- COMENTÁRIOS DE DR. PLINIO SOBRE A SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA (11) -
Nesta festa
da Apresentação de Nossa Senhora, gostaria de comentar algumas reflexões de São
Francisco de Sales a tal respeito, publicadas no livro “Os mais belos
textos sobre a Virgem”.
Assim se
exprime o Doutor Suavíssimo:
“É ato de
admirável simplicidade o desta gloriosa criança que, presa ao regaço de sua
mãe, agia como as outras crianças de sua idade, embora falasse já com
sabedoria. Ela ficou como um suave cordeiro junto a Santa Ana pelo espaço de
três anos, após os quais foi conduzida ao Templo, para ali ser ofertada como
Samuel, que também foi conduzido ao Templo por sua mãe e dedicado ao Senhor na
mesma idade.
“Ó meu
Deus, como desejaria poder representar vivamente a consolação e suavidade dessa
viagem, desde a casa de Joaquim até o Templo de Jerusalém! Que contentamento
demonstrava essa criança vendo chegar a hora que tanto desejara!
“Os que iam
ao Templo, para adorar e oferecer presentes à Divina Majestade, cantavam ao
longo da viagem. E, para essas ocasiões, o real profeta David compusera
expressamente um salmo, que a Santa Igreja nos faz repetir todos os dias no
Ofício Divino. Ele começa pelas palavras: Beati inmaculati in via. Bem-aventurados são
aqueles, Senhor, que na tua via (ou seja, na observância dos Mandamentos) caminham
sem mácula, sem mancha de pecado.
“Os
bem-aventurados São Joaquim e Santa Ana cantavam então esse cântico ao longo do
caminho, e com eles, nossa gloriosa Senhora e Rainha.
“Oh Deus,
que melodia! Como Ela a entoava mil vezes mais graciosamente que os Anjos! Por
isso ficaram estes de tal forma admirados que, aos grupos, vinham escutar essa
celeste harmonia. E os Céus, abertos, inclinavam-se nos alpendres da Jerusalém
celeste para olhar e admirar essa
amabilíssima criança. “Eu quis vos dizer isso, embora rapidamente, para
que tenhais com que vos entreter o resto desse dia considerando a suavidade
dessa Virgem. Também para que fiqueis
comovidos escutando esse cântico
divino que nossa gloriosa Princesa entoa tão melodicamente. E isso com os
ouvidos de nossa devoção, porque o muito feliz São Bernardo diz que a devoção é
o ouvido da alma.”
Admiráveis contrastes numa criança imaculada
O
fundamento teológico desse trecho de São Francisco de Sales — em que, aliás,
transparece toda a doçura e todo o suco dos escritos dele — é a Imaculada
Conceição de Nossa Senhora.
Ela,
concebida sem pecado original, desde o primeiro instante de seu ser foi isenta
de todas as limitações decorrentes da mancha que herdamos de Adão. Entre essas
carências está o fato de o homem nascer sem o uso da sua inteligência, o que só
ocorre mais tarde, à medida que ele cresce e se desenvolve. Em Nossa Senhora,
porém, essa regra não se verificou. É sentença corrente na Teologia que Ela,
tão logo foi concebida, teve imediato uso da sua inteligência, naturalmente
altíssima.
Esse
singular privilégio fazia com que, uma vez vinda ao mundo, se reunissem na
excelsa menina aspectos admiráveis e aparentemente contraditórios. De um lado,
possuía Ela, já naqueles primeiros passos de sua existência, uma capacidade de
contemplação que sobrepujava a dos maiores Santos da Igreja. Mas, de outro, Ela
mantinha uma postura de criança, não exteriorizando a perfeição de sua alma.
Desejava assim, por humildade, viver como uma menina comum, de maneira tal que,
quem tratasse com a pequena Maria, teria a impressão de estar em contato com
uma criança igual a todas — exceto por alguma expressão de olhar ou palavra
d’Ela.
