À
guisa de introdução, um pouco de recordações
Li pela primeira vez os "Exercícios
Espirituais" numa edição da qual eu gostava muito - a do Pe. Pinamonte,
jesuíta, cujos comentários apertam todas as cravelhas como se deve apertar. E
acho que muita gente não gostava, porque ele apertava realmente.
Eu estava então no terceiro ano da Faculdade
de Direito, tinha portanto 20 ou 21 anos. E encontrava-me no período que, de
algum modo, poder-se-ia chamar de minha conversão, ou seja, no período de
deixar uma vida, que graças a Deus era muito honesta, mas mundana, para
consagrar-me inteiramente à causa católica.
Eu fora aluno dos jesuítas, e tinha uma
admiração enorme pela lógica de Santo Inácio, que às vezes refulgia nas
argumentações deles. Entrei depois para a Faculdade de Direito, mas sempre
ficou, como uma luz nos meus olhos, que a lógica inaciana era a suprema lógica.
Indo à livraria [junto à igreja] do Coração
de Jesus, encontrei um livro de capa preta, e nela escrito assim:
"Exercícios Espirituaes de Sancto Ignacio de Loyola". Era uma edição
bem antiga. Achei que estava bom - desejava me converter - e comprei-o por uma
ninharia. Voltei para casa e pus-me a folheá-lo.
Quando vi toda aquela engrenagem lógica que
toma desde o princípio - são trinta exercícios -, eu me senti transportado de
entusiasmo diante de tanta coerência, portanto de tanta verdade e de tanta
força. Foi a única leitura na vida em que eu – tão calmo e tão fleumático –
sozinho no quarto, cheguei a bater com a mão na testa, de entusiasmo. Eu
considero os "Exercícios", no gênero, a última palavra. Uma perfeição
não apenas inexcedível, mas inigualável. Acho-os a última das últimas palavras.
Realmente, a meu ver, arma suprema.
O que Santo Inácio
tem em vista nos "Exercícios"
Segundo excelente tradição da Companhia de
Jesus, Santo Inácio compôs os "Exercícios Espirituais" num local
chamado Manresa, na Espanha, e quem os ditou foi Nossa Senhora. Realmente são
tão sábios, tão lógicos, tão excelentes, que não me espantaria que assim o
fosse.
Antes propriamente de desenvolver a
meditação, precisaria fazer uma introdução, para que ela seja bem entendida.
Primeiramente, cumpre esclarecer o que Santo Inácio de Loyola tem em vista ao
propô-la. Depois, quais os pressupostos históricos que ela comporta.
Nesta, como em todas as outras meditações,
ele visa por meio da lógica, da sensibilidade e da imaginação, mover
inteiramente o homem à prática da virtude, de maneira a estabelecer no espírito
da pessoa um bloqueio total, não deixando um aspecto sequer da mentalidade
humana que não se sinta convidado à prática da virtude e afastado do vício.
Ela é o contrário de certos locais onde
trata-se, não de fazer uma meditação principalmente lógica, para se chegar a
determinada conclusão, mas de produzir efeitos, de produzir impressões para,
por meio delas, levar a pessoa a uma atitude contrária à lógica das suas
convicções internas.
Aqui, não. É um exercício de caráter lógico:
trata-se de raciocinar. Santo Inácio raciocina como um jogador de xadrez. Quer
dizer, ele deixa completamente sem escapatória a pessoa que medita, desde que
seja católica (ele pressupõe católica a pessoa que faz a meditação). O
indivíduo é posto diante de tais raciocínios, que absolutamente não pode sair.
Fica inteiramente enleado, inteiramente cercado, e não tem outro caminho lógico
a não ser a virtude. De tal maneira que, se não o seguir, deverá concluir:
"sou sumamente ilógico".
A meditação, portanto, é logicamente ordenada
para esse efeito; isto é o que Santo Inácio tem em vista.
Mas, como não há ser humano que goste de
passar por ilógico - e com razão, porque é degradante ser ilógico - ele por
esta forma toca o homem, como uma alavanca.
