Fala-se das Cruzadas como um movimento
guerreiro, com o objetivo de libertar os Lugares Santos, o Santo Sepulcro, em
Jerusalém, mas geralmente compostas apenas de homens, de cavaleiros e soldados.
No entanto, a presença feminina nas Cruzadas também é um fato notório.
Muitas mulheres participaram delas,
algumas até mesmo envergando a cota de malhas, o capacete e a espada. A
maioria, entretanto, apenas auxiliava os guerreiros cristãos em combate,
compondo o grosso das tropas de retaguarda juntamente com os carregadores, os
enfermeiros, os cozinheiros, etc. Algumas seguiram corajosamente o marido, como
as esposas dos normandos da Sicília ou a do duque de Wolfe da Baviera. Outras
apenas levavam água para os soldados e os encorajavam para a luta.
Era comum constar entre os
carregamentos da equipagem dos que partiam alguns baús cheios de roupas e
adereços femininos, carregados ao lado dos utensílios e instrumentos de guerra.
Quando os Cruzados acampavam, sempre reservavam um lugar separado com dignidade
para que as damas se isolassem da soldadesca e dos Cavaleiros e pudessem se
sentir mais à vontade. Nos momentos da guerra, porém, elas eram chamadas a
participar ativamente dos combates, mesmo que não soubessem manejar alguma arma
ou máquina de assalto.
Pelos relatos vê-se que não era pequena
a importância das mulheres entre os guerreiros ou nobres medievais. Algumas se
destacavam também como pessoas eruditas, como foi o caso de Ana Comnena, filha
do imperador de Constantinopla, Aleixo. Lia filósofos como Aristóteles e
estudava teologia, medicina e matemática. Escreveu um livro,
"Aleixíada", uma espécie de panegírico dos feitos de seu pai e onde
constam muitas informações sobre as Cruzadas.
Haviam outras mulheres que eram capazes
de feitos varonis. A normanda Sichelgaite esposa de Roberto Guiscarde armava-se
como um soldado e lutava com bravura, sendo capaz até mesmo de ir em busca dos
desertores e trazê-los de volta para o combate. Outra foi Florina, filha do
duque Eudes I de Borgonha, que teria combatido ao lado de Suenon, filho do rei
da Dinamarca. Ela e Suenon eram noivos e haviam prometido casar-se em
Jerusalém, porém foram mortos a flechadas antes de chegarem a seu destino. Dentre aquelas que "atiram com arco e
manejam as manganelas" havia uma citada pelo cronista árabe Beha-ed-Din
como a "mulher de manto verde". Conta o referido cronista que esta
mulher, durante o sítio de Acre (a 3 de julho de 1191), não cessava de
arremessar flechas que atingiam vários inimigos. Também o mesmo cronista cita
uma outra que no cerco do castelo de Burzey, de Saladino, usou a manganela com
tal habilidade que deixou fora de combate vários engenhos de atirar pedras.
Havia ainda aquelas que ajudavam os
homens nas obras dos fossos, cavando ou carregando pedras. Na expedição do rei
Ricardo Coração de Leão havia uma destas mulheres, muito agitada em seu
trabalho, que foi morta por uma flechada no peito. Foi socorrida pelo seu
marido, que estava a seu lado, mas não resistiu ao ferimento.
Uma das grandes qualidades que o
Cristianismo insculpira nos corações destas mulheres era a fidelidade,
principalmente aos princípios cristãos.
Uma delas foi Adélia, condessa de Blois e de Chartres, filha do famoso
Guilherme, o Conquistador. Seu esposo,
Estêvão, partiu para a Cruzada mas ela teve que ficar para administrar o imenso
domínio de seus condados. Letrada, até mesmo erudita, Adélia tinha em seu
círculo grande número de poetas, como Baudri de Bourgueil, ou bispos eruditos
como Ivo de Chartres. Já seu esposo era menos letrado e suas cartas da Cruzada
eram ditadas por ele para que um clérigo as escrevesse. Sua última carta lhe
contava muitos feitos heróicos e vitórias. Porém no cerco de Antióquia (quando
os cristãos já eram donos da cidade) o conde de Blois cometeu uma fraqueza:
fugindo do cerco foi ao encontro de Aleixo, o imperador bizantino, a fim de
convencê-lo de que não adiantava mandar reforços para os sitiados, que morriam
à míngua a estavam prestes a se entregar. Se o rei bizantino tivesse ido em
socorro dos cristãos a história teria sido outra. Mas tanto insistiu o conde de
Blois que Aleixo desistiu. No entanto, mesmo sem esta ajuda, milagrosamente os
cristãos romperam o cerco, e a atitude do conde de Blois foi censurada por
todos pois revelava grande falta de confiança na Providência Divina que os
amparava.
Quando Estêvão de Blois voltou para a
França, encontrou uma esposa cheia de reclamações por ter cometido um ato
indigno. As recriminações eram constantes e duras, ao lado da benigna acolhida
pela sua volta: "Deus não aprova, meu caro senhor, que sofras a reprovação
com que as pessoas te acabrunham. Lembra-te do ardor que te tornou famoso em
tua juventude e volta às armas do louvável exército para a salvação de milhares
de pessoas, para que brote a grande exultação dos cristãos em todo o universo
e, para os pagãos, o temor e a vergonha de suas leis celeradas". Após
vários dias de censuras, finalmente o conde resolveu tomar a estrada de volta
com outros milhares de francos e foi novamente combater pelo Santo Sepulcro,
agora já liberto em Jerusalém mas rodeado de ferozes inimigos, onde terminou
seus dias em memorável batalha.
Um dos raros exemplos de fidelidade
conjugal foi dado, porém, por Ana de Lorena, o qual se encontra imortalizado
numa escultura existente na igreja franciscana em Nancy, França. Seu esposo,
Hugo I de Vaudemonte, foi mantido prisioneiro por 16 anos na Terra Santa. O
escultor procurou representar na pedra bruta a cena da volta: o Cruzado, todo
estropiado, esfarrapado, é abraçado por sua esposa que, atormentada por todos
para se casar porque o acreditavam morto, recusou-se a isso com obstinação
porque não tinha certeza de seu falecimento. Esta cena revela apenas o que era
comum naqueles tempos em que os esposos mantinham sua fidelidade até à morte,
pois tinham assumido um compromisso perante Deus e não poderiam rompê-lo por
nada neste mundo.
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