Tal o Filho, tal a Mãe
O mesmo se
deu com Nosso Senhor Jesus Cristo, que queria ser nutrido, protegido e
custodiado como uma criança comum,
embora Ele fosse Deus, soberano Senhor e Rei do Céu e da Terra.
Quem poderá
imaginar, então, na vida quotidiana de Nossa Senhora e São José, o momento em
que era preciso aleitar o Menino-Deus? Ou em que era necessário trocar suas
roupinhas, e um dos dois O toma nos braços, reclina-O com todo o carinho sobre
uma mesa e começa a vesti-Lo? Sabendo que, unida à natureza humana daquela
criancinha que Lhe sorri, daquele menino que tudo entende, mas parece nada
entender, está a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, constantemente imersa
nas alegrias, nas grandezas, na majestade e nos esplendores divinos!
Quem poderá
imaginar a admiração e o aturdimento que tais contrastes despertavam em São
José e em Nossa Senhora!?
Pois bem,
algo disso se dava igualmente com São Joaquim e Santa Ana, em relação à sua
filha imaculada. Ainda que não tivessem conhecimento de que Ela estava
predestinada a ser a Mãe do Deus Humanado, certamente compreendiam ser uma
menina destinada a altíssima vocação em vista do Messias. Menina que, por
vontade própria, levava a vida de uma criancinha como as outras. Simples, cheia
de bondade e acessibilidade, deixando que os parentes a tomassem no colo, ou,
assim que o foi
capaz de fazer, servindo às visitas e dispensando pequenas atenções a todos.
Ela, Rainha incomparável, Soberana do Universo!
Cantando, a caminho do Templo
Nessas
condições, aos três anos de idade foi Nossa Senhora levada ao Templo por seus
pais. E, como já afirmamos, no caminho iam entoando cânticos e salmos compostos
pelo Rei David, obedecendo ao lindo costume dos judeus daquela época.
Como se
sabe, embora houvesse espalhadas pela Judéia inúmeras sinagogas onde eles se
reuniam para rezar e promover certos cultos, o Templo era um só, o de
Jerusalém. E os fiéis de todo o território judaico, e também os da Diáspora,
dispersos pelo mundo, iam periodicamente a Jerusalém para participar do
sacrifício do Templo. E para externar a alegria de se dirigir até o lugar onde
se manifestavam a glória e as consolações de Deus, ao lugar que representava o
vínculo entre o Céu e a terra, era bonito que eles fossem cantando. Como,
aliás, tantas vezes acontece em romarias católicas, nas quais o povo intercala
seguidamente preces e hinos religiosos.
Compraz-nos
imaginar os caminhos que conduziam à Cidade da Paz, nas épocas de visita
ao Templo, repletos de judeus chegados de
todos os lados, enchendo com seus cânticos os ares da terra judaica. Numa
dessas ocasiões encontravam-se entre eles São Joaquim, Santa Ana e a pequena
Maria. Sem dúvida, haveria de ser belo o cântico da menina, entoado com uma voz
inefável, repetindo o salmo que David, por inspiração do Espírito Santo,
compusera para tais circunstâncias:
“Bem-aventurados
os que se conservam sem mácula no caminho, os que andam na lei do Senhor. / Bem-aventurados os que
estudam os seus testemunhos, os que de todo o coração O buscam.” (Salmo 108) É
interessante notar que, com extraordinária finura de tato, São Francisco de
Sales não comenta a impressão que o canto de Nossa Senhora produziria nas
pessoas ao redor d’Ela. E isto porque, como a Santíssima Virgem não deixava
transparecer sua grandeza, era possível que Ela não cantasse com toda a
perfeição que estava a seu alcance. Na realidade, uma música cantada por Nossa
Senhora, sem as limitações intencionais impostas por Ela, teria de ser o cântico! Antes e depois
de Maria Virgem, excetuando Nosso Senhor Jesus Cristo, ninguém cantou nem igual
a Ela.