Ao mesmo tempo, Santo Inácio imagina
situações e convida-nos a recompô-las em nossa sensibilidade, para
compreendermos que não se trata somente de coisa lógica, mas de algo que toca a
sensibilidade também.
O que tenho em vista
ao comentar os "Exercícios" de Santo Inácio
De minha parte, ao desenvolver a meditação,
tenho duas coisas em vista:
1) Ver até que ponto a lógica - mas a lógica
logicíssima - pega nas gerações que, com tanta vantagem para a causa católica,
seguem a TFP;
2) Mover os membros da TFP para os resultados
que Santo Inácio de Loyola tem em vista.
UMA
GUERRA PELO REINO DE CRISTO
Contexto histórico da
época de Santo Inácio
Uma das meditações que Santo Inácio cogita é
sobre o Reino de Cristo. Mas é necessário, para compreendê-la bem, dar os
pressupostos históricos, ver a época em que Santo Inácio viveu.
Santo Inácio viveu no século XVI, século de
transição entre o regime feudal da Idade Média e o de monarquia absoluta do Ancien Régime. Este último era uma
monarquia aristocrática, na qual os antigos senhores feudais dispunham de
alguma autoridade - não já a que possuíam na Idade Média, mas era ainda muita
autoridade - nos respectivos feudos. E naquela época os exércitos regulares,
tais como se concebe hoje, já existiam, mas eram pouco desenvolvidos, menos
desenvolvidos que hoje; quando arrebentava uma guerra, o exército regular
entrava em cena, mas entravam também os exércitos feudais. Essas forças
feudais, por sua vez, eram levantadas por nobres de vários baronatos, condados,
marquesados, ducados, entre voluntários nas respectivas terras, para irem
engrossar as fileiras do rei.
Havia, portanto, duas espécies de tropas: as
tropas inteiramente submissas ao rei e as tropas capitaneadas por nobres.
Quando uma guerra estava para arrebentar, ou
mesmo quando esta já estava declarada e as tropas reais dizimadas, o rei
mandava os nobres percorrerem os respectivos feudos e levantarem ali, por meio
de convicção, por meio de entusiasmo - apelando, portanto, para argumentos
racionais - o maior número possível de voluntários. O que se chama hoje
mobilização geral ainda não existia, de maneira que era necessário apelar para
a lógica a fim de arrastar a maior parte dos indivíduos à guerra.
O Divino Rei convoca
seus súditos para a divina guerra
Na meditação sobre o Reino de Cristo, Santo
Inácio imagina uma situação semelhante. Ele compara Nosso Senhor Jesus Cristo a
um rei terreno - se quiserem, o rei da Espanha, uma vez que ele era espanhol -
que está em guerra e se dirige a seus súditos, convidando-os a entrar na guerra
por Ele. Vejam que é uma situação espiritual, muito parecida com a situação
terrena existente no tempo dele.
Nosso Senhor convida então os fiéis para a
guerra ao lado dEle, com argumentos parecidos com os que os reis daquele tempo
convidavam, por meio dos nobres, seus súditos a participarem da guerra. Ele
toma a meditação com todo o raciocínio próprio ao engajamento militar daquele
tempo, e o transpõe para Nosso Senhor Jesus Cristo, que ele considera como Rei
da Igreja Militante.
A guerra divina
contra o demônio, o mundo e a carne
A Igreja, como sabem, divide-se em Gloriosa,
Penitente e Militante. A Gloriosa é constituída pelos fiéis que estão no Céu,
tanto os que foram diretamente para o Céu quanto os que passaram pelo
purgatório, ali resgatando os seus pecados e indo para o Céu. A Penitente é
constituída pelas pessoas que estão no purgatório, expiando suas faltas. E a
Militante é a que está na Terra, em luta contra o demônio, o mundo e a carne, que são os inimigos de Deus e
inimigos da Igreja.
