo que te resta de vida é "um tempo para amar". Deves ligar-te a
Jesus, teu Esposo, com toda a tua confiança e, com todo o teu amor, prender-te
a Ele, que te amou desde a eternidade, que te criou por Sua bondade, e te
chamou a Seu santo amor por meio de tantas graças especiais. Por isso, se o
mundo solicitar o teu amor, ó esposa de Jesus Cristo, diz-lhe com Santa Inês:
"Aparta-te de mim, pábulo da morte. Desejas o meu amor, mas eu não posso
amar a mais ninguém do que a meu Deus, que me amou primeiro". "Porque
és a esposa de um Deus, diz São Jerônimo, reveste-te de um santo orgulho".
Os seculares se orgulham de sua união com pessoas nobres e ricas; tu, porém,
podes te gloriar de uma sorte muito melhor, porque te tornaste esposa de um Rei
Celeste. Dize, pois, cheia de alegria e santo orgu-lho: "Achei a quem meu
coração ama; prendê-lo-ei com meu amor e não O largarei mais" (Cant 3, 4).
De fato, é uma imensa felicidade para uma
virgem quando ela pode gloriar-se e dizer: "Aquele a quem os Anjos do Céu
desejam servir, é meu Esposo. Meu Criador escolheu-me para Sua esposa, e, como
Ele é o Rei e o Senhor do mundo, cingiu-me igualmente com uma coroa de rainha".
Deves saber, entretanto, ó esposa do Senhor
que lês esses louvores, que não possuis irrevogavelmente essa coroa enquanto
permaneceres aqui na terra; poderás perdê-la novamente por tua culpa; para que
ninguém ta roube, segura-a fortemente (Apoc 3, 11). Renuncia às criaturas,
une-te cada vez mais intimamente a Jesus Cristo pelo amor e pela oração, e
suplica-Lhe sem cessar que não permita que te tornes outra vez infiel. Deves
dizer-Lhe: Ó Jesus, meu divino Esposo, não permitais que me separe de Vós.
E quando as criaturas quiserem apoderar-se de
teu e daí expulsar Jesus Cristo, dize desassombradamente com o Apóstolo,
confiada na assistência divina: "Quem me separará do amor de Jesus Cristo?
Nem a morte, nem a vida, nem criatura alguma será capaz de nos separar do amor
de Deus" (Rom 8, 35). (Capítulo VI
do “Tratado da Castidade”, de Santo Afonso Maria de Ligório, onde consta uma
doutrina mais perfeita sobre o assunto. Pureza, Castidade, Virgindade, são
virtudes afins que o Santo trata sob o mesmo enfoque. Texto extraído de “Escola
da Perfeição Cristã”, compilação de textos do Santo Doutor Afonso Maria de
Ligório pelo padre Saint-Omer, CSSR, traduzido pelo pe. José Lopes, CSSR, quarta edição, Editora Vozez,
Petrópoles, 1955, págs. 186/204 e 338-343).
(Extraído de “A FELICIDADE ATRAVÉS DA CASTIDADE”, págs. 116/121
Desejando receber o texto integral desta obra, favor enviar mensagem para o
email juracuca@gmail.com – Juraci Josino Cavalcante)
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