Mas, se não
era dado aos homens compreender a excelência das melodias entoadas por Nossa
Senhora, diz São Francisco de Sales que os Anjos a conheciam, e por isso se
punham a ouvir, extasiados, as
harmonias de alma com que Ela cantava. E São Francisco vai mais longe: compara
o Céu a uma cidade, a Jerusalém celeste, em cujos alpendres e terraços os Anjos
se debruçavam para contemplar Maria Santíssima cantando pelos caminhos da
Judéia. E essa visão os enchia de um gáudio inexprimível.
Ápice da história do Templo
A meu ver,
pensamento mais apropriado e mais bonito do que esse, só mesmo o que nos sugere
a entrada de Nossa Senhora no Templo de Jerusalém, o lugar mais abençoado da
terra, envolto em grandeza e majestade sacrais, e ainda habitado pela glória do
Pai Eterno.
Podemos
imaginar o estremecimento de alegria de todos os Anjos que pairavam no Templo,
ao verem Nossa Senhora entrando pela primeira vez na Casa do Altíssimo, como
uma Rainha entra naquilo que lhe é próprio; como uma jóia posta no escrínio
onde deve ser guardada!
Os
espíritos celestiais deviam saber, por revelação de Deus, ser aquele o momento
em que a grande história e, ao mesmo tempo, a grande tragédia do Templo iam se
iniciar. A história: em breve, o próprio Filho de Deus, nascido de Maria Imaculada,
entraria por aquelas sagradas paredes. A tragédia: o Templo ia recusar o
Messias. E o fim dessa história e dessa tragédia seriam — no magnífico dizer de
um autor eclesiástico (Bossuet) — as pompas fúnebres de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Ou seja, assim que Ele expirou, o Pai Eterno começou a preparar suas
exéquias: o céu se obscureceu, o sol se toldou, a terra e o Templo tremeram!
No caso
deste último, tenho a impressão de que os Anjos receberam ordem divina de
abandoná-lo ao poder dos demônios, e que estes fizeram ali uma espécie de festa
sacrílega, à maneira de cem mil gatos selvagens soltos naquele local,
praticando abominações de toda ordem e fazendo estremecerem as colunas do
outrora edifício sagrado.
Mas, apesar
de tudo, o Templo conheceu sua plenitude quando Maria atravessou uma vez mais
aqueles pórticos — que abandonara para se unir a São José — trazendo em seus
braços o Menino Jesus, o Esperado das nações. Mãe e Filho foram recebidos por
Ana e Simeão, representantes da fidelidade, os quais reconheceram Jesus como o
enviado por Deus. Estava fechado o elo entre os justos da Antiga Lei e a
promessa que se cumpria. Era o ápice da história do Templo de Jerusalém.
Ora, o
primeiro passo para esse auge foi realizado naquele momento em que Nossa
Senhora, menina de três anos, apresentou-se no Templo com seus pais. Quem
poderá descrever o que devem ter sentido nessa hora os Simeões e as Anas ali
presentes? E as graças, as fulgurações do Espírito Santo que se espargiram pelo
Templo nessa ocasião?
Sigamos, porém,
o conselho do suavíssimo São Francisco de Sales: conservemos todas essas cogitações em nossa alma, e, tanto quanto
possível, pensemos nelas serena e alegremente. Máxime nestes tempos agitados em
que vivemos. Nada mais recomendável do que, ao cabo de um dia de faina, nos
distendermos na consideração desses fatos: Nossa Senhora, São Joaquim e Santa
Ana a caminho do Templo, cantando pelas estradas da Judéia, enquanto nos
alpendres da Jerusalém Celeste os mais altos Anjos se debruçam, embevecidos com a alma
daquela menina.
(Transcrito da revista
“Dr. Plínio”, nº 20, novembro de 1999)
Nenhum comentário:
Postar um comentário