Por demônio
entendem-se as hostes de anjos rebeldes condenados, que procuram arrastar os
homens para o inferno. Por carne, a
natureza do homem maculada pelo pecado original, que arrasta o homem para o
mal. E por mundo, as organizações,
partidos, seitas que querem impor na Terra uma civilização oposta à Civilização
Cristã; a Civilização Cristã ajuda os homens a praticarem os Mandamentos e se
salvarem; a civilização anticristã torna difícil a prática dos Mandamentos, e
faz com que os homens se percam. A primeira dá glória a Deus aqui na Terra; a
civilização pagã, ou anticristã, é um insulto a Deus já aqui na Terra.
A Igreja é militante porque luta pela
virtude, pela glória de Deus, pela Civilização Cristã. Esta é uma condição para
se dar glória a Deus e praticar a virtude: lutar contra o demônio, contra o
mundo - isto é, contra o gozo do mundo - e contra a sensualidade, quer dizer,
os prazeres impuros da carne. Portanto, contra todas as organizações, todas as
seitas que defendem a obra do demônio, do mundo e da carne.
Em nossos dias temos, portanto, duas lutas
máximas:
No campo
espiritual
- Primeiramente, na sociedade espiritual - a Igreja Católica - entre dois
estandartes: de um lado, os que são de verdade católicos, apostólicos, romanos,
ou seja, os que seguem a doutrina católica de todos os tempos; de outro, os
progressistas, que sob pretexto de melhorar a Religião Católica querem
alterá-la e transformá-la numa religião oposta à Religião pregada por Nosso
Senhor Jesus Cristo. Há então uma grande guerra dentro da Igreja Católica: a
guerra dos ortodoxos, isto é, dos que têm a boa doutrina, contra os católicos
progressistas.
No
campo temporal
- Na sociedade temporal - isto é, nos países, no Estado - temos uma grande luta
análoga. É a luta dos católicos contra os comunistas, que querem transformar a
sociedade civil em uma sociedade construída no desprezo das leis de Nosso
Senhor Jesus Cristo, negando assim todos os Mandamentos, negando mais
especialmente a instituição da família - portanto, a pureza, a castidade em
todos os seus aspectos, a prolificidade da família - de um lado; de outro lado,
negando a propriedade particular, e deste modo todos os princípios fundamentais
de justiça em matéria de haveres, em matéria de bens e de distribuição dos bens
da Terra.
Temos, portanto, essa luta de católicos na
Igreja e no Estado. Naturalmente, comunistas e progressistas se entendem. O
progressista simpatiza em matéria civil com o comunista; o comunista vê com
bons olhos o católico dito progressista, e detesta o católico verdadeiramente
contra-revolucionário [no sentido em que a palavra é utilizada na obra
“Revolução e Contra-Revolução”, a R-CR].
Em nossa época, temos então uma imensa guerra
que envolve a Terra. Não é uma guerra de tiros, não é uma guerra com efusão de
sangue, ao menos nos países do Ocidente. Na guerra do Vietnã, de algum modo
entra em cena essa questão, mas no Ocidente essa guerra não existe. Mas essa
guerra é pior do que se fosse de sangue: é uma guerra que divide as almas,
divide os espíritos, dilacera a humanidade em duas correntes.
SUBLIMIDADE
DESSA GUERRA SEGUNDO SANTO INÁCIO
Ponhamo-nos então na perspectiva de Santo Inácio
de Loyola, mas considerando a Igreja Militante.
Nosso Senhor Jesus Cristo que aparece, que é
Rei da Igreja Católica, que vem pedir-nos para entrarmos na Sua Guerra Santa -
dentro da Igreja contra o progressismo; dentro do Estado contra o comunismo - e
nos dirige um apelo para lutarmos, para não sermos homens moles, para não
sermos indiferentes a essa luta, para batalharmos com toda alma. Este é o tema
da meditação que ele nos propõe.
Santo Inácio, é claro, não fala em
progressismo. Como a meditação dele é para todos os tempos, ele se refere
genericamente ao mundo, ao demônio e à carne, que são a causa de todos os erros
em todos os tempos, os quais vão apenas mudando de nome.
No seu tempo o erro era o protestantismo,
apoiado pela posição de pessoas que se diziam católicas, mas no fundo
protestantes, e que trabalhavam pelo protestantismo dentro da Igreja Católica.
Tais pessoas tendiam, no terreno civil, a acabar com as desigualdades políticas
e sociais. Ou seja, eram precursoras da Revolução Francesa. Aqui, portanto,
damos de cheio no tema das três revoluções, da R-CR, etc.
A guerra que Jesus
Cristo veio trazer
Passo agora ao texto de Santo Inácio:
"Considera a guerra que Jesus Cristo veio trazer do Céu à Terra". A
palavra choca, porque as pessoas estão acostumadas à idéia de que Nosso Senhor
Jesus Cristo veio trazer a paz, e ele com toda naturalidade começa a meditação
dizendo: "Considera a guerra que Jesus Cristo veio trazer do Céu à
Terra". Como isto é diferente desse pacifismo choco contemporâneo! Que
meditação, por exemplo, para uma noite de Natal: Nosso Senhor Jesus Cristo
aparece na Terra, veio como um guerreiro trazer a guerra!
E a citação que está ao pé da página é
impecável. "Non veni pacem mittere,
sed gladium" (Mat. 10, 34) - Não vim trazer a paz, mas a espada. É o
que Nosso Senhor disse de Si mesmo. Portanto, não há por onde escapar. Pois, se
não veio trazer a paz, mas a espada, veio trazer foi a guerra à Terra. E a
meditação começa, com uma naturalidade toda inaciana, tomando isso logo de
roldão, como pressuposto, e começa logo com a declaração de guerra: "Jesus
Cristo veio trazer a guerra à Terra".
Nosso Senhor, Rei dos
reis e Senhor dos senhores
Continua Santo Inácio: "E primeiramente
representa diante de ti a nosso Redentor com semblante dum Rei de suma
majestade, potentíssimo, sapientíssimo, amorosíssimo para com os seus e
disposto a carregar os seus súditos, não de tributos, mas de benefícios, e não
a enriquecer-se com seus bens, mas a fazer-se pobre para os enriquecer a eles;
dotado de todas as prerrogativas naturais e divinas para governar, sendo ele
ainda, pela sua santíssima humanidade, Rei dos reis e Senhor dos
senhores".
Só aqui já caberia toda uma meditação, de tal
maneira este texto é denso. Mas, de dentro dele, tirarei alguns elementos.
Santo Inácio tem diante de si os reis do seu
tempo, que convocam soldados para a guerra, e imagina Nosso Senhor Jesus Cristo
como um Rei. Esta comparação é verdadeira? Quando Pôncio Pilatos perguntou a
Nosso Senhor Jesus Cristo se Ele era Rei, a resposta foi:
"Verdadeiramente, Eu sou Rei"; e por isso a Igreja instituiu a festa
de Cristo-Rei. Além do mais, está escrito de Nosso Senhor no Apocalipse o
seguinte: "Rex regnum et Dominus dominantium - Rei dos reis e Senhor dos
senhores”. Ele é portanto o Sumo; Ele é o Supra-Sumo. Se há alguém que seja
Rei. Este é Nosso Senhor Jesus Cristo.
Santo Inácio quer, portanto, que nós
imaginemos a Nosso Senhor Jesus Cristo como Rei. Mas, ao fazermos isto, devemos
entrar com algo de nossa imaginação. Não se trata simplesmente de um imaginar
assim no ar, mas compor diante de nós a figura de Cristo como Rei.
Para terem um pouco idéia do que isto seja,
coloquem diante de si, em mente, a verdadeira imagem de Nosso Senhor Jesus
Cristo, que é o Santo Sudário de Turim. Imaginem aquela fisionomia, posta no
Seu esplendor e na Sua glória, e não morta, na rejeição do crime que contra Ela
foi praticado. Imaginem aquela Cabeça cingida na fronte por uma coroa com as
pedras mais resplandecentes. Tomem em consideração Nosso Senhor Jesus Cristo
investido, como diz Santo Inácio, de todas as qualidades de um rei: suma
majestade, potentíssimo, amorosíssimo para com os seus - uma verdadeira teoria
da realeza.
Nosso Senhor, Rei
sumamente majestoso
O que quer dizer "majestoso"? Quer
dizer, propriamente, que ele é mais do que todos, e que perto d’Ele todo mundo
se sente pequenino. Quando Ele desceu do Monte Tabor, as pessoas que com Ele se
encontravam gritavam de medo diante de Sua majestade. Naquele local Ele apareceu
tão refulgente, tão majestoso, que os Apóstolos quase não conseguiram fitá-lo,
tal o esplendor que tinha.
Outra manifestação de Sua majestade foi no
Horto das Oliveiras, quando perguntaram-lhe se era Jesus de Nazaré, e Ele
simplesmente respondeu: "Ego sum!
- Eu sou!”. E todos que foram prendê-lo caíram no chão, com a face em terra.
Quando resolveu manifestar num momento apenas a própria majestade, esta
manifestação foi tal que os homens, que estavam ali com paus, com varas e
outras coisas para prendê-Lo, caíram com a face no chão. Pode-se por aí ter
alguma idéia da majestade de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Tomem as figuras majestosas que houve na
História. Carlos Magno, por exemplo, o Imperador do Ocidente, sumamente
majestoso. Mas, perto de Nosso Senhor Jesus Cristo, Carlos Magno não era nada,
tal a majestade e grandeza de Nosso Senhor.
Imaginem portanto Nosso Senhor cingindo a
coroa, e apresentando-se diante de nós com esse tríplice atributo:
potentíssimo, sapientíssimo, amorosíssimo.
Nosso Senhor, Rei potentíssimo
Ser poderosíssimo é um atributo da majestade:
Ele pode tudo. Quem pode ressuscitar a Si mesmo, pode tudo. Foi Ele quem criou
o Céu e a Terra. Ele, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade feito Homem.
Portanto Deus; portanto onipotente.
Pode-se imaginar a majestade dEle no momento
em que disse "fiat lux". Só
isto! Pode-se imaginar a majestade dEle no momento em que pairava com o
Espírito Santo sobre as águas, e era tudo desordem. Ele é o ordenador de todas
as coisas, e tudo que está no mundo em ordem foi Ele quem pôs assim.
Quem tem um poder longinquamente comparável
ao dEle? Um rei terreno? Já nem falemos de reis terrenos. Um desses miseráveis
tiranos terrenos, com suas leizinhas, suas policiazinhas, seus grandes crimes,
o que são em comparação com Aquele que tudo fez, que deu origem à primeira luz,
e que infundiu a ordem nas entranhas mesmas das coisas? Ninguém é como Ele, nem
de longe!
Nosso Senhor, Rei
sapientíssimo
Além de potentíssimo, Ele é sapientíssimo.
Ele sabe tudo, pois fez tudo. Ele sabe muito mais do que aquilo que fez: Ele
sabe o que é. Quem sabe o que é, sabe tudo.
Ser sábio não é apenas saber, mas conhecer a
ordem das coisas e querê-las em tal ordem. Ele, sumo critério, suma ordem no
espírito, é suma disposição de tudo de acordo com o que compete, com o que
convém. Ele é, portanto, suma Sabedoria.
Ele não apenas sabe tudo, mas seus desígnios
são os melhores possíveis; os meios que usa, os mais perfeitos. Reis, os mais
capazes, não são nada em comparação com Ele; generais, os mais extraordinários,
são uns incompetentes em relação a Ele, em relação ao que Ele faria se quisesse
dirigir uma batalha; sábios, os mais extraordinários, são uns analfabetos em
relação ao que Ele pode dizer a respeito de qualquer coisa.
Imaginem tudo isso coincidindo numa só
figura: é Nosso Senhor Jesus Cristo, a figura sem comparação na História.
Numa revista histórica laica, li o seguinte
pensamento que me chamou muito a atenção: "Grandeza, grandeza... Alguns
são aclamados, outros até carregados. Diante de nenhum homem se ajoelha: esse
único é Nosso Senhor Jesus Cristo". E é verdade. Quem tem a glória de
Nosso Senhor Jesus Cristo? Ninguém, nem de longe, tem uma glória como a dEle.
Nosso Senhor, Rei
amorosíssimo para com os seus
O terceiro atributo: amorosíssimo. Este Rei,
que é terrível para os adversários, infinitamente terrível para os adversários,
para com os Seus é infinitamente amoroso. Quer dizer, é um rei cheio de bondade
que, apesar de tanta grandeza, olha-nos com complacência, com afabilidade.
Nosso Senhor, Rei
disposto a carregar seus súditos, não de tributos, mas de benefícios
E aqui vem uma comparação com os reis da
Terra; uma comparação implícita, mas quão mais severa se fosse para com os
déspotas do século XX: Ele está disposto a sobrecarregar Seus súditos, não com
impostos, mas com benefícios. Em todas as épocas, os súditos gemem por causa
dos impostos que os governos lançam. Ele não é um Rei que vem para cobrar
impostos; é um Rei que vem para encher de benefícios, e não para enriquecer-se
com os bens dos súditos.
Os reis, naquele tempo de finanças ainda
pouco organizadas, quando viajavam, viviam por conta dos habitantes dos lugares
por onde passavam. E estes tinham que oferecer o que de melhor possuíam, para
mantê-lo. De maneira que o habitante não muito enlevável tinha pânico de
receber a visita do Rei: o melhor vinho, as melhores roupas de cama, as
melhores ovelhas, os melhores perus, iam todos para o rei. Nosso Senhor Jesus
Cristo, não. Ele não veio para se enriquecer com o que é dos súditos, mas veio
para dar.
Nosso Senhor, Rei
dotado de todas as prerrogativas para governar
Vejam neste trecho o contraste e a perfeição
desse Rei: "Dotado de todas as prerrogativas naturais e divinas para
governar, sendo Ele ainda, pela sua santíssima humanidade, Rei dos reis e
Senhor dos senhores".
E uma espécie de conclusão: quem tem tudo
isto, quem está dotado destas e de todas as prerrogativas para governar, é um
rei perfeito.
Aqui está a introdução, o primeiro
ponto da consideração. Mas, para bom efeito, deveríamos imaginar diante dos
olhos alguma figura que nos tocou mais especialmente: ou o Santo Sudário de
Turim, ou aquela imagem francesa que a mim me toca muito, "Le Beau Dieu d'Amiens" - o Belo
Deus de Amiens, estátua de Nosso Senhor Jesus Cristo que fica do lado esquerdo
da fachada da Catedral de Amiens. Como imagem, para meu gosto, é a mais bela de
Nosso Senhor que já se fez.
Nosso Senhor quer
guerra contra nossos inimigos
Agora, o segundo ponto: "Considera,
pois, que Ele, convocando todos os homens, e a ti entre eles, declara que a sua
resolução é fazer guerra aos seus e nossos inimigos: mundo, demônio e
carne".
Imaginem, por exemplo, Nosso Senhor Jesus
Cristo realmente presente como está na Eucaristia, mas de modo vivo, de modo
sensível, a nos dizer: "Há certos inimigos que são inimigos meus: o mundo,
o demônio e a carne. Não são apenas meus, mas de cada um de vós, porque querem
vos arrancar o Céu e jogar-vos no inferno. Venho vos propor: façamos guerra a
esses nossos inimigos".
Notem a diferença entre a conduta dEle e a
dos governos terrenos. Esses últimos convocam para a guerra contra o inimigo do
Governo - no tempo dele o inimigo do Rei - que às vezes podia não ser inimigo
dos particulares. Para dar um exemplo, os inimigos contra os quais Hitler se
atirou não eram nem um pouco inimigos dos alemães; eram pessoas que ele atacava
para satisfazer à sua megalomania. Nosso Senhor Jesus Cristo, não: leva-nos ao
ataque contra nossos piores inimigos, que nos querem o pior dos males - no caso
concreto, o comunismo e o progressismo.
Nosso Senhor Jesus Cristo aparece em toda Sua
perfeição, e nos diz: "Aqui está o comunismo, aqui está o progressismo:
convido-vos à guerra contra esses inimigos".
Mas Nosso Senhor
impõe condições
Que vá
à frente da luta
- Para tal guerra, Ele põe como condição que, embora seja Rei, Ele vá à frente
da batalha. Os reis terrenos mandam os outros combaterem na frente. É muito
difícil ouvir-se falar de um chefe de Estado - coroado ou não coroado - que
tenha morrido na guerra. Eles dizem: "Marchemos ... e ide!" Quer
dizer, ficam para trás. Já Nosso Senhor Jesus Cristo vai na frente (veremos
adiante como é este ir na frente).
Que
sofra Ele os maiores incômodos da guerra - Santo Inácio continua: "... e há de
ser o primeiro nos incômodos da guerra". Os chefes de Estado, na guerra,
ficam em tendas muito boas (e deve ser assim), são muito bem servidos, etc.
Nosso Senhor Jesus Cristo, não: leva o pior da guerra consigo.
Que o
prêmio seja para os soldados - "... o primeiro nos riscos do
combate, o primeiro em receber as feridas; e que, depois da vitória, o prêmio
há de ser todo dos seus soldados". Ele toma o prêmio e o distribui aos
soldados; o que, positivamente, não é o hábito dos governos. É um Rei tão majestoso,
mas também tão bom, que vai como bom pastor na frente da luta, defendendo suas
ovelhas. Ele simplesmente convida as ovelhas para a luta.
Aplicação aos dias de
hoje
Como isto se aplica na luta contra o
progressismo? Como se aplica na luta contra o comunismo?
No caso do progressismo, Nosso Senhor nos
mostra esse inimigo que tenta arrastar-nos para a heresia; e, com a heresia,
para a morte de nossa alma (porque assim caímos em pecado mortal, e portanto
nossa alma estará morta). Ele quer tomar a dianteira nessa guerra contra o
progressismo, quer arcar com todos os esforços. O prêmio será nosso, porque, se
vencermos o progressismo, seremos nós os que receberemos o prêmio.
No caso do comunismo, da mesma forma. Ele vai
à frente, arrisca-Se de todos os modos (veremos adiante, também, qual é esse
risco), mas o prêmio será nosso. O comunismo é nosso terrível inimigo. Vejam o
que ele está fazendo na Rússia. A Rússia vive do trigo que fornecemos, conforme
está em todos os jornais, até em jornais comunistas. Isto porque o regime
depaupera as finanças, atira a miséria de todos os lados. Mais ainda: perde as
almas pela imoralidade intrínseca dele, pelo caráter ateu dele.
Nosso Senhor diz então: "Vou tomar a
dianteira nesta luta contra o comunismo. Quereis ir? Vou tomar a iniciativa da
luta contra o progressismo. Quereis ir?" Imaginem, portanto, Nosso Senhor
Jesus Cristo dirigindo-nos diretamente estas palavras. Qual de nós ousaria
dizer "Não"? Qual de nós deixaria de ficar deslumbrado?
Esse convite não é um convite imaginário, ele
é real. Isto porque é nosso dever combater o comunismo, e Nosso Senhor Jesus
Cristo a todo momento nos convida para o cumprimento do dever. De maneira que é
um convite verdadeiro, não é imaginação. Apenas o que há é que não O vemos, mas
todo o resto é verdadeiro. Falta-nos apenas vê-Lo com nossos olhos, porque, de
resto, é a realidade da situação na qual estamos.
A dianteira, já a
tomaram Nosso Senhor e os santos
Continua a meditação: "Cumpriu este
divino Rei exatamente esta lei, em todo o tempo da sua vida e na sua morte,
vivendo sempre e morrendo com suma pobreza, terribilíssimas dores, gravíssimos
desprezos e ignomínias. Seguiram-no depois inumeráveis almas que, imitando os
seus divinos exemplos, combateram valorosamente contra os sobreditos inimigos;
e agora, com o mesmo seu Rei e Senhor, triunfam no Céu".
O plano no qual Santo Inácio se coloca aqui é
grandioso: o demônio, o mundo e a carne são os mesmos em todos os tempos, e
geram todas as heresias ao longo dos séculos. A raiz é a mesma, e a luta é
também do mesmo Deus contra os mesmos fatores.
Pois Nosso Senhor Jesus Cristo veio à Terra,
e aqui teve a vitória fundamental. Resgatou o gênero humano com Seu sangue e
deu aos homens, pela graça que obteve, luz para conhecer a Fé e força para
praticar a virtude. Tal foi conseguido porque Ele morreu na Cruz. Se não
houvesse morrido, não teríamos luz intelectual para ter a Fé católica, nem
força para praticar a virtude.
De maneira que todas as pancadas que o
demônio, o mundo e a carne receberam depois de Nosso Senhor, e receberão até o
fim do mundo, receberam e receberão porque esse Rei caminhou na frente de
todos. Ele apresentou-se antes de todos, morreu por todos e deu todo Seu sangue
por todos nós, até o resto de água e sangue. Os atos de virtude praticados
antes de Cristo, os homens receberam graças para os praticar na previsão de Sua
morte. Quer dizer, todo o bem que se fez e se fará no mundo até o fim, fez-se
ou se fará porque Ele veio à Terra, encarnou e morreu. Toda essa luta não é
senão um desdobramento da luta dEle, é pelo mérito do Seu sangue que estamos
hoje lutando.
Trata-se portanto de um ato de suma
generosidade desse Rei. É o Rei perfeito, que, entrando na arena e dando
inteira Sua vida, lutou, estrangulou e liquidou o adversário. Deu ele a
doutrina perfeita, por onde se repelem todos os males e todos os erros; fundou
a Igreja perfeita, e deu-Lhe autoridade, muniu de poderes esta mesma Igreja.
Surgiram então legiões de homens, de santos, que em todas as épocas lutaram
contra o demônio, o mundo e a carne, e que no Céu recebem o prêmio.
Resta-nos agora
cumprir a parte que nos toca
A Sua pergunta para nós é: "Quereis
continuar a batalha? Quereis ser o elo entre os batalhadores dos antigos tempos
e os batalhadores dos tempos futuros? Quereis ser esse elo de ouro? Aqui está o
caminho que vos espera: quereis lutar contra os inimigos da Igreja?"
Aqui paro um pouco, e pergunto quem tem a
coragem de dizer "Não quero!". Porque, se nos colocamos diante desses
raciocínios, fica tão absurdo dizer "Não quero!". É uma tal
contradição, uma tal covardia, que não se sabe o que dizer. E a única resposta
possível é: "Senhor, eu quero! Dai-me forças". É uma lógica
claríssima. Se a Fé Católica é verdadeira, o indivíduo tem que ser um lutador
por ela, e lutador desinteressado, ardoroso, como o foi Nosso Senhor Jesus
Cristo.
O "Exercício" continua assim por
quatro, cinco ou seis páginas, com pontos igualmente substanciosos. Neste
ponto, pergunto-me se já não é matéria demais, se não lhes encho um pouco
demais a cabeça, dando tantas coisas juntas.
Por que os "Exercícios" contêm
tanta matéria? Porque visam persuadir absolutamente. É por causa disso que
Santo Inácio dá uma cascata de argumentos, e quer que o retirante beba toda
essa cascata. Às vezes não pode beber de um gole só. Um homem do tempo dele
fazia disso, e de tudo quanto ainda vem, uma só meditação. Não sei se para nós
a taça não é um pouco maior do que a nossa capacidade de engolir. Eu creio bem
que sim, e por esta razão dou uma espécie de epílogo, de aplicação prática.
( Conferência
(Santo do Dia), 1° de setembro de 1973 - A seguir, Dr. Plínio faz
algumas colocações práticas a seus filhos espirituais, as quais deixamos de
transcrever por conter situações peculiares e muito íntimas de seu grupo de
amigos